segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

I Jogos Florais de Congonhas-MG (Prazo : até 30 de abril de 2024)


A TROVA

É uma composição poética apresentada em quatro versos heptassílabos (sete silabas poéticas) contados até a última sílaba tônica. Possui rimas obrigatórias (rimas consoantes/perfeitas) do 1º com o 3º versos e do 2º com o 4º, sistema (ABAB). Deve apresentar sentido ou um pensamento completo (dispensando título e explicações), em português. 

A trova deve ser inédita e o tema deve constar no corpo da trova. 

O primeiro verso sempre inicia com letra maiúscula e os demais sempre com letra minúscula, salvo em casos onde a pontuação anterior exigir/justificar o uso de letra maiúscula.

HOMENAGEADO
DJALMA ANDRADE  (1894-1977)

Nascido em Congonhas /MG, em 03/12/1894, filho do Dr. Cândido de Andrade e de Leonor Martins de Andrade. Autor de: "Vinha Ressequida", "Versos Escolhidos e Epigramas", "Poemas de Ontem e de Hoje" e "Sátiras", entre outros. Foi Membro da Academia Mineira de Letras e da Academia de Lisboa. Formado em Direito, mas sua paixão mesmo era pelo jornalismo. Atuou em quase todas as revistas e jornais em Belo Horizonte. Além disso, também foi poeta lírico e satírico, sonetista brilhante, historiador, cronista, radialista, roteirista de cinema e teatro, apresentador de TV e compositor. Faleceu em 1977, aos 83 anos.

A título de curiosidade: o clube de futebol Atlético Mineiro, teve dois hinos. O segundo (o atual) foi composto em 1969 e o primeiro, de 1928, tinha a letra composta por Djalma de Andrade.

De todas que amei no mundo
uma somente ficou:
deixou traço mais profundo
quem mais de leve passou...
(Djalma Andrade)

ÂMBITOS, CATEGORIAS E TEMAS

ÂMBITO NACIONAL/INTERNACIONAL

Trovadores Veteranos

Tema - Profeta (Lírica/Filosófica): até 02 trovas inéditas por concorrente;

Tema - Imagem (Humorística): até 02 trovas inéditas por concorrente;

Novos Trovadores

Tema - Pedra (Lírica/Filosófica): até 02 trovas inéditas por concorrente;

Tema - Ladeira (Humorística): até 02 trovas inéditas por concorrente;

ÂMBITO ESTADUAL

Trovadores Veteranos

Tema - Escultura (Lírica/Filosófica): até 02 trovas inéditas por concorrente;

Tema - Risada (Humorística): até 02 trovas inéditas por concorrente;

Novos Trovadores

Tema – Canção (Lírica/Filosófica): até 02 trovas inéditas por concorrente;

Tema – Pedra Sabão (Humorística): até 02 trovas inéditas por concorrente;

OBSERVAÇÕES:

❖ É obrigatório constar a palavra tema na trova;

❖ Acima das trovas o autor deve colocar: âmbito, categoria e tema;
❖ Abaixo das trovas o autor deverá fazer a sua identificação (nome completo), endereço, telefone e e-mail.

MODO DE ENVIO

Trovadores Veteranos e Novos Trovadores deverão encaminhar as trovas
por e-mail ao Fiel Depositário:

Âmbito nacional/internacional (Lírica/Filosófica)
Jonathan Leandro Martins Reis 
ubt.congonhas@gmail.com;

Âmbito estadual (Lírica/Filosófica): 
Jerson Lima de Brito
jersonbrito.pvh@gmail.com;

Trovas humorísticas (todos os âmbitos): 
Ramon Barros de Brito
ramonbarrospoeta@gmail.com

CLASSIFICAÇÃO

Trovadores Veteranos (Trovas Líricas/Filosóficas):
5 Vencedores [1º ao 5º]; 5 menções honrosas [6º ao 10º]; 5 menções especiais [11º ao 15º].

Novos Trovadores (Trovas Líricas/Filosóficas):
5 Vencedores [1º ao 5º]; 5 menções honrosas [6º ao 10º]; 5 menções especiais [11º ao 15º].

Trovadores Veteranos (Trovas Humorísticas):
5 Vencedores [1º ao 5º].

Novos Trovadores (Trovas Humorísticas):
5 Vencedores [1º ao 5º].

PREMIAÇÃO
A premiação, composta de certificados, será enviada diretamente aos premiados via e-mail. A simples remessa do trabalho autoriza automaticamente a publicação do mesmo pela UBT com indicação do autor.

Fonte: enviado por Solange Colombara

Yoko Oshima Franco (Crônica da vida)

A vida me é tão óbvia. Cenas de emoções vividas. Dócil, seguia os passos de minha mãe, desviando dos capins mais altos que denunciavam a despedida de uma noite chuvosa, à medida que me esbarrava nas folhas e observava as gotinhas de chuva caírem. O frescor da manhã com sua leve brisa, o sol calmo anunciando um lindo dia e eu ali, simplesmente seguindo minha mãe. Não me importava para onde íamos, o que faríamos, nem por que. Girinos agitados nas poças de água causavam-me maravilha e minha imaginação voava, pois na minha sabedoria já sabia que se tornariam sapos. E da feiúra do sapo também já era conhecedora.   Sentia-me completa ali, nada a desejar, simplesmente encantada com a natureza, com tudo o que ela continha, com tudo ao meu redor.

E este mundo foi crescendo, que festa jubilosa quando aprendi a ler e escrever. Como me sentia grandiosa podendo ler o nome das lojas da pequena cidade, quando descobri a aventura que os livros traziam e me permitiam as mais distantes viagens, por mundos e mundos povoados pelos meus sonhos. Sonhos perturbados por uma fase de angústia, de vazio, de perguntas... sem respostas! Ah, aquela amiga que todos têm, que nos ajuda nessa travessia, como se estivéssemos em um barco sem remo, perdidos num mar turbulento. Que presente a vida nos oferece para nos mostrar que não estamos sós.

E que desalento foi descobrir que era preciso algo mais para dar completude à existência. Hoje, sei que tudo o que precisamos está dentro de nós. E rio internamente, pois esta parte é a mais engraçada e, ao mesmo tempo, a mais comovente. Ela move o mundo. Ela inspira os poetas, os dramaturgos, os cineastas, os musicistas... a arte enfim! E quanta arte existe em nossa vida. Outro dia, vendo minha filha caçula sofrer de amor, disse: “veja, agora eu não lhe basto como antigamente”. Ela sorriu com tais palavras. E silêncio se fez e ambas percebemos que o tempo havia passado rápido.

Completude é um sentimento que só a paz oferece. E paz só se alcança se permitirmos a criança renascer em nós. Se isto não fizer sentido, seremos adultos (muitas vezes infelizes) buscando no outro (alguém, emprego, objeto...) a felicidade, talvez pais sofredores quando os filhos se tornarem adolescentes e a troca pelos amigos (ou namorados/esposos e esposas) se tornar insuportável. Podaremos os seus sonhos (em nome de sabermos o que é melhor para eles. Será?) e desejaremos que realizem os nossos (aqueles que não conseguimos realizar). Como se fosse possível delegar a nossa vida a alguém.

Mas a vida é eterna fonte de aprendizagem. E oferece oportunidade para ampla revisão, para quem ainda não tem olhos de ver. O corpo envia mensagens sábias e necessárias. Um exemplo. Foi incrível ouvir o desabafo de um professor: “Já tinham me avisado que ‘chegar aos quarenta’ era difícil, mas nunca me avisaram dos ‘quarenta e cinco!”. Digo incrível, pois a manutenção da aparência tem sido uma milenar preocupação feminina (por inúmeros fatores, a que não cabe aprofundamento no momento). Contrariando a natureza, o envelhecimento é algo inaceitável para a grande maioria (arrisco dizer, sem paz). Renegam sua expressão facial (é preciso extinguir urgente este vinco entre as sobrancelhas, ah e essas bolsas debaixo de meus olhos, o que é isso?), suas manchas nos braços, a perda da elasticidade da pele. Renegam a vida vivida. Pior, esquecem de viver o presente e a beleza de cada fase da existência.

Observando a bisavó, o bisnetinho exclamou, “isto pendurado no seu braço é gordura?” Risada gostosa se seguiu entre os presentes e veio a resposta da bisa “é pelanca mesmo!”. O biso completou “Idade não se esconde mesmo!”. Refleti sobre a questão. Quanta verdade havia na frase. E escondê-la para quê? Esta pergunta não deveria ser calada.

Muito tempo atrás, conversando com meu então vizinho, ele confessou, aos seus 86 anos: “sabe, chega uma hora em que viver torna-se enfastiante”. Não conseguia entender aquela frase. O tempo se passou e pude ver quantos cuidados necessitava a vózinha, ‘bisa’. O que vem depois de bisa? (Sim, pois era o caso) Entendi o seu João (meu vizinho). Aos 105 anos, a vózinha não mais andava, depois de sua última queda que lhe rendeu cirurgia no fêmur  suas mãos ágeis que foram – habilidosas no crochê, não mais se abriam  não havia mais lente de óculos possível para trazer-lhe novamente a visão, cujas cirurgias de cataratas tinham sido realizadas no passado  era preciso gritar para que ela ouvisse alguma coisa o lado esquerdo era mais sensível, era preciso tocá-la com cuidado, pois qualquer pressão na sua pele provocava hematomas (parecia papel que se rasgava) necessitava de todos os cuidados imagináveis que iam da higiene à alimentação. A vózinha não tinha doença, seus exames de sangue sempre normais, sua mente saudável, lembrava-se mais de coisas do passado que recentes. A vózinha tinha apenas velhice. E um sorriso sempre estampado no rosto. A vózinha voltou a ser criança, conduzida apenas. Saberia para onde iria, o que faria, por quê? Tornou-se apenas uma espectadora da vida.

E, num determinado dia, partiu. Integrou-se à natureza. As lágrimas de despedida foram de paz. Viveu (o suficiente?) para dissipar rancores e angariar perdões. Hoje a palavra paz é uma das que me trazem maior significado. Tão curta e tão intensa. O amor? Por que não digo que é o amor? Ah, ainda não temos maturidade espiritual para entendermos o amor (em nome do amor se mata e muitas vezes ele é carregado de sofrimento). O amor é sentimento de liberdade e não de posse (para exemplificar, as pessoas diriam “eu amo você, mas respeito o fato de não ser correspondida, logo, como meu amor por você não tem limites e quero unicamente a sua felicidade, você é livre para seguir o seu caminho”!). Quanto à paz... ah este sentimento sublime! A paz é aceitação da vida (com todas as surpresas que ela encerra, boas e más). É integração com a natureza. É bem-estar. É tranquilidade nas decisões. É desapego (amar as coisas sem possuí-las).

Quantas vezes olhamos as crianças e perguntamos “o que será que elas estão pensando, o que desejam, o que esperam da vida etc?”. Desafio alguém que ainda não tenha pensado nisso. Só se nunca observou uma criança. Elas têm paz. Por isso vejo a vida tão óbvia. Buscar a paz é sabedoria, não importa em qual fase de vida estamos. Bem, mas se ainda assim nada do dito aqui fizer sentido, vamos apenas viver. Um dia de cada vez, saboreando cada momento. O tempo revela o necessário, aos poucos e generosamente…

Fonte: Sorocult. Site desativado. acesso 09.01.2016.

Wanda de Paula Mourthé (Canteiro de Trovas ) – 5


A indiferença é que explica
esta injusta distorção:
caviar em mesa rica,
e na do pobre, nem pão!
= = = = = = = = = 

A saudade em seu assédio,
se, à noite, insone eu me deito,
ocupa o lugar que o tédio
ocuparia em meu leito.
= = = = = = = = = 

Construiu a eternidade,
ao selar o nosso adeus,
ponte feita de saudade
entre meus braços e os teus!...
= = = = = = = = = 

Depois de tua partida
por desavença banal,
o que foi "a doce vida"
hoje é uma vida sem sal!
= = = = = = = = =

Em nosso mundo, até quando
haverá mundos distintos?
A ganância alimentando
a multidão de famintos...
= = = = = = = = = 

Envolta em brilhos e cores,
a natureza se esmera
para, em delírio de flores,
eclodir na primavera.
= = = = = = = = = 

Foi um lar... Hoje — eu confesso —
é tapera em desalinho,
esperando teu regresso
para ser de novo um ninho.
= = = = = = = = = 

Minha amada ouve a seresta
na moldura da janela,
e o luar, fazendo festa,
brilha mais no rosto dela.
= = = = = = = = = 

Não vens... e, já quase à aurora,
com tua ausência me deito.
Chora a neblina lá fora,
chora a saudade em meu leito.
= = = = = = = = = 

Não vens... e, sempre evasivo,
esse teu amor bissexto
denomina de "motivo"
o que eu chamo de "pretexto".
= = = = = = = = = 

Na praça da adolescência,
belas fontes luminosas
jorravam, em sua essência,
promessas de um mar de rosas...
= = = = = = = = = 

No poente, nosso amor
perde os arroubos de outrora,
mas, sem perder o frescor,
ganha ternuras de aurora.
= = = = = = = = = 

Notícias sensacionais
que ouviremos algum dia:
— Paz mundial! Bombas não mais...
explosões... só de alegria!
= = = = = = = = = 

O nosso amor teve fim,
mas ficaste em minha história,
pois te vejo junto a mim
pelos olhos da memória.
= = = = = = = = =

Ontem, estrela em cartaz,
hoje, uma atriz decadente:
seu brilho foi tão fugaz
quanto o da estrela cadente!
= = = = = = = = = 

Os estalidos ardentes
da floresta na queimada
são os protestos candentes
da natureza violada.
= = = = = = = = = 

O sol-por, ao se esvair,
cede à penumbra os espaços,
e, quando a noite cair,
caia você em meus braços!
= = = = = = = = =

Pago um preço alto demais
pela espera que não finda...
— Diz a razão: "Não vem mais"
— E a esperança; "É cedo ainda..."
= = = = = = = = = 

Partiste... e meu desencanto,
vendo ruir a ilusão,
escorre em gotas de pranto,
orvalhando a solidão.
= = = = = = = = = 

Percebo, agora, tristonho,
que, ao fim da minha viagem,
para manter vivo um sonho,
eu vivi só de miragem.
= = = = = = = = = 

Pintor, com tintas de amor,
às sombras não dou guarida,
porque Deus é o co-autor
do painel da minha vida.
= = = = = = = = = 

Por não ter destinatário,
notícias que invento a esmo,
em meu viver solitário,
sempre as remeto a mim mesmo.
= = = = = = = = = 

Quanta atrocidade encerra
o pretexto tão falaz
de quem leva um povo à guerra
sob a bandeira da paz!
= = = = = = = = = 

Quanto mais o céu eu fito
— que é de Deus o imenso império
mais vislumbro no infinito
um infinito mistério...
= = = = = = = = = 

Sejam fome e guerra extintas,
não mais violência e opressão:
nutram-se as bocas famintas,
não a boca do canhão!
= = = = = = = = = 

Teu amor, sonho distante,
porque és pedra lapidada,
mais brilhante que o brilhante,
e eu, pedra bruta... mais nada!
= = = = = = = = = 
Fonte: Wanda de Paula Mourthé. Com…passos de emoções. Belo Horizonte: Flux, 2013.
Enviado pela trovadora.

Viviane das Graças Vieira Bufalari (Ócios do pacote)

Dizem que enquanto um brasileiro descansa um chinês trabalha. Não duvido, nem contesto, acho até uma teoria interessante. Mas já se viu em outro país um funcionário como o brasileiro? Temos o dom de absorver serviços inimagináveis, não somos os mais ágeis ou infalíveis, porém se erramos, o fazemos com classe e sabemos ser flexível.

Trabalhei num respeitável setor de pacotes de uma renomada loja em minha cidade. Foi um bom emprego, o meu melhor primeiro emprego, lá eu presenciei diariamente situações que me proporcionaram um aprendizado incomensurável.

Havia coisa que eu amava outras, no entanto, que dói só de lembrar. Vi de perto algumas situações que me levaram a observar algumas curiosidades, como por exemplo, o fato das pessoas se preocuparem tanto com a opinião de terceiros.

A mulher compra uma bacia – o item varia podendo ser uma caixa de isopor ou uma panela industrial – o caso é que não há uma sacola que comporte tais produtos. E então? Pelo estranho desconforto em imaginar a reação das outras pessoas ao verem esse objeto sendo carregado pelas ruas e ônibus, as pessoas fazem a seguinte opção, para o desgosto do empacotador:

- Pode passar um papel?

E ainda arrematam:

- É para as pessoas não ficarem olhando.

Passar um papel?! Sabe que papel é esse? É manilha ou Kraft e dependendo da situação financeira e do humor do funcionário pode ser até jornal. Pobre, pobre, pobre! Se não é tão pobre, é pobre e feio.

No lugar de uma bacia de cor saliente e grande utilidade doméstica, a dona de casa se propõe a andar com um estranho e gigante embrulho atraindo olhares curiosos e críticos. Contraditório e esquisito!

Outro caso que leva a loucura o mais simpático empacotador é a pessoa que apresenta uma pequena sacola para ser guardada e quando este com toda gentileza lhe oferece a senha de pequenos itens, ela faz sinal para que entre toda a família com sacolas, malas e caixas.

Sem falar daqueles clientes que invadem o balcão para pegar suas coisas, ou ameaçam o pobre funcionário ao serem parados para guardar as sacolas.

Existem clientes carentes e atendentes carentes, são aqueles que mendigam uma conversa, ainda que boba falando sobre  o tempo. Em meio ao silencio de um embrulho o cliente começa a contar para quem é o presente e termina citando a manchete do jornal de domingo. Funcionário carente é o que em poucos minutos passa a falar mais do que o cliente revelando seus traumas e expondo sua intimidade.

Entre casos e acasos do cotidiano de cada trabalhador, convive-se com o difícil contraste entre o que somos e o que fazemos, conciliar essa situação pode ser exaustivo, contudo acredito que ninguém o faça melhor do que o brasileiro. Pelo menos não com tanta alegria, criatividade e excelência atrás ou na frente de um balcão.

Fonte: Sorocult. site desativado. acesso 9.1.2016.

Artur de Azevedo (Os dentes do Braz)

O Braz era bonito, mas — coitado! —
Tinha maus dentes; quando a boca abria,
Todo o encanto perdia:
Por isso era calado,
E não ria: sorria.

Mas que namorador!... tinha a mania
De acompanhar senhoras; quando via
Passar alguma sem marido ao lado,
Sendo bela, ficava entusiasmado,
E os passos lhe seguia.

Mais de uma dama, tendo reparado
Que tão belo rapaz a perseguia,
Não se mostrava esquiva ao namorado;
Mas quando descobria
Naquela boca um singular teclado
Em que somente — pobre desdentado! —
Sustenidos havia,
Toda a ilusão se lhe desvanecia.

Muita gente dizia:
— É pena que um rapaz tão adamado
Na boca tenha aquela cacaria,
Quando há dentes postiços no mercado,
E um dentista afamado
Em cada rua chama a freguesia!

O Braz bem percebia
Que aquela boca era o seu negro fado,
Porém não se atrevia
A entrega-la ao dentista; a covardia
Era tanta, era tal, que o desgraçado
Só de pensar no boticão, tremia!

No entanto, o Braz, um dia
Apareceu metamorfoseado,
Mostrando, quando os lábios entreabria,
Dentes que um deus do Olimpo invejaria!

Foi um caso engraçado
Que dos contos a Musa desafia,
E em versos maus ei-lo aqui vai contado:

I

Dissimulando os dentes,
Estava o Braz silencioso à porta
De uma alfaiataria onde se corta,
Mais do que o fato, a pele dos ausentes,
Quando passou, ligeira e saltitante,

Uma dama elegante
E desacompanhada.
— Oh, que linda mulher! que anjo! que fada! —
Murmura o Braz consigo, — com que graça
O vestido arregaça
E pega no sombrinha!
Vou atrás dela, porque está sozinha! —

II

Ocioso é dizer-vos
Que a cena representa
A rua do Ouvidor (fere-me os nervos
Dar-lhe outro nome: nenhum mais lhe assenta.)
A dama vai ao largo da Carioca,
Seguida pelo Braz; num armarinho
Entra, e ele, de pé, fica-lhe à coca.

Ela sai afinal; toma um bondinho
Da praça Onze. Ele o bondinho toma,
Disposto a acompanha-la ao fim do mundo.

Embora fique sem jantar nem ceia,
Pois ou bem se conquiste, ou bem se coma!
Mas — oh, felicidade! — ela dá fundo
Na praça Tiradentes.
Do bondinho se apeia
E entra na loja de um joalheiro, enquanto
O Braz fica no canto,
Suspiros a soltar intermitentes.

Sai da loja a mulher, sempre sozinha,
E, desta vez, ligeira se encaminha
Para o largo de São Francisco. Para
Diante de uma vitrine, e então repara
Que é seguida de perto
Pelo Braz, e sorri assim de certo
Modo que o encoraja,
Pois aquele sorriso,
Vago, estranho, indeciso,
Não é de quem reaja.

III

Ele aproxima-se, e ela, resoluta,
Como heroína habituada à luta,
Deste modo lhe fala:
— Que deseja de mim o cavalheiro? —
Ele, a sorrir, pergunta-lhe, gaiteiro:
— Dá-me licença para acompanha-la? —
Ela responde muito amavelmente:
— Pois não! Como quiser! — E incontinente
A caminho se põe. O Braz, ditoso,
Não cabendo na pele de contente,
Vai-lhe seguindo o passo vagaroso.

A rua do Ouvidor atravessaram,
E uma esquina dobraram.

IV

À dama num magnifico sobrado
Entra, e após ela o Braz também, coitado!
Ela, do alto da escada, grita: — Suba!
E ele, com mais denodo
Que um espanhol em Cuba,
Sobe, mas fica todo
Atrapalhado quando vê que um homem
No patamar o espera.
Um lobo, um tigre, ou qualquer outra fera
Dessas que nos atacam e nos comem,
Tamanho susto não lhe causaria;
Mas o dono da casa lhe sorria,
Dizendo: — Queira entrar... tenha a bondade...
O cavalheiro tem necessidade,
Disse minha mulher, dos meus serviços,
Essa boca realmente
Pede uns dentes postiços...
Entre, e lhe afianço: ficará contente!

V
O Braz entrou, e, passeando a vista
Por tudo que o cercava,
Notou então que estava
Em casa de um dentista;

Mas teve que fazer o pobre diabo
Das tripas coração. Sentou-se. Ao cabo
De uma hora de tormentos
E dores excessivas,
Tinham deixado as túmidas gengivas
Os últimos fragmentos
Dos caninos de outrora.
Finda a sessão, disse o dentista: — Agora
Vou fazer-lhe uma rica dentadura. —

VI

E assim foi, realmente:
Pouco tempo depois desta aventura,
Impava o Braz, — não lhe faltava um dente.

Fonte: Artur de Azevedo. Contos em verso. Publicado originalmente em 1909. Disponível em Domínio Público. 

Chico Anysio (Cotidiano)

Quem tem notícia de Helena
Por favor queira informar.
Quem souber desta morena
Venha, correndo, avisar

Começa a nascer um samba no pinho de Leonam. Mais um a ser guardado com os demais trinta e tantos, sem que cantor algum se interesse por gravar. Esse, como os demais, é um samba inventado. Mais um pouco e pode reunir a família a quem mostrará a canção e ouvirá as opiniões de sempre:

— Tá lindo, Leonam. Dá pro Nelson Gonçalves.

— Um lixo. Só gosto de música do Roberto.

— Mentira, pai, tá bonito.

— Tem uma coisinha ou outra que dá pé.

Os filhos, jovens demais para saber da vida, não entendem muito a filosofia dos sambas, mas Lídia sabe que ele só faz coisa boa. Havia de chegar o dia em que seria reconhecido. Diz que música dá dinheiro. Não vê que tudo que é compositor tem carro?

Resolve, como das outras vezes, deixar a segunda parte para amanhã. Deita o violão no alto da cristaleira. Ajuda a mulher a recolher os pratos e as migalhas do jantar. O cachorro safado fazendo de novo no tapete.

— Rinnk... ronnk...

Irrita-se com o rangido eterno da porta da cozinha que não há óleo que dê jeito. Senta-se na poltrona de estofado gasto para ler o resto do jornal, começado no trem.

Não tem ainda 40 anos e já começa a pensar na morte. Não por ele, que não é egoísta, mas pela família que, com ele morto, do que vai viver? Como e com que se alimentariam aquelas quatro bocas? Cinco, porque o cachorro safado, porção nojento, também come. E mais do que os meninos, até.

O serviço que faz — cobrador da Telefônica — não garante nada de ostentoso para o futuro, mas, com ele vivo, sempre há o dinheiro dos bicos, vendendo refresco na porta do Maracanã ou espetinho à frente do Mourisco, nos ensaios da Portela. Morto, cadê?

— Quer um cafezinho? Passei agora — oferece a mulher, 35 anos na carteira, 48 no rosto.

Ele aceita.

— Veja se está bom de açúcar.

— Está — diz, sem provar, pela confiança que tem na mão da mulher que nunca errou na conta do doce, apesar de sempre perguntar a mesma coisa.

A mesma coisa.

Isso, é a vida dele. Cotidiano que escangalha a vida.

E a porta da cozinha rangendo rinnk. .. rooonnk; o cachorro encharcando o tapete 2 por 1, comprado na liquidação da Sears, os meninos brigando por um lugar melhor no sofá, a cabeça da vizinha, na janela, pedindo uma xícara de açúcar, a porta da cozinha rangendo... rinnk... ronnk...

— Chega pra lá, Helinho. Eu estava aqui antes.

— Quem vai ao vento, perde o assento.

— Mãe, olha o Helinho.

— Quer mais um cafezinho, Leonam?

— Para de me empurrar, Luciana.

— Rinnk.. . roonnk...

— Dona Lídia, me empresta uma xícara de açúcar?

— Pai, dá um jeito no Helinho.

— Veja se está bom de açúcar.

— Rinnk... ronnk...

Parece o barulho monótono das rodas do trem. Uniforme, fastidioso, insípido. E se é ruim com ele vivo, imagina depois de morto.

Pensa na morte como um fato que se dará amanhã. De olhos fechados, vê-se morto, imaginando o caos em que a casa mergulhará. A família, no mínimo, terá que mudar para um barraco. E o violão? Queria ser enterrado com ele.

Faz mi menor sem pestana e puxa, do fundo do peito, um verso novo.

Quero ser enterrado
Com o meu violão,
Companheiro adorado
Vai comigo no caixão.

— Que música mais besta, Leonam. Música que fala da morte... Bate na madeira.

Ele dá três pancadas nas costas do pinho, obedecendo por obedecer. E não é isso que faz todas as horas do dia? Os filhos, sim, são autônomos.

— Vá fazer os deveres de casa, Luciana.

— Depois, mãe.

— Helinho, já fez os deveres?

— Mais tarde.

— Leoninho...

– Psiu. Tô vendo a novela.

— Rinnnk... ronnk...

Novela acabada, cada um para o seu canto, boa noite, boa noite (se não é dia de amar) e até amanhã, quando tudo vai acontecer do mesmo modo: imutável e leso.

Luz apagada, os meninos na cama, Dona Lídia cobre-se com o lençol Santista Ouro, ainda do enxoval. Deixa uma perna descoberta, de propósito.

— Boa noite, Leonam.

— Boa noite.

E dorme antes dele, como sempre.

Para ajudar o sono a chegar, Leonam fecha os olhos e fica imaginando a porta da cozinha abrindo e fechando: rinnk... ronnnk... rinnk... ronnnk... até amanhã.

Até sempre.

Fonte: Chico Anysio. O Enterro do Anão. Publicado em 1973.

domingo, 17 de dezembro de 2023

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 37

 



Mensagem na Garrafa – 57 -


Vinicius de Moraes
(Marcus Vinicius da Cruz de Melo Moraes)
Rio de Janeiro/RJ, 1913 - 1980

A VOCÊ, COM AMOR

O amor é o murmúrio da terra
quando as estrelas se apagam
e os ventos da aurora vagam
no nascimento do dia...
O ridente abandono,
a rútila alegria
dos lábios, da fonte
e da onda que arremete
do mar...

O amor é a memória
que o tempo não mata,
a canção bem-amada
feliz e absurda...

E a música inaudível...

O silêncio que treme
e parece ocupar
o coração que freme
quando a melodia
do canto de um pássaro
parece ficar...

O amor é Deus em plenitude
a infinita medida
das dádivas que vêm
com o sol e com a chuva
seja na montanha
seja na planura
a chuva que corre
e o tesouro armazenado
no fim do arco-íris.

Eduardo Martínez (O velho, o Natal e o pinhão)

O Natal se aproximava, mais um entre tantos que aquele velho vivenciara ao longo de décadas e décadas, como se todos, ao menos até agora, fossem iguais ou, no mínimo, quase a repetição de um hábito. A mulher mandou que ele fosse comprar pinhão, pois era uma tradição que ela adorava manter na família, cada vez mais dispersa. 

Já na calçada, o velho caminhou até o Mercado Público, onde sabia que o preço era mais atrativo, especialmente naquela época do ano, onde tudo custava os olhos da cara. Observou a multidão tentando engalfinhar os diversos produtos, como se fosse a última chance de conseguir algo único, apesar das centenas de réplicas logo ali ao lado. Estacou em frente a uma das bancas, onde se assustou com o preço da iguaria das mais gaúchas.

– Dois quilos, por favor.

Enquanto esperava, notou dois moleques sorridentes carregando uma caixa contendo uma árvore de Natal, dessas de montar. Tudo de plástico, nenhum cheiro de pinheiro de verdade. Isso, aliás, o transportou para o seu longínquo tempo de criança. Tanto tempo, que imaginou que se tratava de apenas mais um devaneio, como se aquilo jamais pudesse ter existido. 

Nessa época, era apenas um menino. Talvez dez, onze anos. O importante é que se lembrava de que era apenas um garotinho, não mais que isso. Diante de sua avó, ele prestava atenção nas histórias de outros natais, bem mais antigos que todos os que ele havia vivido. Enquanto escutava a agradável voz daquela velha, o então menino grudava pedaços de algodão naquele pequeno pinheiro, como se fossem flocos de neve. Tudo isso lhe parecia ridículo hoje em dia, mas era uma diversão naquela época tão distante. Um sorriso emoldurou a face enrugada do agora velho, que, logo em seguida, foi despertado por uma voz rouca.

– Aqui está o seu pinhão!

Fonte: Blog do Menino Dudu. 24.11.2022.
https://blogdomeninodudu.blogspot.com/2022/11/o-velho-o-natal-e-o-pinhao.html 

Caldeirão Poético LXXIV


Noemise Machado França Carvalho
São Paulo/SP

CONVERSANDO COM ESTRELAS

Olhava andar no céu pequena estrela aberta,
no escuro azul remando o barco pequenino.
Foi quando, em mim descendo a rósea chama esperta,
a estrela entrelaçou ao meu o seu destino.

E vindo de tão longe, uma ilusão desperta:
Acreditei no amor, brinquedo de menino.
Quis ter a claridade em minha estrada incerta,
ter o meu andor, embora pequenino.

Viveu comigo a estrela, em noite cor-de-rosa,
em madrugada azul ou tarde mais chuvosa.
Comigo, não chorou o céu de onde descia.

Na vida fui feliz!... Chegando um certo dia,
a estrela disse adeus e em pranto me deixou...
Que posso mais fazer, se a vida se acabou?
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Orlando Cavalcanti
Campo Belo/MG, 1912 – 1982, Belo Horizonte/MG

DERROTA

Caminheiro de aspérrimas jornadas,
deixei um dia a minha triste aldeia.
Tostei-me ao sol de todas as estradas,
ajoelhei-me ante o altar da lua cheia.

Às mentiras de luz das madrugadas,
da derrota beijei o pó e a areia.
Mas, nas surpresas das encruzilhadas,
uni a minha dor à dor alheia.

E eis-me, afinal, no píncaro do monte!
E a perscrutar na fímbria do horizonte
os roteiros incertos de meus passos,

só vejo a minha sombra comovida
acompanhando os funerais da vida
com o cadáver dos sonhos em seus braços!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Paschoal Villaboim Filho
Rio de Janeiro/RJ

TOLERÂNCIA

— Tolerância — cutelo que equilibra
as agressividades dessa gente
que traz uma tensão em cada fibra
sempre a pulsar descompassadamente.

— Quem na possui? — O homem que se libra
da serpente do orgulho, da serpente
que traz em cada anel o ego que vibra
como os prótons e os nêutrons da corrente.

A tolerância é fruto da paciência
e da meditação, da penitência,
regado pelas lágrimas da dor.

Mas para possuí-la, meu amigo,
planta-a em ti mesmo como o grão de trigo
que ao sol germina em florações de amor...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Raimundo Brasil
???

LUZ DE CANDEEIRO

Buscando o Ocaso, em fúlgido crescente,
o luar... o doce luar, desaparece.
A noite em meio. O Céu, puro e silente,
recamado de estrelas, estremece.

Leio. O meu pensamento se embevece
nessa leitura e nesse luar poente.
Ah! se, das sombras, tua imagem viesse,
na asa de um sonho incontentado e ardente!...

E a noite avança, plácida e tranquila.
Baixo o candeeiro. A luz, de quando em quando,
numa serena vibração, cintila.

E à proporção que vem nascendo o dia,
dentro do vidro a luz vai se apagando,
num frêmito azulado de agonia.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Salomão Jorge
Petrópolis/RJ, 1902 – 1991, São Paulo/SP

O RELÓGIO

No meu quarto sem luz, sofro sozinho,
vendo-te, sombra pálida de alguém,
de alguém que é o meu consolo o o meu carinho,
única aspiração, único bem!

Estrela da manhã do meu caminho,
ninguém, como eu, te quer, ninguém, ninguém...
Sem ti não beberia o amargo vinho
da vida, rosa ideal que nunca vem!

E de ti como escalda a minha sede!
Tudo parece ter pena de mim,
mesmo o velho relógio da parede.

Relógio! — Ela virá? — Pergunto em vão.
o ponteiro seguindo diz que sim,
e o pêndulo chorando diz que não.

Fonte: Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.