sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Estante de Livros (“Carmilla, a Vampira de Karnstein”, de Joseph Sheridan)

texto enviado por Jaqueline Machado


Laura é uma jovem que vive isolada em um castelo com seu pai e as empregadas, quando uma carroça sofre um acidente em frente ao castelo, e interrompe a viagem de uma intrigante mulher, e sua filha. 

Mesmo em condições mais precárias, a senhora decide seguir a viagem devido a um compromisso urgente, mas pede ao pai de Laura para que hospede sua filha Carmilla até que ela volte. Ele, gentilmente hospeda a moça. 

Carmilla conserva um ar de mistério. Ninguém sabe de fato quem ela é. E nem quais são suas verdadeiras intenções. Laura e a hóspede desenvolvem rapidamente uma intensa e envolvente amizade. 

Esta é a premissa da literatura clássica e vampiresca, publicada em 1872, por Joseph Sheridan.

Na medida em que se conhecem, coisas estranhas começam a acontecer no castelo, na mente e no corpo de Laura. Uma, encanta-se pela outra de maneira a fazer o leitor entender que, embora sejam amigas, uma paixão secreta, cheia de dúvidas e temores as envolve de forma peculiar. 

UM TRECHO BELÍSSIMO DA OBRA:

"Verdade seja dita, meus sentimentos em relação à encantadora estranha eram inexplicáveis. Sem dúvida, algo nela me atraía e havia me conquistado, mas sentia uma espécie de repulsa misturada às minhas emoções. No entanto, a ambiguidade desse sentimento era vencida pela afeição que eu tinha por ela, que me cativava e deslumbrava. Era radiante de tão linda, e de uma presença mais arrebatadora do que as palavras poderiam descrever. Sua companhia me deleitava de muitas maneiras. Em uma de nossas conversas, ela admitiu que sentiu um choque semelhante ao meu, quando me avistou pela primeira vez. Agora ríamos juntas desses momentos iniciais de alegria e horror."

Muitas reviravoltas acontecem na história. E o final é surpreendente. 

Fonte:
Texto e imagem enviados por Jaqueline Machado

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Silmar Bohrer (Gôndola de Versos) 08


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Silmar Bohrer nasceu em Canela/RS em 1950, com sete anos foi para em Porto União-SC, com vinte anos, fixou-se em Caçador/SC. Aposentado da Caixa Econômica Federal há quinze anos, segue a missão do seu escrever, incentivando a leitura e a escrita em escolas, como também palestras em locais com envolvimento cultural. Criou o MAC - Movimento de Ação Cultural no oeste catarinense, movimentando autores de várias cidades como palestrantes e outras atividades culturais. Fundou a ACLA-Academia Caçadorense de Letras e Artes. Membro da Confraria dos Escritores de Joinville e Confraria Brasileira de Letras. Editou os livros: Vitrais Interiores  (1999); Gamela de Versos (2004); Lampejos (2004); Mais Lampejos (2011); Sonetos (2006) e Trovas (2007).

José Feldman (O Ladrão Azarado)

Era uma manhã nebulosa na pequena cidade de Valverde, e o banco central, com suas paredes de vidro reluzente, parecia um oásis de tranquilidade. Mas, para Carlos, um ladrãozinho de origem humilde, aquele era o dia perfeito para mudar de vida. Com um plano mal elaborado na cabeça e um nervosismo palpável, ele se dirigiu ao banco, acreditando que seria fácil.

— Hoje é o dia! — sussurrou Carlos para si mesmo, enquanto segurava a arma que havia pegado emprestada de seu primo, um verdadeiro entusiasta do crime.

Ao entrar no banco, ele respirou fundo e, com uma voz trêmula, anunciou:

— Isso é um assalto! Todo mundo parado!

Os clientes e funcionários olharam assustados, mas nada poderia prepará-los para o caos que estava prestes a acontecer. 

Carlos, em sua ânsia, puxou a arma com tanta força que ela escapuliu de suas mãos e caiu, acertando exatamente o seu pé.

— Ai! — gritou Carlos, pulando de dor. — Que droga!

Os clientes começaram a sussurrar, alguns rindo nervosamente da cena. Ele se agachou para pegar a arma, mas o movimento causou uma nova desventura. Ao se levantar, havia um saco de dinheiro em cima do balcão. Com um golpe de sorte, ele conseguiu agarrá-lo, mas o saco se arrebentou, espalhando notas por todo o chão.

— Não! — exclamou ele, tentando coletar as notas, mas no meio do desespero, tropeçou em um maço de dinheiro e caiu de nariz no balcão.

— Ouch! — gemeu, enquanto o impacto da queda lhe quebrava o nariz. O sangue começou a escorrer, e ele se levantou com dificuldade, a cabeça rodando.

E, como se o universo quisesse garantir que sua má sorte continuasse, Carlos, ainda atordoado, acertou a cabeça na quina do balcão. Um galo enorme surgiu na sua testa, e ele ficou meio desacordado, cambaleando.

Os gritos de “socorro” e “é um assalto!” ecoavam, mas os que chegavam não sabiam se Carlos era o ladrão ou a vítima. Quando a polícia chegou, encontrou Carlos, em um estado deplorável, com o nariz sangrando e o galo na cabeça.

— O que aconteceu aqui? — perguntou um dos policiais, olhando para o espetáculo tragicômico à sua frente.

— Ele... ele tentou assaltar o banco! — disse uma funcionária, ainda tentando conter o riso.

— Tentou? — questionou o policial, claramente divertido. — Parece que você é a verdadeira vítima aqui, amigo! 

Carlos, ainda meio tonto, tentou explicar:

— Eu só queria... pegar um pouco de dinheiro... — e, ao levantar o braço para gesticular, acertou um soco no próprio queixo.

— Ai! — gritou ele, agora com uma dor adicional.

Os policiais mal conseguiam conter as risadas ao testemunhar a sequência de desastres. Um deles comentou:

— Você sabe que isso é uma tentativa de assalto, certo? 

— Claro que sei... — murmurou Carlos, com lágrimas nos olhos, não apenas pela dor, mas pela humilhação. — Meu horóscopo disse que eu não devia sair de casa hoje...

Os policiais trocaram olhares cúmplices, rindo ainda mais. 

— Você lê horóscopos? — perguntou um deles, tentando conter a risada.

— Não, mas talvez eu devesse começar... — respondeu Carlos, enquanto era algemado, chorando de dor e frustração.

Assim, ele saiu do banco, algemado e com a cabeça baixa, murmurando para si mesmo:

— Se ao menos eu acreditasse em horóscopos... 

A cena se tornou uma lembrança engraçada para os funcionários do banco e os policiais, que, ao contar a história, sempre terminavam com uma gargalhada ao lembrar do ladrão mais azarado que Valverde já conhecera. 

Carlos, por sua vez, aprendeu da maneira mais difícil que, às vezes, é melhor deixar o crime para os filmes. E que, definitivamente, um dia de azar é melhor ser passado de pijama em casa.
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Fontes:
José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Vereda da Poesia = Wanda de Paula Mourthé



Contos das Mil e Uma Noites (Convite à paz universal)

Conta-se que um xeque venerável possuía uma bela criação de aves domésticas que produziam ovos e frangos grandes e apetitosos. Ora, naquela capoeira havia um grande e maravilhoso galo, de voz ressonante e plumagem vistosa que, além dos seus distintivos físicos, era dotado de sabedoria e sagacidade e conhecia as zonas sombrias do coração. Sabia também ser justo e atencioso para com suas esposas e evitar provocar nelas ciúmes e ressentimentos. Era citado como modelo em tudo, e seu dono chamava-o Voz-da-Aurora. 

Certo dia, Voz-da-Aurora saiu a descobrir as terras que se estendiam para além da capoeira. Encantado com o que via, foi picando os grãos de trigo ou cevada ou milho que encontrava pelo caminho até que, levado mais longe do que planejara, achou-se num sítio selvagem que nunca visitara e onde tudo lhe parecia estranho e hostil. 

Começou a preocupar-se e soltou alguns gritos ansiosos. Enquanto procurava o caminho da volta, viu uma raposa correndo na sua direção. Temendo por sua vida, voltou as costas e voou com toda a força de suas asas até o alto de um muro em ruínas onde a raposa não era capaz de atingi-lo. 

A raposa chegou ao pé do muro e, vendo que lhe era impossível subir até o galo, levantou a cabeça para ele e disse-lhe: “A paz esteja contigo, ó figura de bom augúrio, ó meu irmão, ó companheiro encantador.” 

Mas Voz-da-Aurora não respondeu à saudação nem olhou na direção da raposa. A raposa não desanimou e disse-lhe: “Ó meu prezado e bonito amigo, por que não olhas para mim nem me saúdas quando te trago notícias maravilhosas?” 

O galo permaneceu calado e inamistoso. 

A raposa tornou: “Ó meu irmão, se soubesses de que boa notícia encarregaram-me de te trazer, descerias imediatamente para me abraçar e beijar-me na boca.” 

Mas o galo permaneceu indiferente, e fixava ao longe seus olhos redondos. 

- Fica sabendo, meu irmão, disse de novo a raposa, que nosso senhor leão, sultão dos animais, e nossa senhora águia, sultana das aves, acabam de reunir uma assembleia no meio de um prado cheio de flores e de córregos, com a participação de todos os animais da Criação, tigres, hienas, leopardos, linces, panteras, chacais, antílopes, lobos, carneiros, rolas, codornizes e demais aves e animais. Nessa assembleia, decretaram que, de hoje em diante, a segurança, a fraternidade e a paz reinarão em toda a extensão da terra habitada; que laços de afeto mútuo e de simpatia ligarão todas as aves e todos os animais domésticos e selvagens, sepultando-se para sempre os antagonismos e ódios raciais. Também proclamaram que fosse quem fosse que não aplicasse essas novas normas seria levado diante deles para ser sumariamente julgado e condenado. Ademais, designaram-me seu único representante para divulgar essas decisões em toda parte e para levar até eles quem estiver desobedecendo às citadas determinações. É por isso, deleitável irmão, que me vês aqui a oferecer-te minha amizade e as relações mais fraternas.” 

Mas o galo parecia nem ouvir nem se interessar.

A raposa, sentindo já a carne tenra da ave sob os dentes, insistiu: 

“Meu irmão, não te dignas nem lançar um olhar sobre a representante de nossos senhores o leão e a águia? Devo lembrar-te que, se permaneceres nesse mutismo, terei que comunicar tua conduta ao conselho da assembleia. E receio que sejas então condenado à morte, pois nossos amos estão determinados a concretizar a paz universal, mesmo que tenham que destruir, a serviço desse nobre ideal, a metade das aves e dos animais.” 

O galo, que se tinha mantido numa altiva indiferença, esticou o pescoço e virou-o um pouco para que ele e a raposa pudessem ver-se diretamente e disse: “Ao contrário, minha irmã, ouvi tuas palavras com toda a atenção, e inclino-me diante de tua qualidade de mensageira e comissária de nossa ama a águia. Meu silêncio não era rebelião, mas a necessidade de fixar a atenção numa coisa que vejo por além desta planície e que me preocupa.” 

- E o que vês ao longe? exclamou a raposa. Espero que não seja nada calamitoso. 

O galo esticou o pescoço um pouco mais e disse: “Minha irmã, como não percebes o que vejo, quando Alá te concedeu a graça desses olhos penetrantes?” 

- Mas enfim, dize o que vês. Tua posição nesse muro te permite ver o que não vejo daqui. 

O galo Voz-da-Aurora respondeu: “Em verdade, vejo um bando de falcões correndo para cá. E vejo qualquer coisa que anda com quatro patas, de pernas altas, de feitio longo e delgado, de cabeça fina e pontiaguda e de orelhas longas. 

- Será um cão lebréu? perguntou a raposa, tremendo dos pés à cabeça. 

- Não sei se é um cão lebréu, mas é certamente um cão audacioso. 

Ao ouvir estas palavras, a raposa exclamou: “Vejo-me na obrigação de despedir-me de ti, ó meu irmão.” 

E voltou as costas e desatou a correr. 

- Espera, espera, minha irmã, espera por mim, gritou o galo. Eu desço. 

- É que tu não sabes, mas eu tenho uma grande antipatia pelo cão lebréu que não é meu amigo nem pessoa de minhas relações

- Mas não me disseste que vinhas proclamar o decreto da paz e da amizade entre todos os animais domésticos e selvagens? 

- Sim, é verdade, mas esse cão faltou ao nosso congresso e receio que não tenha sido informado das decisões tomadas e prossiga na sua inimizade contra mim. Que Alá te proteja até minha volta. 

Tendo assim falado, a raposa desapareceu ao longe. E o galo, que escapou da morte graças a sua finura e sagacidade, voltou feliz para sua capoeira e contou às aves sua aventura. As galinhas se regozijaram, e os galos celebraram sua vitória com um canto sonoro.
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As Mil e Uma Noites é uma coleção de histórias e contos populares originárias do Médio Oriente e do sul da Ásia e compiladas em língua árabe a partir do século IX. As histórias que compõem as Mil e uma noites têm várias origens, incluindo o folclore indiano, persa e árabe. Não existe versão definitiva da obra, uma vez que os antigos manuscritos árabes diferem no número e no conjunto de contos. O Imperador brasileiro Dom Pedro II foi o primeiro a traduzir diretamente do árabe para o português partes da obra mais conhecida da literatura árabe, e o fez com um rigor raro para a época. Já em idade avançada, aos 62 anos, ele começou o processo, o último registro de texto traduzido é de novembro de 1891, um mês antes de sua morte.

O que é invariável nas distintas versões é que os contos estão organizados como série de histórias em cadeia narrados por Xerazade, esposa do rei Xariar. Este rei, louco por haver sido traído por sua primeira esposa, desposa uma noiva diferente todas as noites, mandando matá-las na manhã seguinte. Xerazade consegue escapar a esse destino contando histórias maravilhosas sobre diversos temas que captam a curiosidade do rei. Ao amanhecer, Xerazade interrompe cada conto para continuá-lo na noite seguinte, o que a mantém viva ao longo de várias noites - as mil e uma do título - ao fim das quais o rei já se arrependeu de seu comportamento e desistiu de executá-la.

Fontes:
As Mil e uma noites. (tradução de Mansour Chalita). Publicadas originalmente desde o século IX. Disponível em Domínio Público
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Chato de galocha”

É o famigerado “mala sem alça”, “dose pra elefante”, “dose pra cavalo”, que não tem “simancol”, termo popular utilizado quando alguém não se toca, não se manca, não percebe que está sendo impertinente, inconveniente, sem senso se oportunidade, de comportamento social desagradável, que se insinua sem ser chamado, é repetitivo, insiste em assuntos desinteressantes ou que só a ele interessam e por isso todo mundo dele quer distância.

O pior é que esse tipo de pessoa, independentemente do nível de escolaridade, nem se dá conta de quão inconveniente é. Os “CHATOS DE GALOCHA” tem um status mais elevado na escala mundial da chatice, formam uma categoria especial, pois de tão inoportunos, conseguem chatear o chato, dizem anedoticamente que chegam a dar dor de dente em serrote.

Quanto à origem da expressão, acredita-se que ela tenha surgido em meados da década de 50, quando o uso de galochas era um costume típico entre homens e mulheres. Galochas são botas usadas para proteger os pés do contato com a água, preservando-os da umidade, principalmente durante o inverno, onde prevalecem ambientes alagados e de muita lama. São feitas de material muito resistente, normalmente de borracha sintética e são calçadas por cima dos sapatos normais, servindo-lhes de proteção e mantendo os pés aquecidos.

A expressão se firmou porque, durante o período invernoso, antigamente o indigesto cidadão calçava suas galochas e entrava na residência de pessoas conhecidas, emporcalhando a casa do anfitrião, que naturalmente achava aquilo um despautério, porém ficava inibido de esboçar qualquer reclamação, em razão do vínculo de amizade, compadrio, vizinhança, relação de negócios ou de parentesco que geralmente existia entre a vítima e o chato. Quando finalmente iam embora, seguia-se a faina da família para a limpeza, não sem muitos impropérios contra o abominável visitante.

Atualmente, a expressão continua sendo usada para descrever pessoas com especial talento para aporrinhar a paciência alheia, encher o saco, mesmo que hoje não mais usem galochas, cada vez mais raras de serem vistas, por terem caído em franco desuso, sendo substituídas pela bota de plástico em PVC, largamente utilizada nas obras da construção civil, postos de gasolina, lojas de autopeças, agroindústrias, atividades agrícolas, pesca, etc. 

É muito difícil para alguém nunca ter encontrado esse tipo irritante de pessoa ou dela ter sido eventual vítima predileta. Em qualquer situação, “CHATO DE GALOCHA” é uma expressão idiomática muito usada entre os brasileiros para descrever uma pessoa inconveniente, irritante, pegajosa e que se comporta de forma inapropriada, constrangendo os demais presentes ou convidados.

Ouve-se, comumente desabafos do tipo: “fulano é um chato de galochas, não deixa ninguém falar”. Ou, “o meu dia até que estava ótimo até aquele chato de galochas infelizmente aparecer”. E ainda situações marcadas pelo radicalismo: “eu não vou sair com vocês hoje, porque o sicrano vai e ele é um chato de galochas, vai estragar a nossa noite”.

A verdade é que gente chata costuma ter algumas características em comum, por isso são facilmente identificáveis e a partir daí, abertamente evitadas. São polêmicas, raivosas, reclamam de tudo, insistentes, rudes, manipuladoras, sarcásticas, rancorosas e parecem padecer de uma deficiência que se torna o denominador comum entre todas elas: – nunca percebem que são chatas. 

Um traço importante da personalidade desses indivíduos é que eles costumam discordar de tudo, não possuem sendo de humor, são mesmo “do contra”. É evidente que a percepção da chatice tem nítidas consequências sociais, afetando a cordialidade que as pessoas devem merecer em circunstâncias normais de convívio social e de relações interpessoais. 

Conta-se que um conhecido e notório “CHATO DE GALOCHA” de uma pequena cidade ribeirinha, daqueles que entra numa conversa para ter o prazer de discordar e ser contrário à opinião da maioria, ao fazer a travessia de barco para a margem oposta enfrentou uma ventania, naufragou e pereceu afogado.

Vários dias foram gastos pelas equipes de resgate, que vasculharam rio abaixo atrás do corpo e nada encontraram. Até que alguém lembrou que ele passara a vida sendo contra tudo, mesmo aquelas iniciativas mais louváveis dos amigos eram por ele contestadas. E a partir desse “estalo” passaram a procurar o corpo do náufrago rio acima, onde ele finalmente foi encontrado. Ou seja, fiel à sua própria chatice, até depois de morto seu corpo deslocou-se contra a correnteza...  
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Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras, em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

Fontes:
Enviado pelo autor
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quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Edy Soares (Fragata da Poesia) 71

Fonte: Edy Soares. Sonetos sonantes. Vitória/ES: Aquarius, 2024. Livro enviado pelo poeta.  
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Edy Soares (Edmardo Lourenço Rodrigues), nasceu na cidade de Ibatiba/ES, em 1964. Filho de pais agricultores. Viveu nos Estados Unidos entre 1991 e 2006. Regressando ao Brasil dedicou-se, além do seu trabalho de rotina, ao seu acervo de poemas e composições de canções. Classificado em vários concursos literários, nacionais e internacionais, de Sonetos, trovas e outros gêneros, identifica-se principalmente como sonetista clássico e trovador. Participação em várias feiras literárias e na Bienal Capixaba do Livro. Empresário no ramo hoteleiro, com o Fragata Hotel, em Guarapari/ES. Reside em Vila Velha/ES. Membro fundador da Academia Brasileira de Sonetistas (ABRASSO), Academia Pan-Americana de Letras e Artes (APALA), Academia Ibatibense de Letras e Artes, Confraria Brasileira de Letras, entre outros. Livros publicados: “Poemas Canções e Sonetos”, “Flores no Deserto”,  “Sonetos Sonantes”, co-autor do livro “Três em Trovas”.

Silmar Bohrer (Croniquinha) 127

É certo que a poesia e a musicalidade permeiam, volitam e persuadem pessoas com seus eflúvios e sonoridades . Poemas e letras de músicas põem corações a recordar e vibrar. 
    
Mais do que verdadeiro que o  Brasil é um ninho imenso de musicalidade associada com poesia, e então temos os nacos, lampejos, pedacinhos que são verdadeiros quase-poemas das músicas do sul da pátria.  Fragmentos  preciosos.  Como estes :

Sem ternura as almas morrem de fome.
Linda vertente das minhas lembranças.
A solidão é uma tapera.
Sina estradeira  faz trocar de rincão.
Na alma do poeta uma rima sonolenta. 

Tristezas são sementes não nascidas.
A constância inconstante das estradas.
O rancho pariu silêncios.
Sou um cais navegando a procurar teu navio.
Lembranças castigam como açoite. 

Dois olhos de coruja num castiçal de moirão.
Há um ar de brisa cálida no teu rosto.
Lembranças de um tempo de adoça a alma.
Sinto teu cheiro na baeta do meu corpo.
O que restou foi sonho e o rancho vazio.
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Silmar Bohrer nasceu em Canela/RS em 1950, com sete anos foi para em Porto União-SC, com vinte anos, fixou-se em Caçador/SC. Aposentado da Caixa Econômica Federal há quinze anos, segue a missão do seu escrever, incentivando a leitura e a escrita em escolas, como também palestras em locais com envolvimento cultural. Criou o MAC - Movimento de Ação Cultural no oeste catarinense, movimentando autores de várias cidades como palestrantes e outras atividades culturais. Fundou a ACLA-Academia Caçadorense de Letras e Artes. Membro da Confraria dos Escritores de Joinville e Confraria Brasileira de Letras. Editou os livros: Vitrais Interiores  (1999); Gamela de Versos (2004); Lampejos (2004); Mais Lampejos (2011); Sonetos (2006) e Trovas (2007).

Fontes: 
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

José Feldman (A História de uma Cadela)

Olá, humanos! Meu nome é Laila, e sou uma cadela que tem muito a contar. Minha vida começou em uma manhã ensolarada, mas, como vocês sabem, nem sempre o sol brilha para todos. Eu nasci em uma caixa de papelão, em um canto esquecido de uma rua movimentada. Minha mãe, uma cadela corajosa, tentou me proteger, mas o mundo lá fora era difícil, e logo ela se foi nem sei porquê, deixando eu e meus irmãos sozinhos.

Os primeiros dias da minha vida foram cheios de barulhos estranhos e cheiros intensos. Havia pessoas passando, mas ninguém parecia notar a gente. Eu e meus irmãos nos aconchegávamos juntos, tentando manter o calor e a esperança. Mas, ao longo do tempo, um a um, eles foram desaparecendo. O medo e a solidão começaram a ser meus companheiros.

Eu ainda me lembro do dia em que a caixa foi descoberta. Um grupo de crianças a abriu, e eu, com meu pequeno corpo trêmulo, tentei abanar o rabo. 

“Olha! Um filhote!” gritou uma delas. 

Mas logo as risadas se transformaram em gritos de desespero. As crianças começaram a chorar quando perceberam que não podíamos ficar. E assim, eu fui deixada para trás, sozinha novamente.

A vida na rua era dura. Eu procurava comida entre os restos dos lanches e tentava me esconder do frio à noite. Aprendi a evitar os humanos que passavam apressados, e a me manter distante dos carros que zuniam. A cada dia, eu me tornava mais cautelosa, mas a esperança de um lar nunca me abandonou. Sonhava com um lugar quentinho, onde pudesse dormir em paz.

Certa vez, enquanto procurava comida, conheci outros cães. Eles eram mais velhos e tinham histórias próprias. Um deles, um vira-lata chamado Rufus, me ensinou a caçar migalhas e a encontrar abrigo. 

“Você precisa ter cuidado”, dizia ele, com seu olhar sábio. “A vida na rua pode ser cruel, mas somos sobreviventes.”

Foi em um dia qualquer, em que o sol brilhava intensamente, que tudo mudou. Eu estava encolhida em um canto, quando um homem apareceu. Ele não parecia apressado como os outros. Ele tinha uma expressão gentil e um olhar que transmitia calma. Quando se aproximou, meu coração disparou. 

“Oi, pequena”, disse ele, agachando-se. “Você está sozinha?”

Naquele momento, algo dentro de mim despertou. Eu sabia que ele era diferente. Ele me ofereceu um pedaço de pão e, com a barriga roncando, não consegui resistir. Depois de comer, eu me aproximei dele, hesitante, mas ele estendeu a mão e acariciou minha orelha. Era o toque mais suave que eu já havia sentido.

Ele decidiu me levar para casa. O caminho foi uma mistura de emoções: medo, alegria e incredulidade. Quando cheguei ao seu apartamento, percebi que era um lugar acolhedor, cheio de cheiros que pareciam prometer conforto. Ele me deu um nome: Laila, e desde então, minha vida começou a mudar.

Nos primeiros dias, eu era tímida e desconfiada. Mas ele, com muita paciência, foi me mostrando que eu estava a salvo. Ele me chamava de “irmã”, e isso fez meu coração se aquecer. “Você é parte da minha família agora”, dizia ele, enquanto me oferecia carinho e um cobertor quentinho para dormir.

Os dias se passaram, e eu fui descobrindo o que era ser amada. Ele me levava para passear no parque, onde eu corria livre, sentindo a grama fresca sob minhas patas. O cheiro das flores e o canto dos pássaros eram um verdadeiro banquete para os sentidos. Eu nunca havia experimentado tanta alegria.

Ele sempre falava comigo, contando suas histórias, e eu me sentia como se estivesse entendendo tudo. “Hoje, irmã, vamos fazer um piquenique!”, ele dizia, e eu pulava de felicidade. Eu adorava quando ele preparava sanduíches e levava biscoitos para mim.

Às vezes, enquanto observava os outros cães brincando, eu me lembrava da vida na rua. O medo, a solidão e o desamparo. Mas agora, eu tinha um lar, e isso me fazia sentir que tudo tinha valido a pena. Cada dificuldade que enfrentei me trouxe até ele, e eu não trocaria isso por nada.

“Você sabe, Laila”, ele dizia em um tom contemplativo, “a vida é cheia de altos e baixos, mas sempre devemos olhar para frente.” 

E eu, com a cabeça apoiada nas pernas dele, sentia que, ao seu lado, eu poderia enfrentar qualquer coisa.

Hoje, continuo a viver com meu humano, que se tornou meu melhor amigo e protetor. Ele cuida de mim com tanto amor, e eu retribuo com minha lealdade e carinho. Juntos, exploramos novos lugares, vivemos aventuras e criamos memórias que ficarão para sempre em nossos corações.

A cada dia, agradeço por ter encontrado um lar e uma família. A vida pode ser cheia de surpresas, e a minha, que começou com abandono, agora é uma história de amor e superação. 

Eu sou Laila, a cadela que encontrou seu lugar no mundo, e sempre vou lembrar que, por mais difícil que seja a jornada, o amor pode transformar tudo.
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Fontes:
 José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Vereda da Poesia = A. A. DE ASSIS



Nilto Maciel (O Sonho do Meliante Guimarães)

Acordo sempre suado, o coração fogoso, gritando pela mulher, como se ela pudesse me acudir e evitar minha queda. Ela se revira, me chama de danado, foge de minhas mãos trêmulas, pula da cama, acende a luz, chora e berra. É sempre madrugada, tem chovido fininho e faz um frio bom para se dormir.

– Como foi o sonho? Você sonhou comigo, Guimarães?

Perco o medo, sento-me, olho para aquela mulher comum e enjoada, e conto tintim por tintim o sonho.

Da primeira vez fiz um barulho medonho. Gritei feito um doido e ela só começou a entender o desastre depois que me viu estatelado no chão.

– Caiu da cama?

Nunca fui besta para dormir junto ao penico. E por que caí? Ela era burra, uma pedra. Ainda tive coragem de medir as frases, escolher as palavras, essa mania de querer ser mais inteligente do que ela, humilhá-la, deixá-la de queixo caído, fazendo perguntas.

Muito alto, quase os píncaros do céu. Meus cabelos se confundiam com as nuvens e as fumaças das fábricas. De repente, anoiteceu e meus olhos brilharam como estrelas e em minha boca despontou uma lua negra e do fundo da goela saltou uma labareda, que só faltava queimar o caixão onde você dormia desgrenhada. Besteira sua, pois a subida era íngreme e por pouco a cama não despencou lá de cima com você e tudo, apesar de minhas patas peludas se agarrarem aos buraquinhos da parede. Embaixo, multidões berravam e erguiam os braços, à moda muçulmana, como querendo nos aparar. Eu não entendia tanto delírio e ora chamava aquela malta de fascistas, ora me apiedava deles, crente de que nos invejavam, impossibilitados de deixar o chão.

Não sei mais direito a ideologia da história, mas posso ainda engendrá-la à custa de uns apontamentos feitos horas após o sonho. Além disso, no momento em que o narrava à mulher, perdi o fio da meada e, para não demonstrar incapacidade, inventei outros enredos. Eu era uma enorme aranha que carregava às costas um caixão e dentro dele a mulher nua e dormida, fugia de uma catástrofe, os prédios ruíam, o povo arribava para as montanhas e, ao ver a aranha abalando no rumo dos cimos gelados, além de onde voavam as espaçonaves, punha-se a jogar grandes anzóis para o alto, picaretas que feriam o calcário, na tentativa de salvação. No entanto, a pedra poucas vezes agarrava a isca, e a maioria daquele povo desesperado deixava de lançar seus instrumentos, embora continuasse a olhar na direção do inseto, a erguer os braços e a blasfemar, rogando a Deus que escorregássemos e caíssemos em seus tentáculos. Queriam meu sacrifício, para depois me sepultar aos pés da parede.

Na segunda noite, o sonho se encheu de detalhes e simbologias. Eu via a aranha escalando o muro e ao mesmo tempo eu era o bicho.

– Homem-aranha – arengou a mulher.

– Muito horrível, você entende?

Ela não entendia. Apenas me achava para lá de doente, mais feio, sujo e cabeludo.

– Essa sua barba suja de baba vai me emporcalhar toda.

Eu pedia: traga o médico, e ela me falava de dificuldades. Onde iria procurá-lo? Melhor irmos os dois aos hospitais, às clínicas, aos apartamentos, aos clubes, aos estádios, às ruas. Impossível achá-lo por acaso. Ao me virem naquele estado, os moleques iriam me atirar pedras, laranjas podres, ovos de galinha. No tumulto, a polícia terminaria me levando preso, me espancando, talvez me assassinando.

Passava os dias enfurnado em casa, procurando aranhas pelos quatro cantos, para matá-las e queimá-las com cigarro aceso.

Agravava-se meu estado e terminei procurando o psiquiatra. Toquei com as pontas dos dedos peludos a maciez do divã e me arrepiei. Melhor ficar de pé.

– Aranha não se senta em divã, doutor.

Fez-me contar um a um os sonhos. Queria tudo detalhado, límpido. E tomava notas com a mãozinha vermelha. Ao final, achou-me perfeitamente são, normal, pronto para voltar ao trabalho e ao convívio social.

– Eu mesmo sonho sempre fazendo amor com uma egípcia, no alto da Torre Eiffel.

Procurei um padre. Só não suportava ouvir histórias bíblicas. Ele sorriu, benzeu-se e quis me tocar. Tive medo e me afastei.

– Qual é o seu pecado, filho?

Fez-me perguntas e mais perguntas. O que eu sonhava, se eram imoralidades, se com outra mulher ou algum homem. Perdoava-me, se reconhecesse que o muro alcançava a Casa Eterna.

Não sei quem deu início ao processo. A prisão será o pior, porque estarei sonhando perpetuamente. Melhor a pena de morte. Assim, não mais sonharei, nem chegarei ao fim da escalada.

– Punição para o meliante Guimarães – estão gritando.
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NILTO MACIEL nasceu em Baturité/CE em 1945. Formou-se na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Em parceria com outros escritores, no ano de 1976 criou a revista Saco. Transferiu-se no ano seguinte para Brasília, trabalhando na Câmara dos Deputados, Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Justiça do DF. Em 2002 foi para Fortaleza/CE onde residiu até a sua morte em 2014. Venceu inúmeros concursos literários, e escreveu diversos livros, tendo contos e poemas publicados em esperanto, espanhol, italiano e francês. Além de contos e romances publicados, também Panorama do Conto Cearense, Contistas do Ceará, Literatura Fantástica no Brasil. Alguns livros publicados: Contos Reunidos vol. I, são os 66 contos escritos por Nilto em seus livros Itinerário (1974 a 1990), Tempos de Mula Preta (1981 a 2000) e Punhalzinho cravado de ódio (1986). O volume II conta com 122 contos dos livros As Insolentes patas do cão (1991), Babel (1997) e Pescoço de Girafa na Poeira (1999). 
“Nilto possui esta capacidade de fazer com que nossas almas percorram desde um estado de profunda tristeza ao de êxtase. Não é apenas um escritor, são muitos escritores dentro de um só. A cada conto terminado, aflora o anseio pelo próximo. Aonde Nilto nos conduzirá agora? Cada conto é um conto, que faz com que nossa imaginação nos leve às vezes a adentrar dentro dele e participar, deixando que nos levemos pelo seu encanto, pela sua linguagem simples e deliciosa.” (José Feldman, em Nilto Maciel, o mago das almas, 18/12/2010)

Fontes:
Nilto Maciel. Punhalzinho Cravado de Ódio, contos. Secretaria da Cultura do Ceará, 1986.
Enviado pelo autor.
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Aparecido Raimundo de Souza (Cardápio difícil)

NA LANCHONETE a garota pede a lista com a relação das guloseimas disponíveis para serem oferecidas aos clientes. A garçonete imediatamente a atende com um sorriso largo no rosto de princesa:

— Boa noite. Seja bem-vinda. — O que vai ser?

— Antes, me responda algumas perguntas. 

— Pois não. 

— O que vem no hambúrguer simples?

— A garçonete mostra o cardápio sobre a mesa. 

— Veja aqui. Leia junto comigo. No hambúrguer simples: pão, duas carnes, alface, tomate, batata palha e molho... 

— Legal. E no cachorro quente na chapa?

— Pão, salsicha, queijo, milho, batata palha e molho...

— Sério?

A garota não parece satisfeita. Insiste:

— E na porção de batatas fritas vem alguma coisa?

— Sim.

— E no filé mignon? 

— Nesse filé mignon vem cebola, pimentão, farofa e se a senhorita quiser podemos acrescentar tomates.

— Cá entre nós. É filé mignon mesmo?

— Pode ter certeza. Fazemos com todo gosto e carinho.

— Tem certeza de que não é carne de segunda?

— De forma alguma.

— Nem de lombo de cavalo?

— Senhorita, nossa lanchonete é honesta e séria.

— Acredito.

— Então, o que vai ser?

— Sem querer ser desagradável. E a omelete de frango?

— O que tem minha jovem?

— É de frango mesmo?

— Claro.

— E o frango é novo ou velho?

A garçonete ri, embora por dentro esteja com vontade de explodir e mandar a cliente para o raio que a parta: 

— Novo. Nossos frangos são de primeira. Saem direto da granja do meu patrão. Então, posso fazer o pedido?

— Pode.

— E o que vai ser?

— Me traga um copo vazio e um palito...

— Fala sério, moça. Tenho outros clientes para atender...

— Ok. Me prepara um cachorro quente simples, com duas salsichas.

Vinte minutos depois o lanche chega no capricho. 

— Aqui, senhorita. Bebe alguma coisa?

— Sim. 

— E o que você tem geladinho?

— Todos os refrigerantes que imaginar. 

— Você tem Coca ou guaraná? 

— Sim. 

— Tem aquela coca sem açúcar?

— Claro. Posso lhe trazer uma?

— Tem cerveja? 

— Da marca que escolher.

— Não, agradeço. Eu não bebo. 

— E o que vai querer para acompanhar seu cachorro quente?

— Como você me atendeu bem, deixo a seu critério. 

— Iria sugerir um guaraná.

— Não.

— Suco. Temos suco.

— De quê? 

— Manga, uva, laranja, abacate, melancia, limão...

—Tem de graviola?

—Também... posso mandar vir o de graviola?

— Calma. Estou pensando... 

A pior parte foi terrível.  Final de alguns minutos, a inoportuna, no maior deboche, se abre numa cara de poucos amigos e manda bala:

— Olha, minha fofa. Me traga urgente um copo de água natural sem açúcar. Água natural, em garrafa. Por favor, não é da torneira. E com muito gelo. Estou faminta e seca de sede.
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Aos doze anos, deu vida ao livro “O menino de Andirá,” onde contava a sua vida desde os primórdios de seu nascimento, o qual nunca chegou a ser publicado. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.

Fontes:
Texto enviado pelo autor.
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terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Jerson Brito (Asas da poesia) 07

  
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Jerson Lima de Brito, nasceu em Porto Velho/RO, em 1973, onde reside. Graduado em Administração e Direito pela Fundação Universidade Federal de Rondônia. Sonetista, trovador e cordelista, é membro fundador da Academia Brasileira de Sonetistas (Abrasso), integrante do Fórum do Soneto e Delegado da União Brasileira de Trovadores (UBT) em Porto Velho. Exerce o cargo de Técnico Federal de Controle Externo na SECEX-RO, tendo participado de algumas Mostras de Talentos do TCU. Neto de nordestinos, na infância teve os primeiros contatos com os versos, lendo os folhetos de cordel que seu pai comprava. Já na fase adulta, depois dos 30 anos, deu os primeiros passos na literatura escrevendo sobretudo cordéis. Posteriormente, aderiu aos sonetos e outras modalidades poéticas. Premiado em diversos concursos de trovas, sonetos e cordéis.

José Feldman (Trovas & Textos) Mais um adeus

Texto construído tendo por base a trova de Eliana Palma (Maringá/PR)

Adeus com dores combina,
adeus inspira piedade.
Adeus de amor, triste sina
de quem vive de saudade!

O sol estava se pondo em Maringá, tingindo o céu de laranja e rosa, como se o próprio dia estivesse se despindo para dar lugar à noite. As ruas começavam a se esvaziar, e o movimento frenético do centro da cidade diminuía, dando espaço a um silêncio que parecia carregar a melancolia de tantos “adeus” que haviam sido ditos ao longo dos anos. Em cada esquina, um pedaço de história, um resquício de amor ou amizade, ecoava na memória dos que por ali passavam.

Naquela tarde, Maria, uma jovem de cabelos cacheados e olhos brilhantes, caminhava pela Avenida XV de Novembro. Seu coração pulsava descompassado. Ela sabia que estava prestes a se despedir de Humberto, seu primeiro amor, que decidira se mudar para outra cidade em busca de novas oportunidades. O anúncio da partida havia caído sobre ela como uma tempestade de verão: repentino e avassalador.

"Quando você vai embora mesmo?", ela perguntou, tentando esconder a tristeza na voz. Humberto, com um sorriso nostálgico, respondeu que partiria na manhã seguinte. O que era uma nova chance para ele, tornava-se um abismo para ela. O amor, que havia sido uma doce melodia, agora era um lamento que ecoava pelas ruas de Maringá.

Enquanto Maria caminhava, lembranças dançavam em sua mente. O primeiro encontro no Parque do Ingá, com suas árvores majestosas e o perfume das flores. As tardes passadas em um banco à sombra, onde eles trocavam promessas e risadas, como se o mundo ao redor não existisse. E agora, todas aquelas memórias pareciam pesadas, como se cada risada carregasse um peso insuportável.

O "adeus" que se aproximava era uma verdadeira sina. Maria sentia o coração apertar ao pensar nas despedidas que já havia vivido — a partida do pai para o exterior, a saída da melhor amiga que se mudara para a capital, as idas e vindas da vida. Cada adeus trazia consigo um rastro de saudade, e ela se perguntava se um dia aprenderia a lidar com isso.

Na esquina da Avenida XV com a Avenida São Paulo, um grupo de amigos se despedia. Riam e se abraçavam, mas Maria percebia que, por trás das risadas, havia um fundo de tristeza. O “adeus” sempre vinha acompanhado de uma sombra. "Adeus com dores combina, adeus inspira piedade", pensou. As despedidas em Maringá eram como melodias que se repetiam, sempre com a mesma harmonia triste.

Com o coração pesado, ela decidiu encontrar Humberto uma última vez. Dirigiu-se ao café onde costumavam ir, um pequeno lugar aconchegante, com mesas de madeira e um cheiro inconfundível de café fresco. Ao entrar, avistou Humberto na mesa do canto, olhando pela janela. Ele parecia distante, perdido em pensamentos, e Maria percebeu que ele também estava sentindo o peso da partida.

— Oi, você veio! — Ele sorriu, mas a alegria não alcançou seus olhos.

— Precisamos conversar — disse Maria, sentando-se à sua frente. 

O clima estava carregado, e as palavras pareciam não querer sair. O garçom trouxe os pedidos, mas o café esfriou enquanto eles trocavam olhares que falavam mais do que mil palavras.

— Eu não sei como vou lidar com isso — ela finalmente desabafou. — Vai ser tão difícil te ver partir.

— Eu também não sei, Maria. É como se estivéssemos vivendo um sonho e agora temos que acordar. — ele hesitou. — Mas isso não significa que o que tivemos não foi real.

A conversa fluiu entre risos nervosos, lembranças e promessas de que tudo ficaria bem. Mas, no fundo, ambos sabiam que a vida os levaria por caminhos diferentes. O café esvaziou-se em suas xícaras enquanto as horas passavam, e o sol começava a se esconder, deixando uma sombra sobre a cidade.

Quando finalmente se levantaram para sair, Maria sentiu que aquele momento se tornaria mais uma memória, mais um “adeus” a ser guardado na caixa de saudades. Eles caminharam lado a lado, sem saber se deveriam se abraçar ou apenas se despedir com um aceno. O medo da dor os impedia de se aproximar.

Na porta do café, Humberto parou e, em um gesto inesperado, puxou Maria para perto. O abraço foi apertado, cheio de sentimentos não ditos. Era um “adeus” que transbordava dor, mas também gratidão. Um “adeus” que, mesmo triste, celebrava o que haviam vivido juntos.

— Adeus, Maria. Cuide-se! — ele disse, com a voz embargada.

— Adeus. E não se esqueça de mim — respondeu ela, enquanto as lágrimas escorriam pelo rosto. 

O “adeus” ecoou, pesado e doce como um canto de despedida, deixando no ar a promessa de que, apesar da distância, as memórias permaneceriam.

Enquanto ele se afastava, Maria ficou ali, observando o homem que um dia fora seu amor. O céu estava agora escuro, e as luzes da cidade começavam a brilhar. Em cada ponto luminoso, ela via uma lembrança, uma risada, um abraço.

E, assim, em Maringá, onde os adeus são sempre acompanhados de saudade, Maria aprendeu que a vida segue, mesmo entre dores e despedidas. O amor se transforma, mas nunca desaparece completamente. E, ao final, cada “adeus” traz consigo a semente de um novo “olá”, mesmo que, por ora, a saudade seja a única companhia.
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Fontes:
 José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

José Deolindo Albuquerque da Silva “Caiçara” (A Lenda do Sol e da Lua)

Certa vez, há muito tempo atrás, num lugar muito distante onde só havia os verdadeiros brasileiros habitando o Brasil, e ali por muito tempo permaneceram até que com a colonização apareceram os homens brancos, que a todo custo queriam dominar as riquezas do país e, sem escrúpulos, iam se embrenhando e dominando os habitantes que ali viviam.

Chegando nesse lugar, que vou chamar de lugar desconhecido, e que era habitado por muitas tribos o homem branco, que se dizia civilizado, começou o conflito com as tribos que sempre  habitaram naquele lindo lugar, preservando a natureza, os animais, os pássaros, os peixes, as caças, os minerais, enfim, preservando tudo que Deus havia lhes deixado. Mas o homem branco, sem escrúpulos, começou a destruir as árvores, a tirar os minérios, a depredar os rios e igarapés, afugentando e matando a caça e o peixe que era a fonte de sobrevivência dos índios. Então, o tuxaua da tribo Pauxis muito triste com aquela situação, chamou dois habitantes da tribo que eram um menino e uma menina e lhes deu uma missão dizendo: “Olhem meus dois jovens, vocês estão vendo a situação em que estamos vivendo. O homem branco destruindo o nosso habitat desordenadamente, e nós que, por todos esses anos, vínhamos a preservar. Pois bem, o que lhes devo dizer, é que nós aqui ficaremos e lutaremos pelo que é nosso, mas não sabemos o que pode acontecer, por isso a missão que lhes confio é bastante difícil, mas não impossível de realizar. Eu quero que vocês saiam daqui e escolham um lugar, não importa a distância, mas quero que sigam o nosso lema. Esse lugar tem que ser preservado a todo custo, pois só assim vocês estarão cumprindo a missão que lhes confio.”

Então, os dois jovens Pauxis despediram-se do tuxaua, prometendo a ele que fariam tudo para cumprir com o que lhes era determinado, e saíram em sua canoa rio abaixo, rio acima, e, durante muitas luas, seguiram em busca desse lugar tão sonhado e sempre cantando assim:

Trá-lá-lá-lá-lá-lá-lá vamos juntos viajar;
Rumo à terra prometida, onde tem muita beleza;
Onde a preservação, nós iremos encontrar;
Onde o lema é plantar e cuidar da natureza;
Onde o Uirapuru encanta, onde canta o sabiá;
Trá-lá-lá-lá-lá-lá-lá.

Em uma bela manhã, quando eles seguiam em um lindo rio, hoje denominado Rio Amazonas, ficaram deslumbrados com um dos mais belos amanheceres de suas vidas! O sol vinha raiando por de trás de uma montanha, e seus raios dourados refletiam um brilho encantador, os dois olharam-se  e falaram: - Ali está a terra prometida o lugar que iremos zelar e ficar eternamente.

A montanha que eles avistaram hoje é chamada de Serra da Escama. E ao chegarem mais próximos, depararam também com um maravilhoso lago onde encontraram muitos peixes e pássaros das mais variadas espécies, onde havia  com abundância a vitória-régia, o murerú, os belos anhingais, enfim; tudo o que eles precisavam para sobreviver. Esse lago recebeu o nome de lago Pauxis em homenagem aos primeiros habitantes deste lugar, que aqui formaram família e povoaram esta terra e que por muitos anos foi habitada por eles, sempre acreditando e cumprindo a missão que lhes foi confiada que era somente trabalhar na terra com respeito e usar os lagos e a mata para tirar apenas o seu sustento, não derrubando árvores desordenadamente, não fazendo queimadas, não poluindo os rios, lagos e igarapés, sempre preservando a natureza.

Mas com a chegada do homem branco, eles, reviveram o pesadelo de seus antepassados e aí o homem branco, que sempre se diz civilizado, invadiu o espaço dos Pauxis, e, com o seu espírito de destruição, começou a devastar a floresta desordenadamente, afugentando e até matando muitos índios que eram os verdadeiros habitantes desse lugar. Mas mesmo muito tristes, o Sol e a Lua como eram chamados os dois primeiros habitantes da tribo Pauxis, resolveram ficar e lutar pela preservação, principalmente da Serra e do Lago, e, por muitos anos, ali permaneceram, até que em um determinado tempo o homem não conformado só com a destruição da mata e da caça, resolveram  a acabar com que lhes era mais precioso; o belo Lago, o qual foi cruelmente destruído, ficando assim sem os aningais, sem os pássaros, sem os peixes, sem os animais que dele sobreviviam. O belo Lago foi transformado apenas numa lagoa a céu aberto, onde a vida já não mais existia, e além disso, o próprio homem começou a poluí-lo desordenadamente.

Então o Sol e a Lua inconformados com tanta destruição, só faziam chorar, e em uma noite de lua, eles saíram meio que enlouquecidos de tanta tristeza e caminharam até onde hoje é o porto de cima, e ao chegarem bem no alto da barreira, olhando para o céu e pediram: - Ho mãe Lua nós te imploramos que nos liberte desse sofrimento, pois não queremos sair deste lugar, mas não aguentamos ver tanta destruição, por isso, gostaríamos que acabasse com o nosso sofrimento. 

Então, a mãe lua, compadecida  e ouvindo o clamor dos dois, os encantou no alto da barreira, e ali eles permanecem para sempre, preservando assim a raiz de origem dos Pauxis. Diz a lenda que no local do encante, próximo ao pingo d’água no porto de cima, as pessoas que por ali passam sempre percebem umas gotas de água que surgem cristalinas do alto da barreira, e que são as lágrimas dos dois que continuam a chorar por ver tanta destruição da natureza.

Segundo os sábios, dizem que quem passar no local onde a água fica pingando, e pegar alguns desses pingos e fizer uma cruz do lado esquerdo do peito, é tocado pelo espirito do Sol e da Lua, e para sempre será um preservador da Natureza.
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JOSÉ DEOLINDO ALBUQUERQUE DA SILVA "Caiçara" nasceu em 1958, em Óbidos/PA. Formado em administração. Durante a sua vida de estudante já gostava de escrever. Em 2003, escreveu uma biografia do saudoso pai que faleceu em Setembro de 2000, e junto com a biografia escreveu algumas “presepadas” dele, muito conhecidas pelos os obidenses,  como: O Homem de Fibra. O Carrinho de Mão, Plainada Brasileira,  Piranhas Buxudas, Paulada Escabriativa, as quais foram divulgadas em Óbidos para alguns amigos. Em junho de 2004, ano do Sesquicentenário, escreveu sobre Óbidos, como diz ele, “ minha terra tão amada”, então escreveu poesias que  falam de pontos históricos e culturais. Escreveu como uma forma de demonstrar a sua gratidão e o seu amor a terra  que lhe serviu de berço.

Fontes:
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing