sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Professor Garcia (Sonetos Avulsos) – 6


CANSAÇO

No cansaço da noite, entre os cansaços, 
tive um sonho esquisito e diferente,
pois, sonhei abraçado noutros braços,
entre os braços da noite, descontente.

Ante um sonho, outro sonho e, de repente,
eu me sinto algemado noutros laços,
como quem segue a vida loucamente,
controlando as pegadas de outros passos...

E, eu sonhando e sonhando pouco a pouco,
fui ficando no sonho quase louco
nessa louca paixão que não passou...

Se os teus beijos, neguei sem ter ressábios,
quero agora, pagá-los noutros lábios
esses beijos que a vida me negou!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

DELÍRIOS DA AURORA

Quando a aurora bem cedo, abre a cortina,
ante os raios do Sol, o orvalho chora,
pestaneja no céu, a luz divina
e resplende, na terra, a luz da aurora!

Basta o olhar dessa aurora peregrina,
passageira que, ao longe, o céu decora,
e, aos pouquinhos, dos braços da campina,
o silêncio da noite vai embora!

Sobre as copas de antigos arvoredos,
lindas aves revelam seus segredos,
dando vivas, à luz do Sol nascente...

E entre coros, canções, ressurge a vida,
despertando essa paz adormecida,
que adormece de novo, ao sol poente!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  =

ENTARDECER

Morre a tarde!... E, na dor do Sol poente,
há uma nesga de luz e nostalgia,
separando, de forma displicente,
os encantos e a dor do fim do dia!

Ante o drama sem volta e tão dolente,
ouço, ao longe, uma voz que me assedia;
é a de um sino que tange, lentamente,
os suspiros finais da Ave Maria!

Nesse instante, eu me sinto até covarde;
me envergonho, ante a dor do fim da tarde,
mas encaro de frente e olhos abertos…

E à distância, no olhar da eterna luz,
eu percebo dois braços numa cruz,
rodeados de luz entre os libertos!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

ILHA DE SANT’ANA

Tua origem, de fato, ninguém sabe,
mas nasceste das cinzas deste pó;
Ilha amada, em teu ventre, tudo cabe,
aos sussurros do velho Seridó!

Que teu nome, no tempo, não desabe,
nem te deixem viver assim tão só;
que o teu canto de amor, nunca se acabe,
ante o olhar de Sant'Ana, nossa avó!

Sob as bênçãos de nossa padroeira,
e os arpejos de cada cachoeira,
que deságua nas terras deste chão...

Quando o rio, de verde se reveste,
tens a imagem mais pura do Nordeste,
e és a Ilha mais linda do sertão!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

MATIZES DA AURORA

Brindo e abraço, na aurora, outra alvorada,
todo dia, da porta do meu quarto,
no silêncio da velha madrugada,
ouço o choro da luz de um novo parto!

Esse raio de luz que eu não descarto,
no meu teto, depressa, faz morada...
Abro portas, janelas, não me farto,
não me canso do olhar da luz dourada!

E essa luz, em silêncio, a caminhar,
traz o brilho da aurora, em seu olhar,
apagando, da noite, a treva ardente...

E entre cantos, sussurro e mil respingos,
põe, nas luzes do orvalho e em ternos pingos,
os matizes da luz do Sol nascente!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

VIVA PLENAMENTE


Pelas trilhas tortuosas dos caminhos,
há empecilhos, bravatas e há temores...
Quanto sonho vencido entre os sozinhos,
quanta glória perdida entre os amores!

Nas angústias do mundo há mais espinhos
do que o cheiro da paz que tem nas flores...
Mas sem ódio e sem mágoa, em nossos ninhos,
nosso sonho de amor inibe as dores!

Deixo, em poucas palavras, meus apelos;
- Por que sempre guardar seus pesadelos
se a esperança cochila ao pé da porta?

Pode haver plenitude, em meio aos trapos:
A esperança não morre entre os farrapos
e viver plenamente, é o que me importa!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
Fonte> Professor Garcia. Poemas do meu cantar. Natal/RN: Trairy, 2020. Enviado pelo poeta.

Mitos Indígenas (Poronominaré - o dono da terra)

O velho pajé Cauará saiu para pescar, demorando muito a voltar. A filha, preocupada, resolveu procurá-lo perto das águas mansas do rio. Após muito andar, sentou-se na relva para descansar. Anoitecia e a lua surgiu atrás das montanhas, ficando a jovem a contemplá-la. Subitamente, destacou-se do astro um vulto muito estranho que vinha em sua direção. A índia parecia hipnotizada, sendo em seguida tomada por profunda sonolência. 

Neste momento o pajé, que havia retomado à aldeia, preocupou-se com a ausência da filha. Tomou então um pote com paricá, pó alucinógeno que, inalado, lhe despertava os poderes de pajé, entrando assim em transe. 

Muitas sombras desfilaram à sua frente e entre elas surgiu a silhueta de um homem que subia aos céus em direção à lua. Aos poucos, outras imagens foram tomando formas humanas com cabeça de pássaros, anunciando ao pajé que sua filha estava numa ilha, não muito distante dali. 

Imediatamente Cauará dirigiu-se ao local revelado, encontrando a moça enfraquecida e faminta. Voltaram à aldeia. 

Passados alguns dias, a jovem, recuperada, contou ao pai um sonho impressionante: no alto da montanha ela dava à luz uma criança muito clara, quase transparente. Não havia leite em seus seios, sendo o seu filhinho alimentado por uma revoada de beija-flores e borboletas. A sua volta, outros animais que também se encantaram com o bebê, lambiam-no carinhosamente. 

Algum tempo depois, a filha de Cauará notou que, embora virgem, esperava uma criança. O pajé, estranhando o fato, entrou novamente em transe. As alucinações lhe mostraram ser o homem que ele vira subir à lua, o pai de seu neto. 

Numa madrugada em que os animais, as aves e os insetos pareciam agitados e felizes, nasceu na serra de Jacamin o neto do pajé, Poronominaré, o dono da terra. Ao ser informado do feliz acontecimento, Cauará seguiu para a montanha para conhecer o herdeiro. 

Surpreso, encontrou a criança com uma barbatana nas mãos, indicando a cada animal o seu lugar na Natureza. 

Ao cair da tarde, quando tudo já estava em pleno silêncio, ouviu-se uma cantiga feliz. Era a mãe do dono da terra que subia aos céus, levada por pássaros e borboletas.

Fonte> Adaptação do Texto de Jayhr Gael in O Caminho de Wicca - http://www.caminhodewicca.com.br (desativado). acesso em 13/10/2023

Dicas de Escrita (Formas de Escrever Diálogos) – 2

ESCREVENDO DIÁLOGOS

1 – Seja simples. 

Use "ele disse" ou "ela respondeu" em vez de termos chiques como "ele protestou" ou "ela exclamou." 

Você não quer tirar a  atenção do diálogo entre os personagens com palavras ou frases incomuns. A palavra "disse" é discreta o suficiente para não distrair o leitor. Ocasionalmente você pode quebrar o ritmo do "disse" ou "respondeu", quando for apropriado. Por exemplo, você poderia usar "interrompeu", "gritou", "sussurrou", mas apenas se fizer sentido na história — e só de vez em quando.

2 – Avance a história com os diálogos. 

Eles devem fornecer informações ao leitor ou espectador. Diálogos são ótimos recursos para mostrar como um personagem se desenvolveu e informar o leitor de coisas que ele não poderia saber.

Não faça conversas fiadas sobre o tempo ou como o personagem fulano tem passado, mesmo que seja algo natural em uma conversa. 

Agora, um jeito que dá pra incluir esse tipo de papo é para criar a tensão. 

Por exemplo, um personagem precisa muito de uma informação sobre outro personagem, mas o interlocutor dele fica enrolando e insiste nesse ritual do papo furado. Isso fará com que o seu personagem e o seu leitor roam as unhas de ansiedade!

Todos os seus diálogos devem ter um propósito. Quando estiver escrevendo um, pergunte-se "O que isso acrescenta à história?", "O que eu estou tentando mostrar ao leitor sobre o personagem ou sobre a trama?" 

Se você não souber responder essas simples questões, risque esse trecho.

3 – Não encha seu diálogo com informações da história. 

Isso é algo que todo mundo tende a fazer. Você pensa "Quer jeito melhor de passar a informação para o leitor do que fazer os personagens discutirem isso detalhadamente?", mas pare agora! Informações e histórico dos personagens devem ser distribuídos ao longo da trama!

Um exemplo do que não fazer: Joana olhou para Carlos e disse "Oh Carlos, lembra que meu pai morreu de causas misteriosas e que minha família foi despejada pela minha tia malvada Ana?"; "Lembro sim Joana, você tinha apenas 12 anos e teve que abandonar a escola para ajudar sua família!".

Uma versão melhor dessa conversa seria: Jane virou para Carlos, seus lábios quase sorrindo: "Falei com tia Ana hoje." Carlos se lembrou — "Não foi ela que despejou sua família? O que ela queria?"; "Vai saber, mas ela me deu pistas sobre a morte do meu pai."; "Pistas?" Carlos ergueu uma sobrancelha. "Parece que ela não acredita que a morte dele foi natural".

4 – Inclua entrelinhas. 

Conversas, especialmente em histórias, são assuntos em camadas. Geralmente tem mais de uma coisa acontecendo, tente captar as sutilezas de cada situação.

Existem várias formas de falar as coisas. Se você quer que o seu personagem diga algo como "Eu preciso de você", tente fazer com ele diga a mesma coisa, sem usar essas palavras especificamente. 

Por  exemplo: "Carlos ligou o carro. Joana repousou a mão em seu braço; ela mordia o lábio." — "Carlos, eu... você realmente tem que ir tão cedo?" ela perguntou, retirando a mão. "Nós nem sabemos o que vamos fazer ainda."

Não faça seus personagens falarem tudo que se passa na cabeça deles ou tudo que estão sentindo. Isso dará informação demais e não dará espaço para o suspense.

5 – Misture! 

Você quer que o seu diálogo seja interessante, para manter seu leitor engajado na trama. Isso significa pular as conversas vazias de ponto de ônibus, sobre o tempo e o passado, e incluir mais conversas com conteúdo importante, como Joana confrontando a sorrateira tia Ana.

Faça seus personagens discutirem ou falarem coisas surpreendentes. Os diálogos devem ser interessantes. Se todos concordam ou fazem questões simples e as respondem, o diálogo pode ficar entediante.

Intercale a conversa com ação. Quando as pessoas conversam elas ficam mexendo nas coisas, dão risada, lavam os pratos, tropeçam etc. Adicionar esses elementos aos diálogos os deixará mais reais.

Por exemplo: "Você não acha que um homem forte e saudável como o seu pai teria simplesmente adoecido e morrido, não é?" disse tia Ana com uma risada. Joana se agarrou ao resto de sua paciência, dizendo "Às vezes as pessoas ficam doentes". "E às vezes elas têm uma ajudinha externa." Tia Ana foi tão convencida que Joana quis alcançá-la pelo telefone e estraçalhar seu pescoço. "Se alguém o matou, tia Ana, você sabe quem foi?"; "Ah, eu tenho uma ideia, mas vou deixar você adivinhar."
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
continua…


Aparecido Raimundo de Souza (Simplesmente funambulesco*)

* Funambulesco = ridículo
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
ERA MANHÃ de sábado e a doutora Lamparina estava de plantão na sua clínica odontológica. Não esperava clientes naquele dia. A maioria das pessoas preferia aproveitar o fim de semana para descansar ou se divertir. Ela mesma gostaria de estar em casa, assistindo a um filme ou acabando de ler os capítulos finais da “25ª Hora,” do escritor romeno Virgil Gheorghiu, lembrando que geralmente nos finais de semana, dificilmente algum imprevisto aconteceria que necessitasse com urgência das suas obrigações profissionais.

A doutora estava sentada na recepção, na cadeira da sua secretária, folheando uma revista, quando ouviu um barulho estranho vindo da antessala onde ficavam os pacientes e o acesso da porta principal. Parecia o som de algo batendo contra os vidros espessos que colocara para dar mais claridade ao ambiente. Apressada, se levantou a fim de verificar do que se tratava. Para sua surpresa, se deparou com um cavalo preto, de porte médio, que olhava fixamente para os óxidos metálicos que frenteavam a clínica. O animal parecia nervoso. Dava a impressão de ter bebido todas, ou além da conta. Em razão disso, soltava uns relinchos altos e estrepitosos.

Num primeiro momento, a doutora Lamparina ficou sem reação. Em toda sua vida desde que viera morar naquele povoado, não se lembrava de ter visto um espécime por aquelas paragens, muito menos na frente da clínica onde montara seu ganha-pão. Perguntou aos botões de seu jaleco de onde aquele quadrúpede saíra, e quem seria o seu dono? Pensou em abrir a porta e tentar afugentar o visitante. Teve medo de assustá-lo ou provocá-lo. Resolveu ficar quieta, esperando que o intruso fosse embora por conta própria.

Todavia, o “equus” não arredou pés. Pelo contrário, se aproximou mais e encostou o focinho naturalmente dando de cara com a própria imagem.  O sujeito, ou melhor, o rústico, parecia curioso, ou talvez confuso, com o advento do seu próprio reflexo. Ficou assim por alguns instantes e depois se virou de lado. Ato contínuo, iniciou uma série de coices na direção do vitral. A estrutura estremeceu, sem, no entanto, se quebrar. A doutora se atemorizou, e diante daquele fato bizarro, recuou. Pensou em gritar por socorro. Contudo, emparedada, não sabia se alguém viria em seu auxílio. 

Passou a mão no celular e tentou ligar para a polícia. A droga do aparelho estava com a bateria descarregada. O bronco, por sua vez, seguia prepotente, abusado, arrogante e fora de controle. Continuava com seus coices no revestimento. As patadas se faziam cada vez mais potentes. O belo arquitetônico finalmente se rachou. Um amontoado de pequenos estilhaços se espalhou pelo chão do piso de azulejos brancos. A dentista sentiu um frio na barriga. Imaginou o que o endiabrado faria se conseguisse derrubar a porta e invadir o recinto. 

Pensou nos seus equipamentos caros, nos prontuários dos clientes, e em seus diplomas. Também refletiu na segurança da sua vida. Se perguntou se o sáfaro (animal bravio) estava com raiva, com fome, ou precisando arrancar um dente. Lembrou-se de um evento parecido que ocorreu com a sua amiga ginecologista, a doutora Alterosa Bulboa. Uma vaca prenha quebrara a porta da sua clínica numa cidade próxima dali. Recordou que a médica dissera que a bendita bovina estava gravida, e, em consequência, carecia de ser atendida com certa urgência, pela especialista. 

Por um momento achou graça, porém, naquele momento, não conseguiu se situar em outra coisa menos absurda. O metido a machão seguia determinado. Mandava um coice atrás do outro. A porta finalmente cedeu. Pernadas precisas e o umbral se fez ao chão. A chave saiu correndo para um lado e a fechadura para outro. A doutora Lamparina se escondeu no banheiro, rezando para que o bruto não invadisse aquele pedaço e pedisse para usar o sanitário. Para sua sorte, o afrontoso deve ter pensando duas vezes e não seguiu adiante. 

Limitou-se em apenas olhar para dentro da clínica, como se estivesse satisfeito com os seus feitos tresloucados. Soltou uns relinchos mais alto que os anteriores, deu de ombros (de ombros?!), virou as costas (as costas?!) e se afastou. Saiu trotando calmamente pelo meio da a rua, sem se incomodar com as pessoas que se acotovelaram e gritavam, enquanto outras de celulares nas mãos, filmavam todas as cenas. A Lamparina de certa forma ficou aliviada e perplexa. Mais perplexa que aliviada. 

Não entendia o que acontecera, nem o que motivara o ilustre aviltante a tomar tal atitude. Deixou o banheiro e foi até o acesso onde ficava a porta.  Viu, de perto, o estrago que o animal fizera. Suspirou aliviada. Tinha consciência, nenhuma alma caridosa viria em seu auxílio e que em face dessa fatalidade, tomaria para si os prejuízos, o que não seria nada barato. 

Perguntou-se se o dono do ignominioso apareceria se responsabilizando pelos danos. Possivelmente, tais indagações jamais seriam respondidas. Espiou longamente para o dilatado da rua, e viu uma multidão de pessoas. Eram vizinhos. A maioria deles, curiosos que tinham ouvido o furdunço e se achegaram para filmar tudo o que tinha acontecido e depois postar nas redes sociais. Eles se depararam com os caquinhos espalhados pelo chão, o ingresso quebrado, e a doutora chorando copiosamente tentando compreender a extensão da sua desdita. 

Meia dúzia perguntou o que tinha acontecido, e ela fez um breve relato. Ao final da curta explicação dois senhores se mostraram solidários. Outros, com as caras de imbecis mongoloides riram como se a desgraça da dentista lhes fizesse bem. Vivalma perguntou se a pobre doutora estava bem, ou se necessitava de ajuda. Entretanto, ninguém soube dizer de onde viera o pilungo (cavalo ruim) e menos ainda quem seria seu proprietário. Eles disseram que o caso se fazia inusitado, e que ela deveria chamar a imprensa local, a rádio, culminando em levar tudo ao conhecimento do delegado. 

Disseram outros mais afoitos, que aquela tragédia interiorana daria uma história engraçada, e que ela deveria levar na esportiva. A doutora Lamparina agradeceu a fraca solidariedade e a desvigorada falta de senso do ridículo dos moradores e residentes próximos. Por certo, somente uns boçais e ignaros fariam pilhérias da desfortuna alheia. Ela só queria que aquele dia acabasse logo, e que pudesse esquecer o incidente. A coitadinha só queria voltar para casa e descansar. Queria, em paralelo, que o maldito "equidae" (nome científico de equino) nunca mais aparecesse na sua vida. 

Mesmo saco de coices, que o quadrúpede jamais tivesse coragem e retornar à sua calçada. 

Na segunda feira, por volta das quatro da tarde, o milagre. O inconcebível. Um senhor vestido com humildade apareceu trazendo no cabresto o cavalo imprudente. A doutora, ao vê-lo estremeceu. Um vidraceiro e um marceneiro estavam prestes a terminarem os estragos causados pelo funesto e inditoso animal. O pacato senhor chegou e se dirigiu primeiramente aos trabalhadores contratados para a reforma das depredações. 

Pediu mil desculpas culminando em saldar todas as despesas causadas pelo seu animal. Por fim, encarou à doutora, os olhos vermelhos tomados por lágrimas amargas:

— “Sinhoura, mir perdãum. Queru paga os prejuizu. A sinhoura nãum terá que desinborçar ninhum centavu. Só quiria pedir um favor. Se fô pussíver. Cuida do meo cavalu. Desdi a sumana passada eli tá cuma dor di denti dos infernu. Pelu amour di Cristu, cuida do meu pobri pangaré”?   

Fonte: Texto enviado pelo autor 

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Vanice Zimerman (Tela de versos) 30


 

Mensagem na Garrafa = 107 =

Silmar Bohrer
Caçador/SC

"TUDO TE LEMBRA E LEMBRANDO CHORO"

agosto, 07, 2023.

Era madrugada da segunda quando a MALDITA levou do nosso convívio o amado Frederico, cãozinho "ente encantado de encantos", jovial, social, comunicativo, que viveu conosco por onze anos.  Assim mesmo! Nós, do signo de gêmeos, ele gostando de "falar", e eu entendia a língua dele, e ele compreendia a minha língua.

Nossa língua era universal. 

Comandante das horas dos dias, Frederico, você merece mais do que uma croniquinha, porque sua vida foi grandiosa, gloriosa, espetáculo de vida.  Tantos seres humanos não escrevem uma CRÔNICA linda e inesquecível como a de um cachorrinho doce, carinhoso, livre de maldades, injustiças, preconceitos. Alegria da nossa vida.

Nossa convivência tinha rituais, rumos e razões de ser.  O conversar estava no sangue, e a gente conversava a qualquer momento. Tinha um bordão especial.  Na alacridade de sempre, latia dizendo  -  eu e o papai somos nós.  E éramos nós ! 

Final de noite, dez e meia/onze horas eu no computador, ou lendo, ou escrevendo, olhava para o lado, ali o Negão sentadinho esperando silente para irmos deitar.

Manhãzinha, ele ao meu lado no colchonete, acordamos, conversamos, um abraço, vai para fora e logo volta, cutucando minha perna com o focinho como a dizer que estava ali, enquanto me lavo. Senta e espera para abrirmos a biblioteca.

Onze e meia me convida para a voltinha até o vizinho.  Vamos.  À tarde o soninho do vigia da casa.  Saio a caminhar e na volta encontro o "guri do pai" esperando no portão para nossa  caminhada na quadra. Seis e meia/ sete horas, escurinho, me chama para darmos quirerinha aos pássaros do bosco e nos fundos de casa. Sempre na frente.  A lista é longa...

Tantos lembrares, tantos viveres. As incursões. Banhos de mar, a busca do sirizinho na areia, viagens.  A empatia entre nós, a liberdade de viver leve e solto, como nós viventes também gostamos.

Fomos construtores. Construímos amigos. 

Você era o vanguardeiro, ia na frente abrindo sorrisos, jorrando alegria, carismático, criatura singular  -  fidalgo a ensinar o papai e a outros tantas lições de vida. 

Fez história, querido, e agora não há mais tempo para você.  Que lástima!  Mas vamos nos encontrar nalguma planura do universo.

Papai e mamãe choram a sua ausência, mas o LORDE FREDERICO estará sempre no nosso coração.  Papai e você seremos sempre nós, meu eterno Frederico. 

Fonte> enviado pelo autor. 

Teófilo Braga (A adega de Funck)

(Conto baseado das notas de Hoffmann)
A ironia, quando não é despertada pela luta incessante de contrariedades imprevistas, que cercam o espírito de dúvidas e desesperos, e o deixam na prostração da indiferença e do cinismo, é uma doença, uma febre lenta, que vai devorando a existência, depois de a ter despido de todas as alegrias. Observa-se no pessimismo do poeta. O riso com que a ironia se traduz, que é a expressão que mais de pronto lhe acode no acesso do frenesi suscitado pela vista repentina de um contraste, para quem o compreende, é uma visagem infernal, um esgar que gela, um arremedilho de cadáver sacudido por uma pilha galvânica. É uma descarga nervosa pela via muscular, como uma compensação, como notaram os fisiologistas. 

A gargalhada é também a linguagem das grandes agonias; é esta polaridade misteriosa da nossa natureza dupla, constituída já em aforismo: os extremos tocam-se. A ironia, derivada do mesmo principio supremo, é a impressão abrupta de uma ideia infinita que se compara com outra finita, cuja disparidade intuitiva desperta em nós todas as vibrações do sentimento cómico. A primeira manifestação do cómico na vida foi por certo o grotesco; Susarion e Thespis caracterizavam os seus personagens com borras de vinho.

Ele aparece-nos no mundo moderno como uma arma da burguesia contra a pressão do clero e as extorsões dos senhores feudais, na Festa do Asno, nos serviços, nos contos cômicos, nos baixos relevos e goteiras das catedrais. O pico, a agudeza do pensamento estão completamente materializadas na imagem; eis o cómico pela sua parte visível ou objetiva, tanto da simpatia popular.

O humor é um grão elevado; no contraste que se funda na antítese da ação e o pensamento, a forma não corresponde, contraria mesmo a expressão da ideia, donde resulta uma monotonia triste; o esforço do que procura alegrar-se infunde nos que o contemplam uma melancolia indefinida, como na Viagem de Sterne. A ironia é a impossibilidade de conciliar os elementos da antítese, ou o contraste mental que gera todo o sentimento cómico: tal é o desespero de Hamlet propondo ao seu espírito o problema insolúvel e eterno: To be or not to be that is the question.

A imaginação de Hoffmann similar a um caleidoscópico onde estas três cambiantes do sentimento se refletem, confundem, se cruzam em direções infinitas, formando um espectro a que chamamos o fantástico. A ironia, o humorismo e o grotesco sucedem-se, como fases da sua inspiração. Quando ele sente estas inversões do sistema nervoso, anuncio da ataxia locomotora que progride de um modo irremissível, o pensamento então dá forma a todas as vertigens; a dor torna a criação pessoal, caprichosa; os retratos que ele faz são quase sempre caricaturas, a incarnação de um riso de desespero. As bebidas e o seu cachimbo de Kumer vêm distrai-lo da consumação que ele observa a cada instante em si. O fumo que se enovela em formas extravagantes no ar, e se dissipa como uma quimera fugitiva, representa-lhe os tipos que reproduz nos seus contos. Ao fogão, na concentração íntima da família, o cachimbo povoa-lhe o aposento de silfos e gnomos, que embalam a fantasia enlevada em sonhos incríveis, com músicas estranhas que o deliciam no egoísmo do sofrimento que o corrói. Ele tem uma afeição particular ás pessoas espirituosas, porque lhes supõe talvez a veia sarcástica proveniente de algum estado mórbido. Quando se retrata caricaturiza-se. 

Muitas vezes aceitar-se uma criação cómica, rimo-nos, sem saber que a inspiração que a produziu foi a doença que arrebatou Molière, o desalento de Gil Vicente, a resignação de Scarron. Porque não procuraria Hoffmann distrair-se com o vinho, afogar nele a preocupação do mal irremediável, que lhe atacava a espinha dorsal? 

O seu editor Funck, homem estimável de caráter, a quem a especulação não pôs em guerra com os que têm a infelicidade de precisar escrever, convidou-o para passar alguns dias na sua residência em Bamberg. Funck tinha uma magnifica adega e lembrava-se perfeitamente daquelas expressões de Hoffmann: «Fala-se muito do entusiasmo que procuram os artistas no uso das bebidas fortes; citam-se músicos, poetas que não podem trabalhar senão assim; eu não sei, mas é certo que com esta feliz disposição, direi, quase sob a constelação favorável, em que se está quando o espírito passa da concepção à realização, as bebidas espirituosas aceleram a torrente das ideias.»

Funck tinha o mais excelente de todos os vinhos, como lhe chamava Hoffmann, o Porto, que no seu nome traz o segredo da sua força. O escritor original era esperado com ansiedade em Bamberg. Chegou por uma tarde fria. O céu estava escuro, carregado de nuvens; relampejava a espaços, como o preludio de uma grande trovoada noturna. Quando a natureza é triste sentimos uma vontade de nos reconcentrarmos; o lar domestico é a grande poesia do norte. Um dos maiores castigos no antigo direito germânico era a pena severa expressa naquela formula romana interdictio tecti; o banido é comparado ao lobo solitário; a casa era arrasada, tapado o poço, extinto para sempre o fogo do lar.

Hoffmann esquecia todas as dores ao abraçar aquele amigo; com toda a liberdade de uma confiança intima sentou-se logo ao piano. O frenesi da inspiração fazia-o percorrer desesperadamente o teclado. Era a sua ultima composição, meio improvisada com o júbilo que sentia. Começou um canto com uma voz desentoada, que fazia arrepiar os nervos; parecia que estava em delírio. Nisto um trovão rebentou com um estampido soturno.

—A natureza, disse ele para Funck, escarnece-se de mim, parodia-me a voz roufenha. Há bastantes dias que tenho sentido humor para o romântico religioso. Jovis omnia plena! Hoje, não sei se é o excesso da alegria, predomina em mim uma exaltação humorística levada até à ideia da aberração.

Funck continuava silencioso. Hoffmann permaneceu alheado alguns instantes, como levado por uma serie de deduções, que absorvem fatalmente toda a contenção do espírito. Estava a diagnosticar-se; a prolongada doença dera-lhe um certo conhecimento do seu estado. Depois prosseguiu:

—É notável! Que diversidade de sensações agora. Disposições humorísticas, coléricas, com um humor musical exaltado, e sentimento de um bem estar com indiferença. Como conciliar tudo isto? O hematose nervoso inverte-se-me de dia para dia.

Restrugia um aguaceiro espesso. Há no cair da agua uma magia, que adormece. 

—Vamos, disse Funck, interrompendo aquela reflexão penosa, eu tenho um excelente remédio. Vejo-te tiritar com frio, de um modo que me tira a satisfação do agasalho que presto a um amigo. O seio de Abraão deve estar com uma temperatura suave; refugiemo-nos lá.

— Como isso era bom! Mas infelizmente as asas da poesia não nos desprendem da terra; a realidade é pior do que o sol para as asas de Ícaro; ela toca-nos o corpo com mais aspereza do que o velho Satã quando experimentava o desgraçado varão da terra de Hus. Agora acho-me divorciado com a poesia, com a musica, com a pintura; são as três fúrias que sob uma aparência sedutora surgiram das sombras do paganismo para atribularem-me o espírito.

—E por que não havemos de refugiar-nos, em uma tarde destas, no seio de Abraão? —disse Funck procurando interromper a corrente das ideias aflitivas.—Não é tão difícil como pensas. Nem são precisas asas para ir lá. Para descermos basta obedecer à lei eterna da gravidade, que sobre nós pesa. Não sabias ainda que a gravidade é o nosso pecado original?

Hoffmann sorriu-se; o seu amigo tomou um tom humorístico para se adequar ao carácter dele nesse dia.

—Apesar da facilidade que apresentas ainda não resolvi o problema. Como iremos nós procurar conforto ao seio de Abraão?

—Segue-me.

Funck caminhava adiante com um ar vitorioso. Hoffmann sorria-se com um modo duvidoso, para que o riso o defendesse do logro que esperava. Desceram uma escadaria escura; uns ferrolhos pesados gemeram, como se abaixasse uma ponte levadiça.

Entraram. Era um subterrâneo fundo, alumiado por um lampadário de bronze. Depois de afeito à sombra, Hoffmann pôde discriminar grandes toneis dispostos, como uma longa fila de cachaci-pansudos cônegos*.

Era a adega do seu amigo Funck. De fato havia ali uma temperatura tépida, de fermentação. Nenhum olhar importuno através da abobada calada.

—Se os velhos patriarcas, principalmente nosso pai Noé, não trocariam de boa vontade a tua adega pelo seio de Abraão!—Hoffmann estava animado de uma alegria indivisível; era um homem de extremos; a sensibilidade excessiva deixava-lhe apreciar os mais desapercebidos contrastes, era por isto que ele possuía mais do que ninguém a raça irritável dos poetas.

Mal acabava de proferir aquelas palavras, quando se atirou de um salto, com uma loucura de criança, e se escarranchou em um tonel.

Funck seguiu o exemplo.

—A vida é um grande mar, que estua em convulsões intermináveis; felizes os que caindo na voragem encontram deste delfins, que os tomam sobre si e os levam a porto seguro.

—Foste feliz na imagem, principalmente, porque o vinho desperta-me o humor erótico-musical, e os delfins, se dermos credito a antigos fabuladores, eram levados pela magia da musica.

E começou a cantar alguns trechos da sua opera a Ondina, que só interrompeu para levar à boca o sifão de lata que estava mergulhado na pipa. Hoffmann tocava a realidade dos seus contos.

—Este não dá pelos calcanhares do teu dileto Porto?—acudiu Funck; o vinho de Nuits é dos melhores de Borgonha, e, graças ao céu, podemos nadar em mar de rosas. 

A noite corria tempestuosa e tétrica: os trovões rebentavam com uma detonação tremenda. Nos ares, coriscou um relâmpago repentino e veio iluminar com um clarão pálido o rosto dos dois amigos, que tocavam neste momento os copos espumantes. Era um quadro com toda a verdade e simplicidade de Teniers, como o próprio Funck, em uma nota de uma edição do seu amigo, confessa com aquela ingenuidade alemã.

Hoffmann ficou deslumbrado com o fulgor instantâneo; tinha a mudez do terror.

—Em que pensas?

—Um conto, um conto horrível!

—Mais uma saúde, e narra-me essa historia ponto por ponto.

—Historia? dizes bem; porque tem muita verdade, ao menos a verdade da arte. Nunca te falaram nisso? Admira! Foi tão notório. Quem a não conheceu! Bela, como era, ninguém podia fita-la sem experimentar o pasmo da admiração. As linhas do semblante tinham uma irradiação etérea, perdiam-se no ar. Era uma visão suspensa, a incarnação de um sonho indivizível de amor.

A tristeza realçava-lhe a candura angélica. Para ela, a vida era um desterro no mundo. Passava, alheia de tudo, distraída, sem saber que levava após si todas as aspirações que um olhar de relance, fortuito, gerava na alma. Um dia vi-a pelo braço de um homem feio, que a conduzia com burlesca familiaridade! Disseram-me que era o marido.

Perscrutei o segredo de uma união para mim impossível, inexplicável. Não tinha sido arrojada a hipótese: viviam com uma certa paz artificial, um acordo de convenção ante a sociedade. O marido bem conhecia, que a família da engraçada criança a forçara aquela união desigual; a consciência da riqueza não conseguira persuadi-lo de que a merecesse; e espreitava, espiava-lhe todos os olhares, interpretava-lhe cada gesto insensível.

O que não idearia o ciúme? O ciume que não tem a franqueza selvagem de Otelo é vil, infame. Um dia, a infeliz senhora, começou a sentir-se indisposta; não faltavam carinhos da parte do esposo, não poupava esforços para consola-la, com uma solicitude hipócrita. O mal progredia, convulsões violentas a acometiam, vertigens assombrosas, dores intensas, como se lhe retalhassem as entranhas. O marido escutava os gemidos com um pungimento afetado.

Sabia que morria:—«Sabes, disse ela tomando-lhe uma das mãos, eu deixo a vida, mas custa-me baixar à frieza do sepulcro sem te dizer uma palavra. Oh! nem sei como revelar-te esse segredo, esse desvario de uma paixão infantil. Não soube guardar a fidelidade do tálamo.» 

O marido ouviu a confidencia solene com um ar estúpido de  imbecilidade:—És neste momento tão generosa e grande! A verdade nos teus lábios vibra-me de um modo que tudo te perdoo. Choras? escuta. Deixa também fazer-te uma revelação tremenda: envenenei-te.

Hoffmann não pôde tirar do conto a moralidade que se espera, e caiu, esquecido do mundo, entre os toneis do seu amigo.
============================
* cachaci-pansudos cônegos = não encontrei o significado.

Fonte> Teófilo Braga. Contos Phantásticos. Lisboa: Livraria de Antonio Maria Pereira, 1894. Disponível em Domínio Público. Português atualizado por J. Feldman

Mitos Indígenas (Thaina Khan, a estrela da manhã)

Imaeru, uma linda e vaidosa jovem Karajá, tinha como maior desejo possuir a estrela Thaina Khan (estrela Dalva), a mais brilhante da manhã. 

Seu pai, o velho pajé, vendo a angústia da filha, pediu ao Deus Tupã que lhe satisfizesse o desejo. Tupã concordou, mas avisou-lhe que a estrela só poderia descer à Terra na forma de um homem. 

Imaeru ficou radiante e numa noite de luar, elevando seus olhos em direção aos astros, pediu à almejada estrela que descesse para desposá-la. Neste instante, desceu do céu uma luz, surgindo à sua frente um velho: era Thaina Khan, que de lá viera para casar-se com ela. 

A índia, decepcionada, respondeu-lhe rudemente, alegando que, tão jovem e bela, não poderia desejá-lo. O velho entristeceu-se profundamente, lamentando seu destino, pois da mais brilhante estrela que houvera sido, transformara-se em homem, não podendo mais regressar à sua condição original. 

Danace, irmã de Imaeru, que os ouvira, resolveu aproximar-se e, sensibilizando-se com a situação do bondoso ancião, ofereceu-se para ser sua esposa. Era menos bela que a irmã, mas muito meiga e generosa, passou a cuidar com muito carinho do esposo idoso. Ambos viviam felizes. 

Certo dia, Thaina Khan não voltou da roça na hora de costume. Preocupada, Danace saiu à sua procura. Encontrou somente um jovem, todo iluminado. Era Thaina Khan, que Tupã havia rejuvenescido, tornando-o belo e forte, em reconhecimento à bondade da índia. 

Radiantes, regressaram abraçados à aldeia. Imaeru, ao saber do ocorrido, desejou ardentemente o jovem, mas Danace o havia conquistado para sempre. 

Desesperada, Imaeru desapareceu na floresta, sendo transformada por Tupã no pássaro Urutau, que, em noites de luar, entoa um triste canto, lamentando haver perdido o amor de sua almejada estrela da manhã.

Fonte> Adaptação do Texto de Jayhr Gael in O Caminho de Wicca - http://www.caminhodewicca.com.br (desativado). acesso em 13/10/2023.

Dicas de Escrita (Formas de Escrever Diálogos) – 1


O diálogo é parte essencial de uma história; os escritores empenham-se para assegurar que as conversas em histórias, livros, peças e filmes soem tão naturais e autênticas quanto as da vida real. Os escritores geralmente usam diálogos para dar informações aos leitores de um modo interessante e engajado emocionalmente. Para escrever diálogos, entenda seus personagens, seja simples e honesto e leia em voz alta para certificar-se de que soa genuíno.


MÉTODO 1: PESQUISANDO DIÁLOGOS

1 – Preste atenção em conversas de verdade. 

Ouça o modo como as pessoas falam umas com as outras, veja como é diferente o jeito de falar de acordo com cada interlocutor e use essas conversas e padrões no seu diálogo para que ele soe autêntico.

Desconsidere as partes da conversa que não ficam bem transcritas. Por exemplo, nem todos os "olás" e "tchaus" precisam ser escritos. Alguns dos seus diálogos podem começar no meio de uma conversa, como "E aí, fez tal coisa?" ou "Mas por que você fez isso?".

Carregue um caderno na pasta para anotar todas as conversas interessantes que ouvir.

2 – Leia bons diálogos. 

Para ter uma boa ideia do equilíbrio necessário entre discurso realista e discurso literário, você precisará ler bons diálogos em livros e roteiros de cinema e teatro. Veja o que funciona ou não e tente descobrir o porquê.

Alguns escritores que renderam ótimos diálogos são Nelson Rodrigues e João Guimarães Rosa (para citar somente dois, existem muitos!) 

Ler e praticar a escrita de diálogos para filmes e peças de rádio é de grande ajuda para aprimorá-los.

3 – Desenvolva completamente seus personagens. 

Você vai precisar  entendê-los completamente antes de conseguir fazê-los falar. Saiba de antemão se o personagem é taciturno, monossilábico etc.

Aspectos como idade, gênero, grau de escolaridade, origem e tom de voz farão a maior diferença no modo de falar de um personagem.

Uma  senhora de Santa Catarina certamente não falará igual a um rapaz do Rio de Janeiro.

Dê a cada personagem uma voz distinta. Nem todos os personagens vão usar o mesmo vocabulário, tom ou modo de falar. 

Certifique-se de que cada personagem soe de modo diferente.

4 – Aprenda a evitar diálogos excessivamente formais. 

Eles podem não arruinar uma história completamente, mas com certeza podem desanimar o leitor a continuá-la e, como escritor, você quer evitar isso a todo custo. 

Diálogos formais funcionam ocasionalmente, mas apenas com tipos mais específicos de histórias.

Diálogos formais só funcionam em níveis óbvios e em um linguajar que ninguém use. Por exemplo: "Olá Joana, você parece triste hoje", disse Carlos. "Sim, Carlos, estou triste hoje. Você gostaria de saber por quê?"; "Sim Joana, eu gostaria de saber porque você está triste hoje"; "Eu estou triste porque meu cachorro está doente e isso me lembra da morte de meu pai, dois anos atrás, sob circunstâncias desconhecidas para mim."

Como o diálogo acima deveria ser: "Joana, tem alguma coisa errada?" perguntou Carlos. Joana deu de ombros, com o olhar fixo em algo fora da janela. "Meu cachorro tá doente. Eles não sabem qual é o problema." "Isso é péssimo, mas... ele é velho. Talvez seja esse o problema."; As mãos dela se agarraram ao batente da janela — "Mas... é que... eu esperava que pelo menos o médico soubesse de algo."; "Você quer dizer o veterinário?" Carlos estranhou. "É. Tanto faz."

A razão para o segundo diálogo funcionar melhor é o fato de Joana não mencionar em nenhum momento que está pensando na morte do pai, mas há palavras que dão a dica sobre os pensamentos dela. O fato de ela trocar a palavra "veterinário" por "médico" é um indício bom o suficiente, além do ritmo fluir melhor.

Um exemplo de diálogo formal que funciona é "O Senhor dos Anéis"; eles não são sempre assim, especialmente quando os hobbits estão falando, mas podem se tornar bastante eloquentes e grandiosos (e nada realistas).

Isso só funciona (e muita gente discorda disso) porque a história se passa em um ambiente medieval, como em "Beowulf".
= = = = = = = = = 
continua...

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Daniel Maurício (Poética) 64

 

J. G. de Araújo Jorge (A Poesia Popular)

Somos felizmente um povo inteligente e de grande sensibilidade. Se querem um exemplo da inteligência do povo brasileiro, de sua filosofia, do seu senso de humor, procurem observar as frases que comumente se encontram escritas nos para-choques ou na própria carroceria dos caminhões que trafegam pelas estradas. 

São de uma graça e de uma acuidade, às vezes profundas, em sua simplicidade. Sozinhos, viajando durante dias, longe do lar e de seus amores, os motoristas de caminhões são como os marinheiros. Mas a permanente presença da terra, tira-lhes á saudade aquele tom de grande lirismo do homem do mar, realmente desligado de tudo, cercado de silêncios e horizontes. E espouca em seus espíritos a sátira, a alegria boêmia dos que fazem a vida de aventuras, em prazeres de cada momento.

Já pensei em comprar um caderninho para anotar as frases que leio nos para-choques dos caminhões. Tenho a convicção de que acabaria por ter um verdadeiro retrato do espírito popular, um verdadeiro “compêndio” dessa filosofia de vida, tão interessante e cheia de sutilezas, do homem da rua.

Uma das trovas que compõem o meu “Cantigas de Menino Grande” eu a fiz, aproveitando um pensamento de uma dessas frases que vi num caminhão, quando dirigia meu carro rumo a Friburgo. Dizia o seguinte

“Eu dirijo, Deus conduz”.

Nada mais, simples e profundo. E pensando no que acabara de ler fui arrumando mentalmente os outros versos, já que o pensamento vinha num verso de sete sílabas. No meio da serra a quadrinha estava pronta:

No meu carro vou tranquilo
tenha a estrada sombra ou luz,
pois bem sei que ao dirigi-lo:
- Eu dirijo, Deus conduz."

Numa crônica que preparei para volumes anteriores desta coleção, afirmei:

“Do mesmo modo que os provérbios e adágios representam o pensamento do povo que se vai cristalizando através do tempo, as trovas, são a sua alma. E os poetas, tocados pela “graça” das trovas, os intérpretes dessa alma.” 

O povo fala em versos, sem sentir e, instintivamente, nos seus provérbios e sentenças, procura a rima, que é um elemento oral de enfeite e de memorização mais fácil. Observem os provérbios. este, por exemplo, bem conhecido:

“Água mole em pedra dura
tanto bate até que fura.”

Dois. versos de sete sílabas, rimando.

E este outro:

“Ha sempre um chinelo velho
Pra um pé doente e cansado.”

Glosei, também, numa trova:

O tal ditado é um conselho,
não te mostres desolado…
“Há sempre um chinelo velho
Pra um pé doente e cansado…”

Nem tal fato é de se estranhar, quando sabemos que as línguas neolatinas esgalharam-se do tronco secular do velho latim, na língua poética, dos trovadores medievais, nas suas cantigas.

Sobre trovas populares e anônimas, escrevi, na crônica citada :

“Uma trova, (ou como a chamam também, uma quadrinha) é tanto mais expressiva quanto maior o grau de fidelidade ou de identidade do poeta com o sentimento popular. Cai então, pode-se dizer, no gosto do povo, que a recolhe, decora e divulga, e sua expansão se faz de modo permanente, extenso e profundo.

Seu processo de popularização é tamanho, que ela acaba desgarrada de quem a criou, filha de ninguém. Ou melhor: lhe arranjam um pai, lhe atribuem uma paternidade, ou várias, o que vem a ser a mesma coisa. É uma trova anônima.

Glória efêmero e paradoxal. No momento mesmo em que a atinge, o trovador a perde. E são quase sempre, as maiores trovas, aquelas que acabam no anonimato, emaranhadas em meio a dúvidas e suposições. Tratando-se de pequenas composições poéticas, facilmente reproduzíveis, acontece com as publicações o mesmo que se dá com a difusão oral. Jornais e revistas de toda a parte, álbuns e cadernos de poesia as divulgam com autores diversos, tornando cada vez mais difícil a identificação, e mais penosa a pesquisa.”

“A Ilíada” e a “Odisseia”, memorizadas durante séculos pelo povo grego, e mandadas escrever por Psístrato, guardaram a glória de Homero, ainda que lendária, intacta. Eram grandes poemas. Mas as pequeninas trovas, estilhaçam qualquer glória, e torna-se impossível identificar através dos tempos, os nomes dos seus verdadeiros autores, quando elas caem “na boca do povo”
* * *

Mas, trovas populares e anônimas, não são apenas as trovas “eruditas” dos grandes poetas, as trovas literárias, que um dia se perdem no rio da grande popularidade, afogando seus autores. São também as trovas rústicas e imperfeitas que nascem da alma do povo, na boca dos cantadores, dos violeiros, dos sanfoneiros, dos poetas populares anônimos que enxameiam pelo interior do Brasil e de Portugal. Verdadeiros filões de ouro de nossa sensibilidade e de nosso espírito.

Na sua obra, farto acervo de folclore e poesia, “Mil quadras brasileiras”, ( “Mil quadras populares brasileiras” (Contribuição ao folclore). Recolhidas e prefaciadas por Carlos Góis. (Catedrático do Ginásio Mineiro, membro da Academia mineira de Letras). F. Briguet & Cia., Editora. Rio de Janeiro. 1916).

Carlos Góis observa: 
“É no interior do país, longe do bulício convencional e cerimonioso das grandes cidades, onde mais intensamente floresce a poesia popular. Quem se internar no sertão do Brasil, verá, na razão direta da distância dos grandes centros populosos, a expandir-se a alma do povo em expressões rítmicas de um cunho espontâneo, subitâneo, flagrante. Só quem como nós já assistiu de viso, aos descantes ao som da viola e do violão, poderá aquilatar do grau de fluência e espontaneidade que jorra da musa popular”.

Ainda recentemente, aqui no Rio, tive a oportunidade de conhecer os irmãos Batista, (Otacílio e Dimas), exímios cantadores e improvisadores do Nordeste (de Campina Grande), e outros violeiros e repentistas, alagoanos e baianos. Durante horas, com seus violões ao peito, lançam-se reciprocamente desafios, e os versos vão brotando em catadupas, com uma espantosa facilidade, ricos de verve e imaginação.

Rodolfo Cavalcanti, que é, na Bahia, o Presidente do Grêmio Brasileiro de Trovadores, é um poeta popular típico do Norte. Homens simples, emotivos, sem quase instrução, com uma poesia fácil e “bem falante”, compõe longos poemas a propósito de tudo. Publica-os em folhetos que ele mesmo vende nas ruas de Salvador. E vive disto, como verdadeiro trovador de seu tempo.

Já se começa a dar valor também a essa manifestação literária do povo brasileiro. Os próprios críticos de gabinete, desligados até agora das raízes de nossa formação literária voltam-se para o estudo e a observação de extraordinário manancial de riquezas. O atual surto de trovadores, verdadeiro movimento ,de incentivo à poesia popular, obriga-os a reconsiderarem suas atitudes puramente intelectuais, e a perceberem o que há de autêntico e real nessa manifestação -de nossa sensibilidade e de nossa cultura.
Não foi sem razão, que defini:

Ó trovador: professor
de poesia popular!
Com suas trovas de amor
o povo aprende a cantar!

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Cem trovas populares. Coleção Trovadores Brasileiros.

Arthur Thomaz (A pulguinha discreta)

O fato de meu avô e meu pai serem fanáticos torcedores do Barcelona mostra o porquê de meu nome ser Messi. Mamãe afirma até hoje que fui a mais linda pupa. Disputei como todos de minha idade o quesito salto em altura.

Meu avô, já com muita idade, sempre me aconselhou a ser discreto e não fazer como meu pai, que assistindo a um jogo do Barcelona, irritou-se com um gol do Real Madrid e picou a pessoa/hospedeiro, e que incomodada, desferiu-lhe um tapa fatal.

- Seja discreto, saiba a hora de molestar o hospedeiro, era a sua frase preferida.

Seguindo esta máxima, cresci, desenvolvi e tornei-me uma pulga forte, destacando-me nos esportes e na vida social.

Por essas coincidências do destino, estava eu sugando tranquilamente o sangue de um cachorrinho em um parque da cidade, quando um famoso jogador de futebol aproximou-se, gostou do cãozinho, levou-o para casa e o adotou.

Cheguei assim à Catalunha sem nem precisar pagar a passagem. Passei inúmeras vezes pela linda Barcelona e arredores. Mas já estava começando a me cansar desta monotonia, quando em um churrasco, troquei a cabeleira oxigenada do meu hospedeiro pela barba ruiva de outro jogador.

Vovô, quando me viu na televisão durante um jogo, telefonou-me e disse que era o tal Messi, meu xará. Ficou empolgado e pediu que eu tirasse uma selfie. Depois, publicou no PulgaNews, um famoso tablóide.

Fiquei muito famoso e pulei da barba portenha para a gaforinha de um zagueiro, que havia sido dispensado pelo clube e que retornaria ao país. Com o lema “se é bom para o Messi, é bom para todos”, ganhei fama. Recebi altos cachês das TV’s para entrevistas e participações em talk shows.

Transei com todas as PP (Pulguinhas Periguetes) que queriam aproveitar da minha fama para ascender nas carreiras. Mas quando estava prestes a ceder à tentação de entrar na política, veio um enérgico convite de meu avô para visitá-lo.

Recebeu-me com um cartaz no colo, com a palavra DISCRIÇÃO. Conversamos longamente e ele me fez ver que a exposição demasiada me levaria à desgraça e logo seria esmagado por um tapa do sistema.

Hoje, gozo da tranquilidade de um canil que adquiri, em um pacato bairro, onde todos os cães têm apetitosos sangues do tipo “O-”.

Fonte> Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor