quarta-feira, 12 de junho de 2024

Vereda da Poesia = 31 =


Trova Humorística de São Paulo/SP

EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO

Um corpo espetacular
do jeito que um cara quer,
só faltou, pra completar,
a garota ser mulher...
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Soneto de Sorocaba/SP

DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Poeta

… reconheceram a canção que cantariam,
se soubessem cantar .
Helena Kolody

Nunca lhe falta a sensibilidade,
a sutileza, o dom de transferir
às palavras toda a expressividade
na alegria ou na mágoa do sentir.

O poeta é assim, é versatilidade…
Seja o que for que intente traduzir,
mergulha em vida, em sonho, em realidade,
faz de uma noite a aurora reflorir.

Transcende as dores de um mundo sofrido,
pisa os mistérios do desconhecido,
traz as estrelas para o nosso chão.

E quem o escuta, exclama, fascinado:
“Era assim que eu queria ter cantado,
se soubesse escrever minha canção!”
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Aldravia de Porto Alegre/RS

ZÉLIA DENDENA SAMPAIO

virtude
o
perfume
da
veraz
solidariedade
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Soneto de Poços de Caldas/MG

LAÉRCIO BORSATO

Meu sublime motivo

Eu, que na vida, sempre fui tão inconstante,
Agora me detenho num tema exclusivo:
A cordas dessa lira, fortes vibrantes,
Fazem parte do mundo belo em que vivo...

É como uma mensagem de paz. Num instante,
Vem à minha alma como um doce lenitivo.
Nesse agito, o meu ser torna-se redundante:
Desejo escrever... É meu sublime motivo!

Nessa jornada, no campo imenso da poesia,
Encontro essa beleza que antes não sentia...
São simples temas - nobres joias esquecidas!...

Em cada verso, doo um pouco de mim mesmo.
Nesse jardim inerte, no abandono, a esmo,
Cultivo meu canteiro de belas margaridas!...
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Trova Premiada  em São Paulo/SP, 1997

EDUARDO A. O. TOLEDO 
Pouso Alegre/MG

O amor se faz infinito,
longe do bem e do mal,
quando brota do granito
e se transforma em cristal!
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Poema de Amsterdam/Holanda

ANNA ENQUIST 

Cena Campestre

A casa esperou por nós,
pensamos. O duplo renque de árvores
acena-nos que nos cheguemos. Num sussurro,
o rio vai escorregando cheio
entre as margens.

 À hora exacta, o sol vai esconder-se
por trás dos campos. A escuridão
envolve a casa que nos protege.
Acendemos o fogo, bebemos
entre as paredes.

 Vendi-me inteira à
segurança e debruço-me da janela.
Dormem cavalos e galos, a água
pisca o olho à lua, e eu a pagar,
sempre a pagar.

(tradução: Catherine Bare)
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QUADRA POPULAR

Lambari está pelejando
pra nadar n’água parada;
eu também estou pelejando
pra arranjar a namorada.
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Soneto de Alcantarilha/ Silves/ Portugal

MANUEL NETO DOS SANTOS

Primavera Esperada

Vem amor, quando chegar a Primavera, 
Fazer com que floresça o meu sorrir, 
Prender-me com os teus braços de hera 
E amar-me no regaço do devir. 

Vem amor, quando a terra florescer 
E o ar, almiscarado de perfume, 
Em brisas de ternura te disser 
Que acendas no meu corpo esse teu lume. 

Vem amor, quando a greda revolvida 
Florir, numa aquarela aveludada; 
Boninas, lírios brancos, açucenas… 

Vem, amor! Quando o dia, a alvorada, 
Florir as flores, mesmo as mais pequenas 
E traz-me, então, de volta a própria vida.
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Trova de Mogi-Guaçu/SP

OLIVALDO JÚNIOR

No miolo de um livrinho,
sufocado por mim mesmo,
nosso amor está sozinho,
decorando o tempo a esmo.
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Poema de Viana/Portugal

JOSÉ AUGUSTO DE CARVALHO

Poema para Maria

 Os longes da memória, o tempo e o modo
renascem, inventados, água e lodo...

 Rasgando a treva, a chama de um farol,
por montes, vales, plainos, surge o trilho...

 O múrmuro trinar do rouxinol
poisou no choro brando do teu filho.

 E de montante, o rio rumoreja,
espreguiçando a doce melodia.

 P'los campos, o olivedo que esbraceja
candeia que há-de ser já anuncia...

 Na calma santa e mítica de luz,
a vida sonha e quer-se imaginário...

 O tudo e o nada, o todo se reduz
ao berço do infinito planetário...
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Haicai de Campo Mourão/PR

JOSÉ FELDMAN

Amor

Suspira o corvo,
Evoca rios de ternura
Musgo do amanhã
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Sextilha Agalopada de São Simão/SP

THALMA TAVARES

Tenho medo da “essência” da carteira,
e do “status” que o ouro nos empresta.
Vale mais hoje um rico sem caráter
que o talento de alguém de vida honesta.
A lisura, o saber e a inteligência
são valores aos quais não se faz festa.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Não chamem de mundo-cão
o feio mundo do mal.
No cão pulsa um coração
melhor que o nosso, em geral.
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Glosa de Porto Alegre/RS

GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

Manhã menina

MOTE:
Madrugada... e a luz da aurora,
banindo a noite que finda,
conquista o tempo que mora
no dia que dorme ainda.
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

GLOSA:
Madrugada... e a luz da aurora,
colorida, cintilante,
tingindo o céu nessa hora
torna tudo alucinante!

A linda policromia
banindo a noite que finda,
canta um hino de alegria
com uma harmonia infinda.

O pranto que a noite chora
sabendo que vai morrer,
conquista o tempo que mora
no dia que vai nascer!

A manhã chega graciosa
feito uma menina linda,
se espreguiçando formosa
no dia que dorme ainda.
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Aldravia do Rio de Janeiro/RJ

MESSODY RAMIRO BENOLIEL

Após
nossos
corpos
entrelaçados
anoiteceu
silenciosamente
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

VINÍCIUS DE MORAES
1913 – 1980

Soneto de Meditação I

Mas o instante passou. A carne nova
Sente a primeira fibra enrijecer
E o seu sonho infinito de morrer
Passa a caber no berço de uma cova.

Outra carne virá. A primavera
É carne, o amor é seiva eterna e forte
Quando o ser que viveu unir-se à morte
No mundo uma criança nascerá.

Importará jamais por quê? Adiante
O poema é translúcido, e distante
A palavra que vem do pensamento

Sem saudade. Não ter contentamento.
Ser simples como o grão de poesia.
E íntimo como a melancolia.
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Trova Premiada  no Rio de Janeiro, 2005

WANDIRA FAGUNDES QUEIROZ 
Curitiba/PR

Defender a Ecologia
de forma séria e decente,
é preservar a harmonia
da própria casa da gente.
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Spina de Ponte Nova/MG

BETH IACOMINI

Cenário campestre

Árvores têm casa
cercadas de aves, 
telhados de sapê.

As portas de cor amarela 
brilham ao nascer do Sol.
Vista mágica: pés de Ipê... 
Flor do campo no entorno
amor reina, juntos eu, você.
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Trova de Caicó/RN

PROFESSOR GARCIA

Trago uma lição comigo
que aprendi desde criança:
Quem tem um cachorro amigo,
não perde nunca a esperança!
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Pantum da Flórida/Estados Unidos

ANGELA BRETAS

O sabiá que sabia tanto...

O sabiá que sabia tanto,
sabia que encantava sim,
seu canto, som de encanto,
soava como harpas dos querubins.

Sabia que encantava sim,
seu som de pássaro liberto
soava como harpas dos querubins
em manhãs de sonos despertos.

Seu som de pássaro liberto
ecoava nas matas distantes
em manhãs de sonos despertos,
melodias em formas tocantes.

Ecoava nas matas distantes
a música que adocicava a alma.
Melodias em formas tocantes
chamadas de paz e calma.

A música que adocicava a alma
tornava o pássaro alvo cativo.
Chamadas de paz e calma
atraía o inimigo.

Tornava o pássaro alvo cativo
cobiça em forma de canto.
Atraía o inimigo
enfeitiçado por seu encanto.

Cobiça em forma de canto
sufocou o sabiá, coitado.
Enfeitiçado por seu encanto
deixou-se prender, morreu calado.

Sufocou o sabiá coitado,
armadilha do destino calou o canto.
Deixou-se prender, morreu calado
o sabiá que sabia tanto...
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Poetrix de Salvador/BA

GOULART GOMES

Menina de Rua

o homem dormia, em seu ninho
e o coração dela
esmolando um carinho
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Soneto do Rio Grande do Sul

ALCEU WAMOSY
Uruguaiana/RS, 1895 — 1923, Santana do Livramento/RS

Duas almas

Ó tu que vens de longe, ó tu que vens cansada,
entra, e sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho.
Vives sozinha sempre e nunca foste amada...

A neve anda a branquear lividamente a estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.

E amanhã quando a luz do sol dourar radiosa
essa estrada sem fim, deserta, horrenda e nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!

Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Hás de levar contigo uma saudade minha...
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Trova de Ribeirão Preto/SP

NILTON MANOEL
1945 – 2024

Sonhando de trova em trova
pela estrada da poesia,
minha vida se renova
no correr de cada dia.
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Poema de Autoria Anônima

Desabafo de um Cão

Não pense tão indiferente
só porque não sou gente,
só porque não sei falar.
Também sou um ser vivente,
sinto as dores que você sente,
mas não posso me expressar.

Sou um bicho abandonado,
pela vida maltratado,
sempre escorraçado
e até mesmo apedrejado.
Vivo sedento e faminto,
ninguém quer saber o que sinto.

Se fico doente e triste,
vejo logo um dedo em riste,
e vem a sentença fatal:
"Melhor matar esse animal!
Ele deve estar raivoso!"
Para sua comodidade
vive dizendo inverdade,
fazendo muita maldade,
seu mentiroso!

Mesmo que eu esteja raivoso,
já foi descoberta a vacina.
Mas para a sua raça humana
ainda não existe remédio.
Você mata o próprio irmão,
assalta,
faz guerra.
Mata com ou sem razão,
as vezes só por ambição.
É bem pior que eu
que chamam de vira-lata!

Estou triste, apavorado,
pois a qualquer instante
posso ser sacrificado.
Mas você não se importa
nem com o seu semelhante.
Você sim está doente:
egoísta, indiferente,
mas se algo ruim acontece
logo lembra que há Deus,
chora, reza e faz prece,
mas Deus só ajuda aquele
que de todos se compadece!

Lembre-se do que escreveu
São Francisco de Assis:
"Quem maltrata um animal
JAMAIS PODERÁ SER FELIZ!" 
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Renato Frata (Régua de medir língua)

Circunspecto, mal-humorado e de forte personalidade, quando meu pai chegava, recolhiam-se os filhos. Não era monstro, mas no quarto sentíamo-nos seguros. O respeito por medo impunha silêncio, perfil não agradável a se fazer do pai. Soubemos, depois, das decepções por ele nunca absorvidas: a morte de filhos, falta de expectativa.

Amargava o amargo viver.

Nos gestos, fugas ao boteco amparador de cotovelos. E companheiros bons de ouvidos e de garganta a ouvirem e dizerem lamúrias.

Nunca esperança.

Para o mal dos pecados, uma vizinha fofoqueira de nome Filó, volta e meia buscava, por empréstimo, xícaras de farinha, açúcar, arroz, raramente os pagava. E ele odiava falatório inútil, especialmente os que vinham de comentários ouvidos ou criados por ela que, das respostas ouvidas, sairiam notícias falsas a inundar ouvidos outros, municiando-se para produzir fofocas perigosas.

Por isso ele alertou:

- Não lhe deem trela, é inconsequente e se abastece de fatos que viram difamação. É perigosa!

Tinha lá suas razões.

Estando ele ocupado com relatórios das vendas que fazia, a vizinha pediu feijão e, enquanto minha mãe a servia, danou falar mal da mulher do prefeito, esperando respostas que lhe dessem fôlego para alongamento do disse-que-disse. Ele se levantou e foi à cozinha de posse de um embrulho pequeno, que o estendeu à visita.

- Para mim? - perguntou sorrindo.

Ao desfazer o invólucro, diante da surpresa, admirou:

- Uma régua?

- Sim, dona Filó, para medir sua língua.

Diante do espanto, completou:

- Vá fazer fofocas em outro lugar, não na nossa casa!

Resposta clara, mal-educada, mas objetiva. Nem é preciso dizer do constrangimento geral.

O fato é que ela, de régua na mão, saiu e bateu a porta. Para não mais voltar nem para pedir, nem para devolver, quanto mais, falar.

Guardadas as proporções, consequências e ajustes de conceito, considerando as trapalhadas de certos pessoas (de todos os escalões e esferas), a inconveniência de Dona Filó ficaria nos
calcanhares.

Talvez a régua de meu pai devesse ser distribuída às grosas, pelo país... Com todo o respeito a quem tem a língua medível a centímetros e polegadas.

Fonte: Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor

Recordando Velhas Canções (Ave Maria no Morro)


Compositor: Herivelto Martins

Barracão de zinco
Sem telhado, sem pintura
Lá no morro
Barracão é bangalô

Lá não existe
Felicidade de arranha-céu
Pois quem mora lá no morro
Já vive pertinho do céu

Tem alvorada, tem passarada
Alvorecer
Sinfonia de pardais
Anunciando o anoitecer

E o morro inteiro no fim do dia
Reza uma prece ave Maria
E o morro inteiro no fim do dia
Reza uma prece ave Maria

Ave Maria
Ave
E quando o morro escurece
Elevo a Deus uma prece
Ave Maria
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A Simplicidade do Morro e a Fé em 'Ave Maria no Morro'
A canção 'Ave Maria no Morro', composta por Herivelto Martins, é um clássico da música brasileira que retrata a vida simples e a fé dos moradores dos morros. A letra descreve o barracão de zinco, uma moradia humilde sem luxos, mas que é comparada a um bangalô, sugerindo que, apesar da simplicidade, há uma beleza singular naquela vida.

A música contrasta a vida no morro com a dos arranha-céus, destacando que a felicidade verdadeira não está na riqueza material, mas na proximidade com a natureza e com o céu, tanto no sentido literal quanto espiritual. A alvorada e a passarada, assim como a sinfonia dos pardais, são elementos que trazem a ideia de harmonia e paz, elementos essenciais da vida no morro que são valorizados pelos seus moradores.

O aspecto religioso é fortemente presente na música, com a comunidade do morro se unindo ao final do dia para rezar a 'Ave Maria'. A oração, que é uma das mais conhecidas no cristianismo, simboliza a fé e a esperança dos moradores, além de representar um momento de união e contemplação. A repetição da prece no final da música reforça a importância da espiritualidade na vida daquelas pessoas, independentemente das adversidades.

Silmar Bohrer (Croniquinha) 114

Quando estamos caminhando no ritmo habitual, sem pressa, em busca do que parece quase nada, na verdade vamos num solilóquio, conversando com os EUS interiores, olhar tranquilo, mas esperto, a observar as árvores, a abrigar-se na sombra, a sentir a brisa suave, ouvir os cantos passarinhos, os gorjeios sabiás, os pintassilgos sonoros. 

Eis a pureza dos dias. 

Conversas na intimidade nos levam para para longe, como nos trazem passadas inteiras vividas. Em breves instantes nos fazem lembrar da palavra "delícia" , que significa DE - fora, mais LACERE - atrair, surgindo delícia com o significado de atração, encanto, ato de cativar. Porque a vida não é só laborar, ocupar-se com trabalho. Nestes andares-divagações a gente põe o espírito em serenidade, ao bel-prazer, bebericando paisagens que os caminhos oferecem. 

Eis os deleites da vida. 

Fonte: Texto enviado pelo autor 

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Daniel Maurício (Poética) 68

 

Antonio Brás Constante (Eles, elas e a direção)

Na vida devemos (às vezes) correr riscos, testar, usar e abusar da sorte fazendo jorrar a adrenalina que nosso corpo produz, por isso resolvi deixar o bom senso de lado e escrever este texto.

Na eterna disputa entre os sexos, um dos assuntos que mais vem à tona é sobre o trânsito. De um lado os homens, afirmando que elas não sabem “pilotar” nada que não seja a pia de lavar louça ou o fogão. Do outro as mulheres, respondendo que são muito mais responsáveis do que eles na direção e que, se a eventual falta de experiência delas pode vir a dificultar um pouco a condução de veículos, muito pior é o desempenho dos machões quando colocados para cumprir os afazeres domésticos.

É uma briga de cães e gatas, onde as gatas acabam geralmente levando a melhor, pois contam com uma memória assustadoramente superior a dos cães que ficam latindo, mas acabam mordendo o próprio rabo.

Lembro que uma vez na praia se iniciou uma discussão sobre este assunto. Na ocasião minha cunhada argumentou que as estatísticas nacionais comprovavam que as mulheres dirigiam melhor do que os homens. Eu respondi que isto somente provava duas coisas: primeiro que, independente de qualquer estatística, as mulheres continuavam não sabendo dirigir e segundo que isso provava que os homens não sabiam fazer estatísticas. Falei brincando, mas ainda assim, quase não escapei vivo do lugar (foi muita adrenalina).

Se analisarmos os fatos, perceberemos que os homens têm um jeito mais ousado de dirigir. Por exemplo, numa ultrapassagem em um horário de grande movimento, ao visualizarem um espaço disponível entre os carros da esquerda, onde caberia no máximo uma bicicleta, eles certamente vão avançar por ali. Pela lógica masculina, se entra uma bicicleta, também entra um carro, pois todos os veículos têm freios e o motorista de trás não vai querer bater em nada que amasse ou tire a cera de seu automóvel (amigo fiel e companheiro das estradas).

Já as mulheres pensam de forma diferente. Quando veem o espaço do uma jamanta entre os carros que passam por elas, primeiramente analisam os riscos de entrar no meio deles, depois mentalizam todo processo que deverão empregar para proceder com segurança aquela operação de troca de pista. Lembram que se cometerem um erro, toda culpa será delas, pois no mundo machista em que vivem são sempre as culpadas. Calculam as probabilidades da necessidade de fazer aquilo e finalmente percebem que a brecha não existe mais e que deverão reiniciar todo processo.

Em última analise, penso que as mulheres são geralmente culpadas pelos acidentes que acontecem, pois desviam a atenção dos homens com seus vestidinhos curtos, calças justas com cintura baixa e decotes provocantes.

Nós homens, somos vítimas da beleza feminina. Talvez no futuro inventem formas de se evitar que os acidentes aconteçam. Somente espero que para isso, não proíbam nossas musas de abrilhantar nossos caminhos, pois prefiro correr o risco de uma distração, a ter toda uma viagem sem a graça feminina desfilando suas virtudes divinas pelas ruas de meu destino. (ATENÇÃO: Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança, seja ela comportamental ou não, com a vida real terá sido mera coincidência - Espera-se com estas últimas palavras ter ajudado a manter a integridade física do autor, principalmente no âmbito de seu lar...).

Vereda da Poesia = 30 =


Trova Humorística de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Alarme no galinheiro. 
- Será que há gambá na granja?... 
- Bem mais grave: é o cozinheiro 
que avisa: “Hoje vai ter canja!”... 
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Soneto de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI

Amor Primeiro

Amei-te, sim, meu Deus, como eu te amei!
Relembro, aqui, dos meus sofridos passos...
Inenarráveis dores suportei,
vagando, enquanto estavas noutros braços.

À tua indiferença eu me curvei...
Longe de ti, consciente dos fracassos,
Deixei a luta, e ali, me acovardei,
Ouvi a razão, rompi meus frágeis laços.

Contudo, agora enxergo claramente,
Após tentar tirar-te, em vão, da mente:
— ninguém esquece o imenso amor primeiro!

Há muitos anos vivo neste mundo...
O tempo vem provar: — mesmo infecundo,
Tão grande amor se fez ... o derradeiro!
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Aldravia de Fortaleza/CE

HELENA LUNA

sonho
poeira
que
o
vento
carrega
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Soneto de Santos/SP

CAROLINA RAMOS

Velho Rio

Deslizas velho rio, amargo e silencioso,
a esconder, bem ao fundo, a injúria e a dor calada.
Cresceste manso, puro! E teu caudal piscoso
refletia o esplendor da luz da madrugada!

Quantas milhas coleaste! Fértil, dadivoso,
quantos lares supriste! E se a sede saciada
afugentou a seca, esse fantasma odioso,
tiveste, em paga injusta, a face maculada!

Hoje, segues tristonho… sujo… moribundo...
tendo no seio o estigma e, na alma dolorida,
toda a angústia de ser a lixeira do mundo!

Velho rio... depois de tanto desengano,
entendo porque, enfim, protestas contra a vida
e afogas tua dor no abismo do oceano!
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Trova Premiada  na Ilha da Guanabara, 1965

FERNANDO BURLAMAQUI 
Recife/PE, 1898 – 1978

A Saudade, com certeza,
tem poderes encantados
que fazem doce a tristeza
dos corações separados.
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Poema de Lisboa/Portugal

ANA MAFALDA LEITE

Caixinha De Música

impregno-me em ti como um perfume
como quem veste a pele de odores ou a alma de cetins
quero que me enlaces ou me enfaixes de muitos laços
abraços fitas ou fios transparentes
 
em celofane brilhando uma prenda
uma menina te traz vestida de lumes
incandescendo incandescente
te quer embrulhado em véus de seda e brocado

 encantada a serpente a flauta o mago
senhor a toca
e quando me toca
o corpo eu abro

 caixinha de música
dentro
com bailarina que dança
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QUADRA POPULAR

As rosas é que são belas,
são os espinhos que picam,
mas são as rosas que caem,
são os espinhos que ficam...
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Soneto de Juiz de Fora/MG

ROMILTON ANTÔNIO DE FARIA

Bons Tempos

Sou do tempo do pão posto à janela,
de contemplar a lua cor de prata,
do tempo que guardava a carne em lata,
do meu blusão xadrez, chita ou flanela.

Nesse tempo benzia até espinhela.
Via o leite fervido dando nata,
do tempo que dizia a paixão mata
chorando ao machucar sem ter sequela.

Os conselhos, histórias e respeitos,
todos os bons valores, seus efeitos
se afastaram de mim. Eu vivo, agora,

sem moda de viola em minha sala,
sentindo que a saudade, hoje, me cala,
percebo que esse tempo foi-se embora!
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Trova de Campo Mourão/PR

SINCLAIR POZZA CASEMIRO

Todas  manhãs são seguras,
pois há toques de poesia
que tu, mágico, asseguras
Sir Feldman de cada dia!!!
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Soneto de Porto Velho/RO

JERSON LIMA DE BRITO

Rosa Nua

Eleva-se a fragrância nectarina
nas sendas encantadas que cobiço
e, sonhador, adejo no feitiço
soprado pela mágica neblina.

Aquela rosa nua, em pleno viço,
relumbra e meus sentidos desatina,
desperta-me a serpente libertina
tomada pela ardência, em rebuliço.

Nem tento reprimir a minha fera
perante a profusão de maravilhas
deitadas no vergel porque me aflijo.

A fúria dos desejos, onde impera
a sede de te amar, implora as trilhas
que levam ao completo regozijo.
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Haicai de Niterói/RJ

LYAD DE ALMEIDA
1922 – 2000

Favela. A lua
faz das latas dos barracos
finas pratarias.
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Sextilha de Recife/PE

MANUEL BANDEIRA
1886 – 1968, Rio de Janeiro/RJ 

Paisagem da minha terra,
Onde o rouxinol não canta
- Mas que importa o rouxinol?
Frio, nevoeiro da serra
Quando na manhã se levanta
Toda banhada de sol!
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Trova Humorística do Rio de Janeiro/RJ

DJALDA WINTER SANTOS

Houve muita confusão
quando o morto, no velório,
dando um tapa no caixão,
reclamou do falatório...
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Glosa de Porto Alegre/RS

GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

E é quase dia...

MOTE:
No talvez da quase noite,
quando a espera me angustia,
horas batem feito açoite...
Tu não vens...e é quase dia...
WANDA DE PAULA MOURTHÉ
Belo Horizonte/MG

GLOSA:
No talvez da quase noite,
eu me perco em devaneios
e temo que a dor se amoite
e se instale nos meus seios!

O pranto cai devagar
quando a espera me angustia,
sentindo – não vais chegar,
morre em mim toda a alegria!

A tristeza faz pernoite
no meu pobre coração...
horas batem feito açoite...
sem nenhuma compaixão!

Quando a solidão aumenta,
a noite perde a magia
e minha alma não aguenta,
tu não vens...e é quase dia...
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Aldravia de Itajaí/SC

ANNA RIBEIRO

nas
entrelinhas
a
busca
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Soneto de Porto/Portugal

FILINTO DE ALMEIDA
1857 – 1945, Rio de Janeiro/RJ

Zumbidos

Eu quisera ter voz para cantar
A tua glória — portentoso guia
Nas ascensões da minha fantasia —
Voz do Céu, voz da Terra, voz do Mar.

Mas tão potente voz, tão singular
Que concertasse a tríplice harmonia,
A só digna de ti, quem a teria
Neste soturno mundo sublunar?

Eu, abelhão fugaz do ático Himeto,
Dou-te o meu surdo canto, asas abrindo,
Num sussurro de loa triunfal;

Dou-te mais um zumbido num soneto;
Que eu vivi sempre e morrerei zumbindo
Em torno da tua sombra colossal.
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Trova Premiada em Niterói/RJ, 2003

DIVENEI BOSELLI 
São Paulo/SP

Choro junto à sepultura
De sonhos mortos repleta,
E a razão, mãos na cintura,
Diz: – quem mandou ser poeta.
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Spina de Contagem/MG

ZEZÉ DE DEUS

Família Pulgões

Estava eu sugando
a seiva do
brotinho da planta.

Tudo ia muito bem, quando 
veio sobre todos nós aquela
fedida botina do tipo jamanta.
Logo, gritei: filhinhos, saiam fora!
Deixem para depois a janta!
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Trova do Rio de Janeiro

FAGUNDES VARELA
Rio Claro/RJ, 1841 – 1875, Niterói/RJ

A mais tremenda das armas,
bem pior que a durindana,
atentai, meus bons amigos…
se apelida: – a língua humana!
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Poema de Londres/Inglaterra 

JOHN DONNE 
1572 – 1631

A Isca 

Vem viver comigo, sê o meu amor
E alguns novos prazeres provaremos
De areias douradas e regatos de cristal
Com linhas de seda e anzóis de prata.

Aí o rio correrá murmurando, aquecido
Mais por teus olhos do que pelo sol;
E aí os peixes enamorados ficarão
Suplicando a si próprios poder trair.

Quando tu nadares nesse banho de vida
Cada peixe, dos que todos os canais possuem,
Nadará amorosamente para ti,
Mais feliz por te apanhar, que tu a ele.

Se, sendo vista assim, fores censurada
Pelo Sol, ou Lua, a ambos eclipsarás;
E se me for dada licença para olhar
Dispensarei as suas luzes, tendo-te a ti.

Deixa que outros gelem com canas de pesca
E cortem as suas pernas em conchas e algas;
Ou traiçoeiramente cerquem os pobres peixes
Com engodos sufocantes, ou redes de calado.

Deixa que rudes e ousadas mãos, do ninho limoso
Arranquem os cardumes acamados em baixios;
Ou que traidores curiosos, com moscas de seda
Enfeiticem os olhos perdidos dos pobres peixes,

Porque tu não precisas de tais enganos,
Pois que tu própria és a tua própria isca,
E o peixe que não seja por ti apanhado,
Ah!, é muito mais sensato do que eu.

(Tradução de Helena Barbas)
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Poetrix de Belo Horizonte/MG

ANGELA TOGEIRO

Falsa borboleta

Ousei ser lagarta e pupa.
Rompi o casulo
numa sociedade de asas tolhidas.
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Pantun de Pelotas/RS

OLGA MARIA DIAS FERREIRA

Pantun da Cegueira do Amor

TEMA:
Se o amor é cego, entretanto,
por que nos faz tanto bem?
Mesmo cego, é luz no entanto,
nos olhos cegos de alguém!
PROFESSOR GARCIA 
Caicó/RN

PANTUN:
Por que nos faz tanto bem
essa pauta de carinho,
nos olhos cegos de alguém,
a enfeitar o nosso ninho.

Essa pauta de carinho,
tanto amor ao entardecer,
a enfeitar o nosso ninho
e nos ajuda a viver.

Tanto amor ao entardecer,
traz grande brilho ao olhar
e nos ajuda a viver,
vibrar, sorrir e sonhar.

Traz grande brilho ao olhar
e traz muita paz… enquanto,
vibrar, sorrir e sonhar
Se o amor é cego, entretanto...
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Trova de Fortaleza/CE

J. UDINE VASCONCELOS

Como filho do Universo,
vejo a vida em poesia,
por isso é que faço verso,
dia e noite, noite e dia...
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Poema de Cabo Frio/RJ

ABEL FERREIRA DA SILVA

Galo cantando

Tem tempo que não ouço um galo
cantando na madrugada
um galo chamando o dia
dentro da noite calada

Seu canto marcando o terreno
de sua própria ousadia
entre a sombra e o clarão
na noite a sua vigia

Canto que puxa o tempo
de dentro do poço escuro
sangue de um outro dia
carne de um outro futuro.

Figueiredo Pimentel (O vestido rasgado)

Por que Ivone virá hoje tão triste da escola? Faria por lá alguma maldade? Não. A mestra ficou muito satisfeita com ela.

Foi isto: quando ela se levantou do banco, rasgou o vestido, sem querer.

E que buraco! Dar-se-á o caso que o saiba consertar, sem se ficar conhecendo?

Bem pode ser, porque a mãe (uma pobre lavadeira), quando chega à casa, vem mortinha de cansaço. Como estava escuro, Ivone acendeu o candeeiro, e foi procurar a caixa em que a mãe costuma guardar todos os retalhos.

— Aqui está um azul, da cor do meu vestido, pensou Ivone, estendendo o retalho. Se eu lhe puder meter uma tira!

Despiu o vestido, deitou um xalinho pelos ombros, e pôs mãos à obra, com tanto afã, que nem deu pela chegada da mãe.

— Aconteceu-te alguma coisa? perguntou-lhe, chegando ao pé da filhinha. Estás a consertar o vestido? Rasgaste-o? Olha que seria uma desgraça, porque não tens outro, nem há mais nenhum bocado de pano azul.

— Há sim, minha mãe, respondeu a pequenina, mostrando-lhe o vestido.

— Pois eu julgava que não havia; mas está me parecendo que sabes fazer muito bem um conserto.

— Já sei, já, respondeu Ivone, brilhando-lhe os olhos.

Naquela noite foi se deitar contentíssima.

De manhã levantou-se, vestiu-se, lavou-se, olhou para o vestido, e chegou ao pé da janela para o examinar de mais perto.

— Olhe! Minha mãe! Minha mãe! – gritou ela em choro - venha cá ver. Pois não pus uma tira verde no meu vestido azul? Que hei de eu fazer agora? Não posso ir à escola com esse vestido assim!

— Então, como foi isso? Não sabes que muitas vezes, à luz do candeeiro, o azul se confunde com o verde, e o verde com o azul? Mas, por causa disso, não hás de faltar à escola. Talvez que o avental te esconda a tira.

Ivone vestiu o vestido, e pôs o avental. Qual história! O avental é pequeno demais, e a tira continuava a ser vista.

— Lembra-me uma coisa, disse Ivone: é pôr a pasta dos papéis mais para trás, e assim parece-me que não se verá.

Lá foi para a escola, e empregou tanto cuidado todo o dia, que ninguém reparou.

À saída, porém, esqueceu-se da tira. Foi pôr a pasta a um canto do pátio, e começou a brincar com as condiscípulas. Não brincou por muito tempo, porque dali a pouco reparou em duas meninas, que olhavam para ela a rir-se. De repente, lembrou-se do vestido, fez-se muito corada, e sentiu duas lágrimas rolarem-lhe pelas faces. Pegou na pasta, e saiu.

***

Eugênia, uma das meninas que tinha feito escárnio do vestido de Ivone, não voltou muito contente da escola, nem a mãe a ouvia cantarolar, como costumava, pela escada acima. Não fez senão pensar na colega, que viu sair da escola tão triste.

— Eu é que fui culpada, pensava. Faz-me tanta pena ter-me rido. Mas também para que foi ela deitar uma tira verde num vestido azul?  Falando a verdade, era muito esquisito.

Eugênia pegou na boneca para brincar, mas a boneca não a distraía. Por mais que fizessem, tinha defronte dos olhos o rosto melancólico de Ivone.

— Foi decerto por ela não ter outra fazenda da cor do vestido; se eu a tivesse, dar-lhe-ia.

Correu, então, a casa toda, a ver se a achava. Perguntou à mãe. Tudo debalde. Pôr mais voltas que desse, não encontrou alguma fazenda azul, senão a do vestido da boneca. Então pegou nesta, abraçou-a, olhou muito para ela e parecia refletir.

— Minha adorada Ida, disse de repente: bem conheço o teu bom coraçãozinho, por isso te vou pedir uma fineza. Não te lembras da Ivone, que no outro dia vistes em nossa casa? Hás de acreditar que deitou uma tira verde no vestido azul! Por mais que imagines, não podes fazer ideia da fealdade que ficou. Tenho a certeza de que não quererias para ti um vestido consertado daquela maneira. Foi decerto por não ter outra fazenda. O vestido é da cor do teu. Farias tu o sacrifício de lhe dar este, para mudar a tira? Bem sei que não tens outro para o inverno, mas a nossa casa é quentinha. Não te parece que, vestindo o teu vestido de verão, e pondo o teu xalinho de lã escarlate, ficarás ainda uma boneca senhoril?

Ida olhou para a dona, com o sorriso do costume. Pareceu a Eugênia que ela fazia o sinal de consentir. Despiu-lhe, então, o vestido do corpo, separou a saia, e pegando nesta, correu à casa de Ivone.

Quando chegou, a porta estava entreaberta.

Antes de entrar, parou um instante, e ouviu Ivone dizer para a mãe:

— Olha! mamãe! Eu não posso tornar à escola com esse vestido!

— Hás de tornar, bradou-lhe Eugênia (abrindo de repente a porta), olha, aqui tens um bocado de fazenda para consertares. Só Deus sabe o que me afligi por ter sido a causa de te ver chorar. Não penses mais nisso, não?

***

Diz a vizinhança que Ivone ficou tão contente, que de tudo se esqueceu daquele desgosto.

Colocou nova tira no vestido, e no outro dia entrou alegríssima na escola. Eugênia, pulando de contentamento, voltou para a boneca, encontrando-a a sorrir como sempre. E desde aquela ocasião, as duas meninas, Ivone e Eugênia, ficaram amicíssimas.

Fonte: Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896. Disponível em Domínio Público. 

Recordando Velhas Canções (Agonia)


 Compositor: Mongol

Se fosse resolver
iria te dizer
foi minha agonia
Se eu tentasse entender
por mais que eu me esforçasse
eu não conseguiria
E aqui no coração
eu sei que vou morrer
Um pouco a cada dia
E sem que se perceba
A gente se encontra
Pra uma outra folia
Eu vou pensar que é festa
Vou dançar, cantar
é minha garantia
E vou contagiar diversos corações
com minha euforia
E a amargura e o tempo
vão deixar meu corpo,
minha alma vazia
E sem que se perceba a gente se encontra
pra uma outra folia
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A Dança da Vida em 'Agonia' de Oswaldo Montenegro
A música 'Agonia', de Oswaldo Montenegro, é uma obra que transita entre a melancolia e a celebração da existência. A letra aborda a inevitável passagem do tempo e os sentimentos de dor e alegria que acompanham a jornada humana. No início, o eu lírico expressa uma sensação de impotência diante de suas emoções, reconhecendo que a agonia é uma parte inescapável de sua experiência. A dificuldade em compreender plenamente a própria dor é admitida, sugerindo que há aspectos da vida que estão além do entendimento racional.

O coração é mencionado como o local onde o eu lírico sente que morre um pouco a cada dia, uma metáfora para o sofrimento e a perda que todos enfrentamos ao longo do tempo. No entanto, há uma reviravolta na narrativa quando o foco muda para a celebração. A música propõe que, apesar da agonia, é possível encontrar momentos de festa e alegria. O eu lírico decide abraçar a festividade, dançar e cantar, como uma forma de garantia contra a tristeza. Essa atitude contagia os outros, espalhando euforia e afastando a amargura.

Por fim, a música reflete sobre a transitoriedade da vida, onde a alma eventualmente se esvazia, mas mesmo assim, a esperança de novos encontros e celebrações permanece. 'Agonia' é um convite para reconhecer a dor, mas também para encontrar força na alegria coletiva, na dança e na música, elementos que unem as pessoas em um ciclo contínuo de altos e baixos.