segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Grupo Projetos de Leitura participa da IV Expo Literária de Sorocaba


Com palestras, lançamento de livros e a Caravana da Leitura

O município de Sorocaba vive grande expectativa para celebração da IV Expo Literária, organizada pela Secretaria de Cultura e Lazer, que acontecerá de 19 à 22 de outubro de 2011, na Biblioteca Municipal Jorge Guilherme Senger, Rua Ministro Coqueijo Costa, 180, Alto da Boa Vista.

O Grupo Projetos de Leitura participará do evento com várias atividades.

Livros por valor simbólico

A Caravana da Leitura montará a sua “tenda” com a venda de obras literárias de Laé de Souza, pelo valor simbólico de R$ 2,00, do dia 20 a 22, das 9h às 20h. Serão disponibilizadas obras destinadas ao público infantil, juvenil e adulto, entre elas os da série Quinho e o seu cãozinho, Bia e a sua gatinha Pammy, Acredite se quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher e cadernos de atividades dirigidas ao público infantil. O projeto Caravana da Leitura, que é coordenado pelo escritor Laé de Souza, é aprovado pelo Ministério da Cultura e conta com o patrocínio da ZF do Brasil.

Palestra para estudantes

O escritor Laé de Souza ministrará palestras para estudantes com o tema “A leitura como prazer”. As palestras acontecerão na tenda “O Saci”, no dia 20, às 9h, 10h15, 15h15. As escolas inscritas para as palestras participaram de várias atividades de leitura que se encerram com a palestra.

Palestra para escritores

O escritor Laé de Souza ministrará no dia 22, às 16h, palestra dirigida a escritores, com o título “Publiquei o meu livro! E agora?”. Na ocasião, falará sobre a sua trajetória, experiência na formação de leitores, aspectos legais e práticos para execução de projetos culturais com apoio nas leis de incentivo à cultura e a expectativa vivida pelos escritores com o resultado do lançamento de suas obras . Além da abordagem e dicas, abrirá espaço para perguntas da platéia.

Lançamento de livros

No dia 20, às 14h, na tenda O Saci, serão lançados dois livros. “As melhores crônicas dos projetos de leitura” é a terceira coletânea de textos de estudantes da Rede Pública de Ensino, selecionados, por meio de um concurso literário em escolas de todo o Brasil e, ainda, crônicas do escritor Laé de Souza. A obra, é uma das etapas dos projetos “Ler é Bom, Experimente!”, patrocinado pela Companhia de Seguros Aliança do Brasil e "Minha Escola Lê", patrocinado pela ZF do Brasil e desenvolvidos pelo Grupo Projetos de Leitura, com o apoio do Ministério da Cultura. No lançamento o publico contará com a presença de sete autores de Sorocaba e do coordenador do projeto, o escritor Laé de Souza, que irá autografar a obra junto com os estudantes.

O livro “Quinho e o seu cãozinho – Férias na fazenda”, é mais um da série que conta as aventuras do garoto Quinho com o seu cãozinho Radar. Nesta obra o autor apresenta uma história de cooperação e dedicação de um grupo de crianças que se propõem a auxiliar um amiguinho a melhorar suas notas e passar de ano na escola para acompanhá-los numa incrível aventura na fazenda.
As obras serão comercializadas pelo valor simbólico de R$ 2,00.

Projetos de Leitura: (11) 2743-9491
Biblioteca Municipal de Sorocaba: (15) 3228-1955
Conheça outros projetos e a agenda do “Projetos de Leitura” no site http://www.projetosdeleitura.com.br/

Fonte:
Laé de Souza

Ialmar Pio Schneider (Saudosista)

aquarela de Angela Ponsi
Tu me acusas de eu ser um saudosista
a viver relembrando amores idos...
como queres que assim deles desista,
se foram, afinal, apetecidos ?

E viverão comigo enquanto exista
saudade dos momentos bem vividos,
representando sonhos de conquista,
oh! como poderão ser esquecidos ?!

É meu dever querer-te sempre mais,
mas os direitos devem ser iguais
para que nunca Amor haja conflito.

A acusação que sai da tua boca,
só te transtorna, tu pareces louca !
Aquilo que houve outrora está prescrito...

Fonte:
Soneto e pintura enviados pelo autor

Casimiro de Abreu (As Primaveras) Parte 6


O QUE É – SIMPATIA A UMA MENINA

Simpatia - é o sentimento
Que nasce num só momento,
Sincero, no coração;
São dois olhares acesos
Bem juntos, unidos, presos
Numa mágica atração.
Simpatia - são dois galhos
Banhados de bons orvalhos
Nas mangueiras do jardim;
Bem longe às vezes nascidos,
Mas que se juntam crescidos
E se abraçam por fim.
São duas almas bem gêmeas
Que riem no mesmo riso,
Que choram nos mesmos ais;
São vozes de dois amantes,
Duas liras semelhantes,
Ou dois poemas iguais.
Simpatia - meu anjinho,
É o canto do passarinho,
É o doce aroma da flor,
São nuvens dum céu d’Agosto,
É o que me inspira teu rosto...
- Simpatia - é - quase amor!
Indaiaçu - 1857

PALAVRAS NO MAR

Se eu fosse amado!...
Se um rosto virgem
Doce vertigem
Me desse n’alma
Turbando a calma

Que me enlanguece!...
Oh! se eu pudesse
Hoje - sequer -
Fartar desejos
Nos longos beijos
Duma mulher!...
Se o peito morto
Doce conforto
Sentisse agora
Na sua dor;
Talvez nest’hora
Viver quisera
Na primavera
De casto amor!
Então minh’alma,
Turbada e calma,
- Harpa vibrada
Por mão fadada -
Como a calhandra
Saúda o dia,
Em meigos cantos
Se exalaria
Na melodia
Dos sonhos meus;
E louca e terna
Nessa vertigem
Amara a virgem
Cantando a Deus!...
Avon - 1857

PEPITA

Minh’alma é mundo virgem, - ilha perdida -
Em lagos de cristais;
Vem, Pepita, - Colombo dos amores, -
Vem descobri-lo, no país da flores
Sultana reinarás!
Eu serei teu vassalo e teu cativo
Nas terras onde és rei;
À sombra dos bambus vem tu ser minha rainha;
Teu reinado de amor, doce rainha,
Na lira cantarei.
Minh’alma é como o pombo inda sem penas
Sozinho a pipilar
- Vem tu, Pepita, visitá-lo ao ninho;
As asas a bater, o passarinho
Contigo irá voar.
Minh’alma é como rocha toda estéril
Nos plainos do Sará;
Vem tu - fada de amor - dar-lhe co’a vara...
- Qual penedo que Moisés tocara
O jorro saltará.

Minh’alma é um livro lindo, encadernado,
Co’as folhas em cetim;
- Vem tu, Pepita, soletrá-lo um dia...
Tem poemas de amor, tem melodia
Em cânticos sem fim!
Minh’alma é o batel prendido à margem
Sem leme, em ócio vil;
- Vem soltá-lo, Pepita, e correremos
- Soltas as velas - desprezando remos,
Que o mar é todo anil.
Minh’alma é um jardim oculto em sombras
Co’as flores em botão;
- Vem ser da primavera o sopro louco,
Vem tu, Pepita, bafejar-me um pouco
Que as rosas abrirão.
O mundo em que eu habito tem mais Sonhos,
A vida mais prazer;
- Vem, Pepita, das tardes no remanso,
Da rede dos amores no balanço
Comigo adormecer.
Oh! vem! eu sou a flor aberta à noite
Perdida no arrebol!
Dá-me um carinho dessa voz lasciva,
E a flor pendida s’erguerá mais viva
Aos raios desse sol!
Bem vês, sou como a planta que definha
Torrada do calor.
- Dá-me o riso feliz em vez da mágoa...
O lírio morto quer a gota d’água,
- Eu quero o teu amor!
Rio - 1858

VISÃO

Uma noite, meu Deus, que noite aquela!
Por entre as galas, no fervor da dança,
Vi passar, qual num sonho vaporoso,
O rosto virginal duma criança.
Sorri-me; - era um sonho de minh’alma
Esse riso infantil que o lábio tinha:
- Talvez que essa alma dos amores puros
Pudesse um dia conversar co’a minha!
Eu olhei, ela olhou... doce mistério!
Minh’alma despertou-se à luz da vida.
E as vozes duma lira e dum piano
Juntos se uniram na canção querida.
Depois eu indolente descuidei-me
Da planta nova dos gentis amores,

E a criança, correndo pela vida,
Foi colher nos jardins mais lindas flores.
Não voltou; - talvez ela adormecesse
Junto à fonte, deitada na verdura,
E - sonhando - a criança se recorde
Do moço que ela viu e que a procura!
Corri pelas campinas noite e dia
Atrás do berço d’ouro dessa fada;
Rasguei-me nos espinhos do caminho...
Cansei-me a procurar e não vi nada!
Agora como um louco eu fito as turbas
Sempre a ver se descubro a face linda...
- Os outros a sorrir passam cantando,
Só eu a suspirar procuro ainda!...
Onde foste, visão dos meu amores!
Minh’alma sem te ver, louca suspira,
- Nunca mais unirás, sombra encantada,
O som do teu piano à voz da lira?!...
Setembro - 1858

QUEIXUMES

Olho e vejo...tudo é gala,
Tudo canta e tudo fala,
Só minh’alma
Não se acalma,
Muda e triste não se ri!
Minha mente já delira,
E meu peito só suspira
Por ti! Por ti!
Ai! quem me dera essa vida
Tão bela e doce vivida
Nos meus lares
Sem pesares
No sossego só dali!
Não tinha-te visto as tranças
Nem rasgado as esperanças
Por ti! Por ti!
Perdi as flores da idade,
E a flor na mocidade
É meu canto
- Todo pranto, -
Qual a voz do juriti!
No teu sorriso embebido
Deixei meu sonho querido
Por ti! Por ti!
Ai! se eu pudesse, formosa,
Roçar-te os lábios de rosa
Como às flores

- Seus amores -
Faz o louco colibri;
Esta minh’alma nos hinos
Erguera cantos divinos
Por ti! Por ti!
Ai! não m’esqueças já morto!
À minh’alma dá conforto,
Diz na lousa:
“Coitado! descansa aqui”
Ai! não te esqueças, senhora,
Da flor pendida n’aurora
Por ti! Por ti!
Junho - 1858

AMOR E MEDO

I

Quando eu te fujo e me desvio cauto
Da luz de fogo que cerca, oh! bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
“- Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!”
Como te enganas! meu amor é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela - eu moço; tens amor - eu medo!...
Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,
Das horas longas a correr velozes.
O véu da noite me atormenta em dores,
A luz da aurora me entumece os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes
Eu me estremeço de cruéis receios.
É que esse vento que na várzea - ao onge,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu sorriso ateia!
Ai! se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio que a tormenta envia,
Diz: - que seria da plantinha humilde
Que à sombra dele tão feliz crescia?
A labareda que se enrosca ao tronco
Torrara a planta qual queimara o galho,
E a pobre nunca reviver pudera,
Chovesse embora paternal orvalho!

II

Ai! se eu te visse no calor da sesta.
A mão tremendo no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,

Soltos cabelos nas espáduas nuas!...
Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos - palpitante o seio!...
Ai! se eu te visse em languidez sublime,
Nas faces as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...
Diz: - que seria da pureza d’anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
- Tu te queimaras, a pisar descalça,
- Criança louca, - sobre um chão de brasas!
No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!
Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço
Anjo enlodado nos pauis da terra.
Depois... desperta no febril delírio,
- Olhos pisados - como um vão lamento,
Tu perguntaras: - qué da minha c’roa?...
Eu te diria: - desfolhou-a o vento!...
Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito,
És bela - eu moço, tens amor, eu medo!...
Outubro - 1858

PERDÃO!

I

Choraste?! - E a face mimosa
Perdeu as cores da rosa
E o seio todo tremeu?!
Choraste, pomba dourada?!
E a lágrima cristalina
Banhou-te a face divina
E a bela fronte inspirada
Pálida e triste pendeu?!
Choraste?! - E longe não pude
Sorver-te a lágrima pura
Que banhou-te a formosura!
Ouvir-te a voz de alaúde
A lamentar-se sentida!
Humilde cair-te aos pés,
Oferecer-te esta vida

No sacrifício mais santo,
Para poupar-te esse pranto
Que te rolou sobre a tez!
Choraste?! - De envergonhada,
No teu pudor ofendida,
Porque minh’alma atrevida
No seu palácio de fada,
- No sonhar da fantasia -
Ardeu em loucos desejos,
Ousou cobrir-te de beijos
E quis manchar-te na orgia!

II

Perdão pr’o pobre demente
Culpado, sim, - inocente -
Que se te amou, foi de mais!
Perdão p’ra mim que não pude
Calar a voz do alaúde,
Nem comprimir os meus ais!
Perdão, oh! flor dos amores,
Se quis manchar-te os verdores,
Se quis tirar-te do hastil!
- Na voz que a paixão resume
Tentei sorver-te o perfume...
E fui covarde e fui vil!...

III

Eu sei devera sozinho
Sofrer comigo o tormento
E na dor do pensamento
Devorar essa agonia!
- Devera, sedento algoz,
Em vez de sonhos felizes,
Cortar no peito as raízes
Desse amor, e tão descrido
Dos hinos matar-lhe a voz!
- Devera, pobre fingido,
Tendo n’alma atroz desgosto, Mostrar sorrisos no rosto,
Em vez de mágoas - prazer,
E mudo e triste e penando,
Como um perdido te amando,
Sentir, calar-me e - morrer!
Não pude! - A mente fervia,
O coração transbordava,
Interna voz me falava,
E louco ouvindo a harmonia
Que a alma continha em si,
Soltei na febre o meu canto
E do delírio no pranto
Morri de amores - por ti!

IV

Perdão! Se fui desvairado
Manchar-te a flor d’inocência,
E do meu canto n’ardência
Ferir-te no coração!
- Será enorme o pecado,
Mas tremenda a expiação
Se me deres por sentença
Da tua alma a indiferença,
Do teu lábio a maldição!...
Perdão, senhora!... Perdão!...
Junho - 1858

Fonte:
ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972. Texto-base digitalizado por Raquel Sallaberry Brião.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 367)


Uma Trova Nacional

Hoje, em que braços deliras,
em que outro ouvido murmuras
as verdadeiras mentiras
que me disseste por juras?
–DIVENEI BOSELI/SP–

Uma Trova Potiguar

Numa casa de fazenda
vê-se aranha pequenina
com o seu tear de renda
tecendo sua cortina.
–PROF. MAIA/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - CTS-Caicó/RN
Tema: OCASO - 13º Lugar

Chega a velhice, e hesitante,
às vezes, posso até crer,
que um ocaso é tão brilhante
quanto o sol do amanhecer.
–ALBA CHRISTINA C. NETO/SP–

Uma Trova de Ademar

Vivemos a realidade,
tal e qual em “Sucupira”.
Tudo parece verdade,
mas, na verdade, é mentira!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Depois que a aurora desponta
mostrando a cara do dia,
o meu ego toma conta
do meu mundo de poesia.
–CHICO MOTA/RN–

Simplesmente Poesia

Dueto
–BRASIGÓIS FELÍCIO/GO–

Onde tudo é marrom,
cerrado de sequidão,
o pequizeiro
impõe-se à vista,
verdolengo
como ele só.

Faz um belo dueto
com a Caraíba,
uma flor de fogo
sempre a vingar
onde tudo é árido.

Estrofe do Dia

No jardim delicado da natura
onde a vida se expressa com leveza
um aroma com lívida destreza
mostra o mundo da forma bem mais pura
cada flor sobre a cama da candura
oferece o seu corpo virginal
recebendo um abraço natural
do sereno com toques pequeninos
o perfume dos lírios campesinos
tem essências de um ser angelical.
–GILMAR LEITE/PE–

Soneto do Dia

Um Pássaro a Cantar Dentro de um Ovo
–JURACI SIQUEIRA/PA–

Se o mundo quer calar-me, eu não hesito:
recorro à trova e crio um mundo novo
onde ponho o calor e a voz do povo,
um punhado de humor, um beijo e um grito.

Na trova eu me divirto e me comovo,
nela o meu sonho é muito mais bonito,
nela eu prendo as estrelas do infinito
e um pássaro a cantar dentro de um ovo.

Trova é roupa estendida na varanda,
relva molhada pela chuva branda,
rosa vermelha, moça na janela,

gotas de orvalho a tremular na flor...
Por isso não a queiram mal, pois ela
é a voz e o coração do trovador!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

domingo, 16 de outubro de 2011

Trova 200 - Francisco José Pessoa (CE)


Fonte:
Imagem e trova enviada por Pedro Ornellas

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 366)


Uma Trova Nacional

No desafio da vida,
sempre encontro o alvorecer:
Não quero a estrela perdida,
quero a Luz que me faz crer.
–GISELE BUENO PINTO/RS–

Uma Trova Potiguar

Natal - Cidade Sorriso
que ao mundo inteiro seduz,
tu és o meu paraíso,
meu paraíso de luz!...
–JOAMIR MEDEIROS/RN–

Uma Trova Premiada

2000 - Bandeirantes/PR
Tema: SEMBLANTE - Venc.

A marca determinante
de um vencedor tem dois traços:
a luz moldando o semblante
e a fé movendo seus passos!
JOSÉ OUVERNEY/SP–

Uma Trova de Ademar

Uma mensagem de luz
que trouxe uma fé tamanha
foi aquela que Jesus
deixou aos pés da montanha
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

O perdão é luz na treva
do coração da pessoa.
Quem se ilumina se eleva
e quem se eleva, perdoa!
–ALFREDO DE CASTRO/MG–

Simplesmente Poesia

Meu Fado
–LÊDA MIRANDA/RJ–

Esperei solitária e não voltaste.
Na garganta, este nó de saudade.
No peito, este aperto que resiste.
No olhar de quem ama,
e não desiste,
existe ainda uma esperança.
Não é apenas lamento
de um amor,
que, com carinho, acalento.
É mais! É um apelo:
volta, te espero.
Vem fazer um sonho
deste pesadelo.

Estrofe do Dia

Uma estrofe, um poema, uma canção,
um soneto, uma trova, uma sextilha,
um galope, um rojão, uma quadrilha,
um Brasil de caboclo ou um mourão,
um quadrão beira-mar, oito a quadrão,
um famoso martelo agalopado,
seja escrito ou então improvisado
não altera os valores do autor,
tudo quanto produz o cantador
deveria ser lido e divulgado.
–DAUDETH BANDEIRA/PB–

Soneto do Dia

Russowskyano (À Miguel Russowsky)
–REGINALDO ALBUQUERQUE/MS–

Uns versos tortos, pelo meio a taça...
Já de pijama o cuco não diz a hora.
A chuva estatelada na vidraça
boceja sonhos, garatuja a aurora.

Dois círios choram anjos de fumaça...
Em cada canto onde a saudade mora,
surge um corcel de rimas em que esvoaça
a musa do improviso igual outrora.

Do lucilar das chamas vem o alerta...
Sobre a mesa uma folha nova aberta
e ao lado a canetinha embevecida...

A poltrona belisca o meu desdém:
– Dona “Sozinhez” nunca te fez bem!
– Vai, Miguel! O soneto te convida...

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Varal de Minicontos I


Alice Daniel
FUGA

Olhou pela janela. A lua estava lá.
Olhou para a sua cama. Ele estava lá.
E diziam que a lua pertencia aos amantes...
Por muitos anos continuaria assim: olhando ora para um ora para o outro.
Um dia, pulou a janela...

Flávio Ilha
MUNDO ANIMAL

Os bois

Urros agoniados ecoavam pelo galpão envolto em gotículas carmim. Pernas abertas, marreta entre os dedos, o negro tinha as bombachas encharcadas de sangue. Um depois do outro, os bois se metiam pelo brete; aos resvalões, lutavam pelo pasto úmido da coxilha. Um depois do outro, eram golpeados pela mão firme do negro, olhos congestionados, as mãos roxas, o tórax nu encarnado. Cumpria mecanicamente sua liturgia de horror. No catre, dormia enrodilhado à cadela Polaca.

Marrecos

Vento: lá embaixo a costa ocupada. Via apenas minúsculas erupções de fumaça, como acnes cinzentas. No rosto de Stella havia dessas hecatombes vivas, que se mexiam, nasciam e morriam como qualquer um de nós. Lembrou dela porque saltaria em instantes e provavelmente nunca. Interrompeu o devaneio com uma interjeição imperativa do chefe. Quase sem ar, viu um a um os garotos lançaram-se ao vácuo. Marrecos. Marrecos negros voando em cunha, para a lagoa. Um verão no mar. A estrada. O pai, guiando. Os marrecos. O vento. O horror do mar.

Leonardo Brasiliense
O MORALISTA

- Tem quantos anos?
- Doze.
- Bonitinha!
- Tá.
- Mas se fosse minha filha, eu endireitava a tapa.
- Vai dar sermão, é?
- Não, mas se fosse filha minha...
- Então acaba duma vez, tio, que se eu não voltar logo pra casa, e com dinheiro, aí sim, o pai me cobre de pancada.

Luis Dill
RASTRO

A gota é perfeita, tem até uma coroa como ornamento, o vermelho vivo, bem no centro da lajota branca. O piso do Supermercado imaculado até então, sete e meia da manhã. Um palmo adiante, a repetição da mesma gota, só que, agora, acompanhada por outra, levemente repuxada. A seguir, uma porção delas, inclinadas e mais próximas uma das outras, em linha quase reta. Alguns metros depois uma poça significativa e um esfregão tentando dissolvê-la. Tu não tem jeito mesmo, né?, a faxineira reclamando. Não enche o saco, tia, rosna o rapaz do açougue, a pesada perna do boi às costas.

Marcelo Spalding
ÚLTIMO CAPÍTULO

Helena, Nazaré, Maria e Jade saem do trabalho com pressa, carregam pesadas ancas por calçadas quentes, atravessam ruas e gentes, sobem morros. Ligam a televisão, oito e meia. Último capítulo. O sofá é sujo, os gritos são altos, as paredes, poucas e a vila, grande. O trabalho é trabalho, o mundo é assim. Crucifixos tortos, mandamentos decorados. Mas é o último capítulo e calam as crianças num tapa. Torcem. Gritam. Choram. Enfim, sorriem, emocionadas, corações leves. O final foi feliz. O resto, é ficção.

Fausto Wolff
687ª NOITE

Como eu já disse, morreram vinte e dois prisioneiros de guerra americanos em Hiroshima. O vigésimo terceiro, que sobreviveu, foi linchado pela multidão enfurecida. Os japoneses caminhavam como zumbis procurando seus entes queridos entre as ruínas e nuvens de fumaça cancerígena. Surpreendentemente, os sobreviventes sentiram pouca dor. Um escritor disse que foi como se o grande terror do desconhecido houvesse cancelado o terror do sofrimento. Nus ou com roupas em frangalhos, não sabiam para onde se dirigir, pois todas as placas haviam desaparecido. Era impossível dizer quem era homem e quem era mulher. Os que saíram de casa vestindo roupas brancas apresentavam menos ferimentos do que os demais, uma vez que as cores escuras tendem a absorver a luz termonuclear. Amigos não se reconheciam, pois muitos haviam perdido seus rostos. Outros tinham gravada nas faces as impressões de suas mãos ou de seus narizes. Algumas pessoas perdiam as mãos ao acenarem pedindo ajuda. Saía fumaça dos ferimentos quando imersos em água. Outros cem mil japoneses morreriam graças aos ferimentos e à radiação. Até hoje crianças nascem cancerosas em Hiroshima e Nagazaki. Os filhos das mulheres grávidas durante o ataque nasceram deformados.

In WOLFF, Fausto. A milésima segunda noite. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

Luiz Rufatto
O VELHO CONTÍNUO

O velho contínuo, amarelo o branco dos olhos, abriu a torneira, encharcou as mãos grossas, ensaboou-as, e, esfregando-as vagarosamente, desatou a falar, não com o conhecido da pia ao lado, não com o motoboy que se equilibrava no mictório, mas para quem, de todos os que se espremiam no banheiro fétido, se dispusesse a ouvi-lo

a patroa ligou há pouco... está um tiroteio danado lá na rua de casa... ela estava falando encolhidinha atrás do sofá que encostou na parede pra não ficar zumbindo bala perdida na cabeça dela... ligou preocupada, coitada... falou pra eu não aparecer lá hoje de terno-e-gravata... alguém pode me confundir... achar que sou delegado... eu pensei cá com meus botões, que besteira! eu tenho lá cara de delegado? mas, coitada, eu entendo! eu lá tenho cara de delegado? mas, coitada, eu entendo... ela está certa... que que eu vou fazer? vou pendurar o paletó na cadeira... enfio a gravata no bolso... largo aí... que mal faz? não vai sumir... amanhã torno a vestir... não custa nada agradar à patroa... ela está velha, coitada... e a gente...

Então o velho contínuo percebeu o desperdício de água, enxaguou as mãos, fechou constrangido a torneira, enxugou-se com a toalha de papel, saiu do banheiro, olhou chãos, o rio morto, os carros indiferentes, os prédios futuristas, a cortina escura do horizonte, a velha, coitada.

In RUFATTO, Luiz. Eles eram muitos cavalos. São Paulo: Boitempo Editorial, 2001

Raduan Nassar
AÍ PELAS TRÊS DA TARDE

Nesta sala atulhada de mesas, máquinas e papéis, onde invejáveis escreventes dividiram entre si o bom-senso do mundo, aplicando-se em idéias claras apesar do ruído e do mormaço, seguros ao se pronunciarem sobre problemas que afligem o homem moderno (espécie da qual você, milenarmente cansado, talvez se sinta um tanto excluído), largue tudo de repente sob os olhares à sua volta, componha uma cara de louco quieto e perigoso, faça os gestos mais calmos quanto os tais escribas mais severos, dê um largo ‘ciao’ ao trabalho do dia, assim como quem se despede da vida, e surpreenda pouco mais tarde, com sua presença em hora tão insólita, os que estiveram em casa ocupados na limpeza dos armários, que você não sabia antes como era conduzida. Convém não responder aos olhares interrogativos, deixando crescer, por instantes, a intensa expectativa que se instala. Mas não exagere na medida e suba sem demora ao quarto, libertando aí os pés das meias e dos sapatos, tirando a roupa do corpo como se retirasse a importância das coisas, pondo-se enfim em vestes mínimas, quem sabe até em pêlo, mas sem ferir o pudor (o seu pudor, bem entendido), e aceitando ao mesmo tempo, como boa verdade provisória, toda mudança de comportamento. Feito um banhista incerto, assome depois com sua nudez no trampolim do patamar e avance dois passos como se fosse beirar um salto, silenciando de vez, embaixo, o surto abafado dos comentários. Nada de grandes lances. Desça, sem pressa, degrau por degrau, sendo tolerante com o espanto (coitados!) dos pobres familiares, que cobram a boca com a mãe enquanto se comprimem ao pé da escada. Passe por eles calado, circule pela casa toda como se andasse numa praia deserta (mas sempre com a mesma cara de louco ainda não precipitado), e se achegue depois, com cuidade e ternura, junto à rede languidamente envergada entre plantas lá no terraço. Largue-se nela como quem se larga na vida, e vá fundo nesse mergulho: cerre as abas da rede sobre os olhos e, com um impulso do pé (já não importa com que apoio), goze a fantasia de se sentir embalado pelo mundo.

De 1972. In NASSAR, Raduan. Menina a Caminho. São Paulo: Cia das Letras, 1997.

João Gilberto Noll
LÍNGUAS

Sua voz não parece mais legível. Ontem pediu um copo d’água à filha. Ela lhe trouxe a foto de uma mulher meio esquiva. Tirada quando ele trabalhava de garçom na Califórnia. Vieram-lhe fiapos de mexicana. Ainda conseguia se lembrar da noite em que, entre o inglês, o espanhol e o português, as palavras começaram a lhe faltar. A mexicana disse que o mesmo ocorria com um irmão. Que eram tantas as palavras, de tão diferentes fontes e sabores, que concentravam em si tamanha quantidade de matizes e sentidos, que alguns como eles dois já não conseguiam guardá-las. Que estes, ao chegaram numa idade, só sabiam apresentar um arrazoado de sons impenetráveis à volúpia comum do entendimento. “E assim é”, ela suspirou mirando os pés descalços.

In NOLL, João Gilberto. Mínimos, Múltiplos, Comuns. Rio de Janeiro: Francis, 2003.

Laís Chaffe
SAIA JUSTA

O casal passeia com o bebê.
- É a cara do pai - bajula a vizinha.
- A senhora o conhece? - pergunta o homem.

Daniel Rocha
CONTOS BÊBADOS

1

Não conseguiu juntar as palavras, não conseguiu juntar os pedaços de sua vida, o que fez? Tomou mais um gole.

2

Tudo bem que a caneta não parasse na mão bêbada, mas precisavam roubar sua melhor frase?

Ana Mello
FUGA

Ônibus rápido.
Na janela tudo passa - árvores, rio, nuvens.
Não passa a saudade, não volta a cidade.
Nem o amor da Maria.

Fonte:
http://www.artistasgauchos.com.br/veredas/?x=1&lk=1

Julio Daio Borges (A Epopéia de Gilgamesh)


Qual é a história mais antiga do mundo? Para quem tem formação judaico-cristã, a Bíblia. Para quem cultiva o helenismo, os versos de Homero ou a Teogonia de Hesíodo. Mas, desde o século passado, sabemos que existe uma ainda mais antiga. Estamos falando da Epopeia de Gilgamesh, que a WMF Martins Fontes acaba de reeditar em formato pocket. Na introdução de N.K. Sandars (que estabeleceu a versão inglesa, a mesma que serve de base para a brasileira), ficamos sabendo que os primeiros autores da Bíblia deviam estar bastante “familiarizados com a história” de Gilgamesh e que esta, inclusive, “precede as epopeias homéricas em pelo menos mil e quinhentos anos”.

Como diria Nietzsche, Gilgamesh é uma história humana, demasiadamente humana, onde estão presentes “a busca pelo conhecimento, a mortalidade e a tentativa de escapar do destino do homem comum”. A epopeia se passa da Mesopotâmia, foi escrita pelos sumérios (que chegaram lá em 3000 A.C.) e está registrada nas mais antigas tábuas de Nippur. Historicamente, Gilgamesh surge como “o quinto monarca de dinastia pós-diluviana de Uruk”. Sim, há um dilúvio. Talvez o mesmo dilúvio bíblico. Pois, cronologicamente falando, a epopeia de Gilgamesh se situa no período entre Noé e Abraão, cujo único registro conhecido era o Livro do Gênesis.

Historicamente, mais uma vez, Gilgamesh foi “um rei que provavelmente comandou uma bem-sucedida expedição para trazer madeira das florestas do norte e que certamente foi um grande construtor”. Já na mitologia, Gilgamesh é dois terços deus e um terço homem, assim como Aquiles, cuja mãe era igualmente uma deusa. Aliás, os gregos já advertiam: “Aquele que se deita com uma deusa imortal perde para sempre a força e o vigor”. Qualquer semelhança com Adão e Eva, a maçã, a descoberta do pecado e a expulsão do paraíso não é mera coincidência. E, mesmo sem Guerras Mundiais como as nossas, reis como Gilgamesh já temiam que “os poderes do caos e da destruição escapassem ao seu controle”. O homem não comandava a natureza como hoje, e ela poderia se voltar contra a humanidade a qualquer instante, extinguindo o Homo sapiens.

Em termos de mitologia, mais uma vez, Gilgamesh habita “um mundo em que deuses e semideuses se confraternizam com os homens num pequeno universo de terra conhecida, cercado pelas águas desconhecidas do Oceano e do Abismo”. (Ruy Castro poderia chamar isso de Ipanema. E é bem por aí.) O texto em si é agradavelmente legível e muito melhor escrito que o de muitos autores da nossa própria época. Como tantos heróis conhecidos nossos, Gilgamesh “parte numa jornada”, “cansa-se”, “exaure-se em trabalhos”, “retorna”, “descansa” e “grava na pedra toda a sua história”. Gilgamesh é rei, e esse é seu destino. Mas Gilgamesh não viverá eternamente, e esse, também, é seu destino. Pois lhe é advertido: “Enche tua barriga de iguarias; dia e noite, noite e dia, dança e sê feliz, aproveita e deleita-te. Veste sempre roupas novas, banha-te em água, trata com carinho a criança que te tomar as mãos e faze tua mulher feliz com teu abraço; pois isto também é o destino do homem”. “Não existe permanência”, antecipando Heráclito, a história registra. E antecipando, desta vez, o conceito grego de nêmesis e húbris: “Os heróis e os sábios, como a lua nova, têm seus períodos de ascensão e declínio”. Se a Bíblia, em suas múltiplas versões, serve de base para judeus, cristãos e muçulmanos, podemos dizer que Gilgamesh serve de base para toda a humanidade, assim como os gregos e os romanos transcenderam o chamado paganismo, pois escreveram a história ocidental, que é inescapavelmente a nossa História.

A Epopeia de Gilgamesh, assim como a Bíblia, os gregos e os romanos de nossa preferência, pode ser um livro de cabeceira, sim, pois, como Montaigne, que costumava se servir da filosofia, estamos sempre aprendendo a viver, e a morrer.
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Notas:
TEOGONIA =Teogonia (em grego, Θεογονία [theos, deus + genea, origem] - THEOGONIA, na transliteração), também conhecida por Genealogia dos Deuses, é um poema mitológico em 1022 versos hexâmetros escrito por Hesíodo no séc. VIII a.C., no qual o narrador é o próprio poeta.
O poema se constitui no mito cosmogônico (descrição da origem do mundo) dos gregos, que se desenvolve com geração sucessiva dos deuses, e na parte final, com o envolvimento destes com os homens originando assim os heróis.
Nesse mito, as deidades representam fenômenos ou aspectos básicos da natureza humana, expressando assim as idéias dos primeiros gregos sobre a constituição do universo.

NIPPUR =Nippur (sumério Nibru, acádio Niburu, "lugar de passagem") era uma importante cidade dos Sumérios onde estava o templo do seu deus principal, Enlil. Era abastecida com as águas do rio Eufrates através de um canal de irrigação conhecido como Quebar.

Segundo a mitologia, Enlil escolheu este "Local de Passagem" para a sua residencia quando foi expulso da sua primeira residência - O Edim - após ter cometido uma trangressão às ordens do deus Anu.

URUK
=Uruk era rodeada por uma muralha de aproximadamente 9km de extensão.(em sumério, Unug; o Erech bíblico; e o árabe Warka) foi uma cidade antiga da Suméria – posterior Babilônia – situada a leste do Eufrates, na linha do antigo canal Nil, numa região pantanosa, a cerca de 225 quilômetros sul-sudeste de Bagdá. O próprio nome moderno Iraque é derivado de Uruk.

Uruk foi uma das mais antigas e importantes cidades da Babilônia. Dizia-se que suas muralhas haviam sido construídas por ordem de Gilgamesh, que, diz-se, também mandou erguer o famoso templo de Eana, dedicado à Inana, ou Ishtar. Os extensos registros sobreviventes do templo, pertencentes ao período Neo-Babilônico, documentam a função social do templo como um centro de redistribuição social. Em tempos de fome, famílias podiam enviar crianças ao templo como oblato.
Uruk possuía um papel importante na história política do país desde tempos remotos, exercendo um poder hegemônico na Babilônia num período anterior a Sargão, o Acádio. Mais tarde desempenhou uma função de liderança nas batalhas nacionais dos babilônios contra o império Elamita até 2.000 a.C., quando sofreu severamente. A Epopéia de Gilgamesh apresenta relatos do conflito, sempre de forma literária e nobre.

NÊMESIS E HÚBRIS – A húbris ou hybris (em grego ὕϐρις, "hýbris") é um conceito grego que pode ser traduzido como "tudo que passa da medida; descomedimento" e que atualmente alude a uma confiança excessiva, um orgulho exagerado, presunção, arrogância ou insolência (originalmente contra os deuses), que com frequência termina sendo punida. Na Antiga Grécia, aludia a um desprezo temerário pelo espaço pessoal alheio, unido à falta de controlo sobre os próprios impulsos, sendo um sentimento violento inspirado pelas paixões exageradas, consideradas doenças pelo seu caráter irracional e desequilibrado, e concretamente por Até (a fúria ou o orgulho). A húbris é relacionada ao conceito de moira, que em grego significa 'destino', 'parte', 'lote' e 'porção' simultaneamente. O destino é o lote, a parte de felicidade ou desgraça, de fortuna ou desgraça, de vida ou morte, que corresponde a cada um em função da sua posição social e da sua relação com os deuses e os homens. Contudo, o homem que comete húbris é culpável de desejar mais daquilo que lhe foi concedido pelo destino. O castigo dos deuses para a húbris é a nêmesis, que tem como efeito fazer o indivíduo retornar aos limites que transgrediu.

Fontes:
Digestivo Cultural n. 482 – Quarta-feira, 14/9/2011
Wikipedia

Clarice Pacheco (Os Professores da Minha Escola)


A professora de Matemática,
com suas contas complicadas,
falando em equações,
no Teorema de Pitágoras.

A professora de Português,
com seu modo indicativo,
falando em advérbios,
interjeições, substantivos.

A professora de Geografia,
com seus complexos regionais,
falando em sítios urbanos,
em pontos cardeais.

A professora de Ciências,
com seus ensinamentos ecológicos,
falando em evolução,
em estudos biológicos.

A professora de História,
com seus povos bizantinos,
falando na Idade Média,
no Imperador Constantino.

A professora de Inglês,
com seus don't, do e does,
falando em personal pronouns,
na diferença entre go e goes.

A professora de Artes,
com suas obras e seus artistas,
falando em artes ópticas,
em pintores surrealistas.

O professor de Educação Física,
com suas regras de voleibol,
falando sobre basquete,
em times de futebol.

Os professores da minha escola,
com suas matérias que às vezes não entendemos,
falando em todas as coisas,
que aos poucos vamos aprendendo.

Fonte:
O Pensador
Imagem = Portal Carangola

Ivan Carlo (Manual de Redação Jornalística) Parte 8


CAPÍTULO 7
A RETÓRICA DO JORNALISMO

O objetivo do jornalismo não é só informar, mas também criar uma empatia do leitor com a matéria. A matéria jornalística precisa, também seduzir.

Exemplos:

Matérias sobre olimpianos - habitantes do olimpo da indústria cultural. Pelé, papa, lady Di.

Notícias sobre personagens que correspondem a estereótipos ou arquétipos sociais: o malandro que engana a todos, o vingador destemido, o ladrão Robin Hood, o herói revolucionário ou destemido.

Notícias sobre dramas humanos. Todos os pais se identificam com o pai de uma criança sequestrada. Todas a mulheres solteironas se identificam com o drama da mulher que não consegue arranjar marido.

Todo motorista se identifica com o drama do motorista que não consegue tirar carteira. Toda pessoa honesta se identifica e se comove com o caso do comerciante que foi preso por ter sido confundido com perigoso bandido.

Notícias sobre personagens que representam as aspirações coletivas, àquilo que as pessoas gostariam de ser: mais felizes, mais realizadas, mais saudáveis. Um sub-item dessa categoria é o daquelas pessoas que conseguiram vencer os obstáculos, chegando mais próximo daquilo que são as aspirações coletivas. São notícias sobre pessoas que conseguiram vencer os problemas e deram a volta por cima. Exemplos de matérias que exploram esse aspecto: eu venci o câncer, eu venci a morte, eu venci o preconceito racial, eu venci a pobreza.
––––-
continua…

Fonte:
Virtualbooks

Júlia Lopes de Almeida (A Mulher Brasileira)


O europeu tem a respeito da mulher brasileira uma noção falsíssima. Para ele nós só nascemos para o amor e a idolatria dos homens, sendo para tudo mais o protótipo da nulidade.

Dir-se-ia que a existência para nós desliza como um rio de rosas sem espinhos e que recebemos do céu o dom escultural da formosura, que impõe a adoração... Nem uma nem outra coisa. Nem a mulher brasileira é bonita, se não nos curtos anos da primeira mocidade, nem tão pouco a sociedade lhe alcatifa a vida de facilidades. Ela é exatamente digna de observação elogiosa pelo seu caráter independente, pela presteza com que se submete aos sacrifícios, a bem dos seus, e pela sua virtude. A brasileira não se contenta com o ser amada: ama; não se resigna a ser inútil: age, vibrando à felicidade ou à dor, sem ofender os tristes com a sua alegria e sabendo subjugar o sofrimento. Parecerá por isso indiferente ou sossegada, a quem não a conhecer senão pelas exterioridades. Mas não tivesse ela capacidade para a luta e ainda as portas das academias não se lhe teriam aberto, nem teria conseguido lecionar em colégios superiores. A esses lugares de responsabilidade ninguém vai por fantasia nem chega sem sacrifícios e coragem. Apesar da antipatia do homem pela mulher intelectual, que ele agride e ridiculariza, a brasileira de hoje procura enriquecer a sua inteligência freqüentando cursos que lhe ilustrem o espírito e lhe proporcionem um escudo para a vida, tão sujeita a mutabilidades....

Se o seu temperamento é cálido e voluptuoso, a sua índole é honesta e ativa e o seu pensamento despido de preconceitos.

Se uma mulher brasileira, (se há excepções? há-as de certo!) cai de uma posição ornamental em outra humilde, é de rosto descoberto que dia procura trabalho então vai ser costureira, mestra, tipógrafa, telegrafista, aia, qualquer coisa, conforme a educação recebida, ou o ambiente em que vive...

Nessas ações, não há simplicidade, — há estoicismo e uma compreensão perfeita da vida moderna: que é a guerra das competências. A brasileira vive ociosa; é uma frase injusta e que anda a correr mundo, infelizmente sem protesto. Porque?

Toda a gente sabe que no Brasil só não amamenta os filhos a mulher doente, aquela que não tem leite ou que o sabe prejudicial em vez de benéfico!

Ricas ou pobres, as mães só tem uma aspiração: — aleitar, criar os seus filhos! Este exemplo devia ser citado, porque, à proporção que esta virtude se acentua entre nós, parece que nos países mais civilizados vai se tornando escassa!

A mulher brasileira ama com mais intensidade, talvez; dedica-se toda, sem medo de estragar a sua beleza, às comoções da vida. Aí vemos as pobres mulheres dos soldados, seguindo-os à guerra, acompanhando-os nas batalhas, matando quem os fere, ferindo quem os ameaça, erguendo-lhes das mãos moribundas a espingarda com que os vingam!

Estas energias não são filhas do acaso, vêm-nos da mistura de sangues com que fomos geradas, vêm-nos desta natureza portentosa e que por toda a parte nos ensina que a vida é uma grande fonte que não deve secar inutilmente!

Nos países tropicais a precocidade é tamanha que a existência da menina passa como um sopro e começam bem cedo as responsabilidades da mulher. Por vezes o assalto é tão repentino que não há tempo de preparar na criança o espírito da donzela. Namorada de si mesma, no deslumbramento da mocidade, ela afigurasse-nos então frívola e perigosa. Receia a gente pelo futuro da pobre criança, estonteada pela vida como uma mariposa pela luz. Quanto mais melindrosa é essa quadra, quanto mais vagares tem a imaginação, alvoroçada pelos sentidos, de arquitetar castelos mentirosos! Felizes as donzelas pobres, obrigadas pelas circunstâncias apertadas da vida a empregar a sua inteligência e a sua atividade no trabalho e no estudo! São as mocinhas que, para irem às aulas que freqüentam, engomam as suas saias ou cosem as suas blusas, as mais habilitadas para a resistência das paixões ruins. Decididamente, o trabalho é o melhor saneador de almas! E nós precisamos da nossa muito sã, porque só a virtude da mulher pode salvar os homens, seus filhos e seus irmãos, no descalabro das sociedades arruinadas ou em deliqüescência... A nossa força está na nossa bondade e no nosso critério, coisas que, quando não são naturais, fazem-se pela vontade.

Nós, as brasileiras, perdemo-nos pelo excesso de sentimento. Ainda não aprendemos a dominar o nosso coração, que se dá em demasia, sem colher por isso grandes resultados...

O europeu, tratado com rigor pela mãe, não tem por ela menos respeito (talvez tenha mais!) nem menos carinhos que os nossos filhos têm por nós... que nos desfazemos por eles em sacrifícios e ternuras! Parece que a blandície perene enfraquece a alma do indivíduo, tornando-o um pouco indiferente...

Há muito quem afirme que no Brasil a mulher domina como soberana; e já um escritor português disse dela, relatando as suas observações em um livro de viagem:

"... A mulher deve ser, entre esta raça, superior a todas as coisas. Vê-la passar na rua e compreender a comoção que ela causa é ter reconhecido todo o alcance do seu prestígio. Inspira devoção, tem um culto. Não é mulher companheira do homem, sua irmã de trabalhos e de penas; é a mulher ídolo, a mulher sacrário. Mãe, filha, esposa ou cortesã, ela será neste país e para este povo a suprema instigadora, e a sua vontade, como o seu capricho, terão o cunho autêntico de leis, assim no lar como nas alcovas. Será ela quem predomine e da sua boa ou má influência dependerá, talvez, o destino histórico desta nacionalidade."

É possível que assim seja de futuro, visto que a brasileira de hoje tem mais ampla noção da vida; a lição passada, porém, desgraçadamente, é outra.

A verdade, que deve aparecer aqui, é que nos acontecimentos culminantes da nossa história, aqueles que nos fatos da nacionalidade brasileira iniciam períodos de renovação e de progresso — a independência, a abolição, a república — a intervenção da mulher, direta ou indiretamente considerada, quando não foi nula foi hostil.

Entretanto, estes fatos, para só falar dos príncipes, tiveram todos longa, persistente, tenacíssima propaganda, e realizaram-se sem a mulher ou... Apesar da mulher!

A sinceridade deste livro, exige este desabafo doloroso.

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).
Imagem = Anacrônico

Marcelo Spalding (A Revista Veredas e os Mil Minicontos)


Os leitores que me acompanham há tantos anos aqui no Digestivo sabem que não gosto de falar de mim, de meus livros, etc, mas me permitam nesta coluna contar a história da Revista Veredas, um site hoje dedicado ao miniconto que surgiu no longínquo ano de 1998 e dura até hoje, sendo uma referência no gênero.

O surgimento remonta ao tempo em que eu ainda estava na escola, Ensino Médio, e ao lado de um amigo, Rodrigo Link, resolvemos editar uma revista de literatura para publicar os textos de nossos colegas de escola. O primeiro texto inédito, feito a quatro mãos, se chamava "100 coisas para fazer antes que o mundo acabe", ironizando aquela histeria do fim do mundo na virada 99/2000. Bem, aquelas primeiras edições eram feitas em HTML no Bloco de Notas, depois em Front Page com seus inconfundíveis frames, hoje tão grosseiros.

Daí em diante, terminamos a escola, eu fui fazer Jornalismo, ele seguiu para a Física, mantive a newsletter primeiro semanal, depois mensal (um pouco inspirado no sucesso do Cardoso Online), e quando entrei no mestrado e comecei a estudar o miniconto resolvi mudar a cara da revista, convidando a querida Ana Mello para ser editora.

Certo, e por que lembrar disso agora? Acontece que nesse mês de agosto aconteceram dois fatos marcantes para a Veredas e para nós: primeiro, chegamos a 1000 minicontos publicados, textos dos mais variados autores, das mais variadas cidades, do Brasil e de Portugal. Todos os textos são enviados pelos próprios autores e, na grande maioria, são inéditos. Segundo: a revista Veredas foi parar nas páginas de um livro didático como referência de minicontos. Sim, foi no "Viva Português", de Elizabeth Campos, Paula Marques Cardoso e Sílvia Letícia de Andrade, da Editora Ática.

Episódios como esse são interessante porque evidenciam como, aos poucos, aquela geração que conheceu fascinada a internet discada e montou os primeiros sites de cada assunto vai se tornando parte da história (são pessoas que navegavam no Netscape e faziam buscas no Altavista, participavam de chats no ZAZ e trocavam mensagem com amigos no ICQ). E como aqueles sites, antes marginalizados num sistema de comunicação de massa, têm se institucionalizado.

Voltemos ao Veredas de hoje e seus mil minicontos. O miniconto, como se sabe, é um gênero que encontrou grande aceitação na internet, onde tudo é muito rápido e as pessoas não têm tempo (ou paciência) para ler textos longos. Muitos perguntam qual o limite de tamanho do miniconto, mas prefiro não falar em limites, e sim pensar na necessidade do texto: se um texto pode ser completo e ainda causar um efeito no leitor com dez linhas, duas linhas, duas palavras, ótimo! Senão, sem problemas, vá adiante e faça um conto, o importante é não forçar, cortar, espremer uma história em determinado número de linhas apenas por questões formais.

Entre os mínis do Veredas há alguns bem curtos, como um dos destacados pelo livro:

NÃO FICAREI SOZINHA, de Eduardo Oliveira Freire
A boneca escondeu-se na mala onde estava guardado o enxoval de casamento da amiga.

CLIMA, de Tamara Rosa
Ela chuva, ele sol.

Este último, aliás, foi produzido por uma aluna da escola Ruben Darío, de Sapucaia do Sul, o que nos deixa muito satisfeito, pois além de editar a Revista, a Ana Mello e eu (além da Laís Chaffe) participamos de diversas oficinas de minicontos, inclusive uma inesquecível no SESC Copacabana (Rio de Janeiro) de onde saiu essa pérola:

DEPOIS, de Fábia Schnoor
Gostava que mexessem em seus cabelos.
Lembrava que estava vivo e de como a infância e o câncer tinham ficado para trás.

Gosto muito desses mínis curtos, certeiros. Cortázar dizia que enquanto o romance vence por pontos, o conto vence por nocaute. Pois o miniconto deve vencer por nocaute no primeiro soco do primeiro round.

CONSOLO, de Valesca de Assis
Às vezes a mãe fica nervosa e me põe de castigo e me chama de menino malvado. Então, antes de chorar, tiro do bolso um papelzinho onde ela limpou o batom e beijo o beijo dela.

ALÍVIO, de Marli Fiorentin
Ana acordou num sobressalto de madrugada. Ainda meio adormecida, custou a entender, em meio a vozes alteradas e choros: "Pedro morreu". Escorregou devagar para baixo das cobertas. Imóvel, respiração presa, temia ouvir que tinha sido engano. Era bom demais para ser verdade.

Esse primeiro soco pode demorar um pouco mais, exigir alguma atenção para fisgar o leitor, até porque fazer rir é mais fácil do que emocionar. Vejamos esse exemplo de Leonardo Brasiliense, um premiado minicontista e frequente colaborar da Veredas:

SOLIDARIEDADE, de Leonardo Brasiliense
Numa esquina da avenida mais movimentada, às sete da noite, o sinal fica verde, entretanto a carroça do papeleiro não se mexe. Os motoristas começam a buzinar. O papeleiro agita as rédeas, faz um som esquisito com a boca, e nada adianta. O cavalo empacou. Os motoristas, já numa fila de incontáveis faróis e buzinas, com o que lhes resta de forças depois de mais um dia cansativo e estressante em seus escritórios e repartições, gritam, xingam, amaldiçoam. O papeleiro, por sua vez, com o que lhe resta de fôlego depois de mais um dia de sol pelas ruas da cidade, os braços fracos de abrir lixeiras desde as seis da manhã, desce da carroça empunhando um cabo de vassoura e grita, bate, espanca. E o cavalo, com o que lhe resta de si depois de mais um dia que ele nem sabe que passou, com a fome de hoje somada à de ontem e anteontem que o deixam lerdo e confuso, ajoelha-se, de olhos fechados, como quem reza para morrer.

Ou este, de Wilson Gorj, outro contumaz escritor de minicontos, colaborador do Veredas e autor de diversos livros:

INFLÁVEL, de Wilson Gorj
Só transava com prostitutas. Na milésima transa, algo espantoso aconteceu. De repente, sentiu o corpo esfriar, mas de tal maneira que sua parceira acreditou tê-lo matado de prazer. O homem não se mexia mais: boca e olhos abertos para o nada.
Acabara de sofrer uma transmutação. Sua pele mudara de textura. Parecia borracha.
No lugar de músculos, apenas ar.

A relação com a poesia também está sempre presente, seja pela forma, seja pela subjetividade. Mas o miniconto, diferente do poema curto, requer uma narrativa, uma sucessividade e, acima de tudo, deve causar um efeito no leitor.

OLHAR ANIMAL, de Luiz Eduardo Amaro
Observou-a com olhos de lobo.
Aproximou-se com olhos de lince.
Atacou-a com olhos de águia.
Suplicou-lhe com olhos de poodle.
Retirou-se com olhos de burro.
Ela nunca assistia ao Animal Planet.

Evidentemente nem todos os mil e tantos minicontos da Veredas figurariam numa edição em livro, digamos assim, da própria revista. Mas talvez esse seja outro mérito da internet, a diversidade: há estilos, formas e conteúdos dos mais variados. O editor de uma revista web não é como o editor de um livro: o editor de um livro seleciona poucos entre muitos, enquanto o editor web filtra muitos entre muitos, ampliando e incentivando a participação do leitor, mas garantindo credibilidade para a revista que edita.

Enfim, escrevo este texto e repito aqui o endereço da Veredas não para pedir mais leitores, mas para pedir que você envie seu texto para nós e ajude a formar esse mosaico minimalista e plural: www.veredas.art.br.

Fonte:
Digestivo Cultural . 23/09/2011

Cronica (Origem, definição, tipos)


O que é uma Crônica?
O cotidiano é feito, em sua maior parte, de banalidades, mesquinharias e irritações, esteja você em Paris ou em Barbacena. Observá-las, chamar atenção para elas por meio de linguagem escrita, transformando-as em breves momentos poéticos, é tarefa que requer distanciamento, capacidade de abstração, certa maturidade vivencial — trabalho de cronista, enfim, que resulta, como definem os teóricos, entre o conto e a poesia. (Bernardo Ajzenberg)

1. A origem da crônica

Já nas mais antigas civilizações conhecidas (Egito, Suméria, Assíria) aparece uma curiosa figura: o escriba. Sua função? Escrever, é evidente. Escrever o que e para quem? Estava a serviço do rei, faraó, ou pessoa de grande destaque na hierarquia dirigente. Fazia o registro de operações de compra e venda, uma contabilidade rudimentar, preparava dados biográficos de nobres e aristocratas, mas, principalmente, acompanhava seus chefes nas campanhas guerreiras, fazendo relatos de cada etapa, vitória, derrota ou conquista. Tais registros seriam lidos, ao retorno das andanças bélicas, pelos sacerdotes, para encantamento da população que mandara seus filhos ao sacrifício pela glória do supremo dirigente.

O que se pode deduzir de tais registros é que não passavam de uma espécie de “diário de campanha”, cuja fidelidade aos fatos era bastante duvidosa, já que se destinavam a elogiar e enaltecer o chefe. Essa tendência de muitos escritores se mantém até os dias atuais, refletindo o que diz esta antiga máxima: “Aos reis, como às crianças, é preciso enganá-los, para seu próprio bem”. Sintomaticamente, José de Alencar colocou esse provérbio na introdução de seu livro Crônica dos Tempos Coloniais, debaixo de um subtítulo: Advertência.

Aí está, com todos os seus vícios de origem, a primeira manifestação de um gênero que, depois, derivou para a crônica, ou para o diário e até para a autobiografia.

O que mais se aproxima, hoje, da atividade dos antigos escribas é, certamente, o noticiarista, encarregado de relatar os fatos do dia-a-dia, para jornais, rádios e televisões, sem acrescentar-lhes comentários.

O cronista de si mesmo

Outro tipo de cronista é o que dispensa o escriba e passa a relatar seus próprios feitos gloriosos. Exemplo típico foi Júlio César que, no livro De Beilo Galico (sobre a Guerra nas Gálias), contou sua saga para a posteridade. Foi bastante imitado, tanto assim que relatos desse tipo, assinados por grandes personalidades históricas, como o marechal Montgomery, o general von Rommell e outros, são freqüentes.

Se, por um lado, isso pode levar a distorções quanto à veracidade dos fatos, por outro, o receio de parecer ridículo, exagerado ou. até mentiroso deve ter contido, em muitos desses relatos autobiográficos, os impulsos de auto-exaltação. Pelo menos uma constatação tem sido feita: os historiadores não encontraram muitos fatos a contestar em tais crônicas de campanha.

O cronista a distância

O cronista pode também manter-se a distância dos fatos. É bem antiga essa forma de relatar. Já a encontramos em Homero que, com certeza, não esteve presente nos episódios que relatou. Mas sua forma de dizê-lo, embora em versos, é típica da crônica:

Fomos aí ter a magnífico porto, cercado ele todo de pedras íngremes, que nuas se erguem por ambos os lados.
Dois promontórios, em frente postados um ao outro, se encontram logo na entrada, salientes...

A linguagem é a mesma do cronista “testemunha ocular da História”, mas, evidentemente, muito de imaginação e de visão poética entrou na composição da Odisséia e da Ilíada.

Porém, um fato bem posterior e até recente comprova que, mesmo a distância, Homero procurava a fidelidade histórica. Tanto assim, que foi pela sua obra que se localizou o sítio onde outrora existiu a cidade de Tróia.

Cronista a distância também foi Fernão Lopes, o mais importante dos relatores portugueses da passagem da época medieval para a renascentista, pois ele escreveu e recompôs, com base em documentos pesquisados, a vida e os feitos de diversos reis de Portugal.

O fato de fazerem crônicas a distância aproxima-os muito do historiador, pois o fato histórico e sua análise se mantêm, perpetuando seus protagonistas.

É ainda José de Alencar quem nos conta como concebeu o livro Guerra dos Mascates:

Tornando ao gabinete, depois de uma manhã perdida, deu-me a curiosidade de examinar as antigualhas do embrulho (que lá fora deixado por um sacristão...) antes de mandá-las para o lixo. (...) Era o manuscrito de uma crônica inédita sobre a Guerra dos Mascates.

E assim nasceu o livro de Alencar, a partir de antigos alfarrábios deixados por algum cronista anônimo...

A crônica moderna

Na verdade, a crônica que chamaremos de moderna não é tão moderna e talvez não seja tão crônica...

Por exemplo: a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, relatando a descoberta do Brasil, não é uma carta. E uma crônica, no melhor dos estilos de “testemunha ocular da História”. Respeitou todas as técnicas da cronologia, com datas e até horários, descrevendo passo a passo os acontecimentos. Por outro lado, o autor faz comentários, aconselha, sugere, critica, tudo ao mesmo tempo.

Ora, essa miscelânea, quer de assuntos, quer de posições assumidas pelo cronista, é bem típica de uma vertente da crônica atual. Ela começa com pequenos tópicos, baseados em acontecimentos do dia e analisados ora jocosa, ora hurnoristicamente. Quase sempre mordaz, de vez em quando é poética, intimista, porque vai à intimidade do autor, geralmente personalidade famosa do mundo das letras, sobre quem o leitor quer sempre saber mais alguma coisa, de preferência íntima, particular, secreta. Um exemplo bem marcante é a crônica “Meu filho”, em que Vargas Llosa revela pormenores de sua vida familiar, de roldão com sua atividade mundana como integrante de júris cinematográficos.

Cronistas modernos

No Brasil, tal tipo de miscelânea teve grandes figuras: Viriato Correia, Humberto de Campos e seu Conselheiro XX, Álvaro Moreyra, João do Rio e, bem mais modernamente, Rubem Braga, Fernando Sabino, Rachei de Queiroz, Paulo Francis, Carlos Drummond de Andrade, Otto Lara Resende, Carlos Heitor Cony, João Ubaldo Ribeiro, Luís Fernando Veríssimo.

Mas há também tipos de crônica que se especializaram: a crônica política, como a que faz Carlos Heitor Cony e Alexandre Garcia; a esportiva, como a que fazia João Saldanha; a humorística, de Luís Fernando Veríssimo; a social, de Jacinto de Thormes; a gastronômica, de Sylvio Lancellotti; a econômica, de Joelmir Betting; e tantas outras.

A crônica, hoje, é abrangente, envolvente: abarca memória e profecia, presente e passado, literatura e polêmica, exaltação e condenação. Está livre dos senhores e mecenas, cada vez mais personalizada, refletindo muito mais o subjetivismo do autor do que o objetivismo dos fatos. E o cronista transforma-se em testemunha ocular de si mesmo.

2. Tipos de crônica

Como classificar uma modalidade tão maleável como a crônica? O que os textos geralmente têm em comum é a brevidade, a abordagem reflexiva e subjetiva do autor. Apenas a crônica narrativa pode não apresentar um posicionamento impressionista do narrador, atendo-se tão-somente aos fatos, à história criada.

Por isso, na classificação que ora apresentamos, as crônicas foram divididas considerando-se o procedimento textual predominante — o comentário, a narração, o lirismo e outros —, o que não elimina a mescla de procedimentos nem a impressão subjetiva exteriorizada pelo autor.

3. Crônica descritiva

Quando uma crônica explora a caracterização de seres animados e inanimados num espaço, viva como uma pintura, precisa como uma fotografia ou dinâmica como um filme, temos uma crônica descritiva. A captação impressionista, particularizada e conotativa dos elementos define a descrição subjetiva; a captação referencial, impessoal e denotativa define a descrição objetiva. O descritivismo é sempre veículo para reflexões numa crônica centrada na descrição.

O mato

Veio o vento frio, e depois o temporal noturno, e depois da lenta chuva que passou toda a manhã caindo e ainda voltou algumas vezes durante o dia, a cidade entardeceu em brumas. Então o homem esqueceu o trabalho e as promissórias, esqueceu a condução e o telefone e o asfalto, e saiu andando lentamente por aquele morro coberto de um mato viçoso, perto de sua casa. O capim cheio de água molhava seu sapato e as pernas da calça; o mato escurecia sem vagalumes nem grilos.
Pôs a mão no tronco de uma árvore pequena, sacudiu um pouco, e recebeu nos cabelos e na cara as gotas de água como se fosse uma bênção. Ali perto mesmo a cidade murmurava, estalava com seus ruídos vespertinos, ranger de bondes, buzinar impaciente de carros, vozes indistintas; mas ele via apenas algumas árvores, um canto de mato, uma pedra escura. Ali perto, dentro de uma casa fechada, um telefone batia, silenciava, batia outra vez, interminável, paciente, melancólico. Alguém com certeza já sem esperança, insistia em querer falar com alguém.
Por um instante, o homem voltou seu pensamento para a cidade e sua vida. Aquele telefone tocando em vão era um dos milhões de atos falhados da vida urbana. Pensou no desgaste nervoso dessa vida, nos desencontros, nas incertezas, no jogo de ambições e vaidades, na procura de amor e de importância, na caça ao dinheiro e aos prazeres. Ainda bem que de todas as grandes cidades do mundo o Rio é a única a permitir a evasão fácil para o mar e a floresta. Ele estava ali num desses limites entre a cidade dos homens e a natureza pura; ainda pensava em seus problemas urbanos — mas um camaleão correu de súbito, um passarinho piou triste em algum ramo, e o homem ficou atento àquela humilde vida animal e também à vida silenciosa e úmida das árvores, e à pedra escura, com sua pele de musgo e seu misterioso coração mineral.
E pouco a pouco ele foi sentindo uma paz naquele começo de escuridão, sentiu vontade de deitar e dormir entre a erva úmida, de se tornar um confuso ser vegetal, num grande sossego, farto de terra e de água; ficaria verde, emitiria raízes e folhas, seu tronco seria um tronco escuro, grosso, seus ramos formariam copa densa, e ele seria, sem angústia nem amo,; sem desejo nem tristeza, fone, quieto, imóvel, feliz.
(Rubem Braga)

Essa crônica descritiva constrói-se através da caracterização de seres e objetos, num cenário que vai da cidade à natureza. O texto apresenta o efeito estético do universo urbano definido sobretudo pela enumeração da cidade, com o recurso de assíndetos e polissíndetos reproduzindo os ritmos da cidade grande e da natureza. A linguagem do autor é impressionista: sua visão subjetiva dos elementos marca-se por inesperadas sinestesias (“telefone impaciente e melancólico”, “vida silenciosa e úmida das árvores”, “pedra escura com seu misterioso coração animal”).

4. Crônica narrativa

Menor que um conto e maior que uma piada, a crônica narrativa conta um episódio cativante cuja trama é leve e digestiva, envolvendo muita ação, poucas personagens e uma conclusão inusitada. O humor anedótico ou a crítica mordaz são os traços mais comuns da crônica narrativa. Geralmente, não há intromissão do narrador (digressões, comentários, apontamentos dissertativos).

Choro, veia e cachaça

Enterro de pobre sempre tem cachaça. É para ajudar a velar pelo falecido. Sabem como é; pobre só tem amigo pobre e, portanto, é preciso haver um incentivo qualquer para a turma subnutrida poder agüentar a noite inteira com o ar compungido que o extinto merece.
Enfim, a cachacinha é inevitável, seja numa favela carioca, seja num bairro pobre da cidade do interior; Foi o que aconteceu agora em Ubá (MG), terra do grande Ari Barroso. Morreu lá um tal de 56 Nicolino, numa indigência que eu vou te contar; Segundo telegrama vindo de Ubá, alguns amigos de 58 Nicolino compraram um caixão e algumas garrafas de cangibrina, levando tudo para o velório. Passaram a noite velando o morto e entornando a cachaça. De manhã, na hora do enterro, fecharam o caixão e foram para o cemitério, num cortejo meio ziguezagueando e num compasso mais de rancho que de féretro. Mas — bem ou mal — lá chegaram, lá abri rata a cova e lá enterraram o caixão.
Depois voltaram até a casa do mono, na esperança de ter sobrado alguma cachacinha no fundo da garrafa. Levaram, então, a maior espinafração da vizinha do pranteado 56 Nicolino. E que os bêbados fecharam o caixão, foram lá enterra,; mas esqueceram o falecido em cima da mesa.
(Stanislaw Ponte Preta)

A crônica de Stanislaw Ponte Preta é narrativa, pois conta uma breve história em tom humorístico, numa linguagem cotidiana, coloquial e intimista, com sabor tipicamente brasileiro.

5. Crônica narrativo-descritiva

Quando um texto alterna momentos narrativos com flagrantes descritivos, temos uma abordagem narrativo- descritiva. Dessa forma, as ações detêm-se para que o leitor visualize, mentalmente, as imagens que a sensibilidade do autor registra com palavras. O que se observa no texto assim qualificado é a predominância da sucessão de ações sobre as inserções descritivas.

Observe essas características na brevidade da crônica abaixo.

Brinquedos

Ora, uma noite, correu a notícia de que o bazar se incendiara. E foi uma espécie de festa fantástica. O fogo ia muito alto, o céu ficava todo rubro, voavam chispas e labaredas pelo bairro todo. As crianças queriam ver o incêndio de perto, não se contentavam com portas e janelas, fugiam para a rua, onde brilhavam bombeiros entre jorros d’água. A eles não interessava nada, peças de pano, cetins, cretones, cobertores, que os adultos lamentavam. Sofriam pelos cavalinhos e bonecas, os trens e os palhaços, fechados, sufocados em suas grandes caixas.
Brinquedos que jamais teriam possuído, sonho apenas da infância, amor platônico.
O incêndio, porém, levou tudo. O bazar ficou sendo um famoso galpão de cinzas.
Felizmente, ninguém tinha morrido — diziam em redor. Como não tinha morrido ninguém? —pensavam as crianças. Tinha morrido um mundo, e, dentro dele, os olhos amorosos das crianças, ali deixados.
E começávamos a pressentir que viriam outros incêndios. Em outras idades. De outros brinquedos. Até que um dia também desaparecêssemos, sem socorro, nós, brinquedos que somos, talvez, de anjos distantes!
(Cecília Meireles)

Nessa crônica de Cecília Meireles, alternam-se a narração — “Ora, uma noite correu a notícia de que o bazar se incendiara” —, a descrição — “O fogo ia muito alto, o céu ficava todo rubro, voavam chispas e labaredas (...)“

— e a reflexão — “Até que um dia desaparecêssemos, sem socorro, nós, brinquedos que somos (...)“. O desenvolvimento narrativo-descritivo configura-se, pois, como um veículo para a reflexão. Submetido à linguagem poética, nesse hibridismo textual, o patético torna-se lírico.

Nudez

A filha tentava convencer a mãe a ir à praia e a velha resistia:
estava muito idosa e gorda para vestir maiô.
— Mas, mamãe, eu já vi de maiô, na praia, muitas senhoras mais velhas e mais gordas do que você!
E a velha suavemente:
— Eu também já vi. Por isso é que não vou.
Para mim, o critério dessa velha é o critério certo em matéria de nudez, O que é feio se esconde. Um moço, uma moça, no esplendor da juventude, seus belos corpos podem se mostrar praticamente desnudos, de biquíni, de sunga, de cavado: assim tão enxutos, rijos, tostados, chegam a ser castos. Predomina a impressão de beleza e saúde sobre a sugestão erótica. E, depois, sabe-se que aquela floração é tão transitória! Deixem que os jovens fruam o instante passageiro, que usem e mostrem os corpos na sua hora de flor antes que chegue a hora da semente e do declínio.
Afirmam os nudistas, com perfeita lógica, que, todo o mundo andando nu, a nudez acostuma e deixa de escandalizar: sim, acredito que num campo de nudistas se acabe vivendo com a mesma naturalidade que numa sala de famz7ia. Aliás, quem convive com índios sabe disso: o hábito torna a nudez invisível O que eu tenho contra os nudistas é a exibição obrigatória da feiúra humana, o seu despojamento total, a miséria fisiológica sem um véu que a disfarce. O ridículo, a falta de dignidade de todo o mundo nu.
Certa amiga minha, que, numa praia da Noruega, de repente se viu dentro de um grande bando de gente nua, diz que o seu choque primeiro não foi o da vergonha, foi o do grotesco. As pelancas, os babados, os rins flácidos, os joelhos grossos. A velhota magra com seus ossinhos de frango assado, a quarentona de busto murchinho, o senhor ruivo de barriga redonda, braços e canelas tão finos e peludos que, se tivesse mais duas pernas, seria igual a uma aranha. A matrona obesa e o seu esposo idem e o par de jovens rechonchudos, de mãos dadas como dois porquinhos enamorados. A seca donzela machona de coxas de cavalete, e a falsa Vênus de cintura grossa, com o falso atleta de torso enorme e pernas curtas. Da tribo toda, praticamente só se salvaram os adolescentes e as crianças.
A humanidade nua é feia, não há dúvida. E por isso mesmo a gente se oculta debaixo da roupa. Talvez mais do que para o defender do frio, a roupa se inventou para encobrir o corpo e lhe dar dignidade. O que é bonito se mostra, o que é feio se esconde, é a lei de todas as culturas humanas. Nada mais triste do que a deterioração do que foi belo. Ninguém usa no dedo um anel sem a pedra, ninguém bota na sala um ramo de flores murchas.
(Rachel de Queiroz)

Alternam-se nessa crônica diferentes processos textuais: a narração (com o recurso do discurso direto), a reflexão (através de digressões que formam um comentário sobre o assunto) e- a descrição (uma captação fotográfica da situação exposta). Enquanto a subjetividade opinativa assinala os comentários reflexivos, o humor pleno de sinestesias marca a irreverência descritiva.

6. Crônica lírica

Quando a nostalgia, a saudade e a emoção predominam, tentando traduzir poeticamente a linguagem dos sentimentos, a crônica é lírica.

Apelo
Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.
Com os dias, Senhora, o leite pela primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada.
Toda a casa era um corredor deserto, e até o canário ficou mudo. Para não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam e eu ficava só, sem o perdão de sua presença a todas as aflições do dia, como a última luz na varanda.
E comecei a sentir falta das pequenas brigas por causa do tempero na salada o meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? As suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa, calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolhas? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor
(Dalton Trevisan)

No contexto da crônica, a ausente figura feminina presentifica-se por meio do impressionismo do autor. No lirismo nostálgico, está o predomínio das funções poética e emotiva da linguagem. A função conativa (o vocativo “Senhora”) reitera o título “Apelo”, sugere o destinatário, mas não o identifica, O texto ganha expressividade nessa indefinida mulher: o leitor é instado a supor a identidade da senhora ausente com a mesma intensidade com que supõe o motivo da ausência, e, dessa forma, identifica-se com as emoções do narrador.

7. Crônica reflexiva

Se a interioridade do autor projeta-se sobre a realidade que o cerca, interpretando-a e registrando-a através de conjecturas, inferências e associações de idéias, temos a crônica reflexiva.

Vitória nossa
O que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia?
Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos ser tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos, nem aos outros. Não temos nenhuma alegria que tenha sido catalogada. Temos construído catedrais e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e talvez sem consolo. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro que por amor diga: teu medo. Temos organizado associações de pavor sorridente, onde se serve a bebida com soda. Temos procurado salvar-nos, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de amor e de ódio. Temos mantido em segredo a nossa morte. Temos feito arte por não sabermos como é a outra coisa. Temos disfarçado com amor nossa indiferença, disfarçado nossa indjferença com a angústia, disfarçando com o pequeno medo o grande medo maior. Não temos adorado, por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fiui tolo”, e assim não chorarmos antes de apagar a luz. Temos tido a certeza de que eu também e vocês todos também, e por isso todos sem saber se amam. Temos sorrido em público do que não sorrimos quando ficamos sozinhos. Temas chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso temos considerado a vitória nossa de cada dia...
(Clarice Lispector)

Introspecção, reflexão e subjetividade são as marcas discursivas de dance Lispector. Seu texto é uma revelação dos questionamentos, anseios e comedimentos do homem. Sua linguagem rastreia as regiões abissais do inconsciente, onde estão os arquétipos do comportamento humano, as fobias e desejos, trazidos à tona por uma visão metafórica que traduz estados de alma.

8. Crônica metalingüística

Na crônica metalingüística, o autor volta-se para o ato de escrever, sob a forma de uma reflexão despretensiosa, de uma retrospectiva das primeiras experiências com as letras, de uma análise da palavra.

Crônica tem esta vantagem: não obriga ao paletó-e-gravata de editorialista, forçado a definir uma posição correta diante dos grandes problemas; não exige de quem afaz o nervosismo saltitante do repórter, responsável pela apuração do fato na hora mesma em que ele acontece; dispensa a especialização suada em economia, finanças, política nacional e internacional, esporte, religião e o mais que imaginar se possa. Sei bem que existem o cronista político, o esportivo, o religioso, o econômico etc., mas a crônica de que estou falando é aquela que não precisa entender de nada ao falar de tudo. Não se exige do cronista geral a informação ou o comentário precisos que cobramos dos outros, O que lhe pedimos é uma espécie de loucura mansa, que desenvolva determinado ponto de vista não ortodoxo e não trivial, e desperte em nós a inclinação para o jogo da fantasia, o absurdo e a vadia ção de espírito. Claro que ele deve ser um cara confidvei, ainda na divagação. Não se compreende, ou não compreendo, cronista faccioso, que sirva a interesse pessoal ou de grupo, porque a crônica é território livre da imaginação, empenhada em circular entre os acontecimentos do dia, sem procurar influir neles. Fazer mais do que isto seria pretensão descabida de sua parte. Ele sabe que seu prazo de atuação é limitado: minutos no café da manhã ou à espera do coletivo.
(Car)os Drummond de Andrade)

Nesse texto, identificamos a função metalingüística na interpretação do autor sobre o conceito de crônica e sobre os alcances da imaginação de um cronista ao cercar-se de episódios prosaicos. A fluidez de sua linguagem leva a uma precisa definição de crônica, resultando num texto leve e cativante, típico de uma crônica sem pretensões jornalísticas ou literárias.

9. Crônica-comentário

Cercando-se de impressões críticas, com ironia, sarcasmo ou humor, a crônica-comentário resulta num texto cujo ponto forte são as interpretações do autor sobre um determinado assunto, numa visão quase jornalística.

De como não ler um poema

Há tempos me perguntaram umas menininhas, numa dessas pesquisas, quantos diminutivos eu empregara no meu livro A rua dos Cataventos. Espantadíssimo, disse-lhes que não sabia. Nem tentaria saber, porque poderiam escapar-me alguns na contagem. Que essas estatísticas, aliás, só poderiam ser feitas eficientemente com o auxilio de robôs1. Não sei se as menenininhas sabiam ao certo o que era um robô. Mas a professora delas, que mandara fazer as perguntas, devia ser um deles.
E mal sabia eu, então, que estava dando um testemunho sobre o estruturalismo o qual só depois vim a conhecer pelos seus produtos em jornais e revistas. Mas continuo achando que um poema (um verdadeiro poema, quero dizer), sendo algo dramaticamente emocional não deveria ser entregue à consideração de robôs, que, como todos sabem, são inumanos1. Um robô, quando muito, poderá fazer uma meticulosa autópsia — caso fosse possível autopsiar uma coisa tão viva como é a poesia.
Em todo caso, os estruturalistas não deixam de ter o seu quê de humano.. -
Nas suas pacientes, afanosas, exaustivas furungaçôes, são exatamente como certas crianças que acabam estripando um boneco para ver onde está a musiquinha.
(Mário Quintana)

O sarcasmo e a ironia revestem o texto de Mário Quintana. A opinião sarcástica fica por conta das apreciações irreverentes e irônicas e até pelo uso pejorativo do diminutivo “menininhas”. A visão crítica do poeta estende-se a considerações igualmente ferinas sobre as propostas estruturalistas.

1 lrreverência e ironia.

Fonte:
http://www.coladaweb.com/redacao/cronica