quinta-feira, 6 de junho de 2024

Vereda da Poesia = 26 =


Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Ao operar seu nariz
perdeu um olho, o Batista.
Vem outro louco e, então, diz
que o pagamento era... a vista!
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Soneto de Ilhavo/Portugal

DOMINGOS FREIRE CARDOSO

SINTO O SANGUE GELAR-SE-ME NAS VEIAS

José Barreto, in "Cânticos de Paixão e Outras Cores", p, 24

Sinto o sangue gelar-se-me nas veias
Quando no peito morre uma esperança
Ou se solta um cabelo de uma trança
Onde o ouro brilhava sem ter peias;

E quando a luz que havia nas ideias
Se extingue sem deixar qualquer herança
Que no futuro seja uma lembrança
Dos povos que cantaram epopeias.

E o meu corpo minado pelo frio
Ganha a dureza gélida de um rio
A que os polos dão alma de glaciar.

Sou branca massa de água deslizando
Que sobe um mar de mágoa abominando
Onde eu não sou capaz de me afogar.
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Aldravia de Belo Horizonte/MG

LUIZ CARLOS ABRITTA
Cataguases/MG, 1935 – 2021, Belo Horizonte/MG

navegador
solitário
quer
apenas
o
infinito
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Soneto Decassílabo Heróico, de Fortaleza/CE

CABEÇA DE POETA
(Odair Cabeça de Poeta)

SONETO À MULHER

Mulher, te vejo pura, qual criança
Revelando o amor todos os dias,
E ao contemplar estrelas, que alegria!
Eu sinto a tua essência, da esperança.

Mulher és, mais que tudo, temperança,
Ao compartilhar dores com os amigos,
És vício bom, um drible no perigo,
És emoção, és riso, boas lembranças.

O amor, em sua estrutura, é o pilar...
Uma carícia amiga, um despertar
Uma alma, prenhe de paixão, feliz,

E em seu espírito livre, sem ardis
Em meio a tantas pétalas, uma flor
És coração que explode em amor!
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Trova Premiada  em São Paulo/SP, 2010

ANTONIO DE OLIVEIRA 
(Rio Claro/SP)

Erra feio quem calcula
na equação da vida a dois,
que uma mentira se anula
quando há uma jura depois!
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Poema de Curitiba/PR

ISABEL FURINI
(Isabel Florinda Furini)

COM O OLHAR DO CORVO

Na penumbra
o grito do corvo nos acorda
para novas realidades

entre as sombras, o relâmpago
assusta as retinas
e o músculo cardíaco

é preciso esculpir a palavra amor
apelando à memória
e aos sentidos

guardamos esse sentimento afetuoso
nos campos floridos
do passado

agora, o mundo mudou
– esta é a época
do relâmpago e do terror

é preciso chamar o amor
e cultivar algum ideal
com intensidade

como um corvo em um dia outonal
podemos observar o mundo
com o olhar profundo fixo no futuro.
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Quadra Popular

A fita do teu cabelo
dá o nó, não chega a laço;
não faças conta comigo,
que eu contigo não a faço.
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Soneto de São João Del Rey/MG

MARIA EUGÊNIA CELSO
(Maria Eugênia Celso Carneiro de Mendonça)
São João del Rey/MG, 1890 – 1963, Rio de Janeiro/RJ

MUDANÇA

Li no jornal teu casamento… Um instante
Sinceramente a humana espécie odiei,
Do mundo o horror se me tornou flagrante
E do planeta desertar sonhei.

Veio depois a reflexão calmante…
Do esquecimento obedecendo à lei
– De ti se fez me coração distante,
Com a vida e os homens me reconciliei.

Passou-se um mês… Hoje encontrei-te… O espanto
Fez-me um segundo emudecer, no entanto
Minh’alma logo te reconheceu.

Eras tu mesmo… mas diminuído,
Diverso, feio, gordo, envelhecido.
Mudaste acaso ou mudaria eu?
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Trova de São Paulo/SP

IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

A casa toda quebrada,
e o casal diz numa "boa":
- Mas que furacão, que nada,
foi só uma briguinha à-toa!...
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Poema de Fortaleza/CE

MARIA EVAN GOMES BESSA

PRAIA DE IRACEMA
 
Águas revoltas na ponte metálica
E o mar de um verde estonteante
Brinca com o vento em ondas
Que agitam turistas e visitantes.
 
A linguagem do mar é envolvente
Seduz a todos com seu simbolismo
E se traduz em falas misteriosas
Que inspiram ou provocam imobilismo.
 
Quantas histórias e vidas se passaram
Naquela praia de mares bravios,
Onde os poetas e boêmios viram
Guerreiros deslizarem em seus navios.
 
E a índia Iracema a correr na areia
Branca, esbelta, de pés descalços,
À espera do Guerreiro vive ainda
No inconsciente coletivo do povo.
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Haicai de Magé/RJ

BENEDITA AZEVEDO

O clarão da Lua
ressalta a torre da igreja – 
sombra na pracinha.
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Sextilha de Caicó/RN

HÉLIO PEDRO SOUZA

Bate forte um coração
quando um sonho é bem sonhado,
o caminho é mais florido
fica o céu mais estrelado,
e a lua aumenta o seu brilho
se o sonho é realizado.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS
(Antonio Augusto de Assis)

A vida é um túnel estreito
que à eternidade conduz.
- Só o amor nos dá o direito
ao desembarque na Luz.
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Glosa de Petrópolis/RJ

GILSON FAUSTINO MAIA

MOTE:
Depois de uma certa idade
fui te esquecendo, meu bem;
chega um tempo em que a saudade
perde a memória também!
José Ouverney 
(Pindamonhangaba/SP)

GLOSA:
Depois de uma certa idade,
querendo a vida entender,
vi que a mente da saudade
pode o passado esquecer.

Sofri e chorei baixinho,
fui te esquecendo, meu bem,
quando eu vi que o teu carinho
desembarcou do meu trem.

Eu não sei se é por maldade,
mas é um fato frequente:
chega um tempo em que a saudade
também se afasta da gente.

Se a gente, por vil destino,
perde, na vida, o que tem,
mais tarde, por dom divino,
perde a memória também!
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Epigrama de Lisboa/Portugal

ANTONIO DINIS DA CRUZ E SILVA
Lisboa/Portugal, 1731 – 1799, Rio de Janeiro/RJ

Quando, Laurindo, sais tão penteado,
Tão nédio, tão gentil e tão rosado,
Da matreira raposa num momento
Logo me vem o dito ao pensamento:
Oh que bela cabeça por Apolo!
Mas que prol! Se não tem dentro miolo

(evocando a fábula da raposa e da máscara) 
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Soneto Alexandrino de São Simão/SP

THALMA TAVARES
(Vicente Liles de Araújo Pereira)

A UM JOVEM SUICIDA
 
Pela porta entreaberta o velho pai assoma.
Olha triste, em silêncio, a família e a casa.
E em soluços explode a dor que ele não doma, 
o mal contido pranto, a lágrima que abrasa.

A todos, de um só golpe, o sofrimento arrasa.
Inconsolável mágoa a casa inteira toma.
Parece que a tristeza, enfim, deitou sua asa
sobre um lar onde a paz era único idioma.

Tempos depois passou a dor e o desconforto.
Mas do pai, que abraçou um dia o filho morto,
como eterno castigo a dor não se apartou.

Ficou-lhe na lembrança – e pela vida inteira – 
a débil voz do filho e a queixa derradeira:
- Estou morrendo, pai!... A droga me matou! 
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Trova Premiada  em Ribeirão Preto/SP, 1997

ERCY MARIA MARQUES DE FARIAS 
Bauru/SP

Que bom se a gente pudesse
fazer tudo que não fez…
e a vida, a chance nos desse,
de ser criança outra vez!…
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Spina de Raul Soares/MG

VERA SALVIANO

ABANDONO

Sentindo agora, abandonada,
retira-se deveras entristecida.
Coisas da vida!

Sem saber o que pensar,
lá foi ela sem entender,
mais que triste, magoada, ferida!
As horas tombam, mortas agora.
Mais uma vez solitária, desiludida.
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Trova de Santos/SP

CAROLINA RAMOS

De esperanças carregada,
velejou por tantos portos;
hoje retorna a jangada,
trazendo meus sonhos mortos.
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Poema de Ribeirão Preto/SP

ELISA ALDERANI

TEMPOS DA INFÃNCIA

No tempo de minha infância,
longe da cidade vivia.
Minha casinha era pobre e pequena,
no verde dos campos sumia...
Milho e pastagem eram exuberantes.
Tinha uma estrada de terra batida,
onde sempre passavam os carros
puxados de dois bois, ofegantes.
Para ir até a escola,
talvez uma carona pegava.
Achava demais divertido
o balanço das rodas fazendo ruído.
Na volta, já de tardezinha
a mãe mandava buscar leite de vaca
no camponês que morava
na casa pequena, ao lado da minha.
Eu esperava ansiosa,
olhando curiosa a vaca leiteira,
que com os pés amarados
mexia o rabo, nervosa.
Maria, a camponesa,
usava saia preta e comprida.
Sentada numa cadeirinha,
com muito cuidado mungia.
Depois, o balde levava
e, devagar o leite ela coava.
Enchia uma xícara,
ainda lembro que era de cor verde,
e com carinho me oferecia.
O cálido leite quentinho
com a espuminha por cima
tinha sabor de carinho, e
matava a fome que tinha!
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Poetrix de Paranavaí/PR

RENATO FRATA
(Renato Benvindo Frata)

FLORES

Sensível, mas perfumada
chora a rosa
lágrimas de espinho.
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ 

RITA MOUTINHO

SONETO DO PROVÉRBIO

Depois da temporada de enlevo,
retorno à condição de submarino.
Ficarei mergulhada, sem relevo,
embalando o silêncio de ser sino.

Sinos só soam em horas muito raras.
São, é certo, instrumentos solitários,
mas plenos, mais plenos que as claras
orquestras que iluminam os cenários.

No recato da sombra, vou vivendo,
sem saber quando o lume se desnubla,
diversa de Penélope, escrevendo.

Sua grande atriz brilha no mundo,
nos bastidores, sou a chã que dubla,
mas, no escuro, o cintilo é mais profundo. 
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Trova de Santos/SP

EDNA GALLO

O meu coração cansado,
nas andanças da emoção,
hoje está triste, ancorado,
no porto da solidão.
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Poema de Maringá/PR

JAIME VIEIRA

CURVATURA

As estrelas se derramam no céu
mesmo quando, sob o peso dos anos,
não se olha mais para cima,
em busca de uma ilusão…

Envelhecidos os olhos,
a limitação humana
com as costas encurvadas
procura em poças d´água
o brilho das estrelas
refletidas no chão…

Recordando Velhas Canções (Porto Solidão)


Compositores: Gincko e Zéca Bahia

Se um veleiro repousasse
Na palma da minha mão
Sopraria com sentimento
E deixaria seguir sempre
Rumo ao meu coração

Meu coração, a calma de um mar
Que guarda tamanhos segredos
De versos naufragados e sem tempo

Rimas, de ventos e velas
Vida que vem e que vai
A solidão que fica e entra
Me arremessando contra o cais

Rimas, de ventos e velas
Vida que vem e que vai
A solidão que fica e entra
Me arremessando contra o cais

A solidão que fica e entra
Me arremessando
Contra o cais
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

Navegando pela Solidão de Jessé
A música "Porto Solidão" interpretada por Jessé é uma verdadeira viagem pelas águas da introspecção e da melancolia. A letra utiliza a metáfora de um veleiro para representar a jornada da vida e os sentimentos do eu lírico. O ato de soprar o veleiro na palma da mão sugere um desejo de controle sobre o próprio destino, uma tentativa de guiar a vida em direção ao coração, ou seja, aos sentimentos mais verdadeiros e íntimos.

O coração é comparado ao mar, um lugar profundo que guarda segredos, versos perdidos e momentos que se foram com o tempo, como naufrágios que deixam vestígios no fundo da alma. A repetição das palavras 'rimas', 'ventos' e 'velas' evoca a ideia de que a vida é feita de ciclos, de coisas que vêm e vão, mas a solidão é o elemento constante que permanece, impactando o eu lírico de forma avassaladora, como as ondas que arremessam contra o cais.

A solidão descrita na música é quase tangível, e o cais representa o ponto de encontro entre a imensidão dos sentimentos e a realidade concreta. A música de Jessé, com sua melodia suave e ao mesmo tempo carregada de emoção, convida o ouvinte a refletir sobre a própria existência, as escolhas feitas e o peso da solidão que, por vezes, acompanha cada um de nós em nossa jornada pessoal.

Estante de Livros (“Bom crioulo”, de Adolfo Caminha)

A narrativa concisa, além da elaboração da linguagem, são elementos que conferem a Bom-Crioulo um lugar de destaque em nossa literatura. No entanto, seu maior mérito é conseguir alargar nosso campo de visão, primeiro por mostrar que o Naturalismo não está só nas mãos de Aluísio Azevedo. Em segundo lugar, por possibilitar uma discussão interessante no que se refere ao Determinismo e como o homem age em relação ao seu destino.

À primeira vista, esse debate poderia ser inspirado pelo que mais chama a atenção em sua história: o homossexualismo. No entanto, o autor não resvala por dois dos aspectos mais comuns desse assunto. Não há a questão de se levantar ou se esconder a bandeira da condição sexual. Além disso, não há a crise de identidade tão comum em tantas obras de mesma temática. Muito pelo contrário – a descoberta da preferência sexual deu ao protagonista mais força de viver.

Cabe aqui uma observação. Constantemente se diz que o homossexualismo é tratado nessa obra de forma crua e imparcial. De fato, o primeiro adjetivo pode estar correto, pois o sexo, na obra, faz-se de forma carnal, não havendo sublimação, o que é típico do Naturalismo, escola que apresenta o homem como animalizado, prisioneiro dos próprios instintos. No entanto, imparcialidade é um conceito questionável, pois a maneira como o narrador se refere aos atos íntimos de suas personagens – “atentado contra a natureza” – por si constitui um juízo negativo de valor.

No entanto, o homossexualismo não é a pedra de toque do romance, mas uma ponte para que se reflita sobre algo maior: até que ponto somos livres para decidir sobre nossa vida? Praticamente tudo na narrativa inspira essa questão.

De início, deve-se lembrar que Amaro, personagem principal, é escravo fugido. Quer ser dono de seu próprio destino. Até que num golpe de sorte (nem lhe perguntam sua procedência) é aceito como marinheiro, o que ampliará os horizontes. A possibilidade de viajar, conhecer mundo, faz com que alcance sua bem-aventurança, tanto que recebe o apelido de “Bom-Crioulo”, graças à sua benevolência que contrasta com seu porte físico – sempre descrito, é importante notar, como algo olímpico, superior ao físico dos brancos.

No entanto, a disciplina a que está submetido é outra prisão, que só vai ser percebida quando o protagonista conhece Aleixo, adolescente que trabalha como grumete na mesma corveta em que está Amaro.

Interessante é ter em mente que o protagonista ganha identidade graças ao outro. Entende por que suas duas experiências com mulheres foram fracassadas. Entende o que é ao descobrir do que gosta, o que o faz desencantar-se do meio em que está. Deixa de ser o marinheiro submisso. Tanto que o livro inicia-se com o relato das chibatadas que Amaro recebeu, justo por ter arranjado briga em defesa do menino. Detalhe: com essa técnica de sedução, o que Amaro consegue é mais gratidão do que amor.

Com a necessidade de reforma da corveta em que trabalham, os dois marinheiros são autorizados a descer no Rio de Janeiro. Amaro arranja um quarto na pensão de D. Carolina, antiga prostituta e que também colhe pelo protagonista uma enorme gratidão – ele a havia salvado de uma tentativa de assalto. Revela-se, mais uma vez, o espírito bondoso do Bom-Crioulo.

Aqui cabe mais uma observação. Não há reprovação nenhuma por parte da mulher quanto ao relacionamento que vê diante de si, ainda mais por Amaro ter mais de 30 e Aleixo pouco mais de 15. Ela entra no mesmo esquema do livro: não faz julgamentos nítidos. Tudo se passa meio torto, pela observação tangencial, indireta, do narrador sobre o que outras personagens falam. As questões morais não estão no cerne da obra. Esse mesmo toque tangente é visto no que se refere a sexo. Tem-se a coragem – pelo menos para os padrões da época – de se citar o que está ocorrendo, mas na hora de relatar, descrever, narrar o que de fato acontece, corre-se uma cortina de reticências.

Enfim, é criada uma estabilidade matrimonial efêmera. É digno de nota o que acontece entre os dois, quando se fecham no sujo quartinho de pensão. Amaro mais se delicia em admira o corpo do seu amado do que com o prazer sexual. Parece que o menino, além de dar ao protagonista identidade, dá também um sublime senso estético, ou algo próximo disso. É uma evolução, de certa forma.

Como já se disse, o equilíbrio da união é temporário. Em primeiro lugar, já se notam indícios de que não há amor, ou mesmo atração, mas gratidão de Aleixo por Amaro. Talvez isso justifique a impaciência do menino com a rotina do Bom-Crioulo admirar seu corpinho branco. Além disso, Amaro é transferido de navio, cujo capitão, extremamente rígido, só lhe dá folga uma vez por semana, ocasionando horários desencontrados entre os amantes – não se vêem mais, pois. E, para piorar, D. Carolina determina, como último capricho de senhora, seduzir o rapazinho, no que é vitoriosa. Estabelece-se, dessa forma, o mais estranho triângulo amoroso de nossa literatura, pois o elemento desestabilizador é uma mulher, que rompe justo a união de dois homens.

Insatisfeito, Amaro chega a beber, o que altera sua personalidade – é o único ingrediente que o faz radicalmente deixar de ser o Bom-Crioulo. Desequilibrado, arranja confusão e por causa disso recebe uma quantidade inominável de chibatadas. Baixa, portanto, a um hospital-prisão, em que mergulha no tédio da recuperação e do abandono. Chega a mandar um bilhete, pedindo a visita de seu amado, mas Dona Carolina inutiliza-o.

Solitário e frustrado, Amaro começa a ficar inquieto quando sabe, por meio de um companheiro que passa pelo hospital, que Aleixo estava de caso novo. Realiza, pois, mais uma fuga – sempre o tema da busca da liberdade – em direção da pensão. No caminho, a verdade é completada, o que o deixa mais furibundo, aspecto que se agrava pelo fato de já estar bebendo.

Então, o desfecho. De forma extremamente rápida, em meio à multidão, Amaro encontra Aleixo, mata-o e acaba sendo levado preso. O interessante é observar, neste momento, a movimentação da coletividade, acompanhando com curiosidade sórdida a cena para depois cair na apatia. Uma tragédia que mergulhava na anestesia do esquecimento.

quarta-feira, 5 de junho de 2024

José Feldman (Analecto de Trivões) 30

 

A. A. de Assis (O Pijama)

Esnobar um pijama elegante, tecido fino, com o monograma bordado no peito, era um luxo de truz

Nos outroras da vida, os homens eram vidrados em pijamas. De noite, depois do banho, os varões da casa vestiam o listrado, jantavam, sentavam-se numa cadeira de vime, as mulheres ao lado fazendo tricô, os compadres e vizinhos em volta contando casos, falando de política, de negócios, eventualmente de futebol, ou contando anedotas de papagaio.

Esnobar um pijama elegante, tecido fino, com o monograma bordado no peito, era um luxo de truz. Havia, claro, quem reparasse nisso, dizendo que pijama era coisa íntima, para usar no quarto de dormir, e não para se ficar vestido nele na sala, diante de senhoras e das visitas.

Mas os guapos janotas não resistiam à tentação de embrulhar-se na macia indumentária e tirar proveito das noites de verão para os seus compridos papos.

Com o tempo essa moda foi acabando. Porém existem ainda alguns amantes do conforto que até hoje não conseguem entender o ato de dormir sem o simultâneo ato de se empijamar. Até para a cochilada após o almoço, quinze minutos que sejam, acham indispensável trocar a calça e a camisa pelo pijama, sem o qual o repouso não parece repouso.

Ouvi falar de um que todo dia, no meio da tarde, fechava a sala dele no escritório por dez minutos e se empijamava para tirar uma pestana.

O mais ilustrativo, entretanto, é o caso de um ultracaprichoso muito simpático que morou durante alguns anos em Maringá. Um bem-humorado engenheiro, bastante conhecido, cujo nome vou omitir por mera e óbvia discrição. Quem me contou a história foi um amigo dele, que viajou em sua companhia num roteiro turístico pela Europa.

Para ganhar tempo, quem sabe também para economizar um pouco evitando pagar diárias de hotéis, costumavam deslocar-se à noite de um país para outro em ônibus-leito.

Acontece que, assim que o ônibus partia e se apagavam as luzes, o engenheiro abria a pasta 007, pegava um pacote muito bem arrumadinho e se trancava no sanitário de bordo. Voltava minutos depois vestido num belo pijama.

O companheiro de viagem, conhecedor das suas idiossincrasias, começava logo a fazer gozação e inevitavelmente os demais passageiros acabavam também botando cara de ponto de exclamação. Numa dessas ocasiões, até o ajudante do motorista veio lá da cabine perguntar se estava havendo algum problema.

O ilustre, contudo, nem te ligo. Esticava a poltrona, dava boa noite, cobria-se com o cobertor e roncava em dó sustenido, como se estivesse em casa. “Isto não é um carro-leito? Pois é, se é leito, é pra gente dormir… e se é pra dormir tenho que vestir pijama”.

Certo ele? Claro que sim. Não sei se eu teria a coragem de fazer a mesma coisa, mas fica aqui a ideia para o primeiro desinibido que for viajar de leito para São Paulo ou Balneário Camboriú. Creio que não haja nenhuma lei proibindo o uso de pijama no ônibus.

Vereda da Poesia = 25 =


Trova Humorística de Miguel Couto/RJ

EDMAR JAPIASSÚ MAIA

Ela engana o marinheiro
que sempre lhe afoga a mágoa.
Também engana o padeiro...
e vai vivendo a pão e água!
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Poema de Porto União/SC

BENJÚNIOR
(Benevides Garcia Barbosa Júnior)

TARDE AZUL

Olhando por esta janela antiga,
Nem mais sei 
O que eu sou.
Já não ouço mais
Meus blues,
Nem tenho tempo
Para ver o sol nascer.
Só restam lamentos
Nas minhas tardes azuis,
Uma tristeza profunda, 
Vontade de não mais ser...
Como um espantalho
levado pelo vento
vou seguindo a vida,
esquecido dos deuses,
ermo de amores,
carente de pensamentos,
distante de tudo,
crivado de dores...
Sou agora aquele que nunca foi.
Aquele que nunca ousou,
alguém que nunca amou...
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Aldravia de Juiz de Fora/MG

CECY BARBOSA CAMPOS

na
orquestra
da
vida
sons
dissonantes
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Soneto de Vitória/ES

BERNARDO TRANCOSO
(Bernardo Sá Barreto Pimentel Trancoso)

LOUCURAS DE AMOR (I)

Torcer por um amor insano, incerto,
É ser um sonhador, ter peito aberto
Pra suportar a dor, infernizante,
Que a insegurança traz a cada instante.

É ver a alma perdida num deserto,
Sedenta e entristecida; é estar tão perto
De ser feliz na vida e tão distante
Desta felicidade, desta amante.

Passa o tempo e o desejo permanece,
Mas o corpo envelhece. Penso, então,
Que a alegria se encontra em outro plano.

Sabendo disso, um ser novo aparece
E, pretendendo alçar seu coração,
Arrisco um novo amor incerto, insano. 
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Trova Premiada  em Montes Claros/MG , 2010

OLGA AGULHON 
(Maringá/PR)

Mesmo das lutas vencidas,
restou-me tanto cansaço,
que nas armas recolhidas
só vi renúncia e fracasso.
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Poema de Évora/Portugal

POETA SILVAIS
(Manuel Joaquim Frades Carvalhal)

DEDICADO AO MENSAGEIRO
  
Mensageiro a Poesia
Está-te muito agradecida
E o Poeta dia a dia
Dá-te rimas que são vida
 
De tristeza já esquecida
Por carinho e simpatia
A pobreza enriquecida
Dá-te amor por cortesia
 
Do pai da mãe e da tia
Do primo do neto e avô
Quero que siga a “Dinastia”
Desta herança que te dou
 
O amar a quem te amou
E amanhã quem te amará
Daquilo que não estimou
Nunca nada te dará
 
Qualquer dia venho cá
E não é pra te agradar
Quem critica ajudará
Tua vida a melhorar
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Quadra Popular de Faro/Portugal

ISIDORO CAVACO
(Antonio Isidoro Viegas Cavaco)

Dando aos sonhos mais diversos,
forma, pureza e encanto,
apenas em quatro versos
os poetas dizem tanto!...
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Soneto de Lisboa/ Portugal

JOAQUIM EVÓNIO
(Joaquim Evónio Rodrigues de Vasconcelos)
(Funchal/Ilha da Madeira/Portugal, 1938 – 2012, Lisboa)

NOTURNO EM SETEMBRO

Hoje a lua nasce muito mais tarde
Nesta tristeza que trago comigo
Rompe farrapos do céu sem estrelas
Prata que não tange os sinos da aldeia

Dormem os poetas da minha rua
E os cães ladram sem saber porquê
Enquanto mais além é o silêncio
Que governa o tempo e o espaço

E eu observador intemporal
Prisioneiro de minhas verdades
Deitei-me logo a adivinhar

Se mais tarde quando o sol nascer
A lua lhe vai dizer em segredo
A solidão que passou esta noite
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Trova de Natal/RN

JOSÉ LUCAS DE BARROS
(Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN)

Zarpei ao romper do dia,
no meu barco, a velejar,
para "pescar" a poesia
que a Lua escondeu no mar.
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Poema de Alegrete/RS

MARIO QUINTANA
(Mário de Miranda Quintana)
(Alegrete/RS, 1906 – 1994, Porto Alegre/RS)

DATA E DEDICATÓRIA

Teus poemas, não os dates nunca... Um poema
Não pertence ao Tempo... Em seu país estranho
Se existe hora, é sempre a hora extrema
Quando o Anjo Azrael nos estende ao sedento
Lábio o cálice inextinguível...
O que tu fazes hoje é o mesmo poema
Que fizeste em menino,
É o mesmo que,
Depois que tu te fores,
Alguém lerá baixinho e comovidamente,
A vivê-lo de novo...
A esse alguém,
Que talvez nem tenha ainda nascido,
Dedica, pois, teus poemas,
Não os date, porém:
As almas não entendem disso…
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Triverso de São Paulo/SP

CARLOS SEABRA

que flor é esta,
que perfuma assim
toda a floresta?
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Sextilha de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA
(Nemésio Prata Crisóstomo)

POEMA DO ESQUECIMENTO... 

Quando o tempo passa, a gente 
passa a se esquecer "tudo", 
uns dizem: "tá é demente!"; 
discordo..., porém, contudo, 
entretanto, todavia..., 
já esqueci o que escrevia: 
mas comigo é diferente!
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Trova de Mangualde/Portugal

ELISABETE DO AMARAL
(Elisabete do Amaral Albuquerque Freire Aguiar)

A vida é feita de nadas,
enganando muita gente
que julgando águas paradas
vai ao sabor da corrente.
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Glosa de Porto Alegre/RS

GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

AO AMOR

Mote:
Em ternura plena e extrema,
nossos sonhos se cruzaram!
E a noite se fez poema...
E os versos também se amaram!...
FLÁVIO ROBERTO STEFANI
(Porto Alegre/RS)

Glosa:
Em ternura plena e extrema,
nos entregamos os dois,
numa carícia suprema,
sem antes e sem depois.

Nesse momento tão lindo,
nossos sonhos se cruzaram,
vivemos o amor, sorrindo,
por todos que já se amaram.

De amor, então, fiz meu lema.
Em beijos eu li teus versos,
e a noite se fez poema...
Unindo os sonhos dispersos.

Poesia, carinho e amor
abraçados, se irmanaram...
Nos amamos com fervor,
e os versos também se amaram!...
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Epigrama de Portugal

BOCAGE
(Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage)
(Setúbal, 1765 – 1805, Lisboa)

A UMA VELHA MUITO FEIA

Não veio a morte buscar-te
Com o seu chamante robusto,
Porque receia ao encarar-te
Morrer a Morte de susto.
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Soneto de Curitiba/PR

EMÍLIO DE MENESES
(Emílio Nunes Correia de Meneses
(Curitiba/PR, 1866 – 1918, Rio de Janeiro/RJ)

NUMA LÁPIDE

Qual se teu filho fora, eu me acabrunho
E, de mágoa, a falar-te mal me atrevo.
Aceita, entanto, o humilde testemunho
De quanto foste meu sagrado enlevo.

Fosse-me dado, de cinzel em punho,
Talhar o liso mármore em relevo,
E eu daria da pedra o eterno cunho
Às estrofes que em pranto e sangue escrevo:

Sei que não cabem nestes sons dispersos
O pranto em que esta angústia não se acalma,
E o sangue em que tais sons morrem imersos.

Não cabe dentro de votiva palma
Nem na estreiteza de mesquinhos versos
O infinito de dor que tenho na alma.
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Trova Premiada  em Nova Friburgo/RJ, 1995

RITA MOURÃO
(Rita Marciano Mourão)
(Ribeirão Preto/SP)

Quando esta lua indiscreta, 
me traz lembranças sem fim 
eu choro o velho poeta 
que morreu dentro de mim. 
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Spina de São Paulo/SP

ARTUR JOSÉ CARREIRA

AMORES

Amores são diferentes
Amores são diversos:
Inversos são rancores.

Seus versos rimam meio assim,
Nos perplexos olhares, não sós,
Se prestam pelos seus favores.
Amores são divinos, sem alarde
Apenas pétalas ao chão, flores.
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Trova de São Paulo/SP

ELIAS PESCADOR
(Aparecido Elias Pescador)

Tropeiro da mocidade
galopando a solidão,
foste conquista, e és saudade
que deixa rastro em meu chão...
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Poema de Maia/Portugal

JOSÉ CARLOS MOUTINHO

MURMÚRIOS DISTANTES

Sufocam-me os dias do meu estar,
Aperta-se-me o peito angustiado pelo nada;
Solta-se-me um grito estrangulado
Que voa, pelos vales da esperança,
E é a tua voz, que no eco, me responde,
Palavras de amor e arrependimento;
Mas estão longe, muito longe,
E chegam-me num murmúrio…
Perdem-se na distância dos erros cometidos
E momentos sofridos,
Que nem os místicos luares sararam;
Tampouco as estrelas que nos iluminavam,
Te mostraram a luz do nosso caminho;
Desperdiçaste a felicidade que se te oferecia,
De um coração aberto e uma alma transbordante,
De alegria constante!
Recusaste o sol que aqueceria a tua frieza,
Renegaste até os perfumes que a natureza,
Te colocou na floreira da tua vida,
Na forma de belas rosas vermelhas,
Oferecidas em instantes de êxtase

Agora o Universo gira num desatino,
Descontrolado pela razão da inconsciência,
Que me leva a uma irónica saudade,
Que não faz mais sentido,
Metamorfoseada por outras razões.
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Poetrix do Rio de Janeiro/RJ

LÍLIAN MAIAL

violoncelo plangente
(o arco arranca sustenidos):
sinfonia pelo chão
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Poema de Curitiba/PR

DANIEL MAURÍCIO

Com a porta
entreaberta
Deixei que entrasses
No meu céu.
E no céu da tua boca
A lua procurei.
Mas pra
Surpresa minha,
Quando estava
De olhos fechados,
Estrelas
Tu me fizeste ver.
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Trova de Sorocaba/SP

TAPAJÓS DE ARAÚJO
(Raimundo de Araujo Chagas)
(Sorocaba/SP, 1894 – 1969)

Nesse amor aberto em palmas,
espero encontrar depois
um céu para duas almas
e um sonho para nós dois.
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Triolé* do Rio de Janeiro/RJ

MACHADO DE ASSIS
(Joaquim Maria Machado de Assis)
(1839 – 1908)

FLOR DA MOCIDADE

Eu conheço a mais bela flor:
És tu, rosa da mocidade,
Nascida, aberta para o amor.
Eu conheço a mais bela flor:
Tem do céu a serena cor
E o perfume da virgindade.
Eu conheço a mais bela flor:
És tu, rosa da mocidade.
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* Triolé, pequeno poema de forma fixa. Originário da França (triolet), ao mesmo tempo em que o rondel e o rondó, com os quais é confundido; o triolé tem sua própria estrutura poética. Deschamps, poeta francês medieval, julgava-o igual ao rondel, e assim há quem o considere até hoje. Caiu em desuso (completo) no século XVI e foi reerguido, na metade do século XIX, pelos poetas parnasianos. Dentre os nossos que experimentaram o triolé, destaca-se um nome ilustre, Machado de Assis.

A estrutura do triolé consta do seguinte: uma oitava, ou mais, com duas rimas apenas, de modo que o primeiro verso repete no quarto, e os dois primeiros fecham a estrofe, como o sétimo e oitavo, assim: ABaAabAB (as maiúsculas representam os versos que são repetidos como estribilho).

Consta de estrofes de oito versos, em duas rimas, com a seguinte disposição: abaaabab. O 1.º, o 4.º e o 7.º versos são iguais.