terça-feira, 14 de junho de 2022

Leon Eliachar (Decisão)

Dona Gertrudes quase caiu pra trás quando a filha lhe disse:

— Estou apaixonada pelo Zacarias, mamãe.

— Mas ele é casado, minha filha.

— E daí? Quem não é casado hoje em dia, mamãe?

Dona Gertrudes engasgou com a sopa, deixou cair o talher no chão:

— Que ideias são essas, minha filha? Onde é que você está aprendendo essas coisas?

— A senhora bem sabe o que penso do casamento.

Dona Gertrudes não tinha muita saída, diante do argumento decisivo da filha:

— Veja o seu caso, mamãe. A senhora não é casada com o papai e vive muito feliz com ele, não vive?

Dona Gertrudes tentou explicar:

— Mas o seu caso é diferente.

— Não há diferença alguma, quando duas pessoas se gostam.

Não houve jeito de demover a ideia da filha. Ela estava presa demais às suas convicções pra estar voltando atrás assim sem mais nem menos. Armando, o pai, ouvia o diálogo sem dizer uma palavra. Soprava a sopa, tranquilo, enquanto mãe e filha iam perdendo a calma.

— Não permitirei que você tenha ligação alguma com esse homem.

— Isso é o que a senhora pensa — respondeu, retirando-se da mesa.

Dona Gertrudes perdeu o apetite, trocou ideias com o companheiro. Nunca pensaram que isso fosse acontecer, logo à sua filha. Armando foi positivo:

— Quem sabe eles serão felizes, meu bem?

Dona Gertrudes ficou indignada:

— Até você, Armando? Onde é que você está com a cabeça? Já imaginou a sua filha “juntada” com um homem?

Armando calou a boca, preferiu não discutir. Chegou a pensar que sua companheira se sentisse infeliz por não ser casada com ele, com certidão e tudo. Para ele, bastava serem felizes, se compreenderem, se respeitarem, coisas que muito papel de cartório não dá a ninguém. Dona Gertrudes insistia:

— O que dirão os outros?

A filha voltou com duas maletas nas mãos, a tempo de rebater a última frase da mãe.

— Os “outros”, sempre os “outros”. Que é que os “outros” têm a ver com a minha vida?

Dona Gertrudes tentou convencê-la:

— Você não sabe o que está dizendo, minha filha. Nossas vidas sempre dependem mais dos outros do que de nós mesmos. Por mais que a gente se considere independente, temos sempre satisfações a dar aos “outros”. Não se esqueça de que vivemos numa sociedade e é ela quem dita as normas da vida.

A filha não quis ouvir tudo, deu um beijo na mãe, outro no pai, e foi saindo:

— Vou para um hotel. Sinto que não há mais clima pra mim dentro desta casa.

Dona Gertrudes enxugou uma lágrima. Seu Armando baixou a cabeça. Ninguém disse uma palavra. Quando ia saindo, a empregada entrou, como numa peça de teatro:

— Telefone pra senhora. É o Dr. Zacarias.

Correu pro telefone, falou quase quinze minutos, quando desligou estava com a fisionomia completamente mudada. Trouxe as maletas de volta:

— Zacarias vai viajar hoje para a Europa. Disse que vai passar lá dois anos, estão satisfeitos?

Dona Gertrudes e seu Armando correram para abraçá-la. A filha estava trêmula, não deu o braço a torcer:

— Vocês me aceitam de volta? Meu ponto de vista continua sendo o mesmo: marido pra mim, só homem casado.

— Está bem, minha filha, está bem. Mas por que você não foi com ele?

Caindo em prantos, ela respondeu:

— Ele foi com a mulher, mamãe. Fez as pazes com ela ontem à noite.

Um silêncio pesado caiu no ambiente e ficaram os três, calados, tomando a sopa fria.

Fonte:
Leon Eliachar. A mulher em flagrante. Publicado em 1965.

Ronnaldo de Andrade (Caderno de Trovas) – 5 -

Agora que tu és minha
e eu já sou todinho teu,
podemos, minha rainha,
enterrar o que morreu.
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Café na cama, beijinhos...
Sua mão e minha mão...
Somos no inverno peixinhos
nadando no meu colchão.
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Cansei de ser passatempo,
seu brinquedo descartável.
Você foi um contratempo
para mim, incontestável.
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Com as mãos postas no peito
declarei à minha amada,
meu amor mais-que-perfeito,
e morri sem ouvir nada.
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Deixo em seu criado-mudo,
nossa foto de noivado;
nesse tempo eu era tudo
que você queria ao lado!
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De maneira fria e crua,
covardemente e sem lógica,
você me tirou da sua
árvore genealógica.
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É dureza amar a alguém
e não ser correspondido.
Às vezes, isso não tem,
nem faz o menor sentido.
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És luz que brilha em meu céu,
linda, meiga e delicada;
pra santa te falta o véu,
linda luz de minha estrada.
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Eu passo a noite cantando,
pra sufocar minha dor,
que aos poucos vai maltratando
meu coração sonhador.
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Eu sinto que estou amando
e esse amor muito me anima,
feito pássaro cantando
e uma trova toda em rima.
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Lua que brilha no céu,
ilumina minha estrada,
para eu pegar o mel
nos lábios de minha amada.
(Trova em parceria com Brenda Lyn, minha filha)
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Meu corpo todo retalho,
e ela me diz: “– Não tem lógica,
só não lhe quero no galho
da árvore genealógica”.
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Minha tristeza é profunda,
quero tirar minha vida.
A minh'alma está imunda
e anda no mundo perdida.
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Não brinque assim! Não maltrate
o meu coração que é seu.
Nele vive, Amor, não mate
"o amor que, intenso cresceu...".
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Não sai de minha memória
a nossa história de amor;
você, sua trajetória,
seu desejo abrasador...
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Nosso amor é tocha acesa,
é mel que a gente consome;
geleia de framboesa:
tudo que nos mata a fome!
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Os olhos da noite estão
onde os seus não podem ver.
Pergunte ao seu coração
se ele sabe lhe dizer.
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Peço-lhe pra me perdoar,
mesmo se achar que é demência
o amor que eu quero lhe dar,
e que falo em reticência.
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Por causa do teu ciúme
me afastei, fiquei distante;
porém isso não resume
quanto me foste importante.
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Preciso daquele amor,
aquele amor prometido
com graça e muito fervor,
antes de eu ser seu marido.
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Preciso de amor, carinho...
Gesto mais apaixonado,
pra não me sentir sozinho
tendo você a meu lado.
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Procuro em minha memória,
um motivo e qual a lógica,
de não ter em nossa história
uma árvore genealógica.
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Solidão, não me judia
nem ria como os palhaços.
"Que dolorosa ironia"
ver quem amo em outros braços!
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Tarde fria! Chuva fina!
E essa saudade, a contento,
não deixa eu tirar, menina,
você do meu pensamento!
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Tenho ao meu lado a tristeza,
que você deixou um dia;
ela é melhor, com certeza,
do que a sua companhia.
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Tomou meu leme da vida
como fosse embarcação,
e partiu logo em seguida
do mar do meu coração!
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Você apareceu, querida,
toda altiva e majestosa,
e perfumou minha vida
com a fragrância de rosa.
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Volte aos meus braços, querida,
volte para o nosso lar;
e descubra enquanto há vida,
o valor do “perdoar”!

Fonte:
Trovas enviadas pelo trovador.

Sammis Reachers (As doces mangas – e o muro – do velho Lauro)

Como eu disse, uma das mais doces atividades da idade, figurada e literalmente, era apanhar frutas – dentro ou fora da legalidade, pois à época a fronteira entre tais picuinhas era muito sutil.

Em linhas paralelas, nosso pequeno sub-bairro era formado por apenas quatro longas ruas. A primeira, margeando o rio Alcântara, era a Manoel Bandeira, nosso terno e frágil poeta. Em seguida vinha a central e principal, honrando o grande Pastor Martin Luther King, e para cima as outras duas.

Me lembro de certa feita em que eu e Renato fomos em missão sigilosa até a última rua, que era pouco movimentada. Havia um terreno desocupado, protegido apenas por uma cerca de arame (ou seja: protegido pelo vento...) e, dentro dele, jazia solitária e imensa uma mangueira de manga espada. Ao lado do terreno ficava a casa do proprietário, essa medievalmente murada: era o irmão Lauro, por sinal pai de uma menininha que foi minha primeira paixão platônica.

Assim, vendo que o tempo era propício e as mangas convidativas, lá fomos nós naquela manhã surrupiar algumas delas. Eu e Renato já tínhamos certo know-how na área: na casa ao lado costumávamos roubar cajás... Rua deserta e silenciosa, penetramos no minifúndio e principiamos a tacar paus e pedras naquelas alturas, tentando derrubar algum favo daquele mel alaranjado, rainha das frutas vinda da Índia.

Em meio da faina naquela dura lavoura, nem percebemos quando o Lauro, um moreno com cabelos lisos como um índio, adentrando o clube dos obesos, “brotou” já dentro da cerca. O sexto sentido de Nato falhara, e nossa captura era iminente!

– Moleques safados, vou pegar vocês, vem cá! – e o brutamontes avançava, senhor de seu direito, afinal não pedíramos para colher os frutos.

Geralmente Renato percebia a presença hostil e imediatamente desabalava a correr em silêncio; jamais dizia sequer um “corre, Sammis”. Jamais! Eu que me virasse. Ou ficasse de boi pras piranhas. Mas neste dia ambos fomos pegos em perfeita surpresa, e corremos juntos para a única escapatória: o muro em tijolos nus que separava o terreno de Lauro da casa ao lado. Tal casa não possuía portão e o melhor, por seu quintal podiam ser acessadas duas ruas. Não era apenas a melhor rota de fuga, mas a perfeita, criada por Deus para isso.

Corremos em direção ao muro e pulamos – juntos, como símios habilitados em parkour, bem antes do parkour ser “fundado” em França. Eramos magricelas, mas o pedreiro que erguera aquele muro falhara em algo; assim que tocamos nossas mãos no alto do muro, de forma perfeitamente síncrona, algo divertidíssimo – ou triste no momento, mas hoje divertidíssimo – aconteceu. O muro começou a tombar com o nosso peso. Sim, nos agarramos no muro e ele “quebrou” quase ao meio. A sincronicidade dos moleques do balacobaco naquele dia foi elevada a nível olímpico, como de uma dupla de salto ornamental. Ainda no ar, caindo para trás com o muro, entendemos imediatamente que seríamos esmagados – nada que matasse, mas alguns ossos poderiam se quebrar e a fuga seria frustrada. Assim, em pleno ar, demos impulso com o pé de apoio no muro que caía, para que nos livrássemos de seu raio de impacto.

Amigos, caí em pé no chão, seguido pelo esboroar-se do muro, a coisa de apenas uns cinco centímetros de esmagar meus pés. E os de Renato, que caíra à mesma distância.

Pronto, subíramos de nível e já éramos Ninjas da Presepada.

Mas não era caso de comemorar o feito. Sem olhar para trás, pulamos por sobre os tijolos e o cotôco de muro que restara, enquanto o bom Lauro – poderia ter sido meu sogro! – multiplicava seu ódio ao perceber o prejuízo com o muro – muro que talvez ele mesmo tivesse erguido...

Aquela aventura não teve maiores consequências, pois o tal Lauro, ainda que conhecesse meus pais, aparentemente não me conhecia ou reconhecera, e nem a Renato, senão a notícia teria chegado lá em casa, como tantas chegaram, para alegria da vara de goiabeira e da sandália Havaianas de minha mãe, minhas inimigas figadais.

Fonte:
Sammis Reachers. Renato Cascão e Sammy Maluco: uma dupla do balacobaco. São Gonçalo/RJ: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

segunda-feira, 13 de junho de 2022

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 7

 

Nadir D’Onofrio (Poemas Escolhidos) V

A DONZELA E A LUA


Tal qual noviça
Donzela e pura
Ofereço uma oração
Ao despontar a manhã...

Vendo a lua ainda a brilhar
Tomada por encanto e magia
Lépida me pus a dançar...

O sol invejou esse momento
Quebrou meu encantamento
Brilhando com todo esplendor
Ofuscando da lua o brilho inspirador...

A noite não demora chegar!
Vá lua, deusa, amiga
Volte depois pratear essa terra
Aqui me encontrará...nua a dançar.
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ATRACADOURO
 
Solitário ou da solidão
companhia dos meus dias?
Interprete como quiser!
Chegará o momento em que
o degelo cessará, as águas
diminuirão de volume.
O isolamento será maior,
no entanto considero, insignificante,
se comparado ao que me foi imposto...
Até os gritos de angustia
tem ecos, diferenciados.
Que planeta é esse, onde
não vejo a luz do sol?
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LUAR SOBRE O MAR

Quadro perfeito
Quietude no momento
Aguça inspiração...
 
 Em fase de glória
Ou  quando a tristeza aflora
E o vazio apavora
 
 Solitário vai o poeta
Ser de alma sonhadora!
Imaginar sua estória...
 
E o mar à espera!
Das letras na areia
Explícitas declarações à musa…
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SINAIS

Sem pestanejar os atendi
Manhãs e noites de orgia
Em teus braços me perdi
Sorvendo tua sabedoria
Com você só aprendi
Nada, constrangia!
Em teus beijos, transcendi
Hoje consulto astrologia...
O tempo passou
Finalizaram os sinais
Alguém regressou...
Você partiu para os finais
Tua chama por mim apagou
Restaram, somente... meus ais…
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TEMPO INFANTE
 
Eram festivos os momentos
luminosidade aristocrática,
inerente ao ser, que chegava!
Alma transbordante de afeto,
a espera fazia-se ansiada,
em seu ser, o contentamento!
Protagonista do tempo infante!
Tornando-a cativa de seu carinho...
Beleza, alegria, amor puro, devotado,
em dezenas de cestas de margaridas...
Sem entender-se apaixonada...
a menina o aguardava!
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VELAS

Tal pescador quero estar só
envolta, na redoma de lembranças!
Que não seja de todo fechada, nem densa,
para poder sentir do mar a brisa.
Ouvir a cantilena do vento
soprando, em meus ouvidos.
Enquanto olhos debilitados
vasculham a linha do horizonte
vislumbram, velas enfunadas!
Saberei que os ventos estão favoráveis...
Presságio... a espera não será prolongada

Contos e Lendas Indígenas (Nação Lakota: Mulher Búfalo Branco) Parte 2, final

A Mulher Búfalo Branco mostrou ao povo o caminho certo para orar, as palavras certas e os gestos certos. Ela ensinou-os a cantar a canção de preenchimento de tubulação e como levantar o tubo do cachimbo para o céu, para o avô, e para baixo em direção a Unci, Avó Terra, e depois para as quatro direções do universo.

Com este tubo de santo”, ela disse, “você vai andar como uma oração viva”. Com os pés descansando sobre a terra e a haste do tubo alcançando para o céu, seu corpo forma uma ponte viva entre o Sagrado Abaixo e Acima. Wakan Tanka sorri sobre nós, porque agora nós somos como um: terra, céu, todas as coisas vivas, os de duas pernas, os de quatro patas, os de as asas, as árvores, as gramíneas.

Juntamente com as pessoas, eles estão todos relacionados, uma família. O tubo mantém-los todos juntos.

Olhe para este fornilho”, disse a mulher Búfalo Branco. ”Sua pedra representa o búfalo, mas também a carne e o sangue do homem vermelho”.  O búfalo representa o universo e as quatro direções, porque ele fica em quatro pernas, para as quatro idades de criação. O búfalo foi colocado no oeste por Wakan Tanka na criação do mundo, para conter as águas.

Todos os anos ele perde um fio de cabelo, e em cada uma das quatro idades ele perde uma perna. O aro sagrado vai acabar quando todo o cabelo e as pernas do grande búfalo são terem ido, e a água volta para cobrir a Mãe Terra.

A haste de madeira desta chanunpa representa tudo que cresce sobre a Terra. Doze penas penduradas na haste - a espinha dorsal - se junta a taça - o crânio - são de Wanblee Galeshka, a águia manchada, um pássaro muito sagrado que é o mensageiro do Grande Espírito e o mais sábio de todos os voadores.

Você está unido a todas as coisas do universo, por tudo o que clamam a Tunkashila. Olhe para a tigela: gravado nela são sete círculos de vários tamanhos. Eles representam as sete cerimônias sagradas você vai praticar com esta chanunpa, e para a Oceti Shakowin, as sete fogueiras sagradas de nossa nação Lakota”.

A Mulher Búfalo Branco em seguida, dirigiu-se às mulheres dizendo-lhes que era a obra das suas mãos e os frutos de seus corpos que mantiveram as pessoas vivas. "Vocês são da Mãe Terra", ela disse a elas. "O que vocês estão fazendo é tão grande quanto o que os guerreiros fazem.

E, portanto, o cachimbo sagrado também é algo que liga homens e mulheres juntos em um círculo de amor. É o santo objeto na fabricação de que homens e mulheres têm uma mão.

Os homens esculpir a taça e fazer a haste; as mulheres decorá-lo com bandas de porco-espinho coloridas. Quando um homem tomar uma mulher, ambos segurem o tubo, ao mesmo tempo e um pano de tratado vermelho é enrolado em torno de suas mãos, amarrando-os junto para a vida.

A Mulher Búfalo Branco também conversou com as crianças, porque elas têm uma compreensão além de seus anos. Disse-lhes: "Vocês são a próxima geração, é por isso que vocês são os mais importantes e preciosos. Algum dia vocês vão realizar estes ensinamentos e algum dia vocês vão rezar com ele…”.

Ela falou mais uma vez para todas as pessoas: "O tubo está vivo, é um ser vermelho mostrando-lhe uma vida vermelha e uma estrada vermelha E esta é a primeira cerimônia… A alma de uma pessoa morta, porque através dele você pode falar com Wakan Tanka, o Grande Mistério. O dia em que um ser humano morre é sempre um dia sagrado. O dia em que a alma é liberada para o Grande Espírito é outro. ”

Ela falou uma última vez para Standing Horn, o chefe, dizendo: “Lembre-se:… Este tubo é muito sagrado Respeite-o e ele irá levá-lo até o fim da estrada nas quatro idades da criação que estão chegando e eu virei vê-lo em cada ciclo de geração, vou voltar para vocês”.

A mulher sagrada, em seguida, despediu-se o povo, dizendo: "Toksha ake wacinyanktin ktelo - Vou vê-los novamente.

O povo viu saindo na mesma direção de onde tinha vindo recortado contra a bola vermelha do sol poente. Enquanto caminhava ela parou e rolou quatro vezes. Pela primeira vez, ela se transformou em um búfalo preto; o segundo para em um castanho; o terceiro em um vermelho e, finalmente, a quarta vez que ela rolou, ela se transformou em um bezerro de búfalo branco. Um búfalo branco é a coisa viva mais sagrada que você poderia encontrar.

A Mulher Búfalo Branco desapareceu no horizonte. Assim que ela tinha desaparecido, búfalos em grandes manadas apareceram, permitindo-se ser mortos de forma que as pessoas pudessem sobreviver. E a partir desse dia o búfalo forneceu às pessoas tudo o que precisam - carne para a sua alimentação, peles de suas roupas e tipis, e os ossos de suas muitas ferramentas.

Fonte:Curate Ipsum
https://canal-curateipsum-blog.tumblr.com/

XIII Seletiva Nacional de Poesia para a edição do livro XIII Coletânea Século XXI (Prazo: 31 de Julho)

Homenagem à Magnífica Trovadora, Sonetista, Poeta e Contista Carolina Ramos, de 98 anos

(Prazo: 31 de julho 2022) (somente pela INTERNET)

A PoeArt Editora de Volta Redonda RJ, institui o livro XIII Coletânea Século XXI 2022 (depois das bem sucedidas Antologias Poéticas de Diversos Autores, Vozes de Aço da I a XXIV, depois do sucesso da I a XII Coletânea Século XXI, do livro Cardápio Poético, 1ª e 2ª edição, I a IX Coletânea Viagem pela Escrita. Dentre os já homenageados por suas contribuições literário-culturais em nossos livros (ou em entrevistas), estão: 
Adahir Gonçalve s Barbosa, Alan Carlos Rocha, Alexei Bueno, Álvaro Alves de Faria, Antonio Carlos Secchin, Antônio Torres, Astrid Cabral, Antonio Miranda, Anderson Braga Horta, Clevane Pessoa, Denise Emmer, Evandro Sarmento, Flávia Savary, Flora Figueiredo, Geraldo Carneiro, Gilberto Mendonça Teles, João Almino, José Eduardo Degrazia, Lourdes Sarmento, Maria Braga Horta (in memoriam), Maria José Bulhões Maldonado, Matilde Diniz Lacerda, Mauro Mota, Menulfo Nery Bezerra, Olga Savary, Oscar Niemeyer, Pedro Albeirice da Rocha, Pedro Lyra, Pedro Viana Filho, Roseana Murray, Reinaldo Valinho Alvarez, Ruy Espinheira Filho, Rubens Jardim, Tanussi Cardoso dentre outros.

PREMIAÇÃO

Os cinco melhores poemas serão publicados sem qualquer ônus. Cada um dos cinco autores premiados receberá três exemplares da obra pelos direitos autorais, diploma e a sua foto colorida no livro. Será cobrada apenas a taxa de envio dos livros pelos Correios.

A partir do sexto trabalho selecionado, os autores serão convidados a participar do livro pelo sistema de cooperativismo, pois serão escolhidos trabalhos de até 50 escritores ou mais, dependendo da qualidade literária.

Sem taxa de inscrição (até três poemas)

Ao efetuar a sua inscrição, o autor estará concordando com as regras do concurso, e, se selecionado, autorizando a publicação dos trabalhos no livro XIII Coletânea Século XXI 2022. Em caso de cópia indevida e demais crimes previstos na Lei do Direito Autoral, será responsabilizado judicialmente.

Tema e apresentação

O tema é livre.

Cada autor poderá inscrever de um a três poemas (versos livres ou poema com forma fixa), cada um em uma página, inéditos ou não, máximo de até 20 versos cada, fonte Times New Roman, corpo 12 e foto de rosto em jpg – imagem com alta qualidade. Não é necessário pseudônimo.

Muita atenção na hora de enviar seu texto: já envie revisado. Enviar em doc. anexo contendo os trabalhos e os seguintes dados: nome completo, nº do RG, nome do concurso, títulos dos trabalhos, endereço completo, dados biográficos (no máximo dez linhas) , telefone e e-mail.

As obras que chegarem sem esses dados não serão consideradas inscritas. Todos os trabalhos enviados (selecionados ou não) serão incinerados, após a divulgação do resultado.

Forma de inscrição

As obras deverão ser enviadas pela internet para: 
 
poearteditora@gmail.com

Jean Carlos Gomes / organizador e editor / organização e realização:
PoeArt Editora de Volta Redonda / telefone e WhatsApp (24) 99979-3205.


Apoiadores:
Câmara Municipal de VR, Academias Volta-redondense de Letras e Barramansense de História, Evangélica de Letras do Brasil, Costelas Felinas Livros Artesanais, IEV – Instituto de Estudos Valeparaibanos, Val Lourenço – Cabelo e Corpo, Vitor Contabilidade a imprensa falada e escrita e redes sociais.


Fonte:
Texto enviado por Jean Carlos Gomes

domingo, 12 de junho de 2022

Isabel Furini (Poema) 28: Incandescente

 

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) 8

A ave presa quando canta,
sabe que não canta em vão;
se solta a voz da garganta,
liberta a voz da prisão!
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A ganância, me insinua,
a ver crianças sem nome,
entre mendigos de rua
mastigando o pão da fome!!!
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Ante o amor, que se desfaz,
há gritos de pranto e dor,
e a terra perdendo a paz
mendiga um pouco de amor!
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As folhas secas do outono,
que se arrastara pelo chão...
Levam meus sonhos sem dono
que aos poucos, também se vão!
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Das palmas do vento, o açoite
dedilha canção tão bela,
que eu sinto os dedos da noite
batendo em minha janela!
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Deus, por ser sábio e tão santo,
num santo gesto de amor,
afasta a fonte do pranto
da fonte que orvalha a flor!
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Eis que a ilusão continua...
E, a liberdade, é ilusão;
que há jovens presos na rua
e homens livres na prisão!
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É neste silêncio mudo
quando estamos sempre a sós,
que eu percebo em quase tudo,
o que ainda existe entre nós!
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Enquanto a ganância avança
e, a exploração continua,
a fome perde a esperança
de um dia fugir da rua!
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Enquanto a noite se aninha,
a saudade me seduz
e a tarde, bela e sozinha,
enche os meus versos de luz!
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Há na cinza requentada
do fogão do meu passado,
velha saudade sentada
batendo palma ao meu lado!
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Mesmo sem cor, desbotada,
guarda uma infância tão linda,
essa fraldinha rasgada
que em meu baú, guardo ainda!
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Meu verso, por onde for,
mesmo se não for preciso,
é velha prece de amor
e paz em qualquer sorriso!
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Não temo o tempo que avança!
Envelhecer, na verdade...
é voltar a ser criança
no fim da terceira idade!
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O andarilho tem na mão,
o mais fiel breviário,
que fala da solidão
na vida de um solitário!
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Ó, solidão, tem piedade!
Ou tu não tens coração?...
Nunca sentiste saudade,
sequer, de outra solidão?
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O Sol, quando acende a chama,
e entre a neblina reluz...
Parece que o céu derrama
cristais em gotas de luz!
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O velho mosteiro, ao longe,
na solidão, sem alarde,
rende-se à prece de um monge,
nos idos, do fim da tarde!
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Preserve, não mate as matas,
o verde está moribundo!
Ouça na voz das cascatas
as dores cruéis do mundo!
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Quando a tarde, faz seus testes,
com nuvens, lençóis tecendo,
é Jesus trocando as vestes
da tarde que vai morrendo!
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Quando disseste, "até breve",
esqueceste os sonhos seus!...
Sem sonhos, ninguém descreve,
o peso da cruz do adeus!
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Quem lê, não teme os fracassos,
e a nada o leitor se rende...
Pode alguém prender teus braços,
mas os teus sonhos, não prende!
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Se a angústia, filho, entedia,
saiba que ela é cega e vã;
e, por ser cega de guia,
não guia o nosso amanhã!
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Se a sorte nos desatina,
quem ama não se maldiz;
o amor traça a própria sina
de quem quer ser mais feliz!
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Se és escravo do teu ódio,
e te escraviza o teu tédio...
Esquece a glória do pódio,
que o teu mal não tem remédio!
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Semeio meu grão sem nome,
seja na roça que for;
que a massa do pão da fome
é a mesma do pão do amor!
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Só existe um lar sem suspeita,
que agrega o amor mais profundo:
É o ventre da mãe que aceita
todas as raças do mundo!
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Teu pranto trevoso, vence-o,
pela fé, que te conduz;
que a humilde prece, em silêncio,
abre um caminho de luz!

Fonte:
Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.
Livro enviado pelo trovador.

Contos e Lendas Indígenas (Nação Lakota: Mulher Búfalo Branco) Parte 1

A Mulher Búfalo Branco, na mitologia Lakota, é uma mulher sagrada de origem sobrenatural que deu aos Lakotas  "Sete ritos sagrados". Esta história da Mulher Búfalo Branco tem imensa importância para os Lakotas e muitas outras tribos.

Mais tarde, a lenda tornou-se atribuído à deusa Wohpe, também conhecido como Whope ou Wope.

Quando os missionários católicos romanos vieram pela primeira vez entre os Lakota, suas histórias da Virgem Maria e Jesus tornaram-se associada com a lenda da Mulher Búfalo Branco. A prática sincrética de identificação de Maria com PtesanWi e Jesus com o Chununpa continua entre os Lakota cristãos.

O Primeiro búfalo branco registrado no EUA foi em 1833 quando um bisonte branco foi morto por um Lakota Cheyenne durante uma chuva de meteoros chamada Chuvas Leonid. A pele deste bisonte está pendurado na parede do Old Fort de Bent no Colorado.

O búfalo americano ou Bison é um símbolo da abundância e da manifestação do sagrado. A lição aprendida pelos Lakotas é que um não tem que lutar para sobreviver. Isto é especialmente verdadeiro se a ação correta é acompanhada pela oração direita. Ao aprender a se unir de forma adequada com o divino, tudo o que será necessário será fornecido.

Como John Lame Deer, um líder espiritual diz: “Um búfalo branco é a coisa viva mais sagrada que você poderia encontrar." A cor e a idade têm um significado muito importante e que deve ser interpretado por um homem santo.

Os nativos americanos ao ver o nascimento de um bezerro de búfalo branco como o mais significativo dos sinais proféticos, equivalentes às estátuas que jorram mel ou choram sangue e as cruzes de luz que estão se tornando predominantes dentro das igrejas cristãs de hoje. Onde os fiéis que visitam estes sinais como uma renovação da relação contínua de Deus com a humanidade, por isso os nativos americanos ao ver o bezerro de búfalo branco como o sinal do sagrado da vida.

"A chegada do búfalo branco é como a segunda vinda de Cristo”, diz Floyd, um curandeiro Lakota Oglalade de Pine Ridge, Dakota do Sul. "Ele vai trazer a pureza da mente, corpo e espírito e unificar todas as nações; preto, vermelho, amarelo e branco.“ Ele vê o nascimento de um bezerro branco como um presságio porque acontecem nos lugares mais inesperados e muitas vezes entre as pessoas mais pobres do país. O nascimento do búfalo branco sagrado fornece aqueles dentro da comunidade indígena com um sentido de esperança e uma indicação de que os bons tempos estão por vir.

A narração de uma história de uma cultura para outra é complexa; sem viver na cultura, perdemos muito do significado da história. No entanto, ela ainda pode ter significado para nós se tomarmos o tempo para aprender sobre a filosofia da cultura de onde ela veio talvez meditar ou refletir sobre seu lugar em nossas próprias vidas.
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Os dois rapazes olharam para ela de boca aberta. Um deles foi intimidado pela sua presença, mas o outro a desejava e estendeu a mão para tocá-la. Esta mulher era Lila Wakan, muito sagrada, e não poderia ser tratada com desrespeito. Um relâmpago instantaneamente atingiu o jovem impetuoso, de modo que apenas uma pequena pilha de ossos enegrecidos foi deixada.

Para o outro olheiro que havia se comportado com razão, a Mulher Búfalo Branco disse: “Trago boas coisas, algo sagrado para sua nação uma mensagem que eu vou levar da nação búfalo para o seu povo. Volte para o acampamento e diga para o seu povo… para se prepararem para minha chegada. Diga ao seu chefe para colocar um Tipi (tenda) de cura com vinte e quatro polos. Que seja santificado pela minha vinda.

Este jovem caçador voltou para o acampamento. Ele disse ao chefe e às pessoas o que a mulher sagrada havia ordenado. Assim, as pessoas colocaram um grande tipi de medicina e esperou. Depois de quatro dias eles viram a Mulher Novilho Búfalo Branco se aproximando, carregando seu pacote a sua frente. Seu vestido de camurça branca maravilhoso brilhou de longe. O chefe a convidou a entrar no tipi. Ela entrou e circulou o nascer do sol no interior. O chefe se dirigiu a ela com respeito, dizendo: “Irmã, nós estamos contentes, você veio para nos instruir”.

Ela disse a ele o que ela queria que fosse feito. No centro do tipi eles tiveram que colocar um altar sagrado, feito de terra vermelha, com um crânio de búfalo e uma mesa de três pernas para uma coisa sagrada ela estava trazendo. Eles fizeram o que ela pediu e ela traçou um projeto com o dedo na terra suavizada do altar. Parou diante do chefe e abriu o pacote. A coisa sagrada que continha era o chanunpa, o cachimbo sagrado. Ela estendeu para as pessoas para deixá-los olhar para ele. Ela estava segurando a haste com a mão direita e a fornalha com a mão esquerda.

Mais uma vez o chefe falou: “Irmã, nós estamos contentes. Nós não tivemos nenhuma carne por algum tempo, tudo o que podemos dar-lhe é água.“. Eles mergulharam alguns wacanga (uma espécie de grama doce)  dentro de um saco feito de pele cheio de água e deu a ela, e até hoje as pessoas mergulham grama doce ou uma asa de águia na água e respinga a água em uma pessoa para ser purificado, como os padres fazem com a água benta.

A Mulher Búfalo Branco mostrou ao povo como usar o cachimbo. Ela encheu-o com chan-shasha , tabaco vermelho feito da casca  do salgueiro. Ela caminhou ao redor da pousada quatro vezes após o por de Anpetu-Wi, o grande sol. Isso representou o círculo sem fim, o arco sagrado, na estrada da vida. A mulher colocou uma lasca de couro de búfalo seca no fogo e acendeu o cachimbo com ele. Este foi peta-owihankeshni, o fogo sem fim, a chama para ser passado de geração em geração.

Ela disse-lhes que a fumaça subindo da fornalha era a respiração de Tunkashila (Deus), a respiração viva do grande avô misterioso.
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Continua…

O Teatro de Rua

Modalidade de teatro produzida em espaços exteriores ao edifício teatral, preferencialmente públicos, tais como ruas ou praças. Designa espetáculos com textos elaborados especialmente para representação na rua e adaptação de textos originalmente criados para ser apresentados em outros locais, bem como manifestações cênicas improvisadas ou performáticas (incluindo-se aí performances que dialogam com o universo das artes plásticas e números ligados à tradição da comédia popular ou do circo).

O teatro de rua se baseia em certas técnicas – como a amplificação da atuação com uso de máscaras, bonecos e adereços gigantes e grande participação da música – que trabalham para atrair a atenção dos espectadores em espaços abertos (mais “dispersivos” e menos favoráveis à manutenção da concentração do que os espaços teatrais tradicionais).

As origens do teatro de rua remontam à Antiguidade clássica: na Grécia, aos cortejos e às celebrações dionisíacas; e, em Roma, às trupes de artistas populares (mímicos, músicos, cômicos etc.). Na Idade Média, com o advento do feudalismo e a retração da vida urbana, surge uma característica importante na atividade dos artistas populares: ser itinerante. Havendo poucos centros urbanos, as trupes vagam de local para local em busca de público, especialmente em ocasiões como as feiras. Há também a ligação entre o teatro de rua e a religiosidade católica nos espetáculos voltados para a doutrinação dos fiéis, como os autos e os mistérios, que na maior parte das vezes ocorrem em espaços públicos.

Com o Renascimento, começam a ganhar forma em algumas regiões da Europa os edifícios tradicionais, passando a predominar a partir do século XVI (a princípio apenas em certas áreas) o teatro com palco italiano. Aparece então uma separação mais nítida entre o teatro dito “erudito” e o de rua, de caráter mais popular. Do século XVI ao XVIII, porém, a commedia dell’arte italiana consolida alguns dos procedimentos cênicos e dramatúrgicos (principalmente cômicos) do teatro de rua, tomando-se a forma paradigmática desse tipo de teatro.

Do fim do século XVIII ao século XX, tem ensejo na Rússia uma forma de teatro popular fortemente baseada na commedia dell’arte conhecida como balagan. Já nos primeiros anos do século XX, inicia-se o movimento francês de popularização do teatro – liderado por nomes como Jacques Copeau (1879-1949) –, que leva o teatro tradicional ao espaço público e à população mais pobre; e, na Rússia, além das experiências de nomes como Meyerhold (1874-1940), que fica conhecido como o criador da técnica biomecânica, surge o teatro de conscientização política, desenvolvido simultaneamente na Alemanha.

Uma de suas formas é o agitprop: teatro realizado na rua por atores profissionais ou amadores, com cenas simples que buscam expor a luta de classes e conscientizar a população da necessidade de mudança. Após 1917, aparecem também os grandes espetáculos de massa dedicados à glorificação da revolução comunista, como A Tomada do Palácio de Inverno, realizado em 1920 em São Petersburgo, reproduzindo no próprio local esse acontecimento revolucionário marcante, contando com 15 mil profissionais (entre atores, diretores, técnicos e figurantes) e 100 mil espectadores.

No fim da década de 1920, com o advento do stalinismo, o agitprop russo perde espaço para um teatro mais tradicional. Aparece, porém, o agitprop na Alemanha, que vive o caos social após a Primeira Grande Guerra (1914-1918). Esse tipo de teatro influencia nomes como Bertolt Brecht (1898-1956) e Erwin Piscator (1893-1966), que por sua vez passam a influenciar todo o teatro político – de rua ou não – desde então.

Nos Estados Unidos, nas décadas de 1940 e 1950, surgem grupos que realizam, muitas vezes na rua, representações de cunho político. Tais grupos se fortalecem especialmente a partir da década de 1960, com a mobilização da juventude em torno de causas políticas, sociais e culturais. Entre eles estão o Living Theatre, o Bread and Puppet Theatre e o californiano San Francisco Mime Troupe. Ganham força também os happenings (acontecimentos cênicos improvisados) e as performances (experiências que misturam artes plásticas e teatro), muitas vezes em espaços públicos. Desde as décadas de 1960 e 1970, o teatro de rua também cresce na Europa, com muitos grupos, festivais e o trabalho de teóricos como o italiano Eugenio Barba (1936), formulador da antropologia teatral.

No Brasil, o teatro de rua tem como importantes referências, desde sempre, as grandes manifestações culturais populares, como Carnaval, bumba meu boi, maracatu, reisado e todos os folguedos que contam com algum tipo de teatralidade. E há importantes realizações de grupos desde a década de 1960. Exemplos disso são as atividades do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC/UNE), liderado por Augusto Boal e Oduvaldo Vianna Filho, que adapta à realidade brasileira recursos do agitprop; e o trabalho desenvolvido pelo Teatro do Oprimido, método sistematizado por Boal, que, muitas vezes apresentado na rua, visa à conscientização social.

Da década de 1970 em diante, aparecem diversos grupos que se dedicam inicialmente à pesquisa de espetáculos para a rua (e, eventualmente, também elaboram espetáculos para espaços fechados), como Ventoforte, Tá na Rua e Teatro de Anônimo (fundados no Rio de Janeiro); Ói Nóis Aqui Traveiz (em Porto Alegre); Imbuaça (em Aracaju); Galpão (em Belo Horizonte); Parlapatões, Patifes e Paspalhões (em São Paulo), entre muitos outros. Existem ainda os grupos menos conhecidos e os artistas anônimos – muitas vezes itinerantes – que até hoje, misturando as tradições teatrais e circenses, se apresentam pelas ruas do Brasil e do mundo.

Fontes:
TEATRO de Rua. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo882/teatro-de-rua. Acesso em: 11 de junho de 2022. Verbete da Enciclopédia.
– Imagem : Entreverbos

sábado, 11 de junho de 2022

Versejando 114

 

André Kondo (Mentiras)


Não voltaria. Não queria mais ir ver a esposa. Isso se tornava cada vez mais insuportável. Não tivera tempo de realmente amar o filho, que sequer viu sair da barriga da mulher. Os pais nunca tinham dado a ele mais do que algumas migalhas de tempo. Por que voltaria ao Brasil?

Mentiras:

— Amor, vou ao Japão, trabalhar pra comprar uma casinha pra gente ser feliz com o nosso filho...

— Pai, mãe, vou ao Japão, trabalhar pra garantir o conforto de vocês quando ficarem velhinhos...

O avião alcançou o céu. O inferno ficou pra trás. Ou não? Takashi havia arranjado um emprego em uma agência ainda no Brasil, qualquer coisa em uma montadora nipônica de carros.

Ao chegar ao aeroporto de Narita, não havia ninguém para buscá-lo. Ficou parado, sem saber o que fazer. Não falava japonês, habilidade que achou desnecessária para um trabalho de peão de fábrica. Quatro horas se passaram e Takashi ainda estava plantado no saguão de desembarque. Pouco após a quinta hora, alguém se lembrou dele e apareceu. Um pedido de desculpa mal-humorado pelo pequeno atraso. Só. Toca para a fábrica. O Japão não era aquilo que ele pensava: pontualidade e perfeição. Não há perfeição em lugar algum. Menos mal, imperfeito, já estava acostumado a atrasos, aliás, ultimamente tinha se tornado especialista nisso. No Brasil, havia atrasado o pagamento da luz, da água, do gás... E como especialista, acabou demitido já na primeira semana no Japão, ao chegar atrasado pela quinta vez (no quinto dia de trabalho). Não estava nem aí pra nada.

Sentiu fome. Roubou comida. Foi preso.

Na cadeia, tudo era muito limpo. Tudo muito silencioso. Havia livros para ler, mas só em japonês. Não se importou com esse detalhe. Emprestava alguns volumes e ficava “lendo” a própria incompreensão. Durante uma leitura vazia, foi interrompido por um brasileiro de Rondônia, que revelou que havia ido ao Japão com o sonho de comprar uma casa pra viver com esposa e filho, garantir uma vida melhor para os pais... Só havia uma diferença entre o plano de Takashi e o do rondoniense, o último realmente acreditava que faria tudo isso.

Se Takashi tivesse prestado atenção em toda a história, se não tivesse parado de escutar quando o rondoniense disse que queria ganhar dinheiro para esposa, filho, pais, talvez compreendesse por que o cara amanheceu no dia seguinte pendurado na cela, com a calça enrolada, como corda no pescoço. Takashi não sabia, mas o rondoniense havia pisado na bola. Perdeu o emprego por ter ido trabalhar embriagado. Ficou sem dinheiro até para voltar para casa. Embriagou-se ainda mais. Tentou cumprir a promessa de dar uma vida melhor à esposa, ao filho e aos pais, da pior maneira, pela via do crime. Pegou pesado. Pegou perpétua. Como poderia cumprir a promessa? Não podia.

Takashi saiu da prisão no mesmo dia do rondoniense. Um em um saco, outro com as próprias pernas. Na rua, em frente à prisão, Takashi ainda acompanhava o corpo do ex-colega, que foi colocado em uma van branca, com algumas palavras em japonês em vermelho. O cara que carregou o corpo era peruano e trabalhava na funerária. Se Takashi soubesse ler, saberia disso. Falaram-se em portunhol. O peruano perguntou o que Takashi iria fazer agora em liberdade e recebeu um não sei como resposta. A funerária precisava de alguém vivo. Por que não? Takashi foi contratado, como limpador de cadáveres. Não havia muita competição para a vaga.

O primeiro cliente foi o rondoniense, às custas do governo. O peruano encontrou uma carta no bolso da camisa do morto. Amassou e a jogou no lixo. “Não vai ler a carta?”, Takashi perguntou. O peruano respondeu que não, porque não queria carregar o morto além do forno de cremação.

Dois dias depois, no segundo cliente, Takashi levou um susto. Não era pelo fato de se defrontar com um cadáver, nem por medo de fantasma. O que o assustou foi ter visto no morto o rosto do pai. Cuidou do corpo com extremo profissionalismo, seguindo as instruções do peruano, que lhe ensinou muito bem o ofício. Não sabia quem era o dono da funerária, só conhecia o peruano. De qualquer forma, o salário era pago religiosamente, e era só isso o que importava.

Poucas semanas depois, o peruano foi embora, estava apenas esperando por um substituto. “Não queria abandonar os mortos, deixá-los sozinhos, sem ninguém”, disse o peruano na despedida. Takashi ficou com os mortos, no turno da noite. Sozinho. Não se importava com isso. A única coisa que o incomodava era a estranha sensação de ver o rosto do pai, da mãe, da esposa... nas faces de cada uma das pessoas mortas. Seria saudade?

Após dois anos, já tinha conseguido guardar um dinheiro considerável. Dava para uma boa casa, algum conforto para os... Mas não pensava em voltar. Para quê? Até que, certa noite, um bebê apareceu. Se tivesse conhecido o filho, reconheceria o mesmo rosto naquela criancinha gelada?

Nunca havia hesitado em preparar um corpo para o funeral. Trabalhava com destreza, friamente limpando as impurezas do corpo, purificando o que havia restado para a saudade levar. Mas, aquele bebê...

Takashi lavou o pequenino corpo com lágrimas. Lembrou-se da promessa. Era hora de cumpri-la. Voltou ao Brasil.
***

Takashi limpou primeiro o túmulo dos pais, que haviam morrido quando ele ainda era criança. Passaram tão pouco tempo juntos, mas os amava. No mesmo cemitério, procurou rever a esposa, cuja dupla lápide indicava também o nome do filho, que nunca teve a chance de pronunciar.

Takashi entregou flores à amada, um brinquedo japonês de pelúcia para o filho. Depois, tirou do bolso uma carta amassada... E partiu para Rondônia.

Fonte:
Revista Nikkei Bungaku n.º 49. março/2015.

Caldeirão Poético XLVII


Adélia Victória Ferreira
Sete Barras/SP, 1929 – 2018, São Paulo/SP

AMOR QUE NÃO TEM PREÇO


Depois que te perdi, só depois, mãe querida,
notei que me fugira um bem que não tem preço,
o maior bem do mundo, o melhor desta vida,
e, se um dia existiu igual, não o conheço.

Ternura ardente e casta, oculta em manto espesso
de preocupações, quando não, diluída
nesse olhar, cujo certo e único endereço
é seu filho, que a fez vaidosa ou mais sofrida.

Depois que te perdi, só depois... (como forço
o espírito a afastar a constante tortura!...)
é que a mente me invade um dorido remorso

de não ter, junto a ti, quando então me fitavas,
com mil beijos provado esta minha ternura,
num reflexo do amor imenso que me davas!
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Adelmar Tavares
Recife/PE, 1888 – 1963, Rio de Janeiro/RJ

COVARDIA


Se ela bater de novo à minha porta,
arrependida, para o meu amor,
hei de dizer-lhe tudo quanto corta
minha alma, como um gládio vingador!...

O que vier desse gesto, pouco importa!
Não se fez cega e surda à minha Dor?!
Pois bem, nem mesmo se hoje a visse morta,
dar-lhe-ia a reverência de uma flor...

Mas, ai! batem de leve na janela.
Entram na sala... Sua voz... É tarde
para fugir de vê-la! Enfrento-a... É ela!

Hesito... Tremo... E sôfrego... aturdido,
caio nos braços seus como um covarde,
e me ponho a chorar como um perdido!
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Affonso Lopes de Almeida
Rio de Janeiro/RJ, 1889 – 1953

ASCENSÃO


Não será sempre esta melancolia,
este morno cansaço, esta torpeza...
A modorra enevoada da tristeza
há de esvair-se aos raios da alegria!

Hei de agitar a imóvel natureza,
ao vendaval da minha fantasia;
nas minhas mãos a estátua da beleza
deixará de ser muda e de ser fria!

Hei de subir ao píncaro do monte,
vencedor de procelas e escarcéus!
E lá, sozinho, ao centro do horizonte,

em manhã clara, e límpida, e sem véus,
o sol da glória há de dourar-me a fronte,
e eu hei de resplender subindo aos céus!
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Afonso de Carvalho
São Bento do Sapucaí/SP, 1868 – 1952, São Paulo/SP

LÁGRIMA DE CAVEIRA


Eu vi uma caveira. Branca e fria,
em úmida caverna a sós ficara.
Não sei por qual motivo a sorte ignara
fizera-a triste, quando outrora ria.

Quanto mais a fitava, mais a via,
banhada em pranto com a terrível cara,
cheia de verme e areia, olhando para
o risonho espetáculo do dia.

Por que chorava? Como então pudera
arrancar desse crânio funerário
essa lágrima, trêmula, sincera?

Foi então que notei... Uma goteira,
vindo do teto em líquido rosário,
abria em pranto os olhos da caveira...
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Agripino Grieco
Paraíba do Sul/RJ, 1888 – 1973, Rio de Janeiro/RJ

COPO DE CRISTAL


Naquele quarto estreito e abandonado,
onde passo, estirado numa rede,
horas de tédio, enquanto o sol despede
as setas de ouro sobre o campo ao lado,

esquecido num canto, e, da parede
junto, entre flores, vasos e um bordado,
há um velho copo de cristal lavrado,
em que, às vezes, aplaco o ardor da sede.

Conta-se que esse copo pertencera,
outrora, a uma esquisita e romanesca
jovem, que nele, muita vez bebera.

E ainda hoje a extravagar cabeça louca!
se ao lábio o levo, sinto na água fresca
o perfume e o sabor daquela boca...
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Alcy Ribeiro Souto Maior
Rio de Janeiro/RJ, 1920 - 2006

NÚPCIAS


Num jarro esguio e rubro, a rosa pura,
esquecida de sua timidez,
sente do jarro o abraço de ternura
que envolve a sua angelical nudez.

Enquanto a noite espalha a formosura
que para os noivos, caprichosa, fez,
a rosa e o jarro entregam-se à ventura
do amor que vem pela primeira vez.

Quando surge, por fim, a madrugada,
a rosa, sobre a mesa, desfolhada,
recorda, ainda, o beijo nupcial.

E o jarro, desolado, rubro e esguio,
é, ante o espelho indiferente e frio,
uma lágrima rubra de cristal!

Fonte:
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

sexta-feira, 10 de junho de 2022

Adega de Versos 83: Carolina Ramos



 

Francisco José Pessoa (A Flor de Plástico)

Com as estrelas ainda acordadas, ele partira rumo ao trabalho. Benzera-se e saíra pé ante pé para não acordar a mãe que aguardava no leito a cura de uma pneumonia. Naquele dia, as bênçãos maternas não foram dadas. Quebra de rotina comum na vida de qualquer filho. Caminhava sempre cabisbaixo, não por abatimento, mas à procura de algum objeto que melhorasse a sua parca renda de cada dia. Catava e vendia papelão, plástico, garrafa, alumínio, tudo o que era sem utilidade e esquecido nas sarjetas. Tal garimpo sorvia-lhe as forças. A esperança de voltar para casa com algo para comer, reanimava-as.

Dez horas, o jejum é quebrado com um copo de café e um pedaço generoso de bolo de carimã*. O vendedor ambulante toma nota do gasto na caderneta e parte para atender outro cliente. Os valores dessa vida são tão relativos quanto a própria vida. Para o catador, o cascalho vale ouro. Tudo o que é inútil tem em sua essência alguma utilidade,

No Morro do Cruzeiro, um alvoroço toma conta da ruela onde uma senhora de idade avançada suplica por ajuda com dificuldade para respirar. A vizinhança solidária trata de socorrê-la, conduzindo-a para o posto de saúde da comunidade. O amor ao próximo parece ser mais próximo entre os menos providos de bens materiais. Outro vizinho, taxista, oferece seu carro para levá-la. Após o primeiro atendimento com o santo oxigênio, a decisão médica. Internação. Cuidados intensivos. Sem prognóstico no momento. Os vizinhos tomam o caminho de casa.

Num bairro distante, do outro lado da cidade, Julião remexia um monturo promissor. Uma moradora caridosa que observava seu trabalho oferece-lhe duas bananas e um copo com água. Um sorriso e um "Deus lhe pague" de agradecimento estampa a felicidade do catador. "Nesse mundo, não tem só gente ruim", conversava consigo. Guardou uma das bananas no bornal que carregava, pensando na mãe adoentada. Nunca pedira nada a Deus, não sabia rezar. Fazia o sinal da cruz porque vira sua mãe se benzendo sempre que acordava. Não fora alfabetizado nem frequentara catecismo.

Outra coisa não sabia fazer além de explorar lixo. No meio do entulho, encontra uma flor de plástico. Assopra-a, bate-a suavemente de encontro à perna e guarda-a com um tanto cuidado no bornal surrado. Lembra-se da mãe acamada. Olha a posição do sol para prever a hora. Pelo volume do saco que conduzia às costas, a janta estava garantida. Por aquele dia bastava. Toma o caminho do depósito para a seleção do material catado, a pesagem e a prestação de contas. De posse do apurado, toma o rumo do Morro do Cruzeiro, cabisbaixo, posição viciosa adquirida depois de tantos anos no mesmo trabalho.

No pé do morro, de volta, faz sua parada de todos os dias para comprar mantimentos. O dono da quitanda não lhe franqueia caderneta por não ter ganho fixo. Aprendera a comprar somente o necessário para o próximo dia. Era o mesmo de sempre que, ordenadamente, colocava no bornal.

Enlaça-o no pescoço e inicia a subida um tanto ingrata que lhe fazia chegar à casa. Seu pensamento vai na frente e alcança o barraco de um só cômodo onde ficara sua mãe, enferma. Como estaria ela? Dessa vez, trouxe mais uma caixa de leite para que ela se alimentasse melhor. Não se esqueceu da meia barra de sabão de coco para tirar o cheiro de lixo que lhe impregnava o corpo suado. Ansiava por chegar logo, pedir a benção à mãe, preparar a janta, esquentar o ouvido com o radinho de pilha e descansar o corpo um tanto dolorido na rede encardida até pegar no sono.

A dez degraus do barraco, sua vizinha Clotilde apressa-se para lhe dar a notícia do internamento de Dona Nenzinha. Julião dá meia-volta e segue estonteado para o posto de saúde como num pé-de-vento. "Parece que esticaram mais esse caminho", resmunga ansioso. Avista o prédio na cabeça do alto. Alcança o portão de entrada e desacelera o passo. Reabastece-se de ar. Dirige-se à portaria em busca de informações sobre o estado de saúde da genitora. Ultima notícia que não desejava ouvir. Pede para vê-la. Adentra o necrotério do mini-hospital. Um só leito havia naquela sala, onde o silêncio reverenciava a morte. Levanta o lençol branco que cobria o corpo de Nenzinha e chora baixinho só para os dois.

Abriu o bornal e retirou docemente a flor que colhera na sarjeta. Acomodou-a sobre o peito da mãe e benzeu-se. Não rezava porque não sabia.
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* Bolo de carimã =também conhecido como bolo de mandioca puba é um tipo de bolo típico da culinária brasileira, especialmente no Nordeste do Brasil, no qual o principal ingrediente é a mandioca fermentada e amolecida. (wikipedia)

Fonte:
Francisco José Pessoa de Andrade Reis. Isso é coisa do Pessoa: em prosa e verso. Fortaleza/CE: Íris, 2013.
Livro enviado pelo autor.

Luiz Gonzaga da Silva (Trova e Cidadania) – 25


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PROGRESSO
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O progresso é desejável, sem dúvida, mas qual é o progresso que queremos? O progresso das coisas materiais apenas? O crescimento a qualquer custo? Crescer sem se preocupar com o sofrimento humano é apenas crescimento em si, e certamente não é progresso, é egoísmo e desarmonia.

O progresso traz mudanças,
cria fábricas e usinas,
mas se esquece das crianças
que dormem pelas esquinas!
Gerson César Souza
São Mateus do Sul/PR

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O progresso é necessário
ao bem-estar do país,
mas, que não faça o contrário
tornando o ser infeliz,
lalmar Pio Schneider
Porto Alegre/RS

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Homem!... é afoito o seu passo
e um paradoxo consome:
rompe limites no espaço
enquanto a terra tem fome...
Pedro Melo
União da Vitória/PR

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Mostrarão progressos falsos,
as cidades adiantadas,
enquanto houver pés descalços
em suas ruas calçadas.
José Fabiano
Belo Horizonte/MG

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Todo o "progresso", hoje em dia,
entra por todas as frestas...
Destrói a paz, a poesia,
mata o canto das florestas!
Myrthes Mazza Masiero
São José dos Campos/SP


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TOLERÂNCIA
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A tolerância é uma das formas do exercício da cidadania. É preciso tolerar as diferenças. São justamente as diferenças que tornam o mundo e as relações humanas mais interessantes. O seu contrário, a intolerância, está relacionada com o preconceito. Evitar o preconceito é sermos tolerantes com as diferenças. A imagem poética do Príncipe dos trovadores brasileiros diz tudo:

O mar nos deu a receita
de um viver sábio, fecundo:
sendo salgado ele aceita
as águas doces do mundo!
Luiz Otávio
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP
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Ao ver a diversidade
entre as cores raciais,
o sol clamando igualdade,
fez nossas sombras iguais.
Cesário Brandi Filho
Juiz de Fora/MG
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Na opinião divergente,
respeito é considerar
que quem pensa diferente
também merece pensar!
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora/MG
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A verdade redentora
ante a farsa do vilão,
é chama iluminadora
dissipando a escuridão.
Pedro Grilo
Natal/RN
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Uma verdade é verdade
antes de ser proferida,
e sempre em qualquer idade,
ela deve ser mantida.
Nadir Nogueira Giovanelli
São José dos Campos/SP
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Às vezes o poeta põe em relevo o contraste entre a verdade e a mentira:

A verdade anda tão rara
que a mentira, ultimamente,
já nem sequer se mascara
para enganar tanta gente!
João Freire Filho
Rio de Janeiro/RJ, 1941 – 2012
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Como é engraçada a vida
que de contraste se tece:
a Verdade anda escondida,
a Mentira é que aparece.
Ascendino Almeida
Catolé do Rocha/PB, 1916 – 1989, Natal/RN
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VIOLÊNCIA
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Segundo a OMS violência é: O uso intencional da força físico ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou que tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.

A violência sempre esteve presente nas sociedades, às vezes de forma velada e muitas vezes de forma explícita. Em certas ocasiões assumem um caráter excepcionalmente preocupante. Atualmente ela se encontra em casa, na família, nas ruas, nas escolas, nas empresas, nas instituições e nos meios de comunicação. A violência inclui a falta de cidadania, a perda da solidariedade, a desvalorização do outro.


Neste mundo onde se enfrenta
os desafios terrenos,
a violência tanto aumenta
que torna os homens pequenos.
Edmar Japiassú Maia
Nova Friburgo/RJ
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O mundo de hoje nos deixa
na terrível contingência
de ver aumentar a queixo
da escalada da violência...
Harley Clóvis Stocchero
Almirante Tamandaré/PR, 1926 – 2005
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Acabando a violência
ter-se-á fraternidade
e não haverá carência
de amor e felicidade.
Amasilde Rehwagen
Divinópolis/MG
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A violência não é somente aquela que resulta em sangue, É também a que resulta em privação. A violência institucional, embora não resulte, em geral, diretamente em agressão física, pode até ser mais cruel por atingir toda uma coletividade. A opressão, a exclusão de pessoas ou grupos, o desemprego, a não distribuição da riqueza constituem formas de violência. Por exemplo, a violência da fome:

As cruzes que vês, juncadas
em tantas plagas sem nome,
em geral são motivadas
pela violência da fome.
Aloísio Bezerra
Massapê/CE, 1925 – ????, Fortaleza/CE
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A tristeza me consome
diante desta crueldade!
A violência da fome
dizimando a humanidade.
Reinaldo Aguiar
Natal/RN, 1921 – 2010
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Hoje a fome encontra abrigo
nos campos de plantação...
Violência é plantar o trigo
e não ter direito ao pão.
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora/MG

Fonte:
Luiz Gonzaga da Silva (org.). Trova e Cidadania. Natal/RN, abril de 2019.
Livro enviado pelo autor.

quinta-feira, 9 de junho de 2022

Daniel Maurício (Poética) 32

 

Carlos Leite Ribeiro (O cigarro!)

Maldito cigarro! Odeio-te!

Este descarado até parece que está a gozar comigo... descarado!...

Tu bem sabes que és imundo; és porco, és mal-cheiroso - és nauseabundo!

Olha lá, cigarro: por acaso sabes a quantos milhões de pessoas já fizeste mal? E continuas a fazer?...

Pois tu és um maldito!

E continuas impávido e sereno a prejudicar as pessoas. És cruel, impiedoso e asqueroso...

Eu, podia destruir-te neste momento - mas não o faço, pois, quero ver-te arder, destruindo-te como tu fazes aos teus apreciadores e a quem tem o desprivilégio de ter que de conviver com eles!

Ah, lembrei-me agora de uma frase que já ouvi a alguns anos:

"Se Deus tivesse dimensionado o Homem para ser fumador, teria colocado na cabeça uma chaminé!"

Tu, cigarro, és um vaidoso, um pedante.

Passas a vida nos lábios de qualquer um, mas sempre, sempre a fazeres mal!

Tens uma vida sem glória, pois, ao fim de seres consumido, não és mais do que um monte de cinzas, e ninguém se lembrará mais de ti.

A tua vida é efêmera, mas durante o teu curto reinado, podes provocar milhares de cancros.
 
Tu, cigarro, és um destruidor, um sádico, um paranoico: sinto-me nauseado com o teu sabor e com o teu cheiro.

Por isso vou dar-te o fim mais digno de ti:

"VOU ESMAGAR-TE DEBAIXO DOS MEUS PÉS!!!"

Mário Quintana em Prosa e Verso – 22 -

 
A PRIMEIRA AVENTURA

O corpo se desfez na terra:
o sopro que Deus lhe dera
está livre como o vento.

Nunca pensou que pudesse
andar por tantas lonjuras
como anda o pensamento.

Mas não era de turismos...

Voltou, ficou por ali...
leu o resto de uma página
que deixara interrompida...

Sentou no topo da escada.
Sentou à beira da estrada.
Morte — que grande estopada!

Até que um Anjo Glorioso
passou
olhou
não viu nada

...um anjo tão esplendente
que a própria luz o cegava!
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CANÇÃO

Cheguei a concha da orelha
à concha do caracol.

Escutei
vozes amadas
que eu julgava
eternamente perdidas.

Uma havia
que dentre as outras mais graves
tão clara e alta se erguia...

que eu custei mas descobri
que era a minha própria voz:
sessenta anos havia
ou mais
que ali estava encerrada.

Meu Deus, as coisas que ela dizia!
as coisas que perguntava!

Eu deixei-as sem resposta.
As outras vozes, mais graves,
tampouco
nenhuma lhe respondia.

O mundo é um búzio oco,
menino...

Mundo de vozes perdidas
e onde apenas o eco
eternamente
repete as mesmas perguntas.
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INTERROGAÇÕES

Nenhuma pergunta demanda resposta.
Cada verso é uma pergunta do poeta.
E as estrelas...
as flores...
o mundo...
são perguntas de Deus.
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LUNAR

As casas cerraram seus milhares de pálpebras.
As ruas pouco a pouco deixaram de andar.
Só a lua multiplicou-se em todos os poços e poças.
Tudo está sob a encantação lunar...

E que importa se uns nossos artefatos
lá conseguiram afinal chegar?
Fiquem armando os sábios seus bodoques:
a própria lua tem sua usina de luar...

E mesmo o cão que está ladrando agora
é mais humano do que todas as máquinas.
Sinto-me artificial com esta esferográfica.

Não tanto... Alguém me há de ler com um meio-sorriso
cúmplice... Deixo pena e papel... E, num feitiço antigo,
à luz da lua inteiramente me luarizo…
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O ADOLESCENTE

A vida é tão bela que chega a dar medo,

Não o medo que paralisa e gela,
estátua súbita,
mas

esse medo fascinante e fremente de curiosidade que faz
o jovem felino seguir para a frente farejando o vento
ao sair, a primeira vez, da gruta.

Medo que ofusca: luz!

Cumplicemente,
as folhas contam-te um segredo
velho como o mundo:

Adolescente, olha! A vida é nova...
A vida é nova e anda nua
— vestida apenas com o teu desejo!
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O AUTORRETRATO

No retrato que me faço
— traço a traço —
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...

às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...

e, desta lida, em que busco
— pouco a pouco —
minha eterna semelhança,

no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!
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RITMO

Na porta
a varredeira varre o cisco
varre o cisco
varre o cisco

Na pia
a menininha escova os dentes
escova os dentes
escova os dentes

No arroio
a lavadeira bate roupa
bate roupa
bate roupa

até que enfim
se desenrola
toda a corda

e o mundo gira imóvel como um pião!

Fonte:
Mário Quintana. Apontamentos de história sobrenatural. 1976.