sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Ione Russo (Carona)

Eles se queriam muito. Naquele fim de semana resolveram sair para viajar, aproveitando para comemorar a data do nascimento dela.

Não tinham destino. O que importava era estarem juntos; logo, qualquer lugar servia.

Quando Miguel lhe disse que queria passar numa igreja, ela estranhou, pois isso não costumava ser um hábito do casal, embora tivessem formação católica.

Foram rindo e conversando, estrada afora, e, quando viram, tinham saído do Estado.

Ele insistia na tal igreja; queria agradecer a Deus por tanta felicidade e rezar pelo aniversário dela.

Já em Santa Catarina, almoçaram e seguiram viagem. Quando anoitecesse parariam para dormir. Enveredaram por uma cidade que se chama Gaspar, onde avistaram suntuosa escada que os levava a um santuário.

Naquele instante, o padre realizava um casamento e perguntava se o noivo aceitava a noiva como sua mulher, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, e coisa e tal.

Aproveitando a situação, Miguel foi logo dizendo que sim, que aceitava Maria como sua mulher; ato contínuo, o padre também fez a pergunta à noiva. Miguel apertou o braço dela, repetindo a mesma interrogação.

- Sim, respondeu ela, rindo da brincadeira.

Ele tirou uma caixinha do bolso e uma aliança linda foi colocada em seu dedo.

Também lhe foi entregue outro anel para ser posto no dedo dele. Maria não entendia como a surpresa se misturava com a coincidência, e ele explicava que não havia planejado tanto, mas que a sorte tinha ajudado.

Entre abraços e beijos, concretizaram o que já vinham pensando há muito tempo.

Maria e Miguel sempre contam que se casaram de carona.

Fontes: 
Alda Paulina Borges et al. Contos contemporâneos. (Oficina de Criação Literária Alcy Cheuiche). Porto Alegre/RS: AGE, 2016.
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Vereda da Poesia = 182


Trova de
OLYMPIO COUTINHO
Belo Horizonte/MG

Olhando o escorregador,
palco da infância sem pressa,
filosofa o trovador:
- "Os anos passam depressa..."
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Poema do Folclore Brasileiro de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Cobra Grande

Nas águas profundas um mito se manifesta,
Cobra Grande, guardiã dos rios a bradar,
com escamas reluzentes, um poder na floresta,
nos contos do povo sua lenda a ecoar.

Dizem que em seu ventre há um tesouro brilhante,
mas cuidado, viajante, ao lhe desafiar,
pois sua fúria é vasta, e a fome bastante,
aquele que ignora o seu reino, sem respeitar.

No espelho da água seu olhar a brilhar,
protege a natureza, o lar preservando,
e em cada sussurro, um aviso a soar,
que no seio das matas, há vida pulsando.

Cobra Grande, a sombra, um eterno mistério,
entre lendas e medos, um poder etéreo.
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Trova de
PAULO WALBACH PRESTES
Curitiba/PR, 1945 – 2021

Sou pura saudade quando,
vejo na fotografia,
a minha mãe me abraçando
na mais total alegria!
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Soneto de
EUCLIDES DA CUNHA
Cantagalo/RJ, 1866 – 1909, Rio de Janeiro/RJ

Amor algébrico

Acabo de estudar — da ciência fria e vã,
O gelo, o gelo atroz me gela ainda a mente,
Acabo de arrancar a fronte minha ardente
Das páginas cruéis de um livro de Bertrand.

Bem triste e bem cruel decerto foi o ente
Que este Saara atroz — sem aura, sem manhã,
A Álgebra criou — a mente, a alma mais sã
Nela vacila e cai, sem um sonho virente.

Acabo de estudar e pálido, cansado,
Dumas dez equações os véus hei arrancado,
Estou cheio de spleen, cheio de tédio e giz.

É tempo, é tempo pois de, trêmulo e amoroso,
Ir dela descansar no seio venturoso
E achar do seu olhar o luminoso X.
= = = = = = 

Trova de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE

Tem Poeta nesta terra
que seus versos dão prazer
de lê-los, pois ele encerra
numa Trova o seu dizer!
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Soneto de
THALMA TAVARES
São Simão/SP

Pecados

Eu tenho pecados, e muitos, não nego.
Só Deus é quem sabe das culpas que expio,
dos erros, das faltas que eu triste carrego,
que o sono me roubam, por noites a fio.

Porque aos teus braços me atiro, me entrego,
minha alma anda triste qual planta no estio.
Mas Deus é culpado, se não me fez cego
à rara beleza do teu corpo esguio.

Não sei de pecados, mais doces, mais quentes
que a luz de teus olhos, teus lábios ardentes,
que enchem minha alma de sol e calor.

Mas tenho certeza que os nossos pecados,
por muitos que sejam, já estão perdoados,
pois não é pecado pecar por amor.
= = = = = = = = = 

Trova de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/ RN

Como quem faz uma prece,
braços erguidos se abrindo,
a borboleta parece
um anjo da paz dormindo!
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Soneto de
MANUEL BANDEIRA
Recife/PE (1886 – 1968) Rio de Janeiro/RJ

Peregrinação

    Quando olhada de face, era um abril.
    Quando olhada de lado, era um agosto.
    Duas mulheres numa: tinha o rosto
    Gordo de frente, magro de perfil.

    Fazia as sobrancelhas como um til;
    A boca, como um o (quase). Isto posto,
    Não vou dizer o quanto a amei. Nem gosto
    De me lembrar, que são tristezas mil.

    Eis senão quando um dia... Mas, caluda!
    Não me vai bem fazer uma canção
    Desesperada, como fez Neruda.

    Amor total e falho... Puro e impuro...
    Amor de velho adolescente... E tão
    Sabendo a cinza e a pêssego maduro...
= = = = = = 

Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

A “solidão” me parece,
ser um conforto sem fim…
quando um grande amor me esquece;
“Ela” se lembra de mim.
= = = = = = 

Soneto de 
ANTÔNIO OLIVEIRA PENA
Volta Redonda/RJ

Em dias de um abril

Andar contente, em dias de um abril,
pelas campinas verdes recendendo;
olhar-lhes as flores e as ir colhendo,
debaixo deste claro céu de anil...

Beber da água fresca de um cantil;
provar frutos silvestres, revivendo
a infância mágica; e ir percorrendo
caminhos que se perdem, pueril.

Descansar de um arbusto à sombra amena;
sentir no vento o cheiro da açucena;
e assim ficar, despreocupado, em paz —

enquanto brilha, arde o sol, a pino,
e alegre canta o riacho cristalino
à sombra destas matas tropicais!
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/ RS, 1932 – 2013, São Paulo/ SP

Assim que começa o dia,
envolto em profundo enlevo,
sinto o cheiro da poesia
em cada verso que escrevo.
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Hino de
ANGICOS/RN

Salve Angicos cidade pioneira
Cujos nomes de heróis se proclamou
O teu solo regado com o sangue
Dos teus filhos que aqui os procriou.

(bis)
Angicanos predestinados
Coração e alma varonil
Conquistaste a glória
Cantarás vitória
Sempre de pé pelo Brasil.

Angicanos soldados centro norte
Artilheiros cidade cidadãos
Para nós o teu nome
É uma bandeira
A bandeira da nossa redenção
Deus bem quis que marcada tu ficastes
Grandes nomes ilustres no Brasil
Caminhai e cantai com alegria
Aos teus filhos que aqui te consagrou
Juventude forte e varonil.

(bis)
Angicanos predestinados
Coração e alma varonil
Conquistaste a glória
Cantarás vitória
Sempre de pé pelo Brasil.

Agricultores, operários e doutores
Batalharam com coragem e amor
Nós que queremos neste dia exaltar
Todos eles que lutaram com fervor.

(bis)
Angicanos predestinados
Coração e alma varonil
Conquistaste a glória
Cantarás vitória
Sempre de pé pelo Brasil.
= = = = = = 

Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/ SP

Com ousadia me olhaste,
ousada eu correspondi.
Com loucura me abraçaste
e o resto eu juro, nem vi!
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Soneto de 
HEGEL PONTES
Juiz de Fora/MG (1932 – 2012)

Duas chamas

Qual monge recolhido em sua cela,
Rezando a derradeira Ave-Maria,
Estava só e apenas uma vela
Velava a minha noite de agonia.

Eu contemplava a ardente sentinela
Que em vigília também se consumia,
E percebia uma oração singela,
No declínio da chama fugidia…

… Agora é madrugada e, por um fio,
Duas chamas de vida em decadência
Vacilam e se apagam no vazio.

E apenas uma, ao fim da claridade,
Caindo no vazio da existência,
Ressurge no esplendor da eternidade.
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Trova de
ANTONIETA BORGES ALVES
São Paulo/SP

- Renda? Imposto? - Está brincando!
Sou pobre, sou trovador...
Eu faço, de quando em quando,
só declaração de amor!
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Figueiredo Pimentel* (A velha feiticeira)

Tendo adoecido gravemente o lavrador Bernardo, foi preciso que alguém fosse à cidade procurar um remédio receitado pelo médico. Na única botica da vila não havia aquela droga, difícil e cara, que só se encontrava nas mais importantes drogarias.

Bernardo morava afastado da vila, e longe, muito longe da capital. Para se ir até lá, era mister atravessar extensa floresta, onde costumavam reunir-se vários salteadores, e povoada de animais ferozes.

Vendo que só o tal medicamento poderia salvar o pobre velho, seu filho Heitor, que tinha apenas quinze anos, resolveu buscá-lo.

Era cedo, escuro ainda, quando saiu de casa, em companhia do seu cachorro Leão – um animal fiel e dedicado.

Caminhou o dia inteiro, sem parar. Ia anoitecendo, mas ainda o dia não morrera de todo, quando avistou no meio da floresta uma pequena choupana. Resolvido a passar a noite aí, bateu à porta. Abriu-se uma janela, aparecendo uma velhinha, feia e magra, devendo ter mais de oitenta anos.

Pediu-lhe hospitalidade, e ela mandou-o entrar, recomendando primeiro:

— Amarre o seu cachorro, moço, que parece um animal muito bravo, e eu tenho medo de cães.

— Nada receie, minha velha, respondeu Heitor, porque Leão me obedece cegamente, e só ataca a quem me quiser fazer mal.

— Pode ser que seja verdade, replicou a velha, mas é que eu já fui mordida uma vez, e não o quero ser segunda. Amarre-o, senão ficará de fora.

— Mas é que eu também não tenho com que amarrá-lo.

— Isso não seja a dúvida. Basta que lhe passe ao pescoço um fio de cabelo meu...

A velhinha arrancou um fio branco, e deu-o ao moço, que se riu daquela corda de nova espécie.

Quando viu o cão amarrado, a dona da choupana mais que depressa atirou-se sobre Heitor. Ninguém diria ao ver aquela criatura já prestes a morrer, que tinha tanta força como qualquer ferreiro.

O mancebo, meio admirado, tentou lutar com ela, e sentindo-se fraquejar, chamou o auxílio do cachorro, bradando:

— Avança! Avança, meu Leão!...

— Engrossa bem, meu cabelão!... gritou a velha.

O fio de cabelo que prendia o animal engrossou àquelas palavras, tornando-se pesada e forte corrente de ferro.

Tendo subjugado Heitor, a feiticeira amarrou-o solidamente, encerrando-o num quarto a fim de engordá-lo e comê-lo mais tarde.
***

Passados três dias, vendo que Heitor não regressava, Lauro, seu irmão, segundo filho do velho Bernardo, planejou ir em busca do remédio, e ao mesmo tempo procurar saber o que sucedera ao outro.

Saiu de casa, levando por companheiro único um valente cachorro que possuía, e ao qual denominara Capitão.

Seguindo o mesmo trajeto de Heitor, foi parar na mesma choupana, onde a velhinha o recebeu como recebera o primeiro, recomendando que amarrasse o cão com o fio de cabelo.

Lauro, vendo-se ameaçado por ela, chamou em seu auxílio o fiel companheiro, que por mais de uma vez experimentara:

— Avança! avança! Capitão...

Do mesmo modo que procedera quando prendeu Heitor, a megera berrou:

— Engrossa, engrossa, cabelão!...

O pobre animal, ligado por uma corrente grossa, não pode desta vez socorrer seu amo.

A velha feiticeira prendeu Lauro num quartinho escuro, até que chegasse a sua vez de ser comido.
***

Só restava no sítio do bom e digno Bernardo sua mulher e seu terceiro filho Raul.

Não obstante ter somente onze anos, Raul era um menino animado e ousado. Quis ir buscar o medicamento receitado, que devia salvar o velho, e procurar os irmãos, e foi.

Pela madrugada saiu de casa, despediu-se de seus pais, e partiu resolutamente. Também ele chegou à cabana da velhinha, e pediu pousada naquela noite.

Ao ouvir a recomendação para prender o cachorro que levava, disse consigo mesmo:

— Para que quer esta mulher ver o meu fiel Plutão amarrado? Um fio de cabelo não é corda, e se ela na verdade tem tanto medo dos cães, como diz, dar-me-ia outra corda. Aqui há algum mistério.

Fingiu, todavia, que amarrava o animal, mas apenas pousou o cabelo no pescoço, sem dar nó.

A feiticeira, julgando o cão preso, segurou Raul pelo braço, e disse:

— Tu ainda és muito pequeno para eu estar com cerimônias. Vamos para o quarto escuro, até que chegue a vez de te comer ensopado.

— Não, minha velhinha, disse-lhe Raul, dando-lhe um sopapo.

A bruxa correu para pegá-lo, e o menino gritou:

— Avança! avança! Bom Plutão!

— Engrossa bem, meu cabelão!... bradou a velha.

 O cabelo transformou-se em uma corrente, mas como não se achava amarrado, caiu no chão.

O fiel cachorro de um salto atirou-se ao pescoço da velhinha, e estraçalhou-a.

Raul percorreu a cabana, e encontrou seus irmãos, bem como muitos outros viajantes, que haviam caído sob as garras da miserável feiticeira.

Soltou toda a gente, e ateou fogo à choupana.

Os presos, agradecidos, deram-lhe dinheiro, e os três irmãos tiveram tempo de ir à cidade e comprar a droga que salvou o velho Bernardo.
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*Alberto Figueiredo Pimentel nasceu e morreu em Macaé/RJ, 1869 — 1914 foi além de poeta, contista, cronista, autor de literatura infantil e tradutor. Manteve por muitos anos, desde 1907, uma seção chamada Binóculo na Gazeta de Notícias. Publicou novelas, poesia, histórias infantis e contos. Um de seus grandes êxitos foi o romance O Aborto, estudo naturalista, publicado em 1893, e por mais de um século completamente esgotado. Como poeta, participou da primeira geração simbolista chegando a se corresponder com os franceses. Era amigo de Aluísio Azevedo, com quem trocou cartas, enquanto o autor de O Cortiço estava fora do país como diplomata. Poeta, romancista, escritor de literatura infantil, ganhou destaque e se perpetuou nos compêndios da literatura brasileira. A coluna Binóculo, assinada pelo autor na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, de 1907 até 1914, obteve grande sucesso entre leitores e leitoras, ditando moda, o que faz de Figueiredo Pimentel o primeiro cronista social da capital. Era ele quem tratava das novidades da moda, do bom gosto, do chique em voga em Paris e que deveria ser aqui aclimatado. Obras: Fototipias, poesia, 1893; Histórias da avozinha, conto - somente em 1952; Histórias da Carochinha; Livro mau, poesia, 1895; O aborto, 1893; O terror dos maridos, romance e novela, 1897; Suicida, romance e novela, 1895; Um canalha, romance e novela, 1895.

Fontes:
Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896.
Biografia =https://pt.wikipedia.org/wiki/Figueiredo_Pimentel
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Aparecido Raimundo de Souza (Tudo embolado, junto e misturado)


 O HÉLIO BICUDO nessa sexta-feira, precisou cobrir a Mariza, a secretária e assistente da doutora Antonella, psiquiatra, que necessitou faltar em vista de sua filhinha de seis anos ser levada ao médico com certa urgência.  Na recepção, logo de cara chegou o Fidalgo Barata, que tinha certa urgência em pedir um favor meio às carreiras à Mariza ou se fosse possível, para a médica em pessoa. Porém, ao entrar e ver o rapaz, ficou meio desanimado. Apesar disso, tentou a sorte. Talvez o mancebo resolveria seu problema.

“Bom dia. A doutora pelo visto, não está na clínica?"

“Infelizmentenãoemquepossoajudar?"  (Infelizmente não em que posso ajudar?)

“E a senhorita Mariza?"

“Nessemomentoemqueosenhorperguntaemhoráriodealmoçoacaboudesairesóvoltarádentrodeumahora..." *1 

Hélio Bicudo tinha um problema sério na hora de se expressar. Por conta desse entrave, a sua voz criava problemas. Ele não sabia pausar as palavras e pior, ao se dirigir a alguém, fosse falando ou respondendo, o quadro se tornava um verdadeiro fiasco.

“Eu queria ver com a senhorita Mariza, se ela conseguiria me enviar via e-mail os resultados de meus exames feitos. E também o receituário que a doutora me receitou. Ela me deu o WhatsApp e também o e-mail, mas eu fiz a gentileza de enfiar em algum lugar que não lembro onde. O prezado poderia me passar por gentileza?"

Hélio Bicudo sorriu e balançou a cabeça afirmativamente.

“Perfeitamentecomoésuagraça?" (Perfeitamente como é sua graça?)

“Fidalgo...  Fidalgo Barata..."

Helio repetiu compassadamente.

“Claroaquioclientedadoutoratemcartabranca.qualquerpedidoéumaordem.lávaiantonellavalentinacomdoiselescristinadaconceiçãotudojuntoarrobapsiquiatrapontocompontobrlembrandoaoamigoqueaconceiçãoseescreveconceicaoousejasemacobrinhadependuradanacedilhaeoacentocircunflexoemribadoa." *2

“Poderia, por gentileza, falar tudo de novo?" 

“Certamenteaquioclientedadoutoratemcartabrancaqualquerpeddoéumaordemlávaiantonellavalentinacomdoiselescristinadaconceiçãotudojuntoarroubapsiquiatrapontocompontoblembrandoaoamigoqueaconceiçãoseescreveconceicaoousejasemacobrinhadependuradanacedilhaeoacentocircunflexoemribadoa." *3

“Como é que é? O amigo embolou tudo."

Helio Bicudo repetiu mais seis vezes, contudo, em nenhuma delas o Barata conseguiu se fazer entender. 

Soltando fogo pelas ventas, literalmente louco da vida, por pouco não mandou o cara plantar batatas. Achou melhor dar meia volta e cair fora. Foi o que realmente fez.
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NOTAS
*1= Nesse momento em que o senhor pergunta em horário de almoço acabou de sair e só voltará dentro de uma hora...

*2= Claro aqui o cliente da doutora tem carta branca. Qualquer pedido é uma ordem. Lá vai antonella valentina com dois eles cristina da conceição tudo junto arroba psiquiatra ponto com ponto br lembrando ao amigo que a conceição se escreve conceicao ou seja sem a cobrinha dependurada na cedilha e o acento circunflexo em riba do a.

*3= Certamente aqui o cliente da doutora tem carta branca. Qualquer pedido é uma ordem. Lá vai antonella valentina com dois eles cristina da conceição tudo junto arroba psiquiatra ponto com ponto br lembrando ao amigo que a conceição se escreve conceicao ou seja sem a cobrinha dependurada na cedilha e o acento circunflexo em riba do a.
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Aos doze anos, deu vida ao livro “O menino de Andirá,” onde contava a sua vida desde os primórdios de seu nascimento, o qual nunca chegou a ser publicado. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.

Fonte: Texto enviado pelo autor. 
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quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Edy Soares* (Fragata da Poesia) 68

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* Edy Soares (Edmardo Lourenço Rodrigues), nasceu na cidade de Ibatiba/ES, em 1964. Filho de pais agricultores. Viveu nos Estados Unidos entre 1991 e 2006. Regressando ao Brasil dedicou-se, além do seu trabalho de rotina, ao seu acervo de poemas e composições de canções. Classificado em vários concursos literários, nacionais e internacionais, de Sonetos, trovas e outros gêneros, identifica-se principalmente como sonetista clássico e trovador. Participação em várias feiras literárias e na Bienal Capixaba do Livro. Empresário no ramo hoteleiro, com o Fragata Hotel, em Guarapari/ES. Reside em Vila Velha/ES. Membro fundador da Academia Brasileira de Sonetistas (ABRASSO), Academia Pan-Americana de Letras e Artes (APALA), Academia Ibatibense de Letras e Artes, Confraria Brasileira de Letras, entre outros. Livros publicados: “Poemas Canções e Sonetos”, “Flores no Deserto”,  “Sonetos Sonantes”, co-autor do livro “Três em Trovas”.

José Feldman* (Companheiros de Infortúnio)

Era uma fria manhã de dezembro quando o Professor Bruno, um ex-professor universitário de filosofia, acordou em um canto da calçada na cidade de Fênix, interior do Paraná, que antes considerava seu lar. O sol mal havia surgido, e a brisa gelada cortava o ar, lembrando-o de mais um dia de luta. Ao seu lado, um filhote de cachorro, que ele carinhosamente nomeara de Akira, se espreguiçava e se aconchegava em seu casaco velho. Akira não era um cão de raça pura; seu pai era um vira-lata cruzou com uma akita, e o resultado era um adorável, mas pouco convencional, companheiro.

A história de Bruno era uma das muitas tristes histórias que a cidade escondia sob sua fachada vibrante. Ele havia investido todas as suas economias em uma escola que prometia revolucionar a educação da região. Infelizmente, a escola faliu, levando consigo não apenas o sonho dele, mas também a sua família. Sua esposa, sem conseguir suportar a pressão financeira, e seus dois filhos, que cresceram em meio a dificuldades, decidiram deixá-lo. Bruno ficou sem nada, apenas com suas memórias e um sentimento profundo de perda.

Os anos passaram e, enquanto a cidade se enchia de luzes e decorações natalinas, Bruno e Akira sobreviviam nas ruas, buscando restos de comida nos restaurantes e se aquecendo juntos sob cobertores velhos. Ele mantinha sua dignidade; ele nunca pediu dinheiro. Em vez disso, usava seu tempo para observar as pessoas, refletindo sobre a vida e as escolhas que o levaram àquela situação. Akira, com seu olhar inocente e leal, era seu único conforto.

Na véspera de Natal, enquanto Bruno e Akira se aqueciam com o pouco que tinham, um jornalista chamado Lídio passava pela rua. Ele estava em busca de histórias humanas para compartilhar em uma reportagem especial sobre o espírito natalino. Ao ver a cena do professor idoso com seu cachorro, se aproximou, sentindo uma mistura de compaixão e curiosidade.

— Olá, senhor! — disse Lídio, oferecendo um sanduíche que havia comprado. — Quer comer algo?

Bruno, com um sorriso gentil, agradeceu e, em um gesto inesperado, pediu licença para dar o conteúdo do sanduíche a Akira, ficando apenas com o pão.

— Por que você faz isso? — indagou Lídio, intrigado.

— Akira é meu guarda-costas — respondeu Bruno, com um brilho nos olhos. — Quando me deito para dormir, preciso que ele esteja bem alimentado e alerta. Ele me protege enquanto eu descanso. 

Lídio ficou impressionado com a resposta. Ali estava um homem que, mesmo em meio ao sofrimento, ainda encontrava formas de cuidar e valorizar a amizade que tinha com seu cachorro. Bruno começou a contar sua história: suas esperanças, seus sonhos, e a dolorosa queda que o levou àquela vida. O jornalista, emocionado, escutava atentamente, sentindo que havia mais naquele homem do que as circunstâncias da vida haviam deixado à vista.

Movido pela história do professor e a pureza do amor entre ele e Akira, decidiu levá-los para passar o Natal em sua casa. 

Quando chegaram, a casa estava cheia de amigos jornalistas, todos prontos para celebrar. Lídio apresentou Bruno e Akira e, ao contar a história deles, a sala se encheu de emoção. As pessoas estavam tocadas, e as câmeras começaram a registrar aquele encontro inusitado.

A reportagem que Lídio criou trouxe a história de Bruno e Akira para a televisão. À medida que a história se espalhava, algo maravilhoso aconteceu. O espírito natalino despertou nos corações das pessoas. Doações começaram a chegar de toda a cidade. As pessoas se uniram, não apenas para oferecer dinheiro, mas também carinho e apoio. O prefeito, sensibilizado pela história, fez questão de oferecer uma casa para eles.

Na manhã de Natal, Bruno acordou em um lar, rodeado por amigos e pessoas que se importavam com ele. A felicidade não estava apenas nas doações, mas na conexão humana que se formou ao redor de sua história. Ele percebeu que, apesar de todas as dificuldades e das perdas, ainda havia amor e solidariedade no mundo.

Enquanto Akira corria pelo quintal, ele refletiu sobre a nova vida que começava. Ele se sentiu grato não apenas pelas doações, mas pela empatia que havia encontrado nas pessoas. O Natal não era apenas uma data; era uma oportunidade de recomeçar e de lembrar que, mesmo nas piores situações, a bondade humana pode brilhar intensamente.

Após o Natal, a vida de Bruno e Akira começou a se transformar de maneira surpreendente. Com o apoio da comunidade e a nova casa que o prefeito havia oferecido, Bruno sentiu que estava finalmente recuperando um pouco da dignidade que havia perdido. Mas, no fundo de seu coração, havia uma dor persistente: a saudade de sua família.

Um dia, enquanto passeava com Akira pelo parque próximo à nova casa, viu um grupo de crianças brincando e rindo. Aquelas risadas o lembraram de seus filhos, de como suas vidas haviam mudado e do quanto ele sentia falta deles. 

Decidido a tentar, começou a escrever cartas. Ele escreveu para cada um deles, expressando seu amor, sua dor e o desejo de se reconectar, mesmo que houvesse passado tanto tempo.

Com a ajuda de Lídio, o jornalista que se tornara seu amigo, enviou as cartas. Lídio ajudou a encontrá-los, e, após semanas de espera, uma resposta finalmente chegou. Sua esposa, Bianca, escreveu que, embora a dor da separação ainda fosse grande, ela nunca deixou de pensar nele. As cartas dele tocaram seu coração e despertaram uma vontade de recomeçar.

Bianca e os filhos concordaram em se encontrar com Bruno. 

O reencontro aconteceu em um dia ensolarado de primavera, no mesmo parque onde ele costumava passear com Akira. Bruno estava nervoso, mas também esperançoso. Quando viu Bianca e as crianças se aproximando, seu coração disparou. Os olhos dela brilharam ao reconhecer o homem que ainda amava, e ele sentiu que, apesar dos anos, o amor ainda estava presente.

As crianças, agora um pouco mais velhas, foram até ele, hesitantes, mas curiosas. Ele se ajoelhou para abraçá-las e, naquele momento, as lágrimas rolaram por seu rosto. Akira, percebendo a emoção, se aproximou, abanando o rabo e buscando carinho.

— Eu sinto tanto a falta de vocês — disse com a voz embargada. — Nunca deixei de amar vocês.

Bianca, emocionada, respondeu: — Nós também sentimos sua falta. A vida não foi fácil, mas suas cartas nos mostraram que ainda existe esperança.

A conversa fluiu, repleta de histórias e risadas, e os ressentimentos começaram a se dissipar. Ele compartilhou como havia mudado, como o amor de Akira o ajudou a encontrar força e dignidade novamente. As crianças estavam fascinadas pelo cachorro, e ele foi cercado por elas, recebendo carinho e atenção.

Com o passar do tempo, o reencontro se transformou em um recomeço. Eles começaram a reconstruir a confiança e a amizade, enquanto as crianças se acostumavam a ter o pai de volta em suas vidas.

O Natal daquele ano foi especial de uma forma que Bruno nunca imaginou. Ele não apenas reconquistou um lar, mas também a possibilidade de um futuro juntos. A empatia e a solidariedade que haviam florescido em sua vida agora se estendiam a sua família, mostrando que, mesmo após as maiores adversidades, o amor pode sempre encontrar um caminho de volta.

E assim, Bruno, Bianca, os filhos e Akira celebraram o Natal juntos, cercados por amor e gratidão, prontos para enfrentar o futuro como uma família unida novamente.

A história de Bruno é um testemunho poderoso da resiliência humana e da capacidade de recomeçar. Ele nos ensina que, mesmo diante das adversidades, o amor e a empatia podem nos guiar de volta à esperança. A conexão que ele reconstrói com sua família, junto ao carinho incondicional de Akira, demonstra que os laços familiares e a solidariedade têm o poder de curar feridas profundas. É uma lembrança de que nunca estamos sozinhos e que sempre há espaço para a renovação e o perdão. Essa jornada nos inspira a valorizar as relações e a buscar a luz mesmo nos momentos mais sombrios.
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Fonte:s 
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul 
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Antonio Juraci Siqueira*(Meu rio)


Quando ilhado entre alfarrábios,
sinto saudades de ti,
teu nome sai dos meus lábios
numa oração: CAJARI!

À primeira vista pode parecer um rio comum, um rio como outro qualquer. Mas não é. Esse é um rio especial: é o rio Cajari, o meu rio. Ele nasce no vale da minha infância e desemboca sereno e caudaloso dentro de mim, dentro de minha memória, lavando minha alma, fertilizando meu coração, devolvendo a minha infância. E não há decretos, leis, mandados nem resoluções que possam tirá-lo de mim. Ele está de tal maneira diluído em minhas veias que nenhuma força do mundo poderá secá-lo nem alterar seu curso. Você pode admirá-lo, banhar-se em suas águas mas não poderá apossar-se dele! Ele me viu nascer, banhou meu corpo, matou minha sede e me deixou brincar de canoeiro em suas águas plácidas tangendo meus barquinhos que hoje navegam na minha imaginação. Ele é a rua onírica onde o poeta perambula à cata de inspiração, onde o Boto mandingueiro vagueia nas noites enluaradas mundiando as cunhãs. Portanto, tratem-no bem, pois o mal que a ele fizerem é a mim que farão, posto que somos um deste o início dos tempos.
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* Antônio Juraci Almeida Siqueira, nasceu em Afuá, no Pará, em 1948). Escreveu diversas obras literárias, entre elas merecem destaque, O Chapéu do Boto (2003), Paca, Tatu; Cutia não! (2008), e Aumentei, Mas Não Menti (2016). Seus poemas, contos e trovas são principalmente inspirados no folclore, nas crenças e saberes populares e pela natureza amazônica. Popularmente ele é conhecido como "o boto" ou o poeta "filho do boto". Em 1978, e foi morar em Belém. cursou Licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal do Pará, atua como instrutor de oficinas literárias, artista performista, contador de histórias, e leciona filosofia na rede pública de educação paraense. É considerado um dos poetas mais prolíferos da região Norte do Brasil. Seus trabalhos variam entre publicações de livros de literatura infantojuvenil, literatura de cordel, livros de poesias, contos, crônicas e textos humorísticos. Todo esse trabalho rendeu-lhe cerca de 200 premiações em concursos literários de diversos gêneros, tanto no âmbito nacional, quanto no estadual.

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Silmar Bohrer* (Croniquinha) 125


Música da calha. 

Quem nunca ouviu a música da calha? 

Quem nunca dormiu, sonhou, acordou com o som mavioso da chuva madrugada a dentro?  Quem nunca ouviu o pinga pingar dos pingos, o ressumar calha abaixo, acordando os pensamentos nebulosos em meio ao chuvejar?

A  música da calha é a música da vida.

A música dos dias, das horas, dos segundos. Leva, enleva, conduz o gotejar do certo e do incerto, do bate lá e bate cá, vida a fora, nos rumos do insondável fim dos dias e no inacreditável final da calha .

Tantas noites, tantas chuvas, tantas águas-pingos que descambam por caminhos irremediáveis que nem sempre sabemos onde vão dar - refrigérios e magias, ou asperezas e dificuldades pondo a vida a ressonar. 

Sonoras calhas da vida!
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*Silmar Bohrer nasceu em Canela/RS em 1950, com sete anos foi para em Porto União-SC, com vinte anos, fixou-se em Caçador/SC. Aposentado da Caixa Econômica Federal há quinze anos, segue a missão do seu escrever, incentivando a leitura e a escrita em escolas, como também palestras em locais com envolvimento cultural. Criou o MAC - Movimento de Ação Cultural no oeste catarinense, movimentando autores de várias cidades como palestrantes e outras atividades culturais. Fundou a ACLA-Academia Caçadorense de Letras e Artes. Membro da Confraria dos Escritores de Joinville e Confraria Brasileira de Letras. Editou os livros: Vitrais Interiores  (1999); Gamela de Versos (2004); Lampejos (2004); Mais Lampejos (2011); Sonetos (2006) e Trovas (2007).

Fonte: Texto enviado pelo autor. 
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Célio Simões* (O nosso português de cada dia) “Pé-de-meia”


Em novembro de 2023 o Governo Federal, através da Secretaria de Educação Básica do MEC, lançou um programa de incentivo financeiro-educacional na forma de poupança, destinado a promover a permanência dos estudantes carentes do ensino médio nas escolas públicas, intitulado de “PÉ-DE-MEIA”. 

Esse auxílio financeiro tem como objetivo viabilizar o acesso à escola e minimizar a desigualdade social entre a nossa juventude, com vistas à inclusão social através da educação, tendo como parceiros estratégicos o Ministério da Fazenda, o Ministério do Desenvolvimento Social, a CEF e algumas destacadas universidades federais. 

A conhecida expressão popular já inspirara Rita Lee, nossa saudosa “Rainha do Rock” falecida em 2023 (que vendeu nada menos que 55 milhões de discos ao longo da vida), a compor uma música de muito sucesso, também denominada “PÉ-DE-MEIA”, no sentido de reserva monetária, conforme se vê na primeira estrofe da dita composição: 

“Preparar esse pé-de-meia
pra enfrentar a velhice
e se leva a vida inteira
pra saber que é uma boboquice
preparar esse pé-de-meia
pra esconder a idade
a desculpa é costumeira
tem que ter personalidade (...)”

Mas aí vem a pergunta: De onde surgiu essa corriqueira expressão? 

A quase unanimidade das fontes informa que ela tem suas origens nos países da Europa, pelo costume que as pessoas tinham de usar um lado da meia, cujo outro já fora descartado, para guardar suas economias. Nossos avoengos copiaram essa prática trazida pelos portugueses e passaram a dissimular o local onde guardavam suas reservas, utilizando as meias que caíam em desuso, escondendo-as com seus tesouros em armários e baús que existiam nos casarões de então, à míngua da existência dos bancos, que só na segunda metade do Século XX ganharam impulso, disseminando agências nas capitais e no interior, trazendo com elas as bem-amadas cadernetas de poupança, reserva de emergência sob a forma de investimento, que se tornou a preferida dos brasileiros, apesar do diminuto rendimento que atualmente oferece.

O certo é que a expressão chegou para ficar e a exemplo do programa do Governo Federal ou da música de Rita Lee, todo mundo a ela recorre quando deseja apregoar que financeiramente já assegurou seu próprio futuro ou dos filhos, que já está “com o burro amarrado na sombra”, ou que o vidão folgado que leva se tornou “mais manso que jumento de verdureiro”... 

Vou fazer meu “PÉ-DE-MEIA” ou estou fazendo o meu “PÉ-DE-MEIA” ouvimos frequentemente dos recém-saídos das universidades, que ainda não se estabilizaram economicamente na vida. Esse “PÉ-DE-MEIA”, escrito com hífen, diz respeito à suada grana que guardamos para uma situação de emergência, para reforçar a aposentadoria ou realizar aquela sonhada viagem, dando-lhe uma conotação exclusiva de reserva pecuniária. Tanto que um espirituoso sujeito metido a filósofo, famoso pela irreverência, costumava dizer:

- Parente, a gente tem que arranjar um jeito de ganhar dinheiro pra fazer o “PÉ-DE-MEIA”. Nem que seja honestamente... 

Se, entretanto, essa mesma expressão for escrita sem o uso do hífen, não significa que ela está incorreta e sim, que a pessoa está fazendo alusão somente à parte da meia que envolve o pé, sem conotação com a reserva de dinheiro ou com o “porquinho” onde as moedas são guardadas. Regra geral, são essas - e apenas essas - as duas maneiras de grafar tal expressão, assim como literalmente são seus dois únicos significados, acima informados. 

Como toda regra tem exceção, que eu saiba existe um terceiro significado, mas esse era utilizado somente pelo vaqueiro “Raimundão Pureza”, um sujeito rude, de pouca conversa, invocado, festeiro e mulherengo, que errava pelas fazendas do Trombetas, facão embainhado balançando na cintura, ganhando a vida como amansador de cavalos para os fazendeiros da região. 

Assustador em sua estatura solar, avesso aos costumes civilizados, não usava sapatos, desprezava sabonete, loção e creme de barbear, cortava o cabelo sozinho para o barbeiro não passar a mão na cara dele, reclamava que quando vestia cueca não acertava a dançar e só dormia depois calçar seus meiões de jogador de futebol, que ele chamava de “MEUS PÉS DE MEIA”, ritual nunca esquecido para que não perfurasse a rede com as unhas dos pés, que ele jamais cortava e nem deixava ninguém cortar!... 
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(*) Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

Fonte: Texto enviado pelo autor. 
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