quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Vereda da Poesia = 129 =


Soneto de
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR

Síntese

A rosa, flor rainha do canteiro,
jamais força a exclusão do rude espinho
que, em vez de ter bem longe o próprio ninho,
da flor se faz constante companheiro.

A luz divide o seu próprio roteiro
com a sombra, que percorre igual caminho,
enquanto o bem consiste em ser vizinho
do mal, no mesmo espaço, o tempo inteiro.

A vida, amplo mosaico deslumbrante,
condensa eternidade em breve instante,
combina em mil nuances tons diversos.

Sem excluir parcelas da verdade,
mas abraçando a vasta humanidade,
o poeta sente... e expõe o mundo, em versos!
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Coração não tem idade
quando vive de lembrança;
se a lembrança tem saudade,
faz, da saudade, "esperança''!
= = = = = = 

Poema de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Vale a pena valer a pena

Vale a pena ser feliz a cada instante
que se viva, quando a dor não está por perto,
pois se o Sol machuca a pele do deserto,
num oásis, o amor é verdejante.

Quando a lágrima é salgada... e cristalina...
na retina, os sonhos teimam em brilhar
e se há sonhos numa gota pequenina,
é nos sonhos que o amor quer se abrigar.

Vale a pena não ter pena do que é triste,
não existe solidão, se a fantasia
faz poesia com a tristeza, se ela insiste
em matar o amor que existe na alegria.

Vale a pena, entretanto, a esperança
de viver e de sentir felicidade,
resgatando a emoção de uma criança
que carece de um sorriso em liberdade.

Pois se o riso se sublima na alma pura,
cada lágrima constrói seu próprio encanto,
e se o canto não faz coro com a amargura,
a ternura é sempre a voz do acalanto.

Vale a vida... o que é triste, o tempo leva...
se são pétalas, o vento as poliniza,
se são folhas, se desprendem... quando neva...
se são bolhas, duram o tempo da brisa.

Vale a pena eu te amar e tu me amares,
nem que seja por um tempo... vale a pena!
... porque quando eu te deixar... ou me deixares,
a saudade há de brotar sempre serena.

Vale a pena agradecer todos os dias
a alegria de se ter uma história,
pois se a vida se dilui em fantasias,
a poesia se eterniza na memória.
= = = = = = 

Trova Humorística Premiada em Irati/PR, 2023
JOSÉ OUVERNEY 
Pindamonhangaba / SP

- Sem "cascalho", uma beldade
hoje investe em peça antiga.
- Compra e vende antiguidade?
- Não. Namora o avô da amiga!
= = = = = = 

Glosa de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE

MOTE... 
Minha vida é qual navio 
que navega pelo mar... 
Ora contra um mar bravio, 
ora mero devanear. 
José Feldman
Campo Mourão/PR

GLOSA... 
Minha vida é qual navio, 
avião, trem, caminhão; 
porém o meu desafio 
é andar a pé... no chão! 

Se você tem um transporte 
que navega pelo mar... 
digo que você tem sorte 
se o dito nunca afundar! 

Sempre foi um desafio 
para um navio... singrar; 
Ora contra um mar bravio, 
ora ao sabor de um bom mar! 

Pra quem sai ao mar diria: 
é bom, cuidados, tomar; 
pois ora vem ventania, 
ora, mero devanear.
= = = = = = 

Trova Popular

Amar e saber amar               
são dois pontos delicados:      
os que amam, são sem conta:
os que sabem, são contados.     
= = = = = = 

Soneto de
EDUARDO A. O. TOLEDO
Pouso Alegre/MG

Exclusão

Quando o dia abre o céu e o sol desperta,
dourando as relvas do jardim florido,
em meio a uma esperança descoberta,
às vezes amanheço deprimido...

Já, pela tarde, que se faz aberta
às cigarras em límpido alarido,
onde se afaga uma ilusão incerta,
às vezes entardeço sem sentido...

E quando a noite vem, presa em luares,
na própria exaltação dos avatares,
às vezes anoiteço na exclusão...

No entanto, quando chega a madrugada,
meus sonhos se libertam e , em revoada,
vão desenhando versos na amplidão!!!
= = = = = = 

Trova de
ILZA MONTENEGRO
Queluz /SP (1912 – ????) Guaratinguetá/SP

Devemos o amor buscar
se a mocidade em nós arde.
Para quem fica a esperar,
ele sempre chega tarde!...
= = = = = = 

Décima de
FRANCISCO JOSÉ PESSOA
Fortaleza/CE, 1949 - 2020

Aos Poetas de Caicó

Eu queria escrever meu sentimento
Mas não sai, a não ser este prospecto
Ou sou eu um carente de intelecto
Pra mostrar o meu agradecimento
Pode até ser falta de talento
Pra exprimir o que sinto por vocês
Aturando o Pessoa uma outra vez
Nessa nossa querida Caicó
A rainha de todo Seridó
Quem me dera voltar no outro mês!!!
= = = = = = 

Trova de
ISAÚ ALMEIDA LOLA
Senhor do Bonfim/BA

O coração tem razão
quando pensa que morrendo
fica em outro coração
e continua vivendo.
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Jardim secreto

Eu também tenho o meu jardim secreto,
tal qual o mundo inteiro, com certeza...
Mas só porque não sou nada discreto,
o meu “secreto” some na esperteza...

Quem lê meus versos tudo sabe, exceto,
talvez o que eu não disse por lerdeza,
porque o que escrevo eu mesmo interpreto
no meu viver de inteira singeleza.

Se eu disse que te amei, também te disse
que tudo o mais que eu fiz foi só tolice,
pois nunca mais eu tive um outro amor.

O que faltou dizer, eu digo agora:
eu sonho com teus beijos toda hora;
és a razão de eu ser um sonhador!

= = = = = = 

Trova do 
Príncipe dos Trovadores
LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ (1916 -1977) Santos/SP

Ó vento que tudo pegas,
que arrancas flores e palmas,
por que também não carregas
as dores de nossas almas?!...
= = = = = = 

Poema de
PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR, 1944 – 1989

Dor elegante

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra
= = = = = = 

Trova Funerária Cigana

Eu sou a tocha do morto,
com a luz já quase extinta,
ou qual a negra mortalha
que por preta não se pinta.
= = = = = = 

Soneto de 
JOSÉ MESSIAS BRAZ
Juiz de Fora/MG

Encantos da tarde

Explode a tarde rubra e refulgente,
na primavera exuberante em cores,
aos olhos do roceiro indiferente
e aos gorjeios dos pássaros cantores...

Alegre, a tarde entrega-se ao poente
abrindo em leque os últimos fulgores
e em seus rastros deixando, lentamente,
que a noite acenda a luz dos refletores.

- Feliz eu morreria à luz da tarde...
espargindo meus versos sem alarde,
no encanto deste adeus crepuscular,

se pudesse voltar em outra vida,
aos braços da pessoa mais querida,
em primorosa noite de luar!..
= = = = = = 

Trova de
BRANDINA ROCHA LIMA
Recife/PE, 1916 – 1999, Moreno/PE

Fui sempre um pobre palhaço
no circo do meu viver,
rindo do próprio fracasso,
tentando a dor esconder…
= = = = = = 

Poema de 
ANTONIO CARLOS DE PAULA
São Paulo/SP

Beijo Quebrado!

Já tive sonho perdido,
já tive um amor sonhado,
fui flor de um vaso partido,
cacos de um beijo quebrado,
eu já rimei contra o vento,
versejei contra a maré,
machuquei meus sentimentos,
tropecei na própria fé!

Entreguei-me apaixonado,
quebrei o sonho e a ilusão,
por isso, hoje o cuidado
com o meu pobre coração,
que sobre as ondas do destino
está vacilando outra vez
levando-me ao desatino,
veja o que a vida me fez!

O sol deste teu sorriso
e a ternura em teu olhar,
me dizem que é preciso
perder o medo de amar!
= = = = = = 

Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

Vendo a fera, fica “um gelo”...
retira a cruz do pescoço.
Mas, o leão, ante o apelo:
“Só rezo... depois do almoço!”
= = = = = = 

Soneto de 
MARIA MADALENA FERREIRA
Magé/RJ

Amor à Vida

Levei uma “palmada”... ao “pôr os pés”... na vida..
E logo desatei um choro alucinante!
Porém, a minha mãe beijou-me – enternecida! – 
e ao seio me achegou! – Sorri no mesmo instante!!!

De barriguinha cheia – e, tendo por guarida
uns braços, e uma voz serena e repousante,
eu me senti – de pronto! – amada e protegida!
E adormeci, pensando: - “A vida é fascinante!!!”

Se é certo que, ao passar por todos estes Anos,
sofri desilusões, desgostos, desenganos,
também usufruí momentos de prazer!!!

Vivendo, eu me apeguei à vida, de tal jeito,
que a Angústia que ora sinto – aqui, dentro do peito,
não é medo da morte! – É pena de morrer!!!...
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

A vida jamais se encerra... 
e é bom sermos imortais. 
– Amar você só na Terra 
seria pouco demais!
= = = = = = 

Poema de
ANTONIO M. A. SARDENBERG
São Fidélis/RJ

Alma

Quando a vida vem sussurrar baixinho
Dizendo coisas que se quer ouvir,
Deixe o recado chegar de mansinho,
Que toda a alma também quer sentir.

Prepare o peito para uma festa,
Faça um convite para ela entrar,
Reparta o resto todo que inda resta,
Pois dividir é muito mais que dar.

E deixe o amor enaltecer a vida
Dando guarida ao pobre coração.
Quando chegar a hora da partida,
Que nos sussurre a voz da emoção.
 
E que o acalanto de linda cantiga
Deixe que venha a paz que tanto acalma
Trazendo junto a esperança antiga
Que ainda vive dentro dessa alma.
= = = = = = 

Trova da
Princesa dos Trovadores
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

A penumbra da saudade
torna os meus dias tristonhos
e eu bendigo a claridade
das estrelas dos meus sonhos!
= = = = = = 

Hino de 
Garanhuns/PE

Filhos da Terra, oh! gente,
Ergam a voz, brilhem as frontes,
cantando com a alma que sente
e que vai nas brisas dos montes.

Salve Garanhuns!
Os jardins, as palmeiras e alguns
pedaços do céu... mão divinas!
Salve as sete colina!

Estribilho
Nos anais, "Florescente e garbosa
Garanhuns", fostes sempre assim.
A elegância, a beleza da rosa,
as paisagens, estesias sem fim.

Os teus vales bravios outrora
esconderam fugitivos de cor...
A liberdade da Terra arvora
Estes homens de novo pendor.

E o lema "Ad Altiora Tendere"
é o mais fervoroso ideal.
A bandeira, sagrada e serena,
e Simôa da história fanal.

Tuas belezas - cidade das flores
e os ares - poema acolhedor...
Ai! Suspiros! Que vida, que amores
neste hino, que fulge esplendor!
= = = = = = 

Trova Humorística de 
LEILA MICCOLIS
Rio de Janeiro/RJ

Conserta o cano que vaza,
encera o chão, lava a pia,
e aos amigos diz: "Lá em casa
eu uso muita energia..."
= = = = = = 

Sonetilho de 
OLIVALDO JUNIOR
Mogi-Guaçu/SP

Tão somente sobre o adeus

De minh’alma preta e branca,
vivo, em cores, surge o adeus,
que a saudade é muito franca
com quem vive sem os seus!...

De uma perna meio manca,
parto sempre em triste adeus,
que essa vida é quem arranca
de um amigo os outros eus.

Hoje o peito já não chora,
choro a seco neste quarto
que a saudade já penhora.

Hoje eu digo adeus, é hora,
pois o tenho quando parto,
quando parte e quando ora.
= = = = = = 

Trova de
RENATA PACCOLA
São Paulo/SP

No pode existir quem negue
que em apenas quatro versos
a trova sempre consegue
conter vários universos!
= = = = = = 

Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

A dama desdenhosa

Uma mui nobre — rica donzela,
Airosa e bela,
Fez a cidade — alvoroçar.

Nas sociedades — mui bem cantava,
Mui bem dançava,
Queriam todos — ser o seu par.

As outras damas — ao seu aspeito*,
Cruel despeito
Na alma sentiam — de as eclipsar.

Rica e formosa — nobre e prendada,
Faltava nada,
Para partidos — ter a fartar.

Já dos mancebos — a estreia toda
Dela anda em roda,
Cada um procura — de a desposar!

Mas desdenhosa — dando à cabeça,
«Não tenho pressa —
Dizia ufana — de me casar!»

Depois severa — cada conquista
Passa em revista,
E em todos acha — que censurar,

Um, nímio* branco — outro é trigueiro,
Outro grosseiro,
Outro mui velho — para a igualar.

No entanto os anos — vão de corrida;
Não pressentida,
Sua beleza — entra a baixar.

Roda somenos — de pretendentes,
Ainda decentes,
Os seus obséquios — vem ofertar.

Mas segue a louca — sua mania:
«Ora — dizia —
Se de tais monos — me hei de agradar!

Fidalgos pobres! — ricos plebeus!
Sem tais sandeus,
Posso contente — vida passar».

Os galãs vão-se — dela zombando;
Até que chegando
O seu espelho — a consultar,

Viu, que desgosto! — que entre os cabelos
Louros e belos,
Alguns começam — a branquejar!

Então ansiosa — busca um marido,
Mas um partido
Sequer mediano — não pôde achar.

E quem rendera — cidade e corte,
Por grande sorte,
Com um corcunda — teve o casar.
= = = = = = = = = 
* Vocabulário:
Aspeito: aspecto
Nímios: demasiados

Gilmário Braga (E assim conheci o amor)

Eu e Helinho éramos muito amigos. Estávamos sempre juntos. Digo, éramos, porque com o passar dos anos fomos nos distanciando, assim como acontece com a maioria das pessoas. A turma na época dizia que pegava mal, e fazia gozação conosco dizendo que tínhamos um caso. Estávamos com 17 anos.

Certo dia, Helinho resolveu desabafar comigo um particular envolvendo ele e a namorada. Na ocasião ele me contou que a mãe dela implicava muito com ele, interferindo no namoro deles. Meu amigo disse-me não saber mais o que fazer para resolver aquela situação, e por isso resolveu pedir minha ajuda. Como ajudar se eu não a conhecia. Mesmo assim ele insistiu dizendo que daria um jeito de nos apresentar. Será que iria dar certo?

- De onde você tirou essa ideia, Helinho? Que a mãe da sua namorada vai me ouvir? Eu nem sequer a conheço.

- Você foi a única pessoa que me veio a mente, Paulinho. Você é um sujeito bom de lábia, é bem articulado, bom com as palavras (pausa) – Ah! Quebra essa pra mim, meu amigo!

- Claro que eu gostaria de te ajudar. Só não sei se essa ideia vai dar certo.

- Não custa nada tentar. Eu gosto demais da Íris, mas infelizmente ela vai muito pela cabeça da mãe. Eu tenho medo que ela estrague o nosso namoro.

- Eu entendo, amigo. E o marido dela? E se ele estiver lá? Eu não quero confusão para o meu lado. – e concluiu, sorrindo. – Eu estou muito novo para morrer.

- Quanto a isso você pode ficar tranquilo. Dona Vilma é viúva. E então? Você topa fazer pelo menos uma tentativa para me ajudar?

- Só vou fazer isso porque gosto muito de você, meu amigo. Só não posso garantir que terei êxito.

A data escolhida por Helinho não poderia ter sido melhor. 24 de dezembro. Estávamos no final do ano de 1977. Como todos sabem, véspera de natal. Ele me passou o endereço e ficamos de nos encontrar por lá mais ou menos as 21 hs, e logo depois iríamos para a casa da tia dele que morava em outro bairro. Segundo ele, o natal na casa da tia era muito bom. Antes disso eu tive que cumprir com a minha jornada de trabalho naquele dia e em virtude de um imprevisto ¨felizmente¨ acabei me atrasando. Depois, você vai entender o porque eu disse felizmente acabei me atrasando. Cheguei na casa de Íris um pouco exausto na tentativa de ainda encontrá-los por lá. Toquei a campainha e fui recebido supostamente pela mãe dela.

- Boa noite, senhora. Aqui é a casa da Íris? Eu sou Paulo, amigo do Helinho, namorado dela.

- Sim. Boa noite. Eu sou Vilma, mãe da Íris. Eles acabaram de sair. Você quer entrar um pouco?

Eu seria muito bobo se não aceitasse o convite para entrar. Pensei. Eu entrei e fui logo dizendo:

- Eu imaginei que eles não fossem me esperar tanto. Eu me atrasei demais. Tive um imprevisto no trabalho, peguei trânsito também. O pior é que eu não sei onde a tia do Helinho mora.

- A Íris ficou de me ligar. Eu aproveito e digo que você está aqui (pausa) – Sente-se rapaz! Descanse um pouco! Quer tomar uma água? Um suco?

- Eu aceito uma água. 

- Eu vou buscar.

Dona Vilma retirou-se lentamente em direção a cozinha e só aí que eu me dei conta da mulher que era a mãe da namorada do eu amigo. Eu estava admirado, encantado com tamanha beleza. Dona Vilma era simplesmente linda. Ela voltou com a água, sentou-se de frente para mim e cruzou as pernas. Que formosura de mulher. Eu mal conseguia disfarçar o meu encanto, meu entusiasmo de estar ali diante dela. Eu nem sei mais se gostaria de ir ao encontro dos meus amigos. Seria melhor que a Iris nem ligasse e se ligasse não perguntasse por mim. Notando minha inquietude, meus olhares, ela surpreendeu-me com uma pergunta:

- O que tanto você me olha, menino?

Aquela palavra, menino, veio para mim como se ela estivesse colocando uma enorme distância entre nós, e meio sem jeito respondi:

- Longe de mim querer ser ousado, dona Vilma. A senhora é muito bonita!

Notei que ela ficou meio sem jeito, desconcertada, e logo em seguida disse:

- Muito obrigada! Mas falando desse jeito você me deixa constrangida, Paulo.

Dona Vilma era uma mulher encantadora. Morena, pele lisa, um corpo perfeito e um par de olhos castanhos lindos  que me deixavam perdido entre eles, além de uma fala muito suave. O que fazer diante de uma viúva tão formosa na altura dos seus 35 ou 36 anos que era mais ou menos o que ela deveria ter. Conversa vai, conversa vem e eu não conseguia entrar no assunto sobre o qual teria que falar com ela.

- Você aceita uma taça de vinho? – perguntou-me solícita. – Daqui à pouco a Íris me liga, como te falei ainda pouco.

- Sim. Eu aceito. Só não sei se ainda quero me encontrar com eles.

Servimo-nos do vinho e logo em seguida o telefone tocou. Era a Iris. Ela conversou alguns minutos com a filha, fez algumas recomendações e em seguida despediram-se. Um detalhe chamou a minha atenção: Ela não mencionou a minha presença, e isso já era um ótimo sinal.

- A hora passou tão rápido que eu nem me dei conta. Já são quase 23hs. – disse ela enquanto tomava mais um pouco de vinho.

- É porque a conversa está agradável.

Parei e fiquei olhando-a por alguns instantes tentando tomar coragem e entrar no assunto envolvendo Helinho.

- O que foi, Paulo? Você ficou quieto de repente. Você quer me dizer alguma coisa?

- Quero sim. Mas estou sem coragem. Não sei se devo (pausa) – É sobre o Helinho.

Ela fez uma expressão séria e perguntou-me:

- O que você quer falar sobre aquele rapaz? Eu não aprovo o namoro deles. Acho que ele não vai fazer minha filha feliz. Mas ela insiste neste namoro. Fazer o quê?

Pela expressão e o jeito como ela falou, achei que estivesse colocado tudo a perder. Silenciei pensando em um jeito de reverter aquela situação. Naquele momento tudo o que eu mais queria era ficar com ela. Tê-la em meus braços nem que fosse somente por aquela noite. Ela continuou:

- Se você veio aqui para falar sobre ele, perdeu seu tempo. Eu não simpatizo nem um pouco com aquele rapaz. Tenho medo que ele faça a minha filha sofrer.

Mesmo correndo risco de estragar aquela noite, tentei argumentar:

- Eu acho que a senhora está enganada a respeito do Helinho. Ele é um bom sujeito. Somos amigos há anos. Posso garantir à senhora que ele é uma pessoa direita. A senhora pensa assim talvez por não conhecê-lo melhor.

- Olha aqui, Paulo. Eu sei que vocês são amigos, se gostam muito, você também é amigo de minha filha, mas eu não quero falar sobre isso com você.

Depois de ouvir essas palavras pensei: – Estava tudo perdido. Só cabia a mim naquele momento me justificar e tentar salvar aquela noite que estava mal começando:

- Desculpe-me, dona Vilma! Eu não quis ser inconveniente (pausa) – A senhora quer que eu vá embora?

- Não precisa se desculpar. Você não foi inconveniente e nem precisa ir embora. Eu só não quero falar sobre este assunto contigo. Vamos esquecer este assunto. Eu vou preparar uns petiscos para comermos e mais um pouquinho de vinho enquanto aguardamos a chegada do natal.

- Só não podemos ficar embriagados. – complementei sorrindo. 

- Com certeza! - concordou ela, servindo-me mais um pouco de vinho.

- Eu posso colocar uma música, dona Vilma?

- Fique à vontade. Só não sei se você vai gostar dos discos que temos aqui.

Apanhei alguns discos, e entre eles escolhi uma melodia que eu gostava muito. Hotel Califórnia que fazia muito sucesso na época. Em seguida a surpreendi com um convite.

- Vamos dançar!

Ela pensou por alguns segundos e respondeu logo em seguida.

- Sim. Vamos. Há tempos eu não sei o que é dançar.

Aquela foi a primeira oportunidade de abraçá-la, sentir aquele corpo, aquele cheiro. Que momento lindo! Que entrada de natal maravilhoso! Que presente! Sem dúvida um momento para nunca mais ser esquecido. Impulsionado pela melodia tentei beijá-la:

- Por favor, Paulo! Não! Ainda é muito cedo pra isso.

- Por que não? Só estamos nós dois aqui. Eu quero e sei que você também quer. Deixa acontecer! Não temos nada a perder.

Embalados pela música nos entregamos aos nossos sentimentos e desejos, e ali nasceu o nosso primeiro beijo.

- Isso não deveria ter acontecido, Paulo.

- Por que? Você não gostou? Eu amei.

Sem nenhuma resistência ela se entregou novamente em meus braços, e apanhando-a no colo fomos para o lugar mais confortável daquela casa. O quarto dela. Aquele foi o melhor natal de minha vida e tenho certeza que o dela também. Nos amamos, e passamos a noite quase toda namorando. E Assim conheci o Amor. No amanhecer do dia nos despedimos com muitos beijos e juras de amor. Eu queria passar o dia 25 com ela, mas não seria bom a Íris me encontrar por lá.

Alguns dias depois, Helinho me procurou feliz da vida para me falar sobre as mudanças repentinas da futura sogra em relação a ele. Estava tratando-o superbem e não intrometia-se mais no namoros deles. Eu fiquei feliz por eles e mais ainda por naquela noite ter conhecido o grande amor de minha vida.

No início não foi fácil assumirmos o nosso amor. Por um lado, os meus pais por causa da minha idade, e por outro, a filha dela apesar de sermos amigos. O que eu senti por Vilma quando eu a vi pela primeira vez não foi somente desejo, mas sim amor. Lutamos contra as barreiras e o preconceito, mas felizmente nosso amor venceu.

Palavras do Autor: Só com Amor venceremos todas as barreiras.

Fonte: Texto enviado por Aparecido Raimundo de Souza

Recordando Velhas Canções (Tristeza de Caboclo)

(tanguinho, 1916) 


Compositores: Marcelo Tupinambá e Arlindo Leal

Quando na roça anoitece 
Fico sempre a meditá!..  
(Coro) Fica sempre a meditá!... (bis) 
Meu coração, que padece, 
 Não me deixa sossegá!... 
(Coro) Não o deixa sossegá!.. (bis)

Estribilho: 
Minh'arma, com fervô, 
Quando há lua 
Chora o seu amô 
E sem podê
se aconsolá 
Garra logo a suspirá!... 
(Coro) Quem ama, com fervô… (bis)

Meu coração, com tristeza, 
Quando surge o bom luá. 
(Coro) Quando surge o bom luá... (bis) 
Sabe, com muita firmeza, 
Seus queixumes disfarçá!... 
(Coro) Seus queixumes disfarçá!.. (bis)

Estribilho: 
Minh'arma, com fervô, 
Quando há lua 
Chora o seu amô 
E sem podê
se aconsolá 
Garra logo a suspirá!... 
(Coro) Quem ama, com fervô… (bis)

Quem sabe amá, com ternura, 
Nunca deixa de sonhá... 
(Coro) Nunca deixa de sonhá! (bis) 
Não sofre a negra amargura 
Que me anda a acabrunhá! 
(Coro) Que o anda a acabrunhá!.. (bis)

Estribilho:
Minh'arma, com fervô, 
Quando há lua 
Chora o seu amô 
E sem podê
se aconsolá 
Garra logo a suspirá!... 
(Coro) Quem ama, com fervô… (bis)

Quando eu pego na viola, 
Com vontade de cantá, 
(Coro) Com vontade de cantá!... (bis) 
Meu coração se aconsola, 
Alliviando seus pená!…
 (Coro) Alliviando seus pená!... (bis)

Fonte: https://cifrantiga3.blogspot.com/2006/03/tristeza-de-caboclo.html

terça-feira, 8 de outubro de 2024

José Feldman (Peripécias de um Jornalista de Fofocas)

Na redação da famosa revista de fofocas "Fuxicos e Fofocas", o clima era de agitação. O editor-chefe, um homem de bigode espesso e olhar afiado, caminhava de um lado para o outro como um tigre na jaula. Era dia de lançamento da nova edição, e o que todos esperavam era uma matéria bombástica sobre a última festa da alta sociedade.

No meio daquela confusão estava Pafúncio, o jornalista mais atrapalhado da equipe. Ele era conhecido por suas histórias engraçadas e sua habilidade inata de se meter em encrencas. Para ele, cada dia era uma nova aventura — ou desventura, dependendo do ponto de vista.

Na noite anterior, Pafúncio havia sido enviado para cobrir a festa de lançamento do novo perfume da atriz famosa, Catarina Monteiro. “Isso vai render uma capa!” gritou o editor, enquanto entregava a missão a Otávio, que balançou a cabeça, tomando um gole de café que quase lhe queimou a língua.

“Sem problemas, chefe! Vou tirar as melhores fotos!” prometeu, embora já tivesse esquecido onde havia colocado seus apetrechos.

Chegando ao evento, Pafúncio percebeu que, haviam várias coisas que ele havia esquecido: o nome da atriz, o endereço exato do local e, parece, toda a sua dignidade. A festa estava cheia de celebridades, e ele se sentiu um peixe fora d’água. Ele decidiu que o melhor a fazer seria se misturar à multidão e esperar que a sorte o ajudasse.

“Um brinde ao novo perfume!” anunciou Catarina, com um sorriso que poderia iluminar uma cidade inteira. As câmeras dos paparazzi dispararam, flashes iluminando o ambiente.

Pafúncio, com a mão suando, percebeu que tinha que agir rápido. “Preciso de uma foto! Preciso de uma foto!” repetia para si mesmo, enquanto tentava se aproximar da atriz.

Com um golpe de sorte, ele conseguiu um lugar na primeira fila. Mas, ao se agachar para ajustar a lente da câmera, Pafúncio se distraiu e, em um movimento desastrado, derrubou seu copo de bebida em cima do tapete. “Oh não!” ele gritou, enquanto tentava limpar a bagunça com as mãos.

Nesse momento crucial, ele se esqueceu completamente de sua câmera, que estava pendurada em seu pescoço. Ao se levantar, a câmera balançou, e antes que ele pudesse perceber, foi parar no chão, fazendo um barulho que ecoou pela sala. “Parece que alguém está com problemas!” ouviu alguém rir.

“Ah, ótimo!” pensou Pafúncio, enquanto tentava recuperar a dignidade. Mas ao olhar para o chão, percebeu que a câmera havia desaparecido.

“Não! Não! Não!” ele sussurrou desesperadamente. A única coisa que ele conseguiu tirar da festa era um belo retrato do seu próprio desespero.

Quando a festa terminou, Pafúncio decidiu que não podia voltar à redação de mãos vazias. “Preciso encontrar essa câmera!” pensou. Ele se lembrou de que, durante a festa, havia visto um garçom com um olhar curioso. “Ele pode ter visto alguma coisa!” Então, saiu em busca do garçom.

“Ei! Você viu uma câmera por aqui?” perguntou Pafúncio, tentando parecer confiante.

“O que é uma câmera?” respondeu o garçom, com um olhar de desprezo. “Desculpe, estou mais preocupado com os copos vazios.”

Desesperado, Pafúncio percorreu o local da festa, perguntando a todos os garçons e convidados se alguém havia visto sua câmera. O problema? Ele não conseguia se lembrar de como ela era. “Era uma câmera… grande… com uma lente… e um botão!” ele dizia, mas ninguém parecia entender.

Depois de horas de busca, Pafúncio finalmente se deu conta de que precisava de um plano B. Ele decidiu que a única solução era implorar para o editor que lhe desse outra câmera. Ao voltar à redação, ele se deparou com um olhar furioso do editor.

“O que aconteceu com a sua matéria?” o editor gritou, com os braços cruzados.

“Er… eu… perdi a câmera,” Pafúncio respondeu, sentindo-se pequeno como um grão de areia.

“Perdeu a câmera? Isso é tudo que você tem a dizer?!” o editor exclamou, quase se engasgando com sua própria indignação.

“Mas, chefe! Eu tenho uma ideia brilhante!” Pafúncio disse, tentando mudar de assunto. “E se eu fizesse uma matéria sobre a arte de perder coisas? Não é todo dia que alguém perde uma câmera na festa da Isabela Monteiro!”

O editor o olhou com uma mistura de incredulidade e raiva, mas, para surpresa de Pafúncio, ele começou a rir. “Você realmente tem um talento para arrumar encrenca, não é? Faça a matéria, mas se lembre: sem mais câmeras perdidas!”

E assim, o que começou como uma desventura desastrosa se transformou em uma crônica hilária sobre a arte de perder coisas, com Pafúncio como o protagonista de sua própria comédia. O artigo foi um sucesso, e a fama do jornalista atrapalhado cresceu na redação.

Na próxima festa, Pafúncio prometeu a si mesmo que não perderia a câmera. Mas, se isso acontecesse, ele sempre poderia escrever sobre “Como perder a dignidade em 10 passos”. Afinal, com ele, cada dia era uma nova aventura — ou desventura — e ele estava mais do que disposto a compartilhá-la com o mundo.

Fonte: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.

Vereda da Poesia = 128 = Acertando Izo Quadra Hino



Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

"Casamento... - alguém já disse -
é chegar à encruzilhada
onde acaba a criancice
e começa...a criançada..."
= = = = = = 




Trova Popular

Alma no corpo não tenho:
minha existência é fingida;
sou como o tronco quebrado,
que dá sombra sem ter vida.
= = = = = = 







Hino de 
Salto do Lontra/PR

Foi chegando o Bandeirante
Seu semelhante a irradiar
A esperança d'alma nobre
Na grandeza do lugar

Mais que a terra tão selvagem
Foi valente o sonhador
Fez brotar da terra bruta
O feijão, a paz e o amor.

(Refrão)
Salto do Lontra és coração do sudoeste
A Senhora Aparecida é quem vigia seu andar
Pelos caminhos da bonança que fizeste
Salto do Lontra és esperança, és Paraná (bis)

O Iguaçu vai junto ao Lontra
Procurando enriquecer
As colinas montanhosas
Onde o sol te viu nascer

De Caxias foi a Salto
Onde a beleza foi morar
No coração do sudoeste
Fiz meu canto, fiz meu lar.
= = = = = = 


Estante de livros (Cidades Mortas, Urupês e Ideias de Jeca Tatu, de Monteiro Lobato)


As obras de Monteiro Lobato oferecem uma rica análise da sociedade brasileira, abordando questões sociais, culturais e existenciais. Através de personagens memoráveis e narrativas envolventes, Lobato provoca reflexões críticas sobre a identidade nacional, a vida rural e a necessidade de mudança. Seu estilo direto e sua capacidade de evocar emoções tornam suas obras atemporais, ressoando com leitores contemporâneos e inspirando uma conscientização social que ainda é relevante hoje.

1. Urupês

"Urupês" é uma coleção de contos que retrata a vida rural no interior de São Paulo, focando especialmente na figura do "Jeca Tatu", um tipo de homem do campo que simboliza a preguiça e a falta de ambição. O livro é uma crítica social à vida no campo, onde Lobato expõe as condições de vida dos agricultores, a cultura popular e as tradições locais.

Os contos apresentam personagens variados, como o próprio Jeca Tatu, que vive em um ambiente de miséria e conformismo, e outros que representam a luta pela sobrevivência e a busca por melhorias. Lobato utiliza a linguagem coloquial e expressões regionais, dando vida à cultura e ao modo de vida do interior. Através das histórias, ele aborda temas como a saúde, a educação e a necessidade de uma reforma agrária.

"Urupês" é uma obra fundamental na literatura brasileira, pois oferece um retrato crítico e realista da vida rural. Lobato não apenas descreve a realidade do campo, mas também provoca reflexões sobre a identidade nacional e as mazelas sociais. O personagem Jeca Tatu, que se tornou ícone da literatura, representa a figura do homem simples que, embora tenha um potencial enorme, é sufocado pela pobreza e pela falta de oportunidades.

Lobato critica a romantização do ruralismo, mostrando que a vida no campo é repleta de dificuldades e desafios. Através de uma prosa direta e incisiva, ele denuncia a inação e a apatia que permeiam a vida dos personagens, sugerindo que a mudança é necessária e possível. O autor também enfatiza a importância da educação e da conscientização social como ferramentas para transformar a realidade.

2. Cidades Mortas

"Cidades Mortas" é uma coletânea de contos que explora temas de decadência, abandono e a memória de lugares outrora vibrantes. Lobato utiliza a metáfora das cidades mortas para refletir sobre a vida urbana e as transformações que ocorrem ao longo do tempo. Os contos apresentam paisagens desoladas, ruínas e personagens que vivem à sombra do passado, criando uma atmosfera de nostalgia e melancolia.

A narrativa enfatiza a relação entre o homem e o espaço, mostrando como as cidades, que foram uma vez centros de vida, se tornam lugares esquecidos e sem vida. Lobato utiliza descrições vívidas para evocar a sensação de desolação e perda, enquanto seus personagens se confrontam com suas próprias histórias e as memórias que carregam.

"Cidades Mortas" é uma reflexão profunda sobre a passagem do tempo e a efemeridade da vida. Através de suas descrições poéticas e detalhadas, Lobato provoca uma análise sobre a urbanização e a alienação que acompanha o crescimento das cidades. Ele questiona o que acontece com os espaços que foram habitados e como a história de um lugar pode desaparecer.

A obra também toca em questões existenciais, levando o leitor a refletir sobre a própria mortalidade e a inevitabilidade da mudança. Lobato utiliza a cidade como um personagem em si, mostrando como o ambiente pode influenciar e refletir as emoções e as experiências dos indivíduos. A nostalgia permeia os contos, transformando as cidades em símbolos de uma era perdida e despertando a consciência do leitor sobre a importância de preservar a memória.

3. Ideias de Jeca Tatu

"Ideias de Jeca Tatu" é uma obra que reúne ensaios e reflexões de Monteiro Lobato sobre a vida rural e a figura do Jeca Tatu. O livro explora a mentalidade do homem do campo, suas crenças, superstições e a relação com a natureza. Lobato utiliza o personagem Jeca Tatu como uma representação do povo simples, mas também como um veículo para criticar a falta de progresso e a resistência à mudança.

A obra discute temas como a educação, a saúde, a agricultura e a necessidade de modernização no campo. Lobato defende a ideia de que o progresso só é possível através da conscientização e do esforço coletivo, e que o povo rural deve ser despertado para sua própria condição e potencial. A narrativa é permeada por um tom de otimismo, sugerindo que a mudança é viável se houver vontade e dedicação.

"Ideias de Jeca Tatu" é uma obra que vai além da crítica social; é uma convocação à ação. Lobato acredita na capacidade do povo rural de se transformar e se modernizar, mas enfatiza que isso requer educação e um novo olhar sobre suas tradições e modos de vida. O autor utiliza a figura do Jeca Tatu para desafiar o leitor a refletir sobre preconceitos e estereótipos associados à vida no campo.

A prosa de Lobato é acessível e envolvente, misturando humor e ironia com um profundo senso de responsabilidade social. Ele consegue transmitir suas ideias de forma clara, utilizando a simplicidade do personagem Jeca Tatu como um espelho das questões mais complexas que afetam a sociedade. A obra é uma crítica à apatia e à falta de iniciativa, mas também uma celebração do potencial humano para mudar e evoluir.

Fonte: José Feldman. Estante de livros. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.

Recordando Velhas Canções (Leva meu samba)


(samba, 1941) 

Compositores: Ataulfo Alves

Leva meu samba
Meu  mensageiro
Este  recado
Para  o  meu  amor  primeiro
Vai  dizer  que  ela  é 
A   razão  dos  meus  ais
Não,  não  posso  mais

Eu que pensava  
que  podia  te  esquecer
Mas  qual  o que  
aumentou  o  meu  sofrer
Falou  mais  alto  
no  meu  peito  uma  saudade
E  para  o  caso  
não  há  força  de  vontade
Aquele  samba  
foi  pra ver  se  comovia  
o teu  coração
Onde  eu dizia   
Vim  buscar  o  meu  perdão

A Saudade e o Perdão em 'Leva Meu Samba'
A música 'Leva Meu Samba' é uma expressão profunda de saudade e arrependimento. A letra revela um eu lírico que envia seu samba como mensageiro para seu amor primeiro, na esperança de reconquistar o coração perdido. A escolha do samba como veículo de comunicação não é aleatória; o gênero musical, com suas raízes profundas na cultura brasileira, carrega consigo uma carga emocional e histórica que amplifica a mensagem de saudade e desejo de reconciliação.

O eu lírico admite que subestimou a força de seus sentimentos, acreditando inicialmente que poderia esquecer seu amor. No entanto, a saudade se mostrou mais forte, revelando a profundidade de seu sofrimento. A letra destaca a luta interna entre a tentativa de seguir em frente e a realidade de um coração ainda preso ao passado. A saudade é personificada como uma força incontrolável, que fala mais alto no peito do eu lírico, evidenciando a intensidade de suas emoções.

O samba enviado como mensageiro é uma tentativa de comover o coração do amado, buscando o perdão e a reconciliação. A música termina com um apelo sincero, onde o eu lírico admite sua vulnerabilidade e o desejo de ser perdoado. A simplicidade e a sinceridade da letra, combinadas com a melodia envolvente do samba, criam uma obra que ressoa profundamente com qualquer pessoa que já tenha experimentado a dor da saudade e o desejo de reconciliação. Ataulfo Alves, com sua habilidade lírica e musical, consegue capturar a essência dessas emoções de maneira tocante e universal.
Fonte: – https://www.letras.mus.br/ataulfo-alves/221909/

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “26”

 

Humberto de Campos (Feminice)


(Sobre uma frase de Emile Faguet, 1847 – 1916)

D. Elisabeth Saldanha era apontada no Rio de janeiro como a senhora de vida mais acentuadamente elegante entre quantas, até hoje, possuiu a cidade. Honesta por educação e por temperamento, ninguém lhe apontou, jamais, um deslize, uma falha, uma simples leviandade de conduta. Em uma terra em que a maledicência enche as bochechas a cada canto da rua, ela fizera o milagre de conservar sempre limpo, sem a menor mancha do hálito da calunia, o espelho de cristal da sua reputação

Os seus hábitos mundanos não eram, entretanto, propícios à conservação desse conceito. Adorando o marido e sendo idolatrada por ele, havia uma vaidade que ela colocava acima de tudo na terra; e esta eram o teatro, os chás, os jantares, as conferências literárias, os concertos, e, sobretudo, a visita às amigas, num desperdício de tempo, de frases e de vestidos que lhe parecia verdadeiramente encantador.

Certo dia, porém, ao sair do Municipal, D. Elisabeth descuidou-se um pouco do mantô bordado de dragões de ouro e cegonhas de seda, e apanhou uma pneumonia. A ciência médica da cidade foi, toda ela, mobilizada em uma noite. E tal é o prestigio da medicina diante da morte, que, dois dias depois, o Dr. Alfredo Saldanha penetrava o portão do cemitério de São João Batista, segurando, sem tirar o lenço dos olhos, uma das alças do caixão funerário da sua querida Elisabeth.

Enquanto se dava isso aqui na terra, uma alma, imponderável como o ar e mais alva, talvez, que um floco de neve, batia, suave, à porta do Paraíso.

- Seu nome? - perguntou S. Pedro, abrindo a portinhola, encantado com tanta candura.

- Elisabeth Saldanha, meu santo.

O apostolo fitou-a com simpatia, e continuou no interrogatório:

- E que fizeste na tua vida, minha filha? – A recém-chegada franziu a testa morena e perfeita, como se consultasse a si mesma.

- Não ouviste, filha? Que é que fizeste na tua vida?

Elisabeth ia, pela primeira vez, se atrapalhando, mas, recobrando a serenidade, indagou:

- Eu?

E, com um sorriso, que lhe abotoava a boca num beijo:

- Eu fiz... muitas visitas!

São Pedro sorriu, bondoso, e a grande chave rangeu, faiscando estrelas, na enorme fechadura dourada.

Fonte: Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925. Disponível em Domínio Público.