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sexta-feira, 14 de março de 2025
Renato Frata (Assim se deu)
Comprou para si máscaras rosas. Para Alberto, azuis, e o amaria com elas pela primeira vez nesse pandêmico 2020, transformado em ano-horror de tantas mortes e festival de sandices macabras da TV buscando audiência!
Por isso, apertou os passos a despeito da chuvarada sobre as costas. Já não eram os passos de shopping, demorados diante das vitrines, mas os de chuva com travessias às gordas e potentes enxurradas a molharem os pés, além de se incomodar com os pingos vazados da velha sombrinha. Mas todo esse esforço valeria. Alberto havia falado que chegaria na quinta, e já era terça...
- Ops! já era terça, ou ainda era terça? perguntas bobas que a saudade inventa de inventar na cabeça da gente... – e seguiu com esses pensamentos que a levavam a ora se preocupar com a ausência do amado, ora se incandescer de desejo pela proximidade do dia em que viria... por isso, se sujeitou a sair com o tempo ruim apenas para comprar as ditas máscaras, possibilitando que o namoro acontecesse.
Sem elas, diziam, a Covid faria estrago... Melhor cuidar!
Tateando paredes e cuidando com a chuva, chegou, empurrou o portão, subiu os degraus, meteu a chave na fechadura, torceu, empurrou e entrou. O barulho da água no telhado e a escorrer pela calha abafou o seu estardalhaço de chegada. Aí deixou a sombrinha pingar, a capa no espaldar e a sacola de compras sobre a mesa. Aproveitou para se olhar no espelho já meio embaçado, sorriu, secou o pingo na testa respirando aliviada: - bastava um tico para Alberto chegar.
Desfez os pacotes, separou as máscaras ajeitando-as pelas cores. Não via a hora de, estando mascarada, amá-lo com a paixão ditando ordens, e cantou sussurrando;
- É o amor... que mexe com minha cabeça e me deixa assim, que faz eu pensar em você e esquecer de mim, que faz eu esquecer que a vida é feita pra viver...
Ensaiou uns passos de dança e pensou: - Alberto, ah! Meu Berto... amor da minha vida... se eu pudesse, sabe o que mudaria em você? Somente o seu CEP. Para o meu! Em definitivo...
Nesse instante, como coisa pensada, um barulho vindo dos cômodos a alertou, deixando-a preocupada.
O que seria? Quem seria?
Ao se virar para conferir, a surpresa: era Alberto que tendo chegado minutos antes da chuva, entrara e, com a casa vazia, se deixou descansar da viagem e agora, com ela ali a mexer e a cantarolar, aproveitara para se aproximar, o que a fez apenas abrir os braços, tempo mais que suficiente para abraçá-lo e se derreter no seu abraço, a amolecer-se nos seus beijos, a suspirar nos seus suspiros, para rapidamente se despindo por inteira, suar nos seus suores, tremer nos seus tremores e a gemer nos seus regalos, tão bom e tão suave se mantinha. Tal qual havia imaginado e vivido mais de uma vez em pensamento.
Ali na sala, sobre a mesa, sem qualquer falso pudor, com as roupas jogadas aos pés, alcançaram rapidamente o ápice sem se lembrarem da maldita Covid.
As máscaras? Bem, elas, as azuis e rosas, se espalharam pelo chão pelo reboliço dos corpos sedentos de amor, porque ele, esse tal amor, o mais sublime dos sentimentos quando explode elimina, nem que seja por instante, qualquer ameaça de contágio. O perigo, naquele momento, seria se preocuparem com as malditas que impedem a respiração.
E a vida? Bem, a vida seguiu... e segue bem quando há amor a ser compartilhado, tanto na presença como na ausência, assistido sempre pela constância.
O Alberto que o diga…
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RENATO BENVINDO FRATA, trovador e escritor, nasceu em Bauru/SP, em 1946, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Além de atuar com contador até 1998, laborou como professor da rede pública na cadeira de História, de 1968 a 1970, atuou na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Paranavaí, (hoje Unespar), atualmente aposentado. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da paranaense Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs: Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.
Fontes:
Renato Benvindo Frata. Crepúsculos outonais: contos e crônicas. Editora EGPACK Embalagens, 2024. Enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
Vereda da Poesia = 226
Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES
MOINHOS DE VENTO
As invasões letais de ervas daninhas,
nossos rosais repletos de falenas;
saúvas temporãs cortando as vinhas...
não trazem tempos bons, eras serenas...
Poeta cônscio, em tantas entrelinhas,
versei, sem a influência dos mecenas,
e tantas vezes vi que são só minhas
as frases que aos demais são “cantilenas”.
Não quero mais falar dos caules tortos,
dos joios infestados nos trigais,
que a ação da “sarracênia” é covardia...
Melhor, talvez, que fossem todos mortos,
mas... vidas são premissas capitais...
E eu sempre fui contrário à eugenia!
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Poema de
CARLOS LÚCIO GONTIJO
Santo Antônio do Monte/MG
FALSA RETIDÃO
Tudo o que quis ser e não fui
Hoje se dilui sobre o que sou
Em meu passo o mar do destino flui
No que não sou o pedaço do que sou está
Esquecimento faz parte da lembrança
Esperança com a desesperança convive
A vida vive em meio a muita morte
O mais forte nem sempre é valente
Pode não ser contente a pessoa feliz
Há muita presença cheia de ausência
Muita ausência que presença marca
Refletindo a fiel luz da transparência
Que reflete o ser humano em solidão
Pois que sob o pano solerte da multidão
Todos aparentam viver em retidão
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal
SÓ SE CHORA POR QUEM PARTE
(Manuel Lima Monteiro Andrade in "Mãos abertas", p. 20)
Choremos por quem parte sem voltar
A ser presença viva à nossa mesa
E desse imenso reino da tristeza
Desça à terra num raio de luar.
Ausente, para sempre, em nosso olhar
Terá em nosso peito a fortaleza
Que guarda a delicada vela acesa
Da memória que brilha em seu altar.
De saudade será a sua imagem
Que se esvai como um barco na viagem
No denso nevoeiro, rumo ao norte.
Só quando a sua face tão inteira
Não nos assomar, sem que a gente queira
Só então foi levada pela morte.
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Poema de
LUCIANA SOARES CHAGAS
Rio de Janeiro/RJ
LUÍZA
Luíza, nome que soa como poesia,
Mulher de fé, sorriso que irradia,
Com batom suave, enfeita o dia,
Mãe, esposa, amiga, harmonia.
Tão terna e carinhosa no gesto,
Generosa alma, sempre manifesto,
Disponível ao amor, tão desmedida,
Tu és o melhor livro que já li na vida.
Avó que conta histórias com doçura,
Bisavó, um pilar de ternura,
Destemida, enfrenta cada jornada,
Com a força que só o amor embala.
Luíza, és essência, és beleza,
Um coração que vibra com pureza,
Tua luz é eterna, não se desfaz,
Um poema vivo, escrito na paz.
= = = = = =
Poema de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP
INSPIRAÇÃO
Busquei a inspiração a duras penas
para escrever, com fé, este soneto,
e quero que as palavras mais amenas
sejam a Paz e o Amor, como dueto.
Que vou dizer das provações terrenas,
se o ninho é construído com graveto?
– Será melhor curar dores pequenas
e confirmar aquilo que prometo.
Mas teimo em encontrar a inspiração
que se escondeu e foge com razão,
deixando amargurado este poeta…
Clamo de novo e então ela aparece
trazendo junto aos peito farta messe
e agora, sim, a noite está completa!
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Sextilha de
MILTON SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS
Ilusões, esta vida tantas deu
que eu bebi desta luz de tantas cores,
muitas delas, já mortas encontrei,
outras vivas, com brilhos multicores...
Ilusões, as mais lindas transformei
nas certezas totais dos meus amores…
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Soneto de
MIGUEL RUSSOWSKY
Santa Maria/RS (1923 – 2009) Joaçaba/SC
SONETO CLASSE MÉDIA, BAIXA
Quando eu me aposentar… Irei morar em Vênus!…
(O I.P.T.U. de lá, é menor que o da lua.
Há descontos de lei sem qualquer falcatrua
e sem taxas de lixo embutida em terrenos).
Aposentadoria é crime?…(Mais ou menos…
se for por doença não é, mas a verdade crua,
é que os espertalhões desfilam pela rua
cheios de “ME APOSENTEI”) — Que salários obscenos!
Quando eu me aposentar…(Se eu puder, o pijama,
o radinho de pilha, o travesseiro, a cama,
nenhum deles terá um minuto de folga).
Quando eu me aposentar… Urras e Vivas! Bingo!
Os dias de semana, o sábado… o domingo…
serão todos iguais. É isto que me empolga!
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Cantiga Infantil de Roda
SERENO DA MEIA-NOITE
É uma roda de crianças, com uma no centro. Cantam as da roda:
Sereno da meia-noite }
Sereno da madrugada } bis
Eu caio, eu caio }
Eu caio. sereno, eu caio } bis
Responde a menina do centro:
Das filhas de minha mãe }
Sou eu a mais estimada } bis
Eu não m'importo, }
Que da amiguinha, }
Eu seja a mais desprezada } bis
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO
Quanto a teteia abre o pico,
turva-se o tempo, meu bem;
quem tem sua dor, que gema,
que eu não sou pai de ninguém.
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Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR
Ecoam cantigas na memória...
À sombra da árvore
Brincam de roda as targets.
Crianças traquinas...
Em movimento, mesclam-se as cores
Entre os raios do sol.
Tontos com tanta beleza
Os olhos sorriem satisfeitos
Pois brincando de roda foi o jeito
Que encontrei pra segurar as tuas mãos.
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Monteiro Lobato (A rainha que saiu do mar)
Houve um rei que encasquetou casar-se com a moça mais bonita que houvesse. Seus oficiais já tinham percorrido todas as cidades, e esmiuçado todas as casas, sem que descobrissem a beleza que o contentasse. Só faltava serem apresentadas ao rei as filhas de um lavrador, as únicas que ele não tinha visto. Estavam as coisas nesse pé quando entrou na igreja um rapaz de ar abobalhado, que olhou para a imagem de uma santa e pôs-se a chorar.
Perguntaram-lhe o que era, se estava sentindo alguma dor.
— Não sinto dor nenhuma — respondeu o rapaz — mas é que olhei para aquela imagem ali e senti grandes saudades de minha irmã, que é o retrato da santa.
Todos comentaram aquelas palavras, uns caçoando, outros a sério, e de tanto diz-que-diz o caso chegou aos ouvidos do rei, o qual fez vir o moço à sua presença e lhe perguntou se era verdade o que dissera na igreja.
— É, sim — respondeu o rapaz — tenho uma irmã muito linda, o retrato daquela santa da igreja.
— E onde mora?
— Nas grotas do monte Escarpado, a dez mil léguas daqui, por terra, ou cinco mil por mar.
O rei mandou preparar uma esquadra que levasse os seus mensageiros ao pai da moça, a fim de pedi-la em casamento — e o rapaz que dera a informação seguiu junto.
Quando a esquadra chegou à terra do monte Escarpado, os mensageiros desceram, seguindo para a tal grota. A moça estava à janela. Oh, que maravilha! Todos ficaram tontos diante de sua beleza. Os mensageiros entregaram a carta do rei e o pai concordou em dá-la em casamento. Feitos os preparativos, a linda criatura entrou num dos navios e a esquadra partiu.
Em certo ponto da viagem o mar ficou tão bravo que os emissários resolveram descer com a moça em terra, por algum tempo. Recolheram-se à casa de uma velha que morava por ali. Mas a velha não passava da pior das pestes, pois tendo ouvido a história da moça, convidou-a a um passeio pela horta, e lá zupt! — jogou-a dentro de um poço.
Quando chegou a hora do embarque a velha levou à esquadra uma filha sua, muito feia, com a cara coberta por um véu, de modo que os emissários não perceberam a troca. A esquadra partiu.
Assim que os navios desapareceram ao longe, a peste foi ao poço e pescou a moça, cortou-lhe o cabelo, furou-lhe os olhos e botou-a dentro dum caixão, que lançou ao mar. Esse caixão foi parar no reino do rei antes que os navios chegassem, sendo recolhido por um pescador.
Mas alguém que viu o pescador recolhendo o caixão deu denúncia ao rei, o qual mandou investigar. As autoridades vieram, abriram o caixão e muito se assombraram de ver dentro uma tão linda moça, de olhos furados e cabelos cortados.
Lá levaram a cega para o palácio, mas por esse tempo também os navios já tinham chegado e os emissários iam entrando com a filha da velha. O chefe do grupo, muito desapontado, declarou ao rei:
— Fui alegre, senhor, e volto triste. Muito esperei e pouco alcancei, e se nisto há culpa minha, pronto estou para sofrer o castigo que Vossa Majestade haja por bem impor-me.
O rei, entretanto, era homem de bem. Apenas disse:
— Ninguém tem culpa de nada. Prometi, cumpro. Casar-me-ei com esta moça feia.
E casou-se na maior tristeza, vestido de luto. Só depois disso é que lhe apresentaram a moça de olhos furados. Mas o irmão dela, que estava presente, reconheceu-a de pronto e contou ao rei o desembarque no meio do caminho, a ida à casa da velha, o passeio da velha pela horta e por fim falou da substituição da sua irmã pela filha da velha.
O rei mandou trazer a velha à sua presença. A peste negou tudo e até renegou a própria filha, dizendo que nunca tinha visto semelhante feiura. Mas a semelhança de traços entre a mãe e filha era muito grande para que alguém pudesse ter a menor dúvida, e o rei deu ordem para que cortassem os cabelos e furassem os olhos da velha.
Assim que isso foi feito, os olhos da moça bela ficaram perfeitinhos, e sua cabeleira cresceu num instante. Virou uma criatura ainda mais formosa do que havia sido. Estava tudo salvo. As duas embusteiras foram lançadas ao mar e o rei viu-se, finalmente casado com a criatura mais linda que havia.
Fontes:
Monteiro Lobato. Fábulas. Publicado originalmente em 1922.
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quinta-feira, 13 de março de 2025
Geraldo Pereira (O Pranto da Caatinga)
O homem de estático semblante, sem a dinâmica que os traços da face oferecem, recostado à porteira, como se fosse possível ao inteiramente inerte suportar o peso dos vivos, mesmo que os vivos sejam quase mortos, assistia ao drama que a terra passava. As plantas e os bichos em prolongada agonia da fome e da sede, a tombarem nos sertões sob os acordes mais do que fúnebres da seca desoladora. Do lado de fora da cerca uma grande árvore de galhos desfolhados parecia abrir os braços em súplicas dos horrores, clamando por água que pudesse sanar a secura das raízes ou sarar as feridas do calor abrasante. Sob o vegetal, morreu a vaca malhada, de couro branco e manchas negras que desenhavam o mapa de todas as desditas. E o predador dos céus, de um preto muito preto, um desses com a marca da realeza no encarnado da cabeça, desceu para cumprir o desiderato da hora: limpar o mundo das podridões e das carniças.
Rios que secaram e inúteis barreiros, leitos expostos aos ares do nada, infeliz momento da natureza chorando o pranto seco da caatinga, sem lágrimas! A mulher morena, de pele curtida, segurava nas mãos os filhos que tinha! Crianças tristonhas, de semblantes parados, olhando o infinito das coisas em busca de um sinal que fosse, de nuvens chegando. Nada para ver e nada para olhar! O caçador que armou a espingarda com a pólvora e o chumbo não encontrou a caça do dia e de volta pra casa, com o vazio no bornal, fez a mãe de sua prole cozer a palma endurecida e amarelada de antigo plantio. O mandacaru na panela deixou-se virar em baba, imitando a quiabada bem cuidada, alimentou a família e sufocou o grito enorme dos estômagos em contrações do oco. Há muito não se tem por cá, nessas bandas do Sertão, Canindé acima e Canindé abaixo, comida de gente que mate a fome. E na mesa do almoço, o menino de olhar pidão fitava o prato, absorto! O homem, então, sofre a metamorfose de sua natureza e em bicho se transforma!
O cavalo mais que esquálido, de costelas à mostra e de pernas cambaleantes, passou à frente do carro, atravessando lentamente a rodovia, buscando, na verdade, um lugar no qual pudesse expirar definitivamente. Entregar-se ao destino cruel do tempo e da hora! Ao longe, a égua e o seu filhote procuram na terra um resto de relva, do verde viçoso de um antes de esperanças nascentes, mas é a palha do chão que engana o herbívoro animal, adulto e velho, de cujas tetas não goteja mais o branco do leite. Resistem os carneiros, o bode e a cabra, mesmo que magros, sem a lã das friorentas paragens e de pelos quebradiços, indeléveis marcas das secas vividas, da água faltando e do capim rareando. Se agrupam e o rebanho segue, investindo aqui e ali na amarelada penugem que ainda resta no solo. Comem até pedra, explica o moço, justificando o pouco de vida na paisagem desgraçada dos sertões esturricados.
O Velho Chico, porém, nas proximidades daquela secura, corre caudaloso e fértil, traz nas águas o húmus que faz a terra parir comida para alimentar a gente e o gado, para nutrir o homem trabalhador e o bicho pachorrento, a vaca e o boi, mas também a galinha poedeira e o peru de roda. Se à força da bomba a água sai e vai regar o roçado, cresce o quiabo e o milho brota, o feijão desabrocha e a mandioca mergulha nas intimidades do telúrico, a cebola ganha peso, cheiro e cor para temperar na cozinha a costela ou a cabidela, a buchada ou a dobradinha, o sarapatel de sangue pisado ou o fígado reluzente do criatório de casa. Não é à-toa que as experiências da Companhia Hidroelétrica do São Francisco mostram a valia da irrigação, complementando a geração de energia, dando à criatura a completude do humano. Engenheiros humanizados, inquietos com a natureza, insatisfeitos com a dignidade do habitante das desprezadas margens do grande rio. Gerentes dos convívios, das vivências e das convivências tupiniquins!
Eis o pranto da caatinga, que é o choro dos sertões, que vi e que ouvi em minha viagem a Xingó!
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* Crônica de uma viagem a Xingó. Um diário da paisagem e da gente simples nos caminhos de Canidé. Visões que tive de uma seca enorme, contrastando com a fartura das margens do rio São Francisco.
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GERALDO JOSÉ MARQUES PEREIRA nasceu em Recife/PE, em 1945 e faleceu na mesma cidade em 2015, formou-se em Medicina na UFPE em 1986. Fez o mestrado no Departamento de Medicina Tropical da instituição, do qual se tornou coordenador posteriormente. Foi diretor do Centro de Ciências da Saúde e fundou o Núcleo de Saúde Pública e Desenvolvimento Social (Nusp) da universidade. Vice-reitor da instituição de 1996 a 2004 e, quando o reitor precisou se afastar entre março e novembro de 2003, foi reitor em exercício. Fora da universidade, integrou a Comissão Estadual de Saúde, a Comissão Científica de Combate à Dengue do Governo do Estado e a Comissão de Cólera da UFPE e da Cidade do Recife, além de participar do Conselho Científico do Espaço Ciência da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco. Por conta dos inúmeros artigos científicos publicados, ainda foi membro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores e do Conselho Estadual de Cultura e presidente da Academia Pernambucana de Medicina. Escrevia crônicas e, em março de 2011, assumiu a cadeira de número 16 da Academia Pernambucana de Letras, que já havia sido ocupada pelo seu pai, o escritor Nilo Pereira.
Fontes:
Geraldo Pereira. Fragmentos do meu tempo. Recife/PE. Disponível no Portal de Domínio Público
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Aparecido Raimundo de Souza (Rito pagão)
VEJO-ME neste momento, como se estivesse deslumbrantemente perdido num jardim tipo o de Epicuro. Não estou só. No vai e vem do imenso florido, dois corações dançam ao ritmo de um pêndulo magnânimo. Eu e Tatá. Essa jovem é aquela menina linda cujo perfil é idêntico ao da garrafinha de iogurte sabor morango. Morango é a minha fruta preferida. Como duas partículas perdidas em um universo só nosso, fomos atraídos um pelo outro não como o Roberto Carlos, de 83 pela Tamara Angel de 28. Tatá não me vê como o rei. Não sou rico, nem moro na Avenida Portugal, na Urca. Tatá é humilde como seu bairro simples de Santa Cruz, na zona oeste do Rio. Eu, 71 e ela 25, dividimos um momento especial, um instante mavioso e lisonjeiro, um quadrado imedível, só nosso, e juro por tudo quanto é sagrado: não vivemos em um tresloucado incessante de aproximação e afastamento.
Tatá é magra como minha conta bancária. Seus olhos fartos e verdes, profundos como um oceano infinito. Seu rosto de boneca e seu sorriso encantam a minha alma até os cafundós de um universo perdido em distâncias milenares. Seu sorriso tímido me leva à loucura, uma espécie de doideira tão desvairada e enlouquecida, que quando seu corpo me abraça ou me agarra, me sinto como descreveu Apuleio, em seu “Asno de Ouro,” com a diferença que na “Metamorfose” desse escritor nascido em Madoura, hoje colônia romana da Numidia, o animal principal não ia além de um minotauro que se relaciona com uma mulher. Na minha história, a beldade-princesa se assemelha a uma joia de raro valor, tipo a Paolla Oliveira, e eu, como disse e repito, não um monstro cretense, tampouco um jumento, mas a bem da verdade, no fundo, um cavalo manga larga marchador tipo o Diogo Nogueira.
Tatá me vivifica com um alento velado, uma paz inquietante que me faz questionar os próprios anseios que me assaltam. Ela, além de bela e encantadora, é uma centelha de luz em meio às sombras que tento desvendar quando ela não está por perto. Nos conhecemos coisa de uns cinco meses, numa churrascaria. Foi amor ao primeiro gole de uma coca-cola bem gelada. Como o pêndulo que nunca encontra descanso, nossos corações oscilaram entre a paixão avassaladora e o medo mórbido do desconhecido. Ela estava com umas amigas e, de repente, se levantou, e partiu para o abate, digo, para o ataque. Nosso primeiro esbarrão se deu em direção às toaletes. Antes de entrar, joguei nas mãos dela o meu cartão e meia dúzia de palavras: “Vou te esperar lá fora, em frente à farmácia. Estarei disfarçado de bebê chorão”. Ela riu. Completei: “Venha se encontrar comigo e vamos ver no que dá”.
Vinte minutos depois, lá fora, ao sabor das vinte horas, sob o céu de lua afogueada, um calor que molhava o coração e inundava a alma, nos esbarramos “enfim sós”. Caminhamos de mãos dadas até a praça repleta de crianças, cachorros, gritos, risadas, moradores de rua, e barraquinhas diversificadas vendendo os mais engordantes tipos de comes e bebes. Quando nos sentamos num banco de cimento, meu relógio marcava o tempo de maneira imprecisa, quase zombeteiro. Ficamos um tempo sem dizer nada, colados, um no outro. O silêncio, entre nós se fazia confortante. Apesar do calor, de repente nos envolvemos num abraço silencioso que dizia mais do que mil palavras poderiam expressar. Ela me disse seu nome e eu o meu. “Vou lhe chamar de Tatá.” Com um sorriso doce, cinco minutos depois o silêncio se viu totalmente quebrado.
“Sabe — observou ela — às vezes me sinto como um pêndulo, oscilando entre a certeza de querer você por perto e o medo de perder a mim mesma no processo de te conhecer.”
Interessante — falei pressuroso — “eu também estava com esse mesmo pêndulo na cabeça.” Segurei a mão dela com delicadeza, e respondi: “Talvez o segredo esteja em encontrarmos nosso próprio ritmo, sem pressa, sem medo. Deixemos o Foucault oscilar, e façamos do nosso amor um refúgio, um lugar onde o tempo parece, assim do nada, estancar.”
Nesse primeiro dia, não fomos além de beijos e abraços. Os dias seguintes passaram, e continuamos a dançar ao som de conversas triviais, beijos, abraços, batatas fritas, refri e pizzas. Algumas vezes, o acaso nos aproximava com fervor, compartilhando sonhos e confidências. Outras vezes, medrados (*sic), nos afastávamos nos perdendo em nossas próprias incertezas.
Pois bem! Entre tapas e beijos, percebi, nesse interregno de tempo, e aqui, de novo, voltando ao pêndulo, sempre que ele oscilava de retorno, a gente se encontrava novamente, e o mais engraçado, nos sentíamos mais fortes, mais certos de que o amor, mesmo com seus altos e baixos, usque (**) suas oscilações, a meu entender, o fio tênue do nosso gostar se fortalecia num elo inquebrantável que nos mantinha vivos. No fim, coisa de três semanas depois, descobrimos que o amor não precisava ser linear, ou se mover de maneira constante. Ele podia realmente se apresentar como aquela peça móvel formada por um corpo pesado suspenso em um ponto fixo, e que, sob a ação da própria esquisitice realizava movimentos isócronos de vaivém, ou aquele mecanismo que oscilava de um lado para o outro, entretanto, nunca deixava de regressar ao ponto de onde partiu.
Concluí também que nesse balanço, encontramos um ritmo que havia nascido de nós, ou dito de forma mais sucinta: um compasso que nos guiaria para um “sempre-pronto” que estava ali, apenas alguns passos adiante. No vai e vem do tempo, assim do nada, nossos corações passaram a dançar ao ritmo de um objeto ocioso. Nós dois nos tornamos duas partículas perdidas em um universo caótico, atraídas, todavia, um pelo outro em um movimento incessante de aproximação e desaceleramento. Tatá, com seus olhos profundos e sorrisos tímidos, encontrava em meu “eu” um alento, uma paz inquietante que a fazia questionar os próprios anseios. Por minha vez, via em Tatá, uma centelha de luz em meio às sombras que necessitava desvendar. Resumindo a nossa historinha, nós sabíamos um do outro desde sempre, ou pelo menos assim, tudo para nós parecia surreal.
Como o pêndulo que nunca encontrava descanso, oscilavam incansavelmente a paixão avassaladora e o medo do desconhecido. Os meses passaram, e continuamos a dançar ao som do fabuloso objeto. Algumas vezes, a gente se aproximava com fervor, compartilhando sonhos e confidências. Noutras nos afastávamos perdendo um tempo enorme em nossas próprias incertezas. Sempre que o pêndulo oscilava de volta, a gente se encontrava novamente, mais fortes, mais certos de que o amor, mesmo com seus altos e baixos, culminava no ponto nevrálgico que nos mantinha vivos. A paixão entre nós dois cresceu como uma chama ardente, alimentada pelos momentos de desejo e saudade. Cada encontro um reencontro, um redescobrimento do que sabíamos: fomos feitos um para o outro. Nas noites em que nos víamos, o mundo ao redor deixava de existir.
Os beijos, os abraços, as noites dormindo juntos, se tornavam mais intensas, obviamente, os toques e carícias mais urgentes e necessários. Por fim, entregamos nossos medos e receios de espírito e alma ao “seja o que Deus quiser”, permitindo, com isso, que o amor, o nosso amor, fluísse como um rio de sensações imorredouras.
E o pêndulo, como ficou? Serviu de ponto de partida. Introduziu com sucesso a sua munição total dentro da nossa fortaleza. Se tornou um símbolo de estreita relação. Ora suave e romântico, ora selvagem e apaixonado. Mas indestrutível. Tatá aprendeu que, mesmo nos momentos de incerteza, seu amor se agitava de maneira mais constante e isso se consubstanciava no segredo que nos mantinha juntos. E na pulsação desse pêndulo, ainda que imaginário, encontramos não apenas a paz; também a excitação de viver um amor que balouçava, mas nunca se apagava. Ou melhor, nunca se extinguiu.
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Notas:
* Medrado =Medrado é o mesmo que: fomentado, desenvolvido, crescido, florescido, progredido, melhorado, aumentado, expandido.
Coloquei sic (sic erat scriptum), expressão traduzida como "assim estava escrito, pois pode ser um erro do autor ao digitar, pois a palavra não tem nenhum sentido no texto em questão. Creio que seria amedrontado.
** Usque = é uma palavra latina, que significa até, utilizado em termos jurídicos.
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
quarta-feira, 12 de março de 2025
José Luiz Boromelo (Ferrugem)
O arrependimento já incomodava. As filas imensas e o calor insuportável se encarregavam de fornecer os ingredientes necessários para testar os limites da paciência. A balconista mostrava-se incapaz de resolver uma simples adição e com a calculadora na mão atrapalhava-se ainda mais, voltando inexplicavelmente ao ponto de partida. Irritou-se com a oferta de ajuda externa (a minha), sem conseguir contabilizar o valor final dos produtos. Sua teimosia mostrou-se infinitamente maior que o pífio conhecimento de cálculos elementares, apesar da impossibilidade momentânea de uso do tradicional sistema de leitura por código de barras, em virtude da falta de energia elétrica. Para sorte de minha “vítima” o socorro providencial chegou a tempo de viabilizar a transação comercial, deixando o cliente “plenamente satisfeito” com a inesquecível demonstração da invejável capacitação profissional, proporcionada pela empresa a seus funcionários.
Cada vez mais sou levado a acreditar no conhecido ditado popular da época de nossas avós que garante: “Tudo o que não se usa, enferruja”. Nada mais verdadeiro, constatado ao vivo e em cores naquele supermercado. O uso da tecnologia facilitou de tal forma as atividades cotidianas que deixamos de exercitar o cérebro, transferindo essa função aos incontáveis meios disponíveis para tal. Em todos os setores sobressaem as mais diferentes possibilidades da modernidade, em que o usuário só tem o trabalho de digitar alguns caracteres e pronto: tudo está à mão em questão de segundos. Mas nem só o cérebro foi afetado pela tecnologia. Há muito deixamos de exercitar os músculos por conta do vidro elétrico, da direção hidráulica e do câmbio automático. Ou os tendões e o sistema cardiorrespiratório ao preterir a escada e utilizar constantemente o elevador. Ou ainda quando perdemos a oportunidade de caminhar algumas quadras para atender a algum compromisso, preferindo o conforto do ar condicionado e do som automotivo.
Às vezes sou acometido pela nostalgia dos tempos da adolescência, quando frequentava o curso de datilografia. A disciplina rígida imposta pelo professor culminava com a habilidade necessária para concluir os exercícios com eficiência (fico inconformado com o humilhante “cata-milho” exibido por alguns “experts” da tecnologia). Sinto saudades do tempo da chamada oral para a tabuada (imagino o sentimento do educador diante do aluno que manipula descaradamente o telefone celular em sala de aula), da disciplina de Educação Moral e Cívica; do emprego correto da crase, do trema, do acento agudo. Coisas que não voltam mais.
Ainda hoje procuro preservar aqueles valores quase esquecidos, mesmo que para isso seja considerado ultrapassado (os mais jovens empregam maldosamente outros termos pejorativos). Minha velha e boa Remington acabou empoeirada na prateleira, depois de quatro décadas de bons serviços prestados. Decerto também já apresenta vestígios de ferrugem. Para mim e para ela, não há desengripante que dê jeito. Sinal de que o nosso tempo já se foi.
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José Luiz Boromelo, é de Marialva/PR, policial rodoviário aposentado, escritor, cronista e agricultor, colaborador da Orquestra Municipal Raiz Sertaneja.
Fontes:
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
Vereda da Poesia = 225
Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES
A DESCONHECIDA
De onde ela veio os riscos eram poucos;
cais de sossego e amores comedidos…
porto seguro…, mas de ouvidos moucos
aos seus anseios, sempre preteridos.
Um dia, enfim, nos descobrimos loucos,
incendiando instintos escondidos
e nos amando entre os gemidos roucos
das feras que contêm suas libidos.
Aos poucos pude ver que descobrimos
detalhes tão comuns de um sonho imenso,
motivos pelos quais nós nos unimos…
E agora a vejo triste e dividida
entre as surpresas deste amor intenso
e o porto que acolheu a nau transida!
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Poema de
CARLOS LÚCIO GONTIJO
Santo Antônio do Monte/MG
ORAÇÃO DOS CASAIS
Meu bem, sei que Deus protege os casais
Semeia trigais de ternura na pele
Para que o amor sele as marcas da procura
Então, na hora em que a gente for dormir
Façamos jus aos cuidados do Senhor
Por favor, acenda-me quando apagar a luz!
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal
O TEU ROSTO DE SAL NA PRAIA VÃ
(José Charles González in "Cem Sonetos Portugueses", p. 148)
O teu rosto de sal na praia vã
Filtrava a luz do sol nesse cristal
E lá do sul, subindo o areal
Vinha a lua dizer que é tua irmã.
Sendo a razão de ser desta manhã
Silhueta esculpida num vitral
Serias Virgem numa catedral
Se não tivesses já coroa de romã.
És sereia que o mar azul trouxesse
Uma rosa de orvalho que amanhece
E, por milagre, a Terra iluminasse.
És aragem lembrando borboleta
Vestida de amarelo, azul, violeta
E que ao bater das asas nos deixasse.
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Soneto de
AFONSO FREDERICO SCHMIDT
Cubatão/ SP, 1890-1964, São Paulo/SP
ROSAS LOUCAS
A rosa louca é a rosa mais singela
de todas as rosas, mas é bela
porque nasce nas cercas, nos caminhos
e conta menos flores do que espinhos.
A rosa louca é a rosa mais plebeia
dentre todas as rosas, traz à ideia
a moçoila do bairro, tão bonita
com vestidos de cor, feitos de chita.
A rosa louca é a rosa que se olha
sem tirar do pé, porque desfolha;
ela pede perdão de não ter graça;
desponta, desabrocha, encanta... e passa.
Estas rosas são breves e são poucas,
como o riso feliz em nossas bocas…
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Poema de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP
ELOGIO AO SONETO
No meu viver de agitação, proscrito,
eu busco a paz para escrever um verso
e de alma pura, coração contrito,
procuro a melhor rima do Universo.
O desespero aperta, estou aflito…
Como escrever num mundo tão perverso?
A inspiração me acode com um grito,
e o meu soneto nasce, incontroverso…
Ao verbo de Camões me fiz escravo.
em busca da palavra me fiz bravo,
para dar ao soneto nova aurora…
Que o pavilhão tremule lá na praça,
e brilhando, qual pérola sem jaça,
reine o soneto pelo mundo afora!
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Soneto de
MIGUEL RUSSOWSKY
Santa Maria/RS (1923 – 2009) Joaçaba/SC
ORAÇÃO DO POETA
– Que me darás, Senhor, pela jornada
de dores, privações e misereres?
– Eu te darei a noite salpicada
de estrelas e silêncio. Que mais queres?
– E para a solidão da madrugada?
– Já fiz o mundo cheio de mulheres.
procura e encontrarás a tua amada.
Faz os mais lindos versos que puderes.
– Mas como irei, Senhor, reconhecê-la?
– Há no céu, entre todas, uma estrela
que apenas tu verás. Que mais perguntas?
– E este frio e esta angústia que ora sinto?
– Quando ela penetrar em teu recinto
a primavera e a paz hão de vir juntas.
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Cantiga Infantil de Roda
PEZINHO
Ai bota aqui
ai bota ali
o teu pezinho
O teu pezinho
bem juntinho
com o meu
Ai bota aqui ai bota ali
o teu pezinho
O teu pezinho o teu pezinho
ao pé do meu
E depois não vá dizer
que você já me esqueceu
E depois não vá dizer
que você já me esqueceu
E no chegar deste teu corpo,
uma abraço quero eu
E no chegar deste teu corpo,
uma abraço quero eu
Agora que estamos juntinhos,
da cá um abraço e um beijinho
Agora que estamos juntinhos,
da cá um abraço e um beijinho
E depois não vá dizer
que você já me esqueceu
E depois não vá dizer
que você já me esqueceu
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO
Teu coração bem amado,
é de tão grande doçura,
que se fosse esquartejado
parecia rapadura.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR
O PORTÃO E O VENTO
Num piscar de olhos
Distancia-se o pensamento,
Busco encontrar-te
Em cada folha do Plátano
E pétalas de rosa que guardei...
Imagino que esteja próximo a esquina
Vindo em minha direção,
Mas, num piscar de olhos.
Você retorna aos meus sonhos,
E o portão abre-se com o vento...
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Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Mão de Vaca”
A expressão idiomática MÃO-DE-VACA indica pessoa egoísta, extremamente apegada ao dinheiro e que faz de tudo para economizar até os centavos nas compras mais insignificantes. É também conhecido como avarento, sovina, unha de fome, miserável, agarrado, cobiçoso, forreta, cúpido ou casquinha. Tem origem no formato da pata da vaca, que é fechada como a mão do indivíduo pão-duro, que não admite gastar dinheiro nem que a “vaca tussa”.
Tem o mesmo significado de “mão fechada” se refere especificamente a alguém que mesmo dispondo de recursos, não solta a grana, não gasta, se escora nos outros, não contribui com nada e por vezes atrasa ou não honra suas obrigações financeiras como taxas condominiais, mensalidades escolares, de clubes e associações, foge de despesas com festas, passa longe de restaurantes ou confraternizações entre amigos, das quais, quando raramente vai, sai sorrateiramente antes que peçam a conta.
Há uma ligeira diferença entre as expressões ser “muquirana” e “mão-de-vaca”. Enquanto aquela se refere a quem não gosta de emprestar dinheiro a terceiros, esta retrata o tipo miserável, mesquinho, forreta e pão-duro. Tal expressão ganhou até mesmo uma série na Discovery denominada “OS MÃOS DE VACA” narrando a saga de quatro famílias que chegam ao limite de vasculhar o lixo e reformar a casa com as próprias mãos para economizar, levando assim vida monástica, com o mínimo de desembolso ou sofisticação.
A propósito, todo aglomerado humano tem os seus mão-de-vaca e sobre eles, contam-se episódios quase inacreditáveis, mercê de sua costumeira aversão a qualquer gasto, embora não dependam disso para viver. Ficou famoso entre familiares e vizinhos, o sujeito que tapava vários orifícios do chuveiro elétrico, para economizar na conta de energia elétrica. Mas há situações até histriônicas, que vão da alimentação à higiene pessoal, nenhuma despesa passando ilesa pelos que adotam artifícios até bizarros, contanto que resultem na economia de alguns trocados.
Tem gente muito criativa concebendo métodos para não gastar, como aprender a reformar casa para não contratar pedreiro, consertar o carro para não chamar o mecânico e até arriscar levar choques reparando a fiação elétrica para não contratar eletricista. Outras situações, por hilárias, merecem registro.
Na década de 60 as compras ainda eram feitas nas mercearias da esquina. Vizinho de uma delas, um conhecido forreta ia até lá comprar leite Ninho, àquela época ainda vendido em latas. Ele colocava de duas em duas latas nos pratos da balança e ficava observando qual delas era mais pesada que a outra. Repetia sistematicamente a experiência e só depois pagava e ia embora, levando a que lhe parecia conter alguns gramas a mais de leite que as outras.
A forretice dos “mão-de-vaca” inspirou um dos quadros mais engraçados na célebre Escolinha do Professor Raimundo, exibida na TV Globo até maio de 1995, programa criado por Chico Anysio e Haroldo Barbosa, reunindo um seleto grupo de humoristas, dentre os quais o comediante Marcos Plonka (26/09/1939 - 06/09/2011) que encarnava a personagem "Samuel Blaustein", comerciante avarento que usava o bordão “fazemos qualquer negócio”. Errava todas as respostas da arguição e quando recebia nota “zero” do professor, comemorava dizendo “mas antes zero na nota do que prejuízo na bolsa”.
Segundo a gozação popular, quando o rei Roberto Carlos compôs em 1978 o grande sucesso que foi “Café da Manhã”, na verdade tinha em mente um apaixonado “mão-de-vaca”, que em vez de presentear sua amada com uma sofisticada cesta de café da manhã, optou por algo bem mais barato, achando que apenas um café dava para os dois, que ainda ficou esfriando na mesa:
AMANHÃ DE MANHÃ
VOU PEDIR O CAFÉ PARA NÓS DOIS
TE FAZER UM CARINHO E DEPOIS
TE ENVOLVER EM MEUS BRAÇOS
Fazendeiro afortunado, senhor de terras e gado, o Major Salustiano - oficial da antiga Guarda Nacional - no fastígio da borracha adquiriu uma imponente embarcação para visitar seus vastos seringais no alto Rio Purus e para se auto homenagear, resolveu batiza-lo com o seu próprio nome e sua patente militar, da qual muito se orgulhava. Porém, vítima de atávica sovinice, o mão-de-vaca mudou de ideia quando soube que o serviço de pintura era cobrado por cada letra desenhada no casco da embarcação. Depois de muita barganha com o pintor, de “MAJOR SALUSTIANO” o majestoso barco passou a se chamar simplesmente de “SALU”, obviamente bem mais barato para o dono.
Episódios como esse evidenciam que os mão-de-vaca são facilmente identificáveis em quaisquer grupos sociais, pela psicótica aversão que tem a qualquer desembolso, mesmo quando o gasto se mostra absolutamente necessário, pois é sabido que eles jamais abrem a mão para nadar, dar adeus aos poucos amigos ou mesmo para cigana ler a sorte...
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CÉLIO SIMÕES DE SOUZA é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras. Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.
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terça-feira, 11 de março de 2025
Adega de Versos 133: Clevane Pessoa
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