domingo, 21 de maio de 2017

Vivaldo Terres (Poemas Escolhidos)

HOMENAGEM AO ÍNDIO
 
Ser índio é ser forte!
E não ter medo da morte,
Em qualquer situação.
Mesmo sendo excluído,
Nunca se da por vencido
Pois ele tem tradição.

Ele já nasceu guerreiro de janeiro,
A janeiro ele mostra o seu valor.
Mesmo sendo excluído,
Nunca se dá por vencido...
Pois tem garra e destemor,
Por ser ele um vencedor.

Pois sua luta é constante,
Por isso está sempre avante.
Pra poder sobreviver,
É o maior dos brasileiros e de janeiro,
A janeiro luta pra não perecer.
______________________

NOITE DE INVERNO

Era noite de inverno o vento rugia,
A noite era longa e o frio também.
Minh'alma coitada de tanto sofrer...
Chorava e gemia com saudade de alguém.

Esse alguém que no passado...
Estava ao meu lado e sorria feliz,
E dizia me amar, foi embora sem deixar um adeus...
Desapareceu para nunca mais voltar.

E o tempo passou rápido e veloz,
Meus cabelos escarneceram.
E as rugas em meu rosto mostram isto também.
Que envelheci por dentro e por fora,
Mas o que mais me devora...
È a saudade daquela que eu sempre amei.

Fonte:
Samuel da Costa
Imagem = montagem por José Feldman

sábado, 20 de maio de 2017

Clarisse da Costa (Poesia)

A poesia é presente em diversas modalidades, verso, prosa, trova, poema, rimada e não rimada. E na poesia cabe um mundo, a essência do cotidiano e tudo que a mente e os sentimentos lhe permitir. Nela há infinitas palavras até com vários significados. Eu vou focar aqui no amor e desejo.

O que é o amor? - eis a questão corriqueira.Talvez para você o amor tenha um significado e para outra pessoa, outro sentido. Como Pedro, na bíblia, diz: ''acima de tudo, porém, tende amor intenso uns para com os outros, porque o amor cobre multidão de pecados''.

Eu que pensei saber tudo sobre o amor. Pra mim o amor é um misto de coisas raras, o tempo para ouvir o outro, o tempo para buscar compreender o outro, o tempo para conhecer o outro, coisa que não é feita. Basicamente, amor é tempo, mas não em minutos e segundos do relógio, mas sim a disposição de fazer parte da vida do outro, mesmo que por algumas horas. Na verdade, o amor tem enes significados. Mas o fato é que o amor nos move. E só existe amor de verdade quando estamos dispostos a amar.

O desejo, digamos, é prima irmã do amor. Tem o desejo carnal, o desejo material e o desejo espiritual. Um exemplo é uma menina por detrás da porta, no caso eu… 'EU TE ESPEREI À PORTA APRISIONADA AO MEU DESEJO.'' Nesse caso o desejo aqui é um sonho. Talvez ela espere sua mãe voltar. Ouvir seus passos subindo a escada. Mas quem não costuma ler ou nem procura entender o trabalho do poeta vai ver nesse verso o DESEJO CARNAL. Como, uma criança nem sabe o que é amar imagina desejar a carne humana?

Eu me transportei à meninice através da poesia. A poesia é para o poeta o seu universo.

Fontes:
A Autora (é de Biguaçu/SC), cronista e artesã
Imagem: José Feldman

domingo, 14 de maio de 2017

José Feldman (Para minha mãe)

Em virtude da doença de minha mãe e o falecimento dela no sábado, 6 de maio de 2017, estou um período afastado do Blog.
Conto com Vossa Compreensão.

Minha Mãe

Mãe! Há pouco tu partiste
não há no ar, felicidade...
deixas um coração triste, 
carregado de saudade!

Nem sol, nem lua, nem estrelas,
está tudo nublado.
Nem é noite e nem é dia,
nem claro e nem escuro...
apenas lágrimas derramadas.

Não se ouve o cantar dos grilos,
não há uma ave no céu,
não se ouve música alguma,
apenas o silêncio.

Passos como a caminhar sobre carpete,
um coração enorme,
sem som,
sem vida.
Ela se foi...

Para dar alegria a outros horizontes,
para estender a mão a outras almas,
para que seu sorriso nunca se apague.

Deixa o pranto,
mas também a alegria
de um coração tão grande...

Um coração de mãe!

domingo, 16 de abril de 2017

Honoré DuCasse (Poemas Escolhidos)


SOL PARDACENTO...

Sol pardacento, que te espreitas incerto
Olhar funesto, sem se dizer
Escondido, encoberto
Por não se querer nascer

RETALHOS DA VIDA DE UM POETA....

Retalhos da vida de um poeta
Que das folhas se esvaíram letras
Que de amores se perdeu
Nos poemas que te leu

SUAVES BEIJOS INTENSOS...

Suaves beijos intensos
Da tua boca me saem
Leves como o vento
Que das nuvens se vão
De amor nas flores bordado
Na lágrima te sinto salgada
Que do mar te trouxeste
A sede me bebeste

NA TUA BOCA DE CETIM...

Deixa-me fazer-te um verso em alecrim
na tua boca de cetim,
deixa-me fazê-lo só para ti,
ainda que me esqueça de mim....

O SOL DEIXA-SE CAIR....

O sol deixa-se cair no horizonte 
espreita do seu beiral
enquanto se desenha longínquo nos telhados
pintando silhuetas no olhar 
com que se despede beijando a noite 
sem nunca a ter visto...

INSANO PENSAMENTO...

Este verde que me fala de alma sofrida
Do sal te bebo, insano pensamento
Me faz partir de mim
Oh!!.. mar, levai-me
Sem que as ondas me vejam
Longe das pegadas de tristeza
Que na areia se ficaram

...HORIZONTES DE SAL...

Vislumbro horizontes de sal
Esbatidos pelo mar
Silenciados de prata
Beijados pelo ar
Pintados de céu
Da cor do teu olhar
Bebo-te assim no meu corpo
Sabes a mar
No gosto que me fica
Depois de te amar

OS LOUCOS NAVEGAM INSANOS....

Os loucos navegam insanos,
partindo-se sem saber,
sem volta que os carregue,
sem estrela que os protege,
mas partem assim mesmo,
sem nada dizer,
talvez por se saber,
que jamais voltam a ser...

SOMBRAS SEM VIDA

Choro-te,
sem que percebas
que definhei naquela sombra lânguida
que morreu para lá dos ciprestes,
oca,
sem o teu sussurro ter

MEIA LUA

Meia lua incompleta
A noite ergue-se, profusa
Deambulo uma candeia
O corpo suporta-me 
na tua ausência, meia maré
Sonho-te sem rosto
desde que és, 
Arrasto o passo, beijo-te a sombra
Abandono-me ao ermitério
E aos dias gastos

GRITO PROFUSO

À força do nome
Ergue-se o grito profuso
Da dor já morta
Um corpo em chamas
Clama pela chuva que não chega
Enquanto a talha corrói os dias lentos
E na carne se soltam os opróbrios
De uma vida que já não ouve

AGUACEIRO

Não fosse o tempo
Abrigar-se
Em aguaceiro destemido
Nunca a prosa
Me choveria nos tristes
Dedos,
Nem o céu teria
A cor
Do que sinto

A NOITE

Tudo passa,
O amor,
O poema
O futuro,
A noite,
E a paixão de uma vida escassa
Tudo passa em sombras
Quando o tempo se esquece
Até o céu
E a lua
E as minhas lágrimas no teu rosto
O beijo à meia luz
Sem ti,
Tantas vezes morri
No meu desgosto

POENTE

Adoro a música em ti
que as nuvens fazem ao entardecer
Escrevem paisagens de lume
Nos teus cabelos a poente

Enquanto o olhar anoitece
Deixas-me um sorriso por promessa
E o sentir que os dias gastos
escrevem a tua idade
quando já nem no tempo
te pertenço

NA INTIMIDADE DE UM POEMA

Na intimidade de um poema
Desnudo-te a voz e os
Abraços inconfessáveis

Na intimidade de um poema
Cabem todas as palavras mudas,
Os olhares cegos
E as madrugadas de uma vida

Na intimidade de um poema
Escreve-se a noite
E o beijo demorado,
O olhar nu
E o verso involuntário
Dos amantes que rimam

MEMÓRIA DISTANTE

Quando a minha existência
for apenas uma memória distante
verás que, para além do poema,
nada mais subsiste
que a dor imensa de o ter escrito

RUAS AUSENTES

O teu amor tem a finitude
De um beijo
E das ruas sem nome
A tua ausência é um cais que parte
Nas primeiras chuvas de outono
O que me consome não é a saudade
Mas, sim,
os poemas que te procuram

EPÍLOGO

Sou uma manhã que se arrepende
Sempre que a aurora toma a forma do medo
E da janela do meu tempo se escondem
dois olhos em súplica
Como se fossem o epílogo anunciado
De uma alma que não lhes pertence

AMARRAS

Não me falta o anoitecer
Porque o amanhecer já não me espera
Deixei de acontecer
Porque as manhãs me pesam
Restam-me as escarpas por promessa
E a covardia das amarras
Que não desatam

Já não sei quem sou
Nem de que poema me faço
Morri no tempo
Porque o tempo também me morreu
Estou cansado de estar cansado

Nem sei se gritei ou se rasguei a página
Se declamo ou se parto
Porque este poema
Se um dia for lido
É porque estarei fora do tempo,
Esquecido
Deixado aos livros

OUTONO

Que sabes tu, Outono
Dos rios que choram
E da chuva que dói?

Que sabes tu, Outono
Do choupo desnudo
Quando o vento acontece?

Que sabes tu, Outono
Da folha que tomba
E da morte que nos enternece?

CRAVOS FLAMEJANTES

Gostava de poder imprimir
Os sonhos que se evadem
Ao ritmo da chuva
E das pedras seculares

Cultivo a dissidência da vida
Com a força de um poema
Na boca trago os cravos flamejantes
De uma aventura com o teu nome,
Por mote

POEMA QUE SENTE

Prefiro o voo das aves
À indiferença da palavra
Prefiro a insanidade
À distância que dói
Prefiro a cicatriz que lembra
À memória que fere
Prefiro o abraço que demora
Ao beijo que foge
Prefiro o poema que sente
Ao verso sem voz
Prefiro o suicídio no poema
Ao sonho que acorda

DEDOS TRÊMULOS

Por entre dedos trêmulos
Que te olham
Só um poema te deixa na boca,
o que sinto

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Olivaldo Junior (Minha Esperança)

Glosando Vanda Alves da Silva*

MOTE:
Em meus tempos de criança,
pelas poças, num tropel...
lançava minha esperança
em barquinhos de papel...
Vanda Alves da Silva/UBT Curitiba-PR

GLOSA
Em meus tempos de criança,
sossegado e até baldio,
só queria ser quem lança
novas redes para o rio!...

Numa intrépida "ignorãça",
pelas poças, num tropel,
tropeçava em quem alcança
seu sertão num carrossel...

Na calçada, Sancho Pança 
sem Quixote (tão vazio!),
lançava minha esperança,
minha rede, ao meio-fio!...

Céu azul que não se cansa,
nuvens brancas a granel,
dava a vida em confiança,
em barquinhos de papel...
_________________________

* Sobre o ato de glosar trovas, assim nos diz a célebre poeta e trovadora Gislaine Canales, no blogue "Clevane Pessoa Entrevistas": 

Glosa de Trovas, é uma composição literária em forma de quadras, de que servem de mote os versos de uma trova. Mote é a trova que serve de inspiração. 

O Glosador multiplica a trova glosada em outras quatro, repetindo-a verso por verso, cada qual ajustado às novas trovas, uma a uma, numa seqüência poética peculiar das idéias recriadas. Com isso, a glosa recebe título à parte e exibe grandeza própria. 

Tecnicamente, a glosa é o desdobramento de uma outra composição mais curta - o mote. Cada um dos versos do mote começa, integra ou termina cada uma das estrofes da glosa. As estrofes da glosa serão tantas, quantos forem os versos do mote. 

Eu coloco o primeiro verso do Mote, no primeiro verso da primeira trova da Glosa, o segundo verso do Mote, no segundo verso da segunda trova da Glosa, o terceiro verso da Mote, no terceiro verso da terceira trova da Glosa e o quarto verso do Mote, no quarto verso da quarta trova da Glosa.

Cada trova glosada representa, a meu ver, uma homenagem ao seu autor.

Entrevista, na íntegra, em: 
http://clevanepessoaentrevistas.blogspot.com.br/2007/10/gislaine-canalestnis-e-sextilhas.html

Fonte:
O Autor

quarta-feira, 1 de março de 2017

Antonio Brás Constante (O Céu e o Inferno por Telefone – Parte Dois)

Alguns assuntos não se esgotam em um único texto, principalmente se o tema for telemarketing, pois suas ligações também não se encerram após o nosso primeiro “não”, com seus atendentes invadindo nossa privacidade através de nossos ouvidos.

Para alguns, essas ligações podem vir a caracterizar certo “status social”. Por exemplo: Fulano com jeito esnobe em meio a sua seleta roda de amigos, vestindo um smoking impecável e degustando um pequeno pedaço de bombom “Ferrero Roche”, olha para todos em sua volta e lhes diz com um leve sorriso irônico que recebe cerca de cinco ligações por dia das tais operadoras. Deixando seus conhecidos cheios de inveja, por receberem no máximo duas.

Outra teoria que ganha força, graças à insistência desse pessoal que nos atormenta com seus telefonemas, é que talvez as ligações do telemarketing não tenham tão somente o intuito de querer vender algo, mas que se trataria na verdade de uma rede de apostas internacional. Onde quanto mais difícil fosse o “cliente”, menores seriam as chances entre os apostadores.

Os supostos “atendentes” seriam homens e mulheres treinados na arte da persuasão. Artistas do telefone. Tratados como verdadeiros “astros” pelos apostadores. Recebendo cachês milionários por suas atuações. Alguns seriam políticos desempregados, que descobririam no telemarketing um novo jeito de enganar as pessoas, disfarçados como persistentes e irritantes vendedores.

As apostas girariam tanto na parte da compra, quanto na parte das reclamações, reafirmando a idéia de “céu” (compras), ou “inferno” (reclamações) por telefone. No segundo caso se analisaria a paciência do cliente, ou mesmo sua memória. Isso explicaria os números cheios de letras que recebemos por parte do suporte técnico, cada vez que tentamos abrir uma reclamação, onde nos fornecem um código gigantesco e complexo denominado “protocolo”, nos fazendo crer que pelo tamanho daquele código, deve existir uma infinidade de pessoas reclamando.

Ao se tentar verificar o andamento da reclamação, o atendente que finalmente lhe atendesse diria que você anotou o número errado, e que deverá refazer o chamado. Para cada nova reclamação lhe perguntam de tudo, até a cor dos pêlos de seu cachorro (mesmo que você não tenha cachorros).

Voltando a teoria das apostas, nelas nada seria desperdiçado. Jogariam entre outras coisas: quanto à pessoa gastou, se ela é convencida de forma rápida, quantos produtos comprou, se suportou com calma toda sabatina de espera na hora de reclamar, Etc.

Enfim, às vendas por telefone vem cada vez mais se alastrando em nosso meio, parecendo uma epidemia que procura se incubar em nossa conta corrente (via debito em conta), atacando através de nosso cartão de crédito. Invadindo nossos lares e atormentando nossa paz. Tudo isto ao custo de uma ligação.

Fonte: O Autor

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Contos do Oriente (O Amestrador de Tigres)

Um dos melhores amestradores da China chamava-se Liang Yang. Ele treinava qualquer tipo de animal, de lobos a tigres, de águias a serpentes. Mas Liang Yang estava envelhecendo e, caso morresse, não haveria ninguém para substituí-lo. O rei Xuan ordenou então que Mao Qiuyuan aprendesse com ele suas habilidades de amestrador.

— Eu não tenho nada para lhe ensinar — disse Liang Yang — Acontece que se você disser isso ao rei, ele vai achar que estou de má vontade.

Mao Qiuyuan escutou em silêncio o que lhe dizia Liang Yang. Começou então a observar como o amestrador entrava na jaula do leão, acariciava sua juba durante algum tempo e saía logo depois. Nesse momento, a pantera negra urrou debaixo de uma figueira. Liang Yang aproximou-se dela, os dois observaram-se durante algum tempo, até que Liang Yang pareceu lembrar-se de que Mao Qiyuan ainda o esperava.

— E então? — Quis saber Mao Qiyuan.

— Eu vou te falar um pouco sobre cuidados que você tem de ter. Alguns animais ficam muito bravos quando são desobedecidos. Cuidado com eles! Um amestrador, por exemplo, não ousa dar ao tigre animais vivos para comer, pois logo eles ficam bravos e impacientes. Não se pode também dar aos tigres um animal inteiro. Os tigres não gostam. Preferem a comida dada aos poucos. Além disso, um amestrador tem de saber quando o animal está faminto e o que pode irritá-lo. Embora tigres e homens sejam de espécies diferentes, os tigres vivem muito bem com seus criadores porque esses amestradores conhecem bem a vontade dos tigres e nunca os desobedecem.

´Eu nunca desobedeci meus tigres, deixando-os furiosos ou agradei-os, com obediência em demasia. Freqüentes alegrias são seguidas de repetidas fúrias e repetidas fúrias de alegrias: nenhuma dessas situações pode ser boa. Sendo assim, fico calmo e tranqüilo e nunca sou obediente ou irritante em excesso. Nos olhos dos animais e dos pássaros, somos da mesma espécie. Eles vivem no meu pátio como se ele fosse deles, nunca sentindo saudade da floresta, do mar, da montanha ou do vale.


Euclides da Cunha (Poemas Escolhidos)


DEDICATÓRIA

Se acaso uma alma se fotografasse
De sorte que, nos mesmos negativos,
A mesma luz pusesse em traços vivos
O nosso coração e a nossa face;

E os nossos ideais, e os mais cativos
De nossos sonhos... Se a emoção que nasce
Em nós, também nas chapas se gravasse
Mesmo em ligeiros traços fugitivos;

Amigo! tu terias com certeza
A mais completa e insólita surpresa
Notando — deste grupo bem no meio —

Que o mais belo, o mais forte, o mais ardente
Destes sujeitos é precisamente
O mais triste, o mais pálido, o mais feio.
__________________

DANTON

Parece-me que o vejo iluminado.
Erguendo delirante a grande fronte
— De um povo inteiro o fúlgido horizonte
Cheio de luz, de idéias constelado!

De seu crânio vulcão — a rubra lava
Foi que gerou essa sublime aurora
— Noventa e três — e a levantou sonora
Na fronte audaz da populaça brava!

Olhando para a história — um século e a lente
Que mostra-me o seu crânio resplandente
Do passado através o véu profundo...

Há muito que tombou, mas inquebrável
De sua voz o eco formidável
Estruge ainda na razão do mundo!
__________________

MARAT

Foi a alma cruel das barricadas!...
Misto de luz e lama!... se ele ria,
As púrpuras gelavam-se e rangia
Mais de um trono, se dava gargalhadas!...

Fanático da luz... porém seguia
Do crime as torvas, lívidas pisadas.
Armava, à noite, aos corações ciladas,
Batia o despotismo à luz do dia.

No seu cérebro tremente negrejavam
Os planos mais cruéis e cintilavam
As idéias mais bravas e brilhantes.

Há muito que um punhal gelou-lhe o seio.
Passou... deixou na história um rastro cheio
De lágrimas e luzes ofuscantes.
__________________

ROBESPIERRE

Alma inquebrável — bravo sonhador
De um fim brilhante, de um poder ingente,
De seu cérebro audaz, a luz ardente
É que gerava a treva do Terror!

Embuçado num lívido fulgor
Su'alma colossal, cruel, potente,
Rompe as idades, lúgubre, tremente,
Cheia de glórias, maldições e dor!

Há muito que, soberba, ess'alma ardida
Afogou-se cruenta e destemida
— Num dilúvio de luz: Noventa e três...

Há muito já que emudeceu na história
Mas ainda hoje a sua atroz memória
É o pesadelo mais cruel dos reis!...
__________________

COMPARAÇÃO

"Eu sou fraca e pequena..."
Tu me disseste um dia.
E em teu lábio sorria
Uma dor tão serena,

Que em mim se refletia
Amargamente amena,
A encantadora pena
Que em teus olhos fulgia.

Mas esta mágoa, o tê-la
É um engano profundo.
Faze por esquecê-la:

Dos céus azuis ao fundo
É bem pequena a estrela...
E no entretanto — é um mundo!
__________________

AMOR ALGÉBRICO

Acabo de estudar — da ciência fria e vã,
O gelo, o gelo atroz me gela ainda a mente,
Acabo de arrancar a fronte minha ardente
Das páginas cruéis de um livro de Bertrand.

Bem triste e bem cruel decerto foi o ente
Que este Saara atroz — sem aura, sem manhã,
A Álgebra criou — a mente, a alma mais sã
Nela vacila e cai, sem um sonho virente.

Acabo de estudar e pálido, cansado,
Dumas dez equações os véus hei arrancado,
Estou cheio de spleen, cheio de tédio e giz.

É tempo, é tempo pois de, trêmulo e amoroso,
Ir dela descansar no seio venturoso
E achar do seu olhar o luminoso X.
__________________

SAINT-JUST

Quando à tribuna ele se ergueu, rugindo,
— Ao forte impulso das paixões audazes
Ardente o lábio de terríveis frases
E a luz do gênio em seu olhar fulgindo,

A tirania estremeceu nas bases,
De um rei na fronte ressumou, pungindo,
Um suor de morte e um terror infindo
Gelou o seio aos cortesãos sequazes -

Uma alma nova ergueu-se em cada peito,
Brotou em cada peito uma esperança,
De um sono acordou, firme, o Direito -

E a Europa - o mundo -  mais que o mundo, a França -
Sentiu numa hora sob o verbo seu
As comoções que em séculos não sofreu!
__________________

A FLOR DO CÁRCERE

Nascera ali — no limo viridente
Dos muros da prisão — como uma esmola
Da natureza a um coração que estiola —
Aquela flor imaculada e olente...

E ele que fôra um bruto, e vil descrente,
Quanta vez, numa prece, ungido, cola
O lábio seco, na úmida corola
Daquela flor alvíssima e silente!...

E — ele — que sofre e para a dor existe —
Quantas vezes no peito o pranto estanca!..
Quantas vezes na veia a febre acalma,

Fitando aquela flor tão pura e triste!...
— Aquela estrela perfumada e branca,
Que cintila na noite de sua alma...
__________________

RIMAS

Ontem — quando, soberba, escarnecias
Dessa minha paixão — louca — suprema
E no teu lábio, essa rósea algema,
A minha vida — gélida — prendias...

Eu meditava em loucas utopias,
Tentava resolver grave problema...
Como engastar tua alma num poema?
E eu não chorava quando tu te rias...

Hoje, que vivo desse amor ansioso
E és minha — és minha, extraordinária sorte,
Hoje eu sou triste sendo tão ditoso!

E tremo e choro — pressentindo — forte,
Vibrar, dentro em meu peito, fervoroso,
Esse excesso de vida — que é a morte...
__________________

D. QUIXOTE

Assim à aldeia volta o da "triste figura"
Ao tardo caminhar do Rocinante lento:
No arcabouço dobrado — um grande desalento,
No entristecido olhar — uns laivos de loucura...

Sonhos, a glória, o amor, a alcantilada altura
Do ideal e da Fé, tudo isto num momento
A rolar, a rolar, num desmoronamento,
Entre os risos boçais do Bacharel e o Cura.

Mas, certo, ó D. Quixote, ainda foi clemente
Contigo a sorte, ao pôr nesse teu cérebro oco
O brilho da Ilusão do espírito doente;

Porque há cousa pior: é o ir-se a pouco e pouco
Perdendo, qual perdeste, um ideal ardente
E ardentes ilusões — e não se ficar louco!
__________________

PÁGINA VAZIA

Quem volta da região assustadora
De onde eu venho, revendo, inda na mente,
Muitas cenas do drama comovente
De guerra despiedada e aterradora.

Certo não pode ter uma sonora
Estrofe ou canto ou ditirambo ardente
Que possa figurar dignamente
Em vosso álbum gentil, minha senhora.

E quando, com fidalga gentileza
Cedestes-me esta página, a nobreza
De vossa alma iludiu-vos, não previstes

Que quem mais tarde, nesta folha lesse
Perguntaria: "Que autor é esse
De uns versos tão mal feitos e tão tristes?”

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Antonio Brás Constante (O Céu e o Inferno por Telefone)

No decorrer da história, o homem conseguiu desenvolver ideias maravilhosas, em contrapartida também concebeu outras horríveis. Entre a lista das coisas existentes que odiamos podemos citar: as propagandas políticas, as musiquinhas que os caminhões de gás tocam pelas ruas, a broca do dentista, e é claro: o telemarketing.

O telemarketing é um conceito de comerciais por telefone. Onde ligam para nós geralmente nos momentos em que tudo o que não gostaríamos de fazer era atendê-los. Testando nossa paciência. Pondo em cheque a nossa educação para com o próximo.

Acredito que existam pessoas que já estejam tão influenciadas pelas ligações diárias que vivem recebendo, que caso houvesse uma greve das operadoras de telemarketing, elas acabariam sofrendo uma espécie de crise de abstinência pela falta de suas ligações.

No primeiro dia estranhariam um pouco a calma em seu lar. No segundo dia, começariam a pensar no que teria ocorrido para não ligarem mais. Afinal, eles sempre lhes diziam que eram clientes especiais e de muita sorte, por terem sido escolhidos em meio a milhares de outras pessoas para possuir aquele produto.

Começariam a desconfiar que talvez seu poder econômico tivesse finalmente descido abaixo da linha que separa os possíveis clientes viáveis dos inviáveis. Ou pior, talvez eles soubessem de algo que a pessoa ainda não sabia sobre si mesma. A partir daí, passaria a imaginar teorias da conspiração. A desejar que o telefone tocasse para se desculpar por todos os “não” que já dissera. O telefone enfim toca, a pessoa corre para atendê-lo, e para seu desespero, a ligação era apenas a sua mãe dizendo que estava com saudades.

Pensa em ligar para alguma operadora de cartões e ver o que acontece. Para não parecer que está interessada em adquirir algo, quando atenderem pedirá uma pizza, como se tivesse ligado para o número errado.

Ao se ligar para uma operadora de telemarketing tem-se que ter em mente que ao lhe atenderem, farão uma pergunta que determinará se você será encaminhado ao céu ou ao inferno por telefone. Ou seja, vão lhe perguntar se quer comprar algo ou fazer alguma reclamação.

Caso escolha “comprar”, imediatamente cairá em um grupo de atendentes com vozes melodiosas e sensuais, que irão brigar entre si pela chance de poder atendê-lo. Elas sussurrarão palavras quase hipnóticas em seu ouvido. Para completar, um som de fundo cheio de mensagens subliminares, fará você se sentir à vontade para gastar todo seu dinheiro ali.

Porém, se resolver ir pelos caminhos das almas torturadas que buscam reclamar de algo, caíra em um calvário sem fim. Será jogado de um atendente para outro, todos parecendo o nosso presidente, dizendo que não sabem nada daquele assunto, e que irão encaminhá-lo para outro setor. Possivelmente você sofrerá longos minutos até a ligação cair, sem que seja atendido. Mas o mais provável é que acabe se irritando e desistindo da reclamação.

Enfim o telemarketing existe, para provar que o homem ainda pode ser o pior inimigo do próprio homem, mesmo que lhe diga por telefone que você é um cliente especial.

Fonte: O Autor

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Olivaldo Júnior (Pierrô)

Começaria o Carnaval sexta-feira, à noite, e só o daria por encerrado ao meio-dia da Quarta-Feira de Cinzas. 

Não tinha como dar errado. Moço ainda, pintou sua cara, vestiu-se à caráter e se fez um Pierrô. Aquela lágrima triste pintada em relevo. "Não, não sei se devo...". Deve. Pinta sua cara, amigo, e que a Colombina o queira! Colombina? Onde estaria ela? Num baile qualquer (no que ele estaria), num filme bem velho, nas ruas antigas, no tempo remoto da delicadeza. Onde o Chico para nos cantar uma marchinha? Não sei. Só sei que o moço sairia logo em busca da flor, da única rosa que o quer bem: a dele. Haveria mesmo essa tal de tampa da panela de que os mais velhos falavam? Hoje há mais tampa que panela, né? 

Bem, ele estava decidido. Vestiu-se todo para isso. Ei! A marchinha ao longe não me deixa mentir! Vai, "menino", vai para o seu sonho! Colombina está na esquina! Arlequim? Sai já de mim! Pega o seu lugar no bloco, desbloqueia a mente e tenha fé. "Quem é você / Adivinha se gosta de mim"... É o Chico, rapaz, vai lá! Que os mascarados sejam por você! Eu, daqui de cima, o vejo ir. Está bonito. Quisera eu ter seu porte alegre, seu compromisso com o próximo beijo, com a próxima lua em seus braços! Palhaço, não achei minha "mina", a Colombina, minha alma, e voo só. Boa sorte, amigo! A noite não é mais uma criança. É uma rua de esperança sob os pés de quem não dança: ama.

Fonte:
O Autor

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Contos do Oriente (O Homem que vendia fantasmas)

Quando Sung Tingpo, de Nanyang, era ainda rapaz estava passeando certa noite quando encontrou-se com uma fantasma. Perguntou à aparição quem era e ela respondeu que era um fantasma. 

- "Quem é você ?" perguntou por sua vez o fantasma. 

Tingpo mentiu e respondeu - "Eu também sou um fantasma." 

O fantasma então quis saber para onde ele ia e Tingpo informou - "Estou a caminho para a cidade de Wanshih." 

- "Também vou para lá," afirmou a aparição. 

Assim puseram-se a caminhar juntos. Após uma milha, se tanto, o fantasma disse que era estupidez estarem andando ambos quando um podia carregar o outro, por turnos. 

- "Ótima ideia," achou Tingpo. 

O fantasma pôs Tingpo às costas e depois de ter andado uma milha disse: - "Você é pesado demais para um fantasma. Tem certeza de que é um fantasma mesmo?" 

Tingpo explicou que ainda era um fantasma novo e que, por conseguinte, ainda pesava um pouco. Tingpo, por sua vez, pôs-se a carregar o fantasma, mas esse era tão leve que tinha a impressão de não estar carregando nada. Assim foram caminhando, revezando-se, até que Tingpo perguntou ao companheiro qual era a coisa que metia mais medo aos fantasmas. 

- "Os fantasmas têm um medo horrível da saliva humana", afirmou o fantasma. 

Assim foram andando, andando até que chegaram a um rio. Tingpo deixou que o fantasma fosse adiante e observou que ele não fazia barulho algum ao nadar, mas quando ele entrou n’água, o fantasma ouviu o estalar na água e pediu-lhe uma explicação. 

Tingpo explicou novamente - "Não se surpreenda, pois ainda sou muito novo e não estou ainda acostumado a atravessar a correnteza." 

No momento em que se aproximavam da cidade, Tingpo começou a carregar o fantasma nas costas apertando-o fortemente. O fantasma pôs-se a gritar e a chorar lutando para apear-se, porém Tingpo o apertou com mais fôrça ainda. 

Ao chegar às ruas da cidade, soltou-o e o fantasma se transformou num bode. Tingpo cuspiu no animal a fim de que não pudesse transformar-se outra vez, vendeu-o por mil e quinhentos dinheiros e foi para casa. 

Eis a razão do ditado de Shih Tsung: "Tingpo vendeu um fantasma por mil e quinhentos dinheiros.”

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