quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Rubem Braga (Ele se chama Pirapora)

Chama-se Pirapora, o meu corrupião; eu o trouxe lá da  beira  do São Francisco, muito feio, descolorido e sem cauda. Consegui uma licença escrita para poder conduzi-lo; apesar disso houve um chato da companhia aérea que implicou com ele na baldeação em Belo Horizonte. Queria  que ele viesse no compartimento de bagagens,  onde  certamente  morreria  de frio ou de tédio. Houve muita discussão, da qual Pirapora se aproveitou para  conquistar a amizade de um negro carregador, limpando-lhe carinhosamente a unha com o  bico. Encantado com o passarinho, esse carregador me ajudou a ludibriar o exigente funcionário, e fizemos boa viagem.

A princípio eu me preocupava em saber o que o bicho comia.  Hoje me pergunto o que  ele  não  come. Carne de vaca; verduras, tomate, laranja, goiaba, miolo de pão, mamão, sementes, gema de ovo, palito de fósforos e revistas ilustradas, praticamente tudo ele come. É mesmo um pouco antropófago, porque devora qualquer pedacinho de pele da mão da gente  que  descobre.

Os alimentos mais secos ele os põe n’água e faz uma espécie de sopinha fria. Come e descome com uma velocidade terrível; tem um metabolismo alucinado, mas respeita rigorosamente a limpeza do canudo de palha em que mora. Adora tudo o que brilha, pedras preciosas ou metais, e fica bicando essas coisas com uma teimosia insensata, como a lamentar que não sejam comestíveis. Passa horas brincando com um  pedaço  de  barbante, mas isso parece que lhe faz um pouco mal aos nervos. Peço às damas visitantes que retirem os anéis quando se aproximam da gaiola.

Agora ele está de rabo comprido, penas negras lustrosas e penas alaranjadas vibrantes de cor. Está realmente bonito, voa um pouco pela casa todo dia e toma banho duas vezes ao dia. Enfim, tenho todos os motivos para me orgulhar de meu corrupião; e devia estar contente.

Mas a verdade é muito outra. Há um pequeno drama de família; estamos de mal.

Conheço muitas histórias de corrupião; corrupião que assobia o Hino Nacional; corrupião que só gosta de mulher, não tolera homem; corrupião que quando o dono da casa chega ele assobia até que abram a gaiola e ele pouse no ombro do homem; corrupião que passeia pelo bairro inteiro e volta para casa ao escurecer, etc.

O meu, não. Talvez a culpa seja minha, que o educo mal. Sei como deveria proceder com ele: movimentos sempre lentos, chantagem na base do miolo de pão, não lhe dando comida demais para que ele venha comer na mão; certa mistura de disciplina e carinho, sistema de prêmios e castigos. Enfim, aquele negócio dos reflexos condicionados.

Ele já estava bastante meu amigo quando cometi o primeiro erro; e ele reagiu. Afastava-se de mim; se eu aproximava o dedo, ele o bicava com força. Despeitado com esse tratamento, eu devo ter sido um pouco brusco. Um dia em que ele não queria de jeito nenhum sair da gaiola eu o agarrei e o trouxe para fora à força. Não gostou.

O pior é que tomei gosto em irritá-lo. Estalo os dedos sobre sua cabeça, o que o faz emitir estranhos grunhidos, enchendo o papo de vento, esticando o pescoço e dando grandes assobios; fica parecendo um galo de briga; uma gracinha. Mas com essas provocações ele foi, devagar, devagarinho, criando um certo ódio de mim.

Não, ainda não será ódio. De outras vezes ele já levou um dia inteiro, até dois, sem me dirigir a palavra e mesmo sem me olhar; mas logo o rancor sumiu de sua alminha leve, e voltamos às boas. Desta vez ele está há quatro dias completamente hostil, e minha  presença o incomoda visivelmente. Por acinte trata bem qualquer pessoa estranha, o rufião. Mas creio que sua amizade é um bem ainda recuperável.

O pior é que eu digo essas coisas assim, mas  no  fundo  sou  um pouco rancoroso, e estou criando uma certa mágoa desse bicho ingrato que eu trouxe da roça para a Capital da República, até cheguei a ir à feira só para comprar comidinhas melhores para ele, dei  gaiola grande e bonita, uma vez gastei oitenta cruzeiros de táxi só para vir em casa livrá-lo de uma chuva súbita. Não, não sei se ainda lhe tenho a mesma estima. Nosso último incidente foi há três dias, e ele ainda  hoje à tarde me tratou com uma antipatia suprema e ainda por cima se desmanchou em graças e carinhos com o boy que veio buscar a crônica.

Acho que vou dar esse corrupião - ou despedir esse boy.

Fonte:
Rubem Braga. Ai de ti, Copacabana. Publicado em 1960.

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Daniel Maurício (Poética) 12



 

Cláudio de Cápua (O Mundo Literário em Preto & Branco) Hernâni Donato


 Em 1970, num lançamento de livro, na Livraria Teixeira, tive a satisfação de conhecer um dos grandes intelectuais do Brasil, Hernâni Donato.

Embora escritor consagrado, era ele um homem sem vaidades. Nossa amizade firmou-se graças a já ter eu lido alguns de seus livros.

Hernâni escreveu mais de 60 obras abrangendo literatura, história, folclore, além de inúmeras traduções. Dedicou-se também à literatura infantil e juvenil. Três destes livros resultaram em filmes. Vários outros trabalhos inspiraram teses de mestrado e doutorado e peças teatrais. O romance "Chão Bruto" chegou à décima edição.

Outro romance foi "Selva Trágica", que teve edição especial de 64 mil exemplares e dele foram feitas duas versões cinematográficas.

Tradutor consagrado, verteu para o português "A Divina Comédia" e "Monarquia", de Dante Alighieri.

No campo da História, o "Dicionário das Batalhas Brasileiras" de sua autoria, em quatro meses recebeu quatro prêmios, elegendo-o para o Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e Academia de História Militar Terrestre do Brasil. Hernâni Donato foi presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo em duas gestões e também presidente da Academia Paulista de Letras.

Todos os seus livros possuem diversas edições. Hernâni sempre contou com o apoio de sua esposa e musa, Nelly, incentivadora e revisora dos seus trabalhos.

Este paulista de Botucatu faleceu em São Paulo, na data de 22 de novembro de 2012.

Durante os doze anos em que editei a Revista Santos – Arte e Cultura, Hernâni Donato foi assíduo colaborador de que muito me orgulho assim como de outra afinidade: nós dois éramos aviadores, tendo sido ele instrutor do Aeroclube de São Paulo (Capital).

Fonte:
Cláudio de Cápua. Retrovisor: crônicas. 1.ed. Santos/SP: Publicação Mônica Petroni Mathias, 2021.
Livro enviado pelo escritor.

Chico Anysio (Excesso de provas)

— Trim... Trim... Trim...

Por mais que ele insistisse, a porta do 604 não se abria. E há muito tempo que ele ali estava a apertar a campainha que, estranhamente, ainda não se tinha quebrado.

— Trim... Trimmmm...

Fazia uma pausa, tentando adivinhar, com o ouvido colado à porta, algum movimento lá por dentro e, após perceber que mais este toque tinha sido em vão, voltava a calcar o dedo na campainha, com crescente violência.

— Trimmmmm... Trimmmmm... Trimmmmmmmni...

Tinha a barba por fazer, os cabelos despenteados. A maleta ao lado mostrava que voltava de uma viagem. Isto igualmente insinuava a gravata afrouxada no colarinho, deixando aparecer, junto ao pescoço, os fios longos do cabelo do peito.

— Trim... trim...

Abriam-se, vez por outra, as portas de serviço do 601 e do 602, de onde surgiam caras de empregadas e patroas, incomodadas pelo irritante grito da campainha que, realmente, passava demais da conta.

E, ao toque inútil, não poucas vezes juntou socos — inicialmente discretos, na porta, além de pancadas com o pé. Primeiro de bico, depois com o calcanhar, por comodismo e dor nos dedos.

O elevador parou no sexto andar, e a porta abriu-se. O homem voltou-se na esperança de que do elevador saísse... Não era. Era Normandes, roupa de praia, esteira enrolada sob o braço, óculos escuros no alto da cabeça, sandálias japonesas.

O homem esqueceu Normandes e voltou à campainha.

— Trimmm… — era só o que a campainha dizia ao ser acionada.

— Acho que ela não está. — disse Normandes ao passar pelo homem, enquanto seguia e entrava no 603, seu apartamento.

O homem da campainha acompanhou Normandes com o olhar até o momento em que a porta do 603 fechou-se, tirando Normandes da sua vista. Então, ele abandonou a campainha do 604 e tocou a do 603. O próprio Normandes abriu.

— Pois não.

— Eu sou... — e apontou a porta do 604, identificando-se como o cara a quem Normandes acabara de falar.

— Sim, eu sei.

— O senhor, quando passou, disse que ela saiu.

— Não! — corrigiu Normandes. — Eu disse "acho" que ela saiu.

Era patente que Normandes queria tirar o corpo de qualquer mal-entendido, razão pela qual frisara o acho.

— Ah! — fez o homem, num desalento muito grande, enquanto lançava um olhar triste em direção à porta fechada do 604.

Normandes o observou, enquanto ele observava a porta. Na sala, o cuco saiu, avisando que passava meia hora de uma hora.

— Imagino é que esteja em casa e não queira abrir a porta. — aventou o desconhecido.

— Não acredito. Ela deve estar fora mesmo.

— É... Deve ter saído.

— Pois é. — pensou finalizar Normandes.

— Posso esperar por ela aqui?

— Bem...

Normandes morava só e, por ter que tomar banho e sair para almoçar (aos domingos não tinha empregada), não achou lá muito indicado que concordasse com a presença daquele desconhecido no seu apartamento, durante o tempo em que estivesse no chuveiro. O homem da campainha percebeu-lhe o pensamento.

— Eu sou o marido dela. — explicou, num esclarecimento que provocou certo espanto a Normandes.

— Marido? E o senhor esqueceu a chave?

— Não, é que… — o homem atrapalhou-se — é que o certo seria dizer "noivo".

— Entendo. — disse Normandes sem nada entender. — O senhor é noivo com direitos de marido, é isso?

— Mais ou menos. Eu, por mim, me considero mais noivo do que marido, apesar da verdade ser o oposto. É que nós dois, eu e ela, já há algum tempo...

Normandes não quis detalhes. Preferiu deixá-lo entrar. Mesmo porque as madames do 601 e 602 já fingiam esperar o elevador com os ouvidos estendidos à conversa dos dois. Normandes, por maldade, preferiu ouvir os detalhes sozinho.

O homem entrou, depositou a maleta junto ao sofá e estendeu a mão, apresentando-se.

— Ubaldino, muito prazer.

— Meu nome é Normandes. Sente-se, por favor.

Ele fez.

Normandes abriu a janela, e a luz entrou com força. Morava do lado do sol. O homem da campainha mudou de lugar no sofá. O sol o encandeava. Era preciso achar um modo de reatar a conversa, e isso era o que Normandes procurava. Ubaldino notou esta ansiedade e lhe ofereceu o prato pedido.

— Somos noivos oficialmente. Mas já... já... — procurou as palavras que pudessem explicar o que Normandes já sabia desde a soleira da porta.

— E está de chegada...? — instigou Normandes, enquanto servia Old Eight em dois copos onde se liam os nomes das doses (for ladies, for men, for horses. Serviu for horses).

Ubaldino misturou o gelo com o indicador e lá o deixou um pouco, tentando, assim adormecê-lo. Doía-lhe muito o dedo.

— Estou trabalhando em Vitória, — começou a explicar — e tenho recebido muitas cartas contando certas coisinhas da minha... minha… — hesitou mais do que o lógico — minha noiva.

— Diga "sua senhora" que eu entendo. — Normandes foi gentil.

— Obrigado. Sabe como é. Cartas contando fatos que são incontestáveis. Detalhes, horários. Até fotografias me mandam, o senhor acredita?

— Pode me chamar de você, Ubaldino.

— Você vai ver. — disse Ubaldino aceitando o oferecimento.

Tirou do bolso do paletó uma carteira e dela apanhou as fotos onde a noiva aparecia com um homem ao lado. As fotos não eram nítidas. Amadoristicamente colhidas. De longe, algumas delas. Mas o suficientemente claras para que Normandes reconhecesse sua vizinha do 604. Dava até para perceber algo mais.

— Estou notando, Ubaldino, é que o homem...

— Não é o mesmo. — reconheceu o noivo. — Percebe?

— Percebo. — murmurou Normandes muito atento no exame das fotos.

— É sempre um homem diferente — completou Ubaldino, chupando o dedo gelado e colocando o outro indicador no gelo. — Isso é muito pior, não acha? Se ela me tivesse trocado por outro, eu entenderia. Bolas! Deixou de gostar de mim, está gostando de Fulano ou de Sicrano, certo. Mas a variedade é insuportável.

— É. Pelas fotos, ela está gostando de Fulano, Sicrano, Beltrano, Zé, João... — Normandes foi perverso.

— Por isso é que eu digo. A variedade é constrangedora; é sem-vergonhice. Ou você não acha?

— Acho — concordou Normandes, enquanto devolvia as fotos ao homem, muito feliz por não se ter visto em nenhuma delas. — E o senhor, desculpe, e você veio ao Rio...

— Vim matá-la.

Normandes entendeu, mas quis que tivesse ouvido errado.

— Você disse... — pediu bis.

— Vim matá-la. Matá-la! — e fez um gesto com o indicador inchado, imitando o puxar de um gatilho e afastando o paletó para que Normandes visse o Taurus que trazia ao cinto.

Normandes nunca se imaginara nesta situação. Reabasteceu o copo do calculista criminoso, enquanto buscava um modo de contornar aquela situação.

— Mas qual a vantagem de matar?

— Nenhuma. Eu mato e depois vou preso. — falou o homem.

— E qual é o seu lucro? Que vantagem você leva nessa transa? Mata a moça e pega uma cadeia por dez ou doze anos, sei lá. Tem graça, isso?

— Você acha, então, que eu devo perdoar uma mulher que me faz isso?

Ao dizer isso, mostrava, abertas em leque, as várias fotografias.

— Não digo perdoar porque, no seu caso, eu não sei se perdoaria, mas, sei lá... esquecer. Deixa pra lá.

— Você, no meu lugar, deixaria pra lá?

— Acho que sim.

— Questão de temperamento. Eu admito que haja homens que perdoem, em situação igual. Há os homens como você que simplesmente deixam pra lá e não se fala mais nisso. Mas eu, Ubaldino Fragoso Batista, tenho outro temperamento — e arrumou o Taurus melhor.

— Tem razão! — concordou Normandes. -— Ninguém deve forçar a barra. Só que...

Escutaram nitidamente que era batida a porta do apartamento ao lado — o 604, o dela. Calaram-se automaticamente.

— É ela! — disse o homem, afastando o copo de uísque e segurando a maleta.

Normandes, lívido, não conseguiu articular uma frase. Ubaldino estendeu a mão numa despedida silenciosa. Normandes apertou-lhe a mão, com força de emoção. Ubaldino agradeceu o uísque, a hospitalidade e saiu.

À noite, quando passou de braços com ela, Ubaldino fingiu não ver Normandes que, na portaria, conversava com o zelador. Mas levava as orelhas muito vermelhas, o homem da campainha.

Fonte:
Chico Anysio. O Enterro do Anão. Publicado em 1973.

V Concurso deTrovas da UBT-São José dos Campos/SP (Trovas Premiadas)


VI Etapa do Projeto de Trovas Vida Melhor

Tema: Mudança


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 NOVOS TROVADORES
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 Prof. Francisco Maia
Caicó – RN

O tempo é carrasco mudo,
nessa nossa caminhada
faz as mudanças de tudo,
sem prestar contas de nada.
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Marciano Augusto Savino
Marataízes - ES

Se você propõe mudança
por mais radical que seja,
terá sempre uma esperança
de alcançar o que deseja.
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Marina Caraline de Almeida Carvalhal
Itaperuna – RJ

Se queres nova mudança,
desata todos os nós;
sem eles, há esperança
de uma conquista veloz.

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MENÇÃO HONROSA
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Lucy Almeida
Maceió - AL

Pouco a pouco, junto às tralhas,
empilhei todas lembranças
que a mudança fez migalhas,
dilacerando esperanças.
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Solange Colombara
São Paulo - SP

Um átimo de esperança
circunda um povo febril,
que aguarda boa mudança
nesta vida tão hostil.
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Rosângela Caron Bastos
Curitiba – PR

Nas voltas que a vida dava,
por constância, divididas...
A mudança que faltava,
enlaçava nossas vidas!
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Júlio Augusto Gurgel Alves
Aracoiaba – CE

Meias velhas e rasgadas
doadas sofrem mudanças.
No frio, são recicladas
em cobertor e esperança!
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Isabel Tereza Maia Mendes da Silva
Paulista - PE

O mundo gira constante
vou percebendo a mudança
nesse processo mutante,
Deus está na liderança.

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MENÇÃO ESPECIAL
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Olímpia Gonçalvez
Rio de Janeiro – RJ

É tudo tão seco, ardendo,
mas chuva traz esperança.
Olho o campo renascendo...
Bem-vinda bela mudança!!!
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Júlia Fernandes Heimann
Jundiaí – SP

Nesta fase de mudança
peço a Deus, Nosso Senhor
que derrame aventurança
neste Brasil sofredor...

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VETERANOS
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Fernando Antônio Belino
Sete Lagoas – MG

Se sonhas mudar, a esmo,
este mundo, que te cansa,
muda primeiro a ti mesmo,
que será grande a mudança.
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Romilton Faria
Juiz de Fora – MG

Reflete… jamais te iludas,
põe, à frente, confiança;
entende que nada mudas,
sem tua própria mudança...
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Renata Paccola
São Paulo – SP

O futuro é uma criança,
e o tornamos mais fecundo
fazendo em nós a mudança
que desejamos no mundo!

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MENÇÃO HONROSA
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Mário Moura Marinho
Sorriso - MT

A vida exige mudança,
pode esta ser um tropeço...
mas quem mantém a esperança
tem a luz do recomeço.
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Antônio Francisco Pereira
Belo Horizonte – MG

A criança quer crescer
e o tempo faz a mudança.
Depois, ao envelhecer,
volta a ser uma criança.
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Maria Madalena Ferreira
Magé - RJ

Seu corpo exibe a mudança,
e eu penso: "Graças a Deus!"
Mais um neto, outra criança
a alegrar os dias meus!
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Danusa Almeida
Campos dos Goytacazes – RJ

Toda fase dolorosa
traz mudança em uma vida;
e toda ajuda amorosa
cicatriza essa ferida!
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Edweine Loureiro da Silva
Saitama - Japão

Que os outros mudem? Por quê?
É mais sábio e sempre avança
quem primeiramente vê
em si mesmo tal mudança.

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MENÇÃO ESPECIAL
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1º  
Carolina Ramos
Santos – SP

A decisão que mais cansa,
e retarda a execução,
exige total mudança,
que oscila entre um SIM e um NÃO!
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Antonio Augusto de Assis
Maringá – PR

Há mudança no fazer
as coisas que fazem bem,
porém não muda o prazer
que a gente, ao fazê-las, tem.
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Mariângela Tavares
São Gonçalo – RJ

Sinto-me  desconhecida
por  já  não  ser  mais  criança.
Em  toda  fase  da  vida,
deparei-me  com  mudança.
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Wildman dos Santos Cestari
Ilhabela – SP

A prece da fé sincera
pelos anjos acolhida,
requer do crente que espera,
também, mudança de vida!
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Célia M. G. Mendonça de Melo
Juiz de Fora – MG

Mil lugares percorri
pelo mundo. Quanta andança!
Ao vê-la, não mais corri.
Por você, fiz a mudança.

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DESTAQUE
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Antonio Colavite Filho
Santos – SP

Na  mudança  combinada,
já  mudei  o  quanto  eu  pude...
Se não  mudas  quase  nada,
por  que  tu  queres  que  eu  mude?
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Maria Dulce de Lima Pessoa
Tabira – PE

Essa palavra "Mudança"
muitas vezes nos ilude,
por  saber que não se alcança
mudança sem atitude.
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Nadir Nogueira Giovanelli
São José dos Campos – SP

Ano  Novo,  um  recomeço,   
grande  chance   de  mudança,
é coragem,  não  tem  preço:
e,   muito  viva  a  esperança!
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Maria Luísa Bontorin Dipp
Curitiba – PR

A mudança te desperta:
-Coração vaga sozinho!
Acordaste...a porta aberta,
tens o início do caminho...
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Luzimagda de Martin Ramos da Fonseca
Juiz de Fora – MG

Para mim certas mudanças,
só fazem desmoronar
os projetos e esperanças...
Nosso modo de pensar.
 
Fonte:
MIFORI

Fernando Pessoa (Diário de Bernardo Soares) "3”

7.

Hoje, em um dos devaneios sem propósito nem dignidade que constituem grande parte da substância espiritual da minha vida, imaginei-me liberto para sempre da Rua dos Douradores, do patrão Vasques, do guarda-livros Moreira, dos empregados todos, do moço, do garoto e do gato. Senti em sonho a minha libertação, como se os mares do Sul me houvessem oferecido ilhas maravilhosas por descobrir. Seria então o repouso, a arte conseguida, o cumprimento intelectual do meu ser.

Mas de repente, e no próprio imaginar, que fazia num café no feriado modesto do meio-dia, uma impressão de desagrado me assaltou o sonho: senti que teria pena. Sim, digo-o como se o dissesse circunstancialmente: teria pena. O patrão Vasques, o guarda-livros Moreira, o caixa Borges, todos os bons rapazes, o garoto alegre que leva as cartas ao correio, o moço de todos os fretes, o gato meigo — tudo isso se tornou parte da minha vida; não poderia deixar tudo isso sem chorar, sem compreender que, por mal que me parecesse, era parte de mim que ficava com eles todos, que o separar-me deles era uma metade e semelhança da morte.

Aliás, se amanhã me apartasse deles todos, e despisse este traje da Rua dos Douradores, a que outra coisa me chegaria — porque a outra me haveria de chegar? De que outro traje me vestiria — porque de outro me haveria de vestir?

Todos temos o patrão Vasques, para uns visível, para outros invisível. Para mim chama-se realmente Vasques, e é um homem sadio, agradável, de vez em quando brusco mas sem lado de dentro, interesseiro mas no fundo justo, com uma justiça que falta a muitos grandes gênios e a muitas maravilhas humanas da civilização, direita e esquerda. Para outros será a vaidade, a ânsia de maior riqueza, a glória, a imortalidade… Prefiro o Vasques homem, meu patrão, que é mais tratável nas horas difíceis do que todos os patrões abstratos do mundo.

Considerando que eu ganhava pouco, disse-me outro dia um amigo, sócio de uma firma que é próspera por negócios com todo o Estado: “você é explorado, Soares”. Recordou-me isso de que o sou; mas como na vida temos todos que ser explorados, pergunto se valerá menos a pena ser explorado pelo Vasques das fazendas do que pela vaidade, pela glória, pelo despeito, pela inveja ou pelo impossível.

Há os que Deus mesmo explora, e são profetas e santos na vacuidade do mundo.

E recolho-me, como ao lar que os outros têm, à casa alheia, escritório amplo da Rua dos Douradores. Achego-me à minha secretária como a um baluarte contra a vida. Tenho ternura, ternura até às lágrimas, pelos meus livros de outros em que escrituro, pelo tinteiro velho de que me sirvo, pelas costas dobradas do Sérgio que faz guias de remessa um pouco para além de mim. Tenho amor a isto, talvez porque não tenha mais nada que amar — ou talvez, também, porque nada valha o amor de uma alma e, se temos por sentimento que o dar, tanto vale dá-lo ao pequeno aspecto do meu tinteiro como à grande indiferença das estrelas.

8.
O patrão Vasques. Tenho, muitas vezes, inexplicavelmente, a hipnose do patrão Vasques. Que me é esse homem, salvo o obstáculo ocasional de ser dono das minhas horas, num tempo diurno da minha vida? Trata-me bem, fala-me com amabilidade, salvo nos momentos bruscos de preocupação desconhecida em que não fala bem a alguém. Sim, mas por que me preocupa? É um símbolo? É uma razão? O que é?

O patrão Vasques. Lembro-me já dele no futuro com a saudade que sei que hei de ter então. Estarei sossegado numa casa pequena nos arredores de qualquer coisa, fruindo um sossego onde não farei a obra que não faço agora, e buscarei, para a continuar a não ter feito, desculpas diversas daquelas em que hoje me esquivo a mim. Ou estarei internado num asilo de mendicidade, feliz da derrota inteira, misturado com a ralé dos que se julgaram gênios e não foram mais que mendigos com sonhos, junto com a massa anônima dos que não tiveram poder para vencer nem renúncia larga para vencer do avesso. Seja onde estiver, recordarei com saudade o patrão Vasques, o escritório da Rua dos Douradores, e a monotonia da vida cotidiana será para mim como a recordação dos amores que me não foram advindos, ou dos triunfos que não haveriam de ser meus.

O patrão Vasques. Vejo de lá hoje, como o vejo hoje de aqui mesmo — estatura média, atarracado, grosseiro com limites e afeições, franco e astuto, brusco e afável — chefe, à parte o seu dinheiro, nas mãos cabeludas e lentas, com as veias marcadas como pequenos músculos coloridos, o pescoço cheio, mas não gordo, as faces coradas e ao mesmo tempo tensas, sob a barba escura sempre feita a horas. Vejo-o, vejo os seus gestos de vagar enérgico, os seus olhos a pensar para dentro coisas de fora, recebo a perturbação da sua ocasião em que lhe não agrado, e a minha alma alegra-se com o seu sorriso, um sorriso amplo e humano, como o aplauso de uma multidão.

Será, talvez, porque não tenho próximo de mim a figura de mais destaque do que o patrão Vasques que, muitas vezes, essa figura comum e até ordinária se me emaranha na inteligência e me distrai de mim. Creio que há símbolo. Creio ou quase creio que algures, em uma vida remota, este homem foi qualquer coisa na minha vida mais importante do que é hoje.

9.
Ah, compreendo! O patrão Vasques é a Vida. A Vida, monótona e necessária, mandante e desconhecida. Este homem banal representa a banalidade da Vida. Ele é tudo para mim, por fora, porque a Vida é tudo para mim por fora.

E, se o escritório da Rua dos Douradores representa para mim a vida, este meu segundo andar, onde moro, na mesma Rua dos Douradores, representa para mim a Arte. Sim, a Arte, que mora na mesma rua que a Vida, porém num lugar diferente, a Arte que alivia da vida sem aliviar de viver, que é tão monótona como a mesma vida, mas só em lugar diferente. Sim, esta Rua dos Douradores compreende para mim todo o sentido das coisas, a solução de todos os enigmas, salvo o existirem enigmas, que é o que não pode ter solução.

10.
E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para seguir outra coisa; uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende.

Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância — irmãos siameses que não estão pegados.
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Continua…

Fonte:
Fernando Pessoa. Livro do Desassossego. Disponível em Domínio Público.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Cláudio de Cápua (Falecimento domingo, 5 de dezembro de 2021)


Cláudio de Cápua, aviador, jornalista profissional. 51 anos especialista em jornalismo cultural, nas áreas de Artes Plásticas e Literatura, com publicações em diversos veículos de Comunicação da Pauliceia e Litoral paulista. Lato Sensu em História da Arte (Universidade Mackenzie), graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Santos.

O dia oito de março de 1945, marca a data do nascimento de Cláudio de Cápua, que é natural de São Paulo, e que em 1960 mudou-se para Araraquara, tendo mais tarde ingressado na Escola Superior de Agrimensura. Paralelamente aos estudos, Cláudio começou a colaborar no jornal semanário “A Cidade” onde respondia pela edição da “Coluna do Estudante”. A partir deste momento, Cláudio não parou mais de escrever. Escrever tornou-se a forma de comunicação marcante em sua existência. Foi escrevendo que Cláudio de Cápua passou a escrever em jornais paulistanos como a antiga “A Gazeta”, “Diário da Noite”, “A Tribuna Italiana”, “Diário Popular”; colaborou também na revista “Destaque”, de Santos, além de outras assim como ainda em cerca de 30 jornais de bairro, do interior de São Paulo e até de outros estados.

Em sua volta a São Paulo, Cláudio de Cápua teve de abandonar em definitivo os estudos de Agrimensura, uma vez que não existia este curso em nível superior na Capital. Foi nesta época que começou a conviver com poetas como Guilherme de Almeida, Paulo Bomfim, Judas Isgorogota. Bernardo Pedroso, Orlando Brito, Oswaldo de Barros, Antônio Lafayette, Plínio Salgado, Menotti Del Picchia, Laurindo de Brito, Ibrahim Nobre, só para mencionar os mais conhecidos. Para aperfeiçoar sua vocação natural e satisfazer seu desejo de ampliar os conhecimentos e adquirir um maior lastro profissional, Cláudio ingressou num curso de jornalismo. A partir daí, o jornalismo constituiu-se a base de todas as variadas atividades nas quais Cláudio de Cápua se envolveu e nas quais deixou sempre a marca de sua integridade e força de trabalho. Ainda no jornalismo, tornou-se professor de jornalismo eletrônico, na Universidade Mackenzie, na década de 80.

Cláudio de Cápua fez ainda algumas incursões pelas artes dramáticas, tendo participado como ator no filme “A Marcha” baseado no romance de Afonso Schmidt. Na televisão, foi ator coadjuvante na telenovela “Hospital” da extinta TV Tupi, isso em 1971, e na TV record trabalhou como assistente de produção de externas na telenovela “O Leopardo”.

Na década de 70, fez parte do júri do programa da TV Bandeirantes, "O Clube do Bolinha". Inicia na TV Tupi em um grupo que adapta obras literárias para novelas, na década de 70. Atua como assistente de externas de novelas na Record e, mais tarde como produtor e diretor de jornalismo especializado (arte, cultura e lazer) na TV Gazeta, entre 1978 e 1980.

Por cerca de 10 anos, editou a Revista Santos Arte e Cultura, da qual foi editor e articulista. Classificou-se em alguns concursos de prosa, poesia e trovas.

Cláudio de Cápua atuou sempre de forma marcante na vida literária paulista, tendo participado ativamente de diversas eleições da União Brasileira de Escritores. Nesta entidade deixou marcas de sua defesa intransigente dos direitos do escritor, e tem lutado pela divulgação de suas obras e do pensamento do escritor paulista. Nenhum movimento significativo que tivesse por objetivo a valorização e a divulgação dos escritores e suas obras deixou de contar com o apoio e iniciativa decisiva de Cláudio de Cápua. Da mesma forma teve ainda atuação destacada junto ao Sindicato dos Escritores do Estado De São Paulo e Centro de estudos Euclides da Cunha de São Paulo.

Como escritor, Cláudio de Cápua publicou livros que não foram brindados com edições fantásticas, mas que foram procurados avidamente pelos conhecedores das obras de qualidade, esgotando rapidamente suas edições. Estão nessa categoria, a começar por 1980, a biografia do escritor e político Plínio Salgado, livro que alcançou 4 edições e vendeu 11 mil exemplares mantendo-se durante 9 semanas entre os livros mais vendidos. (…) Em 1981, Cláudio de Cápua lançou o livro “Meu Caderno de Trovas”, editado por Mestre das Artes; anos depois publicou em co-autoria com sua esposa, Carolina Ramos, o livro “Paulo Setúbal – Uma Vida – Uma Obra”, que teve sua primeira edição esgotada em apenas 90 dias.

Em 2003, seu livro "A Revolução de 1924" conquistou o Prêmio CLIO de História, sendo escolhido para figurar na bibliografia do 4o ano de História da Universidade Católica de Santos.

Em 2005, novamente foi aquinhoado com o Prêmio CLIO de História pela publicação do livro "Fim da Chibata na Marinha de Guerra".

Os dois livros acima citados figuram entre os "dez livros mais vendidos da Baixada Santista", segundo o jornal A Tribuna de Santos.

Nas palavras de Carolina Ramos, “Ninguém passa pela Trova saindo impune. Rendido aos seus encantos, sempre deixa com ela um pedaço do coração, quando não o coração inteiro. No passado, grandes poetas como Vicente de Carvalho, Martins Fontes, Bilac, Colombina e outros, passaram por ela, ainda que de raspão. Naquele tempo, a Trova não tinha a força nem o prestígio que hoje tem. Mas, convém lembrar que o santista Ribeiro Couto conquistou Prêmio Internacional com o livro “Jeux de l’apprenti animalier”, com suas fábulas consideradas superiores às de La Fontaine pela concisão com que eram apresentadas, ou seja, sob o formato de Trovas.”

Cláudio de Cápua não seria uma exceção.

Biógrafo, prosador e poeta, esbarrou na Trova e deixou-se cativar por ela. Em 1969, foi um dos fundadores da “União Brasileira de Trovadores”, Seção de São Paulo e, desde 1980, faz parte do quadro associativo da Seção de Santos.

Embora concorrente bissexto, Cláudio de Cápua conquistou vários prêmios em Concursos de Trovas realizados em território nacional.

Seu trabalho em prol da Trova, sincero e despretensioso, merece o respeito daqueles que cultuam o gênero e fazem do Movimento Trovadoresco Nacional, uma das mais ativas e populares facções da literatura do nosso país.”
 
Cláudio de Cápua, que era casado com Carolina Ramos (97 anos),  faleceu em Santos/SP,  onde se radicou definitivamente, de aneurisma, a 5 de dezembro de 2021, aos 76 anos.

Fontes:
– Trechos extraídos do Discurso de Saudação de Henrique Novak em recepção a Cláudio de Cápua. 31 de outubro de 1998 . Disponível em http://www.de-capua.com/biografia.html
– Excerto da Introdução por Carolina Ramos ao livro “Canto que eu Canto”, de Cápua.
– Cláudio de Cápua. Revolução na Pauliceia: Semana de Arte Moderna de 1922. SP: EditorAção, 2019.

Cláudio de Cápua (Florilégio de Trovas)



 A derrota não me importa,
cumpro com o meu dever.
Do destino forço a porta,
sempre luto pra valer.
- - - - - -
Ah! Se eu tivesse saber,
se fosse poeta, escritor...
do poente ao alvorecer,
terias versos de amor...
- - - - - -
Ah! Você não vem! Não volta...
Eu, na saudade tropeço,
em noite que me revolta,
esperando o seu regresso.
- - - - - –
A métrica pondo à prova,
quatro versos eu componho
ao fazer mais uma trova
com tinta, papel e sonho!
- - - - - –
Ante a hora da partida,
nossa tensão se agiganta
e a despedida é contida
na voz presa na garganta.
- - - - - –
Ante ao talento me ajoelho…
E o teu talento invulgar,
tanto me serve de espelho
como me serve de altar.
(uma homenagem a Carolina Ramos)
- - - - - –
Ao ensinar Filosofia,
Sócrates, de vida sã,
ao fundar a Academia
fundou um novo amanhã.
- - - - - -
Ao faltar sua presença,
por amar muito você
a saudade cresce intensa
e dói, como não sei quê!
- - - - - –
Avisto do alto da serra
a pujança do sertão
e sinto orgulho da terra
que mora em meu coração!
- - - - - –
Busco a mulher, a beleza,
em meus delírios risonhos
trovador da natureza,
vou navegando em meus sonhos.
- - - - - -
Camafeu, nobreza pura,
seu retrato de perfil
tem no adorno da moldura,
clássico tom juvenil.
- - - - - -
Certo bispo ouve uma “história”
de um padre chamado Hilário
e grava, assim, na memória
um bom “Conto do Vigário”
- - - - - –
Chora a dor dos pinheirais,
no céu a estrela cadente,
são lágrimas siderais,
ante o machado inclemente.
- - - - - –
Com mensagem sempre nova,
transpondo mágoas e dor,
pelos caminhos da trova
planto sementes de amor.
- - - - - -
Da luz quero a beleza,
da lagoa quero o encanto,
das aves delicadeza,
de você, o acalanto.
- - - - - -
De “mau jeito” o Zé Baleia,
pescador de sorte estranha,
noivou com uma sereia,
casou com uma piranha..
- - - - - –
De união a nos dar prova,
cultivando novas flores,
cada dia cresce a trova
no canto dos trovadores!
- - - - - -
Do seu lar fazendo um templo,
menino, velho ou rapaz,
faz da vida um belo exemplo
quem trabalha pela paz!
- - - - - –
Em noite alta... madrugada,
contemplo a lua contrito
- Barca de prata aportada
nos segredos do infinito.
- - - - - -
É neste “Canto que eu Canto”
belezas que a vida tem
que ao meu mundo dão encanto
e tanto me fazem bem!
- - - - - –
Essa vida se resume
para o poeta, trovador
em essência de perfume
quando faz versos de amor.
- - - - - -
És meu aroma, ventura...
E nem sei bem mais o quê!
Só esse perfume em mim dura,
é porque o extrato é você.
- - - - - -
Esta foto é mais um fato,
que nos traz para o presente,
através deste retrato,
lembranças de antigamente.
- - - - - –
Êta... que coisa mais louca,
quero ter explicação:
Por que boca na boca
acelera o coração?!
- - - - - –
Eu cansei de minha andança,
fui banhar meus pés no mar
e voltei a ser criança,
Santos agora é meu lar...
- - - - - –
Eu faço uma descoberta,
sempre que vejo você,
é meu peito porta aberta
eu nem sei bem o porquê.
- - - - - –
Eu fico muito feliz,
quando escrevo a letra V
escrita, a lápis ou a giz,
pois o V... lembra você!
- - - - - -
Eu que te dei muitos beijos,
te fiz até suspirar,
agora sinto desejos
dos beijos que faltou dar!
- - - - - –
Há muitos dias de dor
e bem poucos de alegria:
se a vida não tem amor,
pode ser noite o meu dia.
- - - - - –
Imensidões veneráveis,
que me fazem navegar,
céu e mar, inseparáveis,
na linha do meu olhar.
- - - - - –
Jovem... tenha fé na terra,
seja valente e viril,
suba monte, desça serra,
não desista do Brasil!
- - - - - –
Lembrando minha lembrança,
vou escrevendo meus versos,
buscando alguma esperança
dentro dos meus Universos.
- - - - - -
Maldosa como ninguém,
boa figura na igreja,
acrescenta sempre "Amém"
quando aos outros mal deseja…
- - - - - –
Na angústia das mais estranhas,
estão chorando as cascatas:
são murmúrios das montanhas
refletindo a dor das matas.
- - - - - –
Na lágrima do meu verso,
nesta madrugada calma,
ao contemplar o universo
a brisa me embala a alma.
- - - - - -
Não te sintas ultrajada,
quando te olho tanto... o intuito
é provar que és muito amada
e que eu te desejo muito!
- - - - - -
Naquela ponta de galho,
com luz pura e fulgurante,
uma gotinha de orvalho,
brilha mais que um diamante!
- - - - - –
Nasci em dia abençoado
no charmoso oito de março
da mulher enamorado
meu orgulho não disfarço.
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Natal! E nessa Babel,
em que ninguém mais se entende,
onde está Papai Noel,
se brinquedo só se vende?!
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Nesta ilha tão formosa,
prisioneiro de ti vivo.
E que vida venturosa...
vivo em teus braços cativo!
- - - - - -
Nesta noite prateada
minha sombra, junto à tua,
vai trilhando a mesma estrada,
tendo por cúmplice a lua.
- - - - - –
Nestas trovas nosso aceno,
ao leitor desta revista,
e um ano bem mais sereno,
e muito mais otimista.
- - - - - -
No céu, estrelas e brumas,
alvo luar envolvente.
No mar...reprises de espumas
a embalar sonhos da gente...
- - - - - -
No dia a dia... na lida,
eu sustento a minha fé
na caminhada da vida,
mantenho o ideal de pé.
- - - - - -
Num momento...num segundo...
sob a luz... desse sorriso,
vivo bem longe do mundo,
bem perto do paraíso.
- - - - - -
O delegado Pereira…
Êta Pereira bacana,
- É de pouca brincadeira,
não dá pêra, só da “cana”!…
- - - - - –
O garçom ganha gorjeta,
o político propina.
Nesta terra de mutreta,
só tem ave de rapina.
- - - - - -
O joão-de-barro é um exemplo.
pode não saber gorjear,
Com tão pouco faz um templo,
ao erguer seu próprio lar.
- - - - - –
Olha! A noite é uma criança,
diz o refrão popular -
que sacode e balança
presa às tranças do luar.
- - - - - –
Palhaços de profissão?
Ah, Como é bom, fazem bem.
O triste é ter coração
e ser palhaço de alguém!
- - - - - –
Poeta de sonhos diversos,
vivo momentos tristonhos,
mas, ao escrever meus versos,
entro no mundo dos sonhos.
- - - - - –
Quando cantava o sertão,
nossa Inezita Barroso
encantava o coração
cantando num tom gostoso.
- - - - - -
Quando o amor se tem por lema,
numa trova que se lê,
mais belo fica esse tema,
se a trovadora é você.
- - - - - -
Quando o rei sol estorrica,
tortura, com seu clarão,
mais forte é aquele que fica
e dá valor ao seu chão!
- - - - - –
Quando tão bela, ela passa,
elegante, indiferente,
sua graça é uma desgraça,
tira a paz de muita gente.
- - - - - –
Querendo muito ganhá-la,
vivo para bem-querê-la...
No seu desejo de amá-la
sentindo o prazer de vê-la.
- - - - - -
Reflexo do nosso mundo
meus olhos, de tons instáveis,
guardam amor lá no fundo
de momentos memoráveis.
- - - - - –
República portuguesa,
ao ler a história descubro:
foi grande a tua proeza!
E viva "Cinco de Outubro!”
- - - - - -
Sempre alerta mocidade,
em permanente vigília,
defenda a brasilidade,
ame a Deus, Pátria e Família.
- - - - - –
Sempre feliz, a pulsar,
meu coração é um celeiro,
tem muito amor para doar,
nele cabe o mundo inteiro.
- - - - - –
Servidor da tributária,
bem “Severo”, sem igual,
ergue a saia à secretária,
por ser, de “rendas”, fiscal.
- - - - - –
Sobrevoando terras... mares...
Vinte e três de outubro - França!
Santos Dumont vence os ares
e une povos em aliança.
- - - - - -
Só por descuido é que a Helena
acabou por se casar…
Pois, pensou que Cibalena
fosse a pílula… Que azar!
- - - - - –
Só tem sorte, verdadeira,
o que vence frustrações,
e rompe a própria fronteira
em busca de soluções.
- - - - - –
Sou poeta e trovador,
a inspiração me transporta
às nuvens e, com amor,
nas nuvens minha alma aporta.
- - - - - –
Surpresa está na investida
de cada dobra de esquina,
na caminhada da vida
o destino nos ensina.
- - - - - –
Unindo a seresta ao verso
quero compor na amplidão.
Sou menestrel do universo,
em tardes de solidão.
- - - - - –
Voando entre nuvem...montanha...
sou Poeta e Aviador!
Minha ambição é tamanha,
navego em busca do amor!
- - - - - -
Você, mulher escolhida,
da rosa tem o perfume
e, no palco desta vida,
é minha musa, meu lume.
- - - - - –
Vou plantar, da frente ao fundo,
um belo quintal em flor,
o maior jardim do mundo,
pra perfumar nosso amor.

Fontes:
Revista Santos Arte e Cultura
Cláudio de Cápua. Retalhos de Imprensa. São Paulo: EditorAção, 2020.
http://www.de-capua.com/publicacoes.html (desativado)
Carolina Ramos (coord. e redação) A Trova: Raízes e florescimento - UBT. Santos: 3D Estúdio Editoração Gráfica, 2013.

Cláudio de Cápua (Letras de Músicas)



TROVADOR DO MUNDO
Letra: Cláudio de Cápua
Música: Glorinha Veloso


Assim, trovando a cantar,
eu espanto o mal-querer.
Eu vou respirando no ar
a alegria de viver.

Vou correndo igual criança,
embora já tenha idade,
ora a buscar esperança,
ora a fugir da saudade.

Eu sou trovador do mundo,
trovo em terras do sem fim
e vou cantando, bem fundo.
o que vai dentro de mim!

SOL, PRAIA E MAR
Letra: Cláudio de Cápua
Música: Glorinha Veloso


Eu cismava diante do mar.
Procurei na areia,
teu corpo de sereia...
Por mais que forçasse o olhar,
só tinha sol, praia e mar...
só tinha sol, praia e mar...
praia e mar...
Sem desesperar, a esperar,
fiquei ao sol, na praia,
vendo as ondas do mar,
fiquei, ao sol, na praia,
fiquei...fiquei...
O sol clareava o ar...
eu cismava diante do mar,
eu cismava diante do mar,
eu cismava...
Por mais que forçasse o olhar,
só tinha sol, praia e mar...
só tinha sol, praia e mar,
praia e mar!...

MEU BARCO
Letra: Cláudio de Cápua
Música: Glorinha Veloso

Do mar eu quero as estrelas,
na concha da minha mão
e sempre vou querer tê-las,
nas rimas da inspiração!

O mar de paixão soluça
sobre as areias da praia,
tênue véu que se debruça
e extasiado desmaia...

Liberdade é percorrer
o mundo, por terra e mar,
ter por manto o alvorecer,
tendo por leito o luar...

Tendo meu barco por lar,
envolto num teto azul,
eu vou vivendo a cantar
nos belos mares do sul.

MUSA CAIPIRINHA
Letra: Cláudio de Cápua
Música: Glorinha Veloso


Quando o sol a terra mira,
na serra do taquaral,
canta o vento ao som da lira,
perfumando o roseiral.
Com o seu chalé de chita,
minha musa caipirinha,
tão faceira, tão bonita,
do rincão ela é rainha,
tão faceira, tão bonita,
do rincão ela é rainha.

Sem ter trono, eu não sou rei,
minha musa caipirinha,
mas tangendo a viola eu sei,
és minha musa e rainha,
mas tangendo a viola eu sei,
és minha musa e rainha.

lá...lá...lá...lá...

NEM SEI COMO EXPLICAR
Letra: Cláudio de Cápua
Música: Glorinha Veloso


És minha tela em moldura,
imagem que não se embaça,
mulher que andei à procura
e esta minha vida enlaça.

No acalanto do meu peito,
és força a fulgurar
e te quero de tal jeito,
que nem sei como explicar!

Quero-te presa em meus braços,
desde a aurora até o luar,
ó dona dos meus espaços,
és ternura a me encantar!

BIS
Teu carinho enche meu peito,
minha musa singular!
E te quero de tal jeito,
que Nem Sei Como Explicar!

FLOR DE ABRIL
Letra: Cláudio de Cápua
Música: Glorinha Veloso


Nascida em manhã de abril,
uma flor, linda morena,
feita para a arte e o amor
será flor, será falena?

Vou rezar uma novena
e Deus há de me ouvir,
Mariana, minha pequena,
a vida há de lhe sorrir!

Menina de talentos mil,
minha neta Flor de Abril!

Fonte:
Cláudio de Cápua. Retalhos de Imprensa. São Paulo: EditorAção, 2020.

domingo, 5 de dezembro de 2021

Versejando 91

 

Goulart Gomes (4 Contrix)

CONTRIX = miniconto em três tempos

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FLORES DO MAL

1
Solteirona convicta, era ridicularizada diariamente na repartição.

2
Para surpresa de todos, subitamente flores não cessavam de surgir à sua mesa.

3
Engodo. No florista, era a melhor cliente.
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INCOMPATIBILIDADE DE GÊNIOS

1
Ele afirmava que só casaria com uma mulher virgem.

2
A virgem queria deixar de sê-lo, para poder transar livremente.

3
No dia seguinte à noite de amor, ele já não a queria, pois ela perdera a virgindade. Ela, implorava por ser sua escrava.
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INTEMPÉRIES

1
Botou a cabeça para fora da janela do ônibus e deu uma cusparada para baixo.

2
Ficou olhando aquele cuspe branco – leite e espuma -  secando ao sol, sobre o asfalto quente, enquanto o ônibus seguia seu itinerário.

3
A formiga não sobreviveu ao dilúvio.
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TRESOITÃO

1
Convidou o amante da mulher e preparou o 38.

2
No meio do jantar deu três tiros para o alto. Ela pulou a janela e foi socorrida por ambos.

3
Acertaram, os três. Se um tinha a coragem de matar e, o outro, de morrer por amor, não poderiam viver separados.

Lélia Miguel Moreira de Lima (Caderno de Trovas)

Admirar tanta beleza,
na densa e bela floresta,
não só pela realeza
e nem do que dela resta.
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A prece muito me acalma,
faz dormir a incerteza.
A prece refaz minha alma,
com fé e muita pureza.
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Aquela folha que vaga,
naquela mata, sou eu!
Aquele vento que afaga,
lembra quando eras meu.
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Assim diz velho ditado;
"O respeito é bom e eu gosto!"
Mesmo sendo criticado,
nisto tudo sempre aposto.
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Cada vez que me refaço,
logo fico mais conciso,
e o orgulho ganha espaço,
é tudo que mais preciso.
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Calmamente aparecendo,
se vê a chuva caindo,
mansamente vem chegando,
para o verde ficar lindo.
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Colorida é nossa vida,
cheia de muita esperança,
história muito vivida,
plena de amor e lembrança.
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Ele está sempre a sonhar
que já é um milionário,
não crê que está a pensar
que também é visionário.
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Em berço de ouro nasceu,
em boa hora chegou,
a sorte lhe apareceu
e bons caminhos trilhou.
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Eu quero chorar seu choro,
quero sorrir seu sorriso.
Eu venho implorar em coro,
pois nada foi de improviso.
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Eu quisera nesta vida,
ver amor nos corações,
também andar na avenida,
dos anjos ouvir canções.
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Eu vivo nesta esperança
de jamais ter desencanto.
Bons momentos na lembrança,
é a vida um belo encanto.
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Feliz é estar a seu lado,
seu olhar aquece o inverno,
Sem você tudo é findado,
para mim, será eterno.
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Feliz quem tem esperança,
jamais chega a esmorecer.
A vida, sempre em bonança,
nunca se deixa abater.
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Fuga, refúgio incerto,
se não podemos estar,
é o caminho correto
para o problema enfrentar.
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Impressionante conduta,
sempre com muita coerência.
Sabendo usar a batuta,
incomparável cadência.
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Ipês cobrem a selva,
de mil cores iluminam
e na linda e humilde relva
muitas flores a sublimam.
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Lindos lugares eu vi,
não há como contestar:
Ceará nunca esqueci,
quero o mais breve voltar.
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Neste encontro tão gostoso,
que jamais pensei estar,
com café tão saboroso,
que nos faz aqui ficar.
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Ninguém espera uma crise,
precisamos preparar.
Se pressenti-la, me avise,
não podemos assustar.
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Nós mudamos de morada,
muitas coisas descartamos.
Basta esperar a alvorada
que sempre nos contentamos.
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O galho que me salvou,
sem trevas no meu caminho,
a minha vida elevou
com gratidão e carinho.
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Qual centelha faiscante,
sua amizade, para mim,
mesmo estando tão distante,
encanta como jasmim.
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Quando menos esperamos,
deparamos com mudança,
nossos gostos contrapomos,
partimos para bonança.
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Saudade palavra doce,
anima nosso viver,
bom seria se assim fosse,
bons momentos reviver.
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Sem batom não temos cor,
e sem sol não temos vida,
sem luar nos falta amor
sem saúde falta lida.
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Ter humildade na vida,
sempre com muita esperança.
História tão bem vivida,
cheia de amor e bonança.
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Uma amizade sincera
é difícil encontrar.
Na verdade, eu pensara:
mais fácil, um cão adestrar.

Fonte:
Autores diversos da UBT-Angra dos Reis. Sementes poéticas. SP: Daya Ed., 2021.
Livro enviado por Jessé Nascimento.

Rubem Penz (Dia de faxina)

Qual o melhor dia para a limpeza da casa, uns gostam das segundas-feiras, outros, das sextas. Ainda há quem só consiga fazer o serviço no sábado. Porém, seja contratando alguém para operar baldes e vassouras, seja por nossos próprios esforços, vamos ao consenso: em domingos, não há ânimo para atuar na limpeza.

Essa é a ótica de quem limpa, claro. Do ponto de vista de quem recebe a higienização, dia de faxina é sempre domingo. Ou folga, ou feriado. Um dia para quebrar a rotina, sair do sério, dar um tempo. Rever amigos, até. Senão, vejamos:

Em que outro dia os tapetes ganham uma folga para passear no pátio, na varanda ou na sacada? Eles todos — o da sala, os dos banheiros, aqueles à beira da cama - deixam de receber pisadas distraídas para tomar banho de sol. Quando, ele quebra, ganham umas voltinhas na máquina de lavar, galgam a solene altura dos varais. Ou, ao menos, sobem pelos encostos de cadeiras, para grades, respirando outros ares. E garantem um mínimo de elevação do espírito.

Cadeiras se esbaldam em piruetas, muitas vezes parando de cabeça para baixo em cima da mesa, que já está aliviada da responsabilidade cotidiana de equilibrar aquele vaso de cristal caríssimo (para o azar do sofá que fica por perto, e agora acomoda o enfeite de modo desengonçado).

Se o piso recebeu carinhos do pano úmido e perfumado, ou a renovação de sua cera, mesa e cadeiras vão curtir essa inversão de posições por horas a fio, rindo à toa!

Dia de faxina também é a oportunidade das camas ficarem desavergonhadamente nuas. E dos lençóis, fronhas e cobertas mexerem-se com o vento. Se as pessoas tivessem ouvidos mais atentos, perceberiam a algazarra dentro do armário, onde jogos de cama limpos apostam em qual será o preferido para sair da reserva e entrar em campo. Os travesseiros, pesados de tantas confissões inconfessáveis, podem, enfim, dar uma espairecida. Suas penas, afinal, não são de ferro...

Quando é o caso daquela denominada faxina grossa, até as cortinas, para variar, abandonam seus varões. As venezianas curtem chuva de mangueira e as folhas das janelas passeiam para lá - para cá no bailado das flanelas. Com sorte, as cristaleiras e armários serão arredados para longe das paredes; bancar a estátua para esconder o pó mais rebelde cansa suas belezas. E, já que são muito grandes para sair porta afora, pelo menos ganham a oportunidade de espiar a rotina por outro ângulo.

Depois da faxina, é impossível não reparar em tantos sorrisos pela casa. Alegram-se os enfeites, os lustres, o piso. O contentamento se reflete em todos os espelhos, reluz nos tampos de granito, transparece no vidro do box. Por essas e por outras que nossos móveis não entendem quando passamos os domingos entediados, amortecidos diante de uma tela de TV. Eles sabem que programa bom é tomar sol, fazer piruetas, olhar a vida por novos ângulos. Desprender-se dos varões, sentir o vento no rosto, perfumar a alma. Trocar afetos para aliviar nossas penas, despir-se de pesadas máscaras.

Para a casa, dia de limpeza é sempre domingo. Para nós, domingo é, ou deveria ser, sempre um dia de faxina.

Fonte:
Rubem Penz. Enquanto tempo: crônicas. Porto Alegre: BesouroBox, 2013.

Análise Literária (Como fazer)

A análise literária  é o ato de decompor um texto no intuito de observar cada componente que o constitui. Ou seja,  de estudar os aspectos integrantes de uma narrativa Desse modo, você conseguirá compreender, interpretar e assimilar os sentimentos e valores de uma  obra

Porém, para atingir esse objetivo, é necessário aplicar corretamente a  análise literária explorando todas as características do  texto

Por exemplo, um dos erros mais comuns de quem estuda  romance é de não conhecer os principais elementos que o integra. Do mesmo modo, não pode ser considerada  análise  comentários escritos sobre um material, por mais correto ou relevante que seja. Antes de quaisquer conclusões, é importante examinar todo o corpo  narrativo

Por isso, para ajudá-los a realizar uma boa análise literária separamos 7 itens a serem explorados logo após a leitura da obra. Confiram:

1. Enredo

No texto narrativo o enredo ou trama é responsável por sustentar a história. É quem irá desenvolver ou construir o conteúdo por meio da conexão de fatos que fundamentem a ação narrativa. Por meio dele, é possível encontrar o conflito ou tensão no texto que motiva as personagens a se movimentarem. Onde está a força principal de todos os acontecimentos? Quem segura o enredo?  Lembre-se que  enredo e personagem dependem um do outro.

Como visto, todo enredo  está presente na estrutura do conflito. Desse modo, para analisar a obra, é necessário encontrar três pontos principais: o início, desenvolvimento e clímax.

O início
expõe o conflito do romance da situação que culminará em todo o desenrolar da trama;

O desenvolvimento
são todas as consequências que o conflito trará, ou seja,  os níveis (baixo e alto) de tensão apresentados para serem resolvidos;

O clímax
são os acontecimentos finais da problemática; é onde ocorre o desfecho.

Obs.:  É permitido iniciar uma obra pelo desfecho e, depois, serem apresentados o início e o desenvolvimento do conflito. Isso pode ocorrer em obras que utilizam  flashbacks para narrarem os acontecimentos. Apesar da alteração da ordem cronológica, esses três pontos (início, meio e fim) estarão presentes em todos os textos narrativos

Resumidamente, o enredo é o esqueleto de uma obra literária.

2. Tempo e espaço


O tempo e o espaço  se referem ao contexto histórico e ao local onde a narrativa se desenrola. No decorrer do texto, podemos encontrar os acontecimentos históricos, presentes no romance e determinar em que época a história se passa. Também é possível identificar o local por meio dos ambientes e lugares citados.

O tempo e o espaço podem estar presentes numa obra de forma clara, ou seja, diretamente mencionada pelo narrador ou personagem.  Ou de forma mascarada, quando apenas as descobrimos ao ligarmos alguns fatores ao texto como, por exemplo:

Se a narrativa nos apresenta a época da ditadura, pressupomos que a história acontece em meados de 1964 e 1985;

Se a  narrativa cita a Rua do Ouvidor,  concluímos que o enredo ocorre no Rio de Janeiro, porque essa Rua é famosa naquela cidade. Além disso, podemos identificar o espaço por meio da descrição do ambiente e da análise do aspecto social de um determinado lugar.

Obs.: Caso o tempo e o espaço não possam ser definidos, descreva-os como não-identificados ou não-definidos. Há outro modo para tratar locais inexistentes, como cidade/estado/país, é chamá-los de fictícios.

3. Narrador

O narrador é a entidade que conta a história, podendo se apresentar das seguintes formas:

Heterodiegético
: narrador que não é personagem da história, esse é o mais adotado pelos escritores;

Homodiegético: narrador que faz parte da história, mas não é o personagem principal;
 
Autodiegético: narrador que é o personagem principal da narrativa protagonista.

Obs.:  Dentro desses narradores podemos encontrar a narrativa em 1ª e 3ª pessoa. Contudo, em relação à 3ª pessoa, há ainda o narrador omnisciente (aquele que sabe de todos os acontecimentos e as personagens ), o qual pode se apresentar em duas versões: intruso (quem se intromete na história) e observador (quem apenas narra os fatos sem interferir). E em relação à 1ª pessoa,  existe o narrador seletivo (quem narra os fatos da forma que quer, podendo mascarar alguns aspectos ou acontecimentos à sua maneira).

4. Linguagem

Por meio da linguagem é possível analisar a forma como a obra é escrita e até mesmo narrada. Por exemplo, ao pegarmos um livro antigo,  observamos que o vocabulário é diferente do atual.

Assim, o primeiro passo para estudar uma narrativa de linguagem  é verificá-la como simples ou rebuscada, formal ou informal, culta ou marginalizada, etc.

Outro aspecto a ser adotado é levantar os estilos de linguagem Esse tipo de estudo é complicado porque exige um pouco mais de conhecimento sobre o assunto. Porém, em alguns casos são fáceis de serem identificados e sempre acrescentam pontos para uma  análise literária.

No livro O Cortiço, por exemplo, há alguns exemplos de  figuras de linguagens  O autor Aluísio de Azevedo utiliza o ‘animalismo’ ou ‘zoomorfismo’ para caracterizar seus personagens com características animais.

No total, existem cerca de 21  figuras de linguagens  – ter conhecimento básico sobre cada uma delas é essencial para uma boa análise.

5. Personagens

As personagens devem ser analisadas tanto no aspecto físico como no aspecto psicológico. Contudo, é necessário respeitar a ordem de importância das personagens da seguinte forma:

Personagens principais (protagonista(s) e antagonista(s));

Personagens secundárias.


Obs.: A análise das personagens principais deve ser feita de forma mais completa. Além das descrições físicas e psicológicas, podemos analisar alguns aspectos sociais e históricos, se houverem, como também traçar um perfil mais aprofundado sobre suas motivações, desejos e anseios.

6. Sinopse

Agora que você conhece todas as características da análise narrativa escreva uma breve sinopse sobre ela!

Você sabia que a sinopse ajuda a absorver melhor o conteúdo analisado?

Se você conseguir resumir um material sem dificuldades, estará preparado(a) para a última e mais importante parte da análise literária

7. A importância da obra

Depois de todo esse processo de análise dos elementos que compõem uma narrativa literária você conseguirá discorrer sobre o livro como um todo.

Basta seguir a sua própria opinião, baseada nas estruturas textuais analisadas acima e, a partir disso, determinar a importância de cada obra para a literatura.

Imagem: arte de Albert Benaro

sábado, 4 de dezembro de 2021

A. A. de Assis (Saudade em Trovas) n. 20: Nydia Iaggi Martins

 


Mia Couto (Bartolominha e o pelicano)

Vivia em ilha com muito vento, onde mais ninguém havia. Chamava se Bartolominha, era minha avó favorita. O lugar dela era mais arejado que o céu, exposto ao longe e ao esquecer. Seu marido, Bastante António, sempre fora o faroleiro. Exercia aquelas luzes, noite adentro, sem que nenhuma vez tenha faltado no seu alto posto. Mesmo sem salário durante consecutivos anos, ele se manteve em fiel atividade. Esqueceram-se dele ali, os dos serviços centrais, lá onde o dinheiro brilha e a gente apodrece. Impassível, sem se queixar, o avô Bastante se impunha a si mesmo, infalível, nessa missão de iluminar as grandes rochas da costa. Nunca por seu lapso barco algum desfaleceu de encontro à rebentação.

De pouco lhe valeu tanta diligência: Bastante António morreu quando subia a enorme escada em caracol. Seu corpo subia mais rápido que o coração. Num segundo, essa intermitente luz de dentro deixou de lhe iluminar o peito. A notícia chegou nos anos depois quando um ocasional barco passou por nossa cidade.

A família, de pronto, se fez ao mar. Havia que resgatar Bartolominha. A avó não podia ficar assim sem amparo naquela tão distante solidão. Acompanhei os restantes nessa missão de recuperar nossa idosa parente. Quem muito chorava era minha mãe, sua dileta filha. Durante a viagem de barco ela se inconsolava: quem sabe a avó, entretanto, já desistira de viver e não tinha tido quem a enterrasse?

Desembarcamos com o peito enrodilhado, olhando com medo os recantos do sítio. Suspiramos alto quando Bartolominha veio às rochas, envolta em sua capulana*, a mesma que eu nela sempre recordava. Quando lhe falamos em sair dali, ela se contrafez. Minai, viéramos buscá-la? Pois que fôssemos na mesma via de regresso, que ela dali não arredava. Argumentou meu pai que ela não podia viver isolada de tudo, em lugar tão desprovido de gente. Meu tio falou que ali não chegava nem desembarcava notícia. Minha mãe acrescentou muitas lágrimas, com alma entalada na garganta.

Bartolominha respondeu, sem palavras, apontando a campa junto ao farol. Depois, se afastou e ficou de costas olhando o mar. Era como se, em silêncio, nos convocasse. Alinhamos com ela, perfilados frente ao oceano. Que queria ela dizer, assim muda e queda? Usava o oceano como argumento? Meu tio ainda insistiu:

— Quem lhe arranja sustento?

Nos mostrou, então, o pelicano. Era um bicho que ela criara desde pequenino. A ave se afeiçoara, mais doméstica que um familiar. A pontos de ir e vir e, todos os dias, lhe trazer peixe para ela se alimentar.

—Tenho que ficar aqui, regar o farol. Foi o meu Bastante que me pediu para eu não deixar emagrecer este farol.

Regressamos sem a conseguir demover. Eu fiquei com o pensamento remoendo-me o sono. Durante noites fui roubado ao descanso. Podia eu deixar o assunto assim? Não, eu não podia desistir.

E voltei a visitar a ilha. Demorei-me ali uns tantos dias. Juntei argumento, aliciei convite. A avó que viesse que eu lhe daria guarida e aconchego em minha nova casa. Mas nada. O mesmo sorriso desdenhoso lhe vinha aos lábios. Depois lhe sugeri que viesse comigo viajar por terras lindas.

—Só quero viajar quando for completamente cega.

Estranhei. Nem respondi, esperando que mais se explicasse. E sim, ela continuou:

—É que eu vivi tudo tão bonito que só quero visitar lugares que já estejam dentro de mim.

Arrumei a vontade. A velha senhora tinha raízes fundas. Em desfecho de conversa, eu lhe disse que, quando fosse, no dia seguinte, deixaria um barco amarrado nas árvores da praia. Para o que desse. Ela encolheu os ombros, enjeitando de vez a minha teimosia.

Nessa noite, jantamos em silêncio sob o peso de uma não dita despedida. Bartolominha proclamou o seu cansaço e anunciou que se ia retirar para seu quarto. Fizera do farol o seu aposento. Ela subiu os primeiros degraus e, antes de desaparecer no escuro, chamou o pelicano. Deitava-se com o bicho. Dormiam, inclusive, na mesma cama. Ele lhe estendia as asas e ela adormecia abraçada ao passarão. Dizia que assim seu corpo aprenderia a arte de voar.

— Uma dessas tardes vou com ele, por esse mundo a fora.

Deitei-me olhando as estrelas como buracos no fundo preto de um teto. Deixei-me adormecer, mas logo fui despertado por um estranho pesadelo. Na realidade, eu não sonhava com nada. Nem mesmo entendia o porquê desse meu impulso ao erguer-me da esteira. Era como se eu fosse guiado por vozes, escuro adentro. Me dirigi à campa e raspei as areias com os pés. Descobri então que o buraco era raso: a sepultura não tinha profundidade nenhuma. Quando me debrucei sobre os restos vi os ossos que se esfarelavam. Eram ossos de pássaro. E um muito volumoso bico.

O meu coração bateu, desordenado. Subi as escadas, tão veloz que as tonturas quase me roubaram do mundo. Não cheguei a tempo. Junto ao patamar do farol ainda toquei uma pena branca, esvoadiça. Fiquei na varanda com o vento me vestindo a alma. Num certo momento, ainda pensei vislumbrar Bartolominha revoando como se dançasse na fugaz intermitência do farol. Desde essa noite sou eu o faroleiro da ilha do avô Bastante. E aceno quando passam as grandes aves.
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* Capulana é o nome que se dá, no Moçambique, a um pano que, tradicionalmente, é usado pelas mulheres para cingir o corpo, e por vezes a cabeça, fazendo também de saia, podendo ainda cobrir o tronco, o seu uso também vai muito além da moda: o tecido é usado pelas mulheres para carregar os seus filhos nas costas, para carregar trouxas, para inúmeras funções, como toalha, cortina, pano de mesa, etc (wikipedia)
Fonte:
Mia Couto. Na berma de nenhuma estrada e outros contos. Publicado em 2001.

Alvitres do Prof. Renato Alves – 7 –

51.
0 uso inteligente do Discurso Direto, isto é, de um DIÁLOGO em que se reproduzem as frases exatamente como foram ditas, é um excelente recurso para valorizar a agilidade da comunicação e aumentar o efeito humorístico nas trovas desta modalidade.

Vejamos, nas trovas abaixo, premiadas em Nova Friburgo, como este recurso foi extremamente positivo para o resultado final obtido, ou seja, fazer rir.

- Me empresta cem? - Nem por alto!
- Vinte! - Eu já disse: Não tem!
- PASSE A GRANA: isto é um assalto!
- OK, eu te empresto os cem!

José Ouverney

Ao chegar à grande estreia:
— A senha para ingressar?!
— Não faço a menor ideia!
— Isso mesmo, pode entrar!

Renata Paccola


52.
O ACHADO é aquele "algo diferente", aquela ideia inusitada, aquele recurso linguístico especial que faz com que a trova valha a pena ter sido escrita. 0 ACHADO pode estar, por exemplo, num jogo de palavras, numa abordagem criativa do tema, na forma de colocar as ideias, fugindo do lugar comum

Nesta primorosa trova do mestre Izo Goldman a beleza do achado está na inteligente manipulação das variantes semânticas do vocábulo "pena", formando um jogo de palavras bem interessante.

Que pena que as minhas penas
não te causem pena alguma,
e, sem pena, eu seja apenas,
entre as penas... só mais uma!

Izo Goldman

53.
A finalidade precípua da trova de humor é fazer rir. No entanto, seu conteúdo deve ser trabalhado com o mesmo esmero que dedicamos a qualquer outra modalidade. Assim, um trabalho meticuloso na sintaxe das frases, coloca a trova humorística em pé de igualdade com líricas ou filosóficas.

Reparem como, na construção do 2° verso desta primorosa trova, o emprego da palavra "Amor" como vocativo (entre vírgulas) possibilitou, na flexão verbal de 2a. pessoa, uma rima rica para "primas", ficando também destacado o excelente achado humorístico: "vigia da fechadura", no 3o. verso.

Uma outra curiosidade na construção desta trova é que ela começa liricamente nos dois primeiros versos, mudando o tom para o desfecho humorístico a partir do 3o. verso.

Eu era, na infância dura
Quando, Amor, tudo sublimas,
vigia da fechadura
do quarto das minhas primas.

Sérgio Fonseca

54.
0 que distingue um texto literário de um texto meramente informativo é que o texto literário privilegia o uso da linguagem figurada e imagens cuja finalidade é criar emoção e beleza estética. Nos dois casos as palavras são as mesmas disponíveis no vocabulário comum da língua, mas o seu emprego no texto literário deve ser assim: diferente, inusitado, metafórico.

Uma trova, para ser literária, precisa conter algo novo, criado pela sensibilidade do trovador a partir da imaginação ou da observação da realidade.

Reparem na trova abaixo, como o ruído ritmado de um trem em movimento e o desenho simétrico dos dormentes (como as teclas de um piano) na ferrovia geraram uma belíssima imagem, constituindo um verdadeiro achado poético.

Tu chegavas... e eu ouvia
o trem, em tons comoventes,
tocar canções de alegria
no teclado dos dormentes...

Marina Bruna