quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Mensagem na Garrafa – 60 –

 

Luiz Poeta
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

MEUS  CINCO MIL AMIGOS

Notei, na lista que fiz, 
De tanta gente feliz
Que habita meu coração, 
Que alguém saiu do meu peito, 
Por não estar satisfeito
Com a própria solidão. 

Confesso meu desencanto, 
Mas cada gota de pranto
Irriga meu pensamento
E eu, eterno aprendiz, 
Entendo o que o tempo diz
Quando diz com sentimento.

Tenho cinco mil amigos 
No face... meus inimigos
Nem sempre são virtuais,
Pois quem ama de verdade, 
Deixa sempre em liberdade
Quem o ama muito mais. 

Muita gente se acomoda
E faz da vida uma roda, 
Mas sequer estende a mão, 
Porém, se a vida é ciranda, 
Quem se esquiva e sai de banda, 
Toma outra direção. 

Quando um sai, um outro entra, 
A amizade se concentra
Numa troca de alegrias. 
Mas se a dor é iminente, 
Um sente o que o outro sente, 
E essa dor se distancia. 

Quem sai de mim e retorna,
E como uma água morna
Que molha o meu jardim,
Queima meu sonho e me afeta, 
Mas desperta, no Poeta, 
Um recomeço, do fim.  

Quem me trata com carinho, 
recebe parte do ninho 
onde mora a afeição 
E eu, como sou passarinho, 
Nunca sei voar sozinho, 
Carrego sempre um irmão. 

Às vezes, a intensidade
Faz da possessividade
Um excesso de exigência
E a falta de afinidade
Se desfaz na ansiedade
Que brota da incoerência. 

Mas aquele que se aceita
E aceita quem não rejeita
O outro como ele é, 
Abençoa-se e abençoa,
Compreendendo o que ele doa, 
Porque se doa com fé. 

Portanto, sinta-se bem, 
O meu coração contém
Batimentos  tão sutis, 
Que, quando ele se encanta, 
A minha alegria canta 
Com quem, me torna  feliz. 
(Fonte:Facebook do poeta)

A. A. de Assis (Dançar Abraçado)

Se você tem mais de 70 anos, decerto se lembra do tempo em que os casais dançavam abraçados – os mais íntimos com os rostos colados. O baile começava às 10 da noite e ia até por volta das 3 da madrugada. As moças com vestidos rodados, os rapazes de terno e gravata. Valsa, bolero, tango, samba-canção, rumba, swing, blues. 

De chegada, um cuba-libre ou gim-tônica. Para os que tinham “par constante” não havia problema. Já os avulsos tinham que criar coragem e ir à mesa de uma das meninas a fim de “tirá-la” para dançar. Se ela “dava tábua”, era aquele vexame, e se, de imediato, aceitava dançar com outro, podia dar briga feia.

Lá pelas tantas os casais já estavam bem aquecidos e alguns chegavam a ousar beijos na boca, desafiando as geralmente rígidas normas do clube. Nesse momento entrava em cena o “fiscal de salão”, que se aproximava dos pombinhos e lhes recomendava tomar “bons modos” ou interromper a dança. Em alguns casos os atrevidos eram convidados a se retirar da festa.

Nas duas primeiras décadas de Maringá, os casamentos celebrados na cidade eram, em grande número, resultantes de algum namoro iniciado em um baile ou matinê no Aeroclube, no Grêmio dos Comerciários ou no salão amarelo do Grande Hotel.

A animação ficava por conta de uma de nossas orquestras pioneiras – a do Marchini, a do Penha, a do Britinho. Em ocasiões especiais vinham orquestras de fora, como a do Nélson de Tupã, a do Ruy Rey, a Marajoara de Severino Araújo. 

Havia também alguns “bailes de gala”, que exigiam das mulheres vestidos longos e dos homens terno branco ou azul-marinho com gravata-borboleta – o Baile das Debutantes, o Baile da Primavera, o Baile do Rubi. Em junho o traje mudava para a gaiatice, com as alvoroçadas festanças ditas à moda caipira.

Mas sempre com aquele jeito romântico de dançar – os pares abraçados, rostos colados, confissões de amor cochichadas ao pé do ouvido.

Até se dar que de repente, meados dos anos 1950, houve aquela cambalhota completa nos usos e costumes, com forte repercussão especialmente no processo de ascensão da mulher, a começar pela intensificação da busca de igualização profissional, cultural e política dos gêneros. Dentro desse clima de turbulência geral entrou na moda o “rock and roll”, pilotado pelo fenômeno Elvis Presley.

Mas o que foi que teve a ver uma coisa com outra? Teve que ao rock se credita um dos indicativos mais marcantes da emancipação feminina. No baile antigo o homem enlaçava o corpo da mulher e guiava os movimentos dela. Com o novo ritmo, os casais se desgrudaram: ele e ela passaram a dançar soltos, um diante do outro, ninguém conduzindo ninguém.

De qualquer forma, ficou uma pontinha de saudade do “old time dancing”. Converse com seus pais e avós para saber o que eles pensam disso.

Os mais jovens talvez digam que a tendência hoje é o meio termo: um pouco cada-um-pra-si, um pouco agarradinhos. Aí é legal.

(Crônica publicada na edição do Jornal do Povo de 29.6.23)

Leandro Bertoldo Silva (É aqui, é aqui!)

Essa semana, no dia 12 de dezembro, Belo Horizonte completou 126 anos. É a cidade que me viu nascer. Foi onde eu cresci, estudei, fiz meus melhores amigos, os quais até hoje fazem parte da minha vida; como o moço – Pierre André – representando Aarão Reis, o construtor da então Cidade de Minas.

Pierre é um irmão, parceiro das artes e colecionamos juntos muitas vivências para contar. Reis – sim, conquistei essa intimidade de chama-lo assim, foi outro grande amigo que fiz, e juntamente com Xavier de Novais, o segurança de uma livraria, me permitiu escrever em uma deliciosa ficção histórica a história dessa cidade permeada de lendas e fantasmas.

A propósito, é sobre um deles que passo a contar agora, revelando, inclusive, sua origem. Isso pouca gente sabe!

Antes preciso dizer que o caso não é meu… Ele me foi contado por Xavier de Novais que o ouviu de Aarão Reis. Por isso, aos historiadores que se sentirem incomodados, dou-lhes uma sugestão: tão logo tenham suas existências mudadas de patamar, solicitem uma audiência com meu amigo Reis e cobre dele o que aqui vai narrado…
________________________

Voltamos em 1897. Prestes a ser inaugurada, ainda faltava em Belo Horizonte aquele mal necessário… Aliás, não exatamente um mal, mas uma necessidade triste… A cidade precisava de um cemitério. É verdade que Belo Horizonte foi construída a partir de algumas desapropriações e que deixaram muitos moradores, após a passagem para o outro mundo, vagando a esmo pelas ruas da cidade e, por que não dizer, assustando os transeuntes. Sobre isso falarei ao cabo deste relato. Por ora, digo que a Loira do Bonfim não é uma dessas assombrações, até porque, ela não fazia parte do rol dos fantasmas pioneiros da cidade, embora sua fama tenha ultrapassado muitos deles. Onde estaria, então, a ligação entre tudo isso? Nele: a razão de ser da loira e de tantos outros que ali fizeram morada, dos mais simples e humildes aos mais abastados e importantes, como Raul Soares, Olegário Maciel e até mesmo o beato holandês Padre Eustáquio. Estou me referindo ao próprio campo-santo, cujo nome traz em seu trocadilho a alcunha perfeita, se não para a sua existência, ao menos para o que vai adiante.

O Bonfim fora planejado para ser o primeiro cemitério da história da então nova capital. E como tudo na época não economizava despesas, artistas italianos recém-chegados a Belo Horizonte no fim do século XIX e início do XX foram convidados a assinarem verdadeiras esculturas artísticas sob os túmulos e mausoléus. Muitas dessas esculturas até hoje estão no local, fazendo com que o cemitério do Bonfim se tornasse um museu a céu aberto e um dos mais impressionantes do país. Difícil é encontrar quem tenha coragem de admirar tais obras, ainda mais a noite…

Bem, como eu disse, o Bonfim fora planejado para ser o primeiro cemitério da cidade. Acontece que não foi. Outra necrópole já existia na nova capital antes dessa. E a razão era lógica: muitos operários, assim como seus parentes, morreram ao longo da construção de Belo Horizonte. Onde os corpos foram enterrados? Oh, meus amigos… Há quem se lembre, já em tempos um pouco mais modernos, daquela noite de chuva torrencial. Foi tanta água, mas tanta, que crânios rolaram pelas ruas do centro da capital, passando pela avenida Afonso Pena e chegaram ao Parque Municipal, causando espanto e pânico nos moradores, na manhã do dia seguinte. A razão de macabro acontecimento? É que o local onde foram enterrados cerca de duzentos corpos ocupou o quarteirão que hoje é circundado pela avenida Amazonas e ruas São Paulo, Tupis e Rio de Janeiro. O lugar, obviamente, não existe mais. Foi ocupado por edifícios e não entrou para a história com a mesma importância do “irmão famoso”, ficando relegado ao esquecimento, pelo menos até agora. Essa história é fundamental para entender o que, na verdade, é a razão deste relato: a origem da loira misteriosa. E tudo começou naquele fim de tarde de 1895, dois anos antes da inauguração da cidade…

“Senhores, temos um problema” — sentenciou um dos homens da Comissão Construtora da Nova Capital. A reunião havia sido marcada com urgência após o trágico acidente que vitimou  um dos operários que trabalhavam sem nenhuma proteção e cuidados especiais, o que era comum naquela época. O infeliz moço caiu em uma vala, bateu com a cabeça e entrou para a história anônima como o primeiro dos duzentos mortos daquela ação em prol da modernidade. Cabe dizer que o “problema” não foi a morte do homem e muito menos da família que choraria sua ausência. Antes fora algo muito mais sério… O cemitério ainda não estava pronto e, mesmo que estivesse, haveria de ser inaugurado com figura ilustre, que fizesse jus ao alto investimento dos artistas italianos. Não seria um operário a ser plantado em hora errada. Não ficaria bem aos olhos do alto escalão e de suas famílias.

— Onde foi a queda?

— Na transversal sul, a duzentos metros da principal.

— Mais essa! Arre!

— Sugiro, senhores, calma e equilíbrio. O planejamento do Bonfim não pode ser alterado e o fato requer medidas diplomáticas.

— Diplomáticas? É um operário!

— Acalme-se. Ele tem razão. Não queremos grandes alterações, creio. Nem tampouco levantar chateações desnecessárias para com os operários e seus familiares… Já está em uma vala, certo? Que fique por lá com honras de condolências, para imprimir aos demais e aos seus nosso devido respeito. 

— Exatamente! Um gesto apenas, para uma eternidade de bons motivos de gratidão.

— Mais claro impossível! — disseram, e após acertarem os detalhes do funeral, a reunião foi encerrada.

No dia seguinte, às cinco horas da tarde, o local improvisado foi cercado, sem grandes pompas para que ficasse assim mesmo, sem importância. Afinal, as coisas sem importância são logo esquecidas. Determinou-se que ali seria onde os operários mortos e seus familiares seriam sepultados, mas que os ricos estavam proibidos de morrer, se é que me entendem… Estes esperarão por campos mais santos — o primeiro. Até lá, flores e palavras bonitas eram suficientes para aquela gente que inaugurava o primeiro desenlace da auspiciosa construção. 

Passemos adiante, mas não sem mencionar que a viúva do infeliz estava grávida, e veio dar à luz a uma menina branca como o leite que, ao crescer, tornara-se uma mulher linda, com olhos e cabelos claros, mas doente e triste. Morreu jovem, vindo a ser sepultada não na mesma cova rasa de seus pais, que já não existia, mas no emblemático Bonfim. Isso mesmo que deve ter pensado, queridos amigos… A mulher linda e triste era ela, ou melhor, é ela: a Loira do Bonfim, ou, ainda, Aurora.

Esse era seu nome, que se contrapunha à insistência de seu destino. Como dito, Aurora era linda, mas triste. Por ironia não inexplicável, nascera para a morte. Embora sua beleza a colocasse em patamares superiores a sua gente, sua ascensão social nunca era permitida, não pelas pessoas, mas antes por acontecimentos quase inacreditáveis. O amor sempre fora impossível na sua vida, apesar de todo poder sedutor que sempre manteve, mesmo depois de seu nome cair no esquecimento ao se tornar a tão assustadora aparição dos motorneiros. 

A propósito, para que saibam os amigos, não é por acaso que a loira sempre fora ligada aos veículos. Eles vitimaram seus namorados, todos eles filhos de autoridades da época, explicando, assim, seus insucessos em ascender, ainda viva, às classes privilegiadas. Cada namorado, um desastre. E não demorou muito para que Aurora sofresse uma sequência terrível de rejeições por moços que seguiam o conselho da mãe; “que se cuidem certos homens”, elas diziam.

Um dos acidentes, talvez o pior deles, aconteceu no segundo semestre de 1915. A Capital ainda era pequena, com pouco mais de quarenta e cinco mil habitantes. Em um domingo de outubro, um jovem de vinte anos, então namorado de Aurora, foi vítima de um grande desastre. Na volta de uma romaria cívica em Caeté, o infeliz rapaz se curvou para fora do vagão em que estava sentado, possivelmente para ver alguém conhecido, no exato momento em que o trem passou pela caixa d’água da ferrovia. Ele literalmente perdeu a cabeça, mas dessa vez, não por Aurora, se é que me entende.

Outros infortúnios se sucederam, mas para o relato não descambar para o grifo do sensacionalismo, tão querido por alguns programas jornalísticos da modernidade, fiquemos por aqui, no entanto, sem deixar de dizer que a essa altura o Bonfim já recebia os seus moradores eternos, sendo um deles, ou melhor, uma delas, a própria Aurora. Ainda que não fosse da estirpe senhorial, ela ganhou por condolência o direito de ser ali sepultada, tornando-se, já naquele tempo, a Loira do Bonfim.

Mal sabiam as autoridades que esse apelido faria história e que essa história ultrapassaria os tempos. E mais do que isso: o fato de darem a ela a comiseração de ser enterrada no segundo cemitério da cidade tido como o primeiro, fez com que Aurora assumisse, já na condição de fantasma, uma espécie de cargo advocatício daquelas duzentas almas de outrora.

Posso novamente até ver as caras de espanto ao lerem este relato… Mas na verdade, meus amigos, Aurora se apropriou de sua nova alcunha para vingar o descaso e o preconceito sofridos pelos seus ao serem sepultados em um cemitério esquecido. E para mostrar sua indignação, escolheu somente os homens como forma de protesto, passando a fazer o que todos já sabem, ou seja, pedir antes aos motorneiros, depois aos taxistas, para a levarem até os portões do Bonfim e os deixarem apavorados ao adentrar o cemitério desaparecendo, mas não antes sem dizer por duas vezes a sentença que por anos pensaram ser indicação do lugar para onde queria ir. Mas o que nunca se soube — pelo menos não até agora — é que na verdade a loira Aurora estava, e está, indicando outra coisa. Sua intenção sempre foi mostrar o local onde corpos de duzentas almas construtoras da cidade deveriam estar enterrados.

Por isso, se você é mulher ou homem sensível e romântico, nada tem a temer. Mas se você é daqueles machistas, patriarcais, é bom se cuidar. Isso se não quiser, como aconteceu com uma das vítimas da loira, enlouquecer, ser internado e passar todo o resto da vida repetindo sem parar: “é aqui, é aqui!”.

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) LXII


A ganância que te ilude
que te arrasta à solidão,
é a mesma falsa virtude
que esconde a luz da razão!
= = = = = = = = = 

Aquele retrato antigo
que o tempo tem castigado,
conversa sempre comigo
segredos do meu passado!
= = = = = = = = =

Ah, se essa distância fosse
ponte, entre a nascente e a foz;
como seria mais doce
essa distância entre nós!
= = = = = = = = = 

Ao vê-lo, em meio aos escombros,
a ajudá-lo, eu me propus,
sentindo o peso nos ombros
do peso daquela cruz!
= = = = = = = = = 

A sensação dos afetos
que recebi de meus pais...
Oferto aos filhos e netos,
por serem todos iguais!
= = = = = = = = = 

Busquei na fonte de um templo,
a paz de um novo horizonte;
e achei essa paz no exemplo
que há no silêncio da fonte!...
= = = = = = = = = 

Cada verso que desliza
entre esses meus cegos dedos,
numa trova sintetiza
seus infinitos segredos!
= = = = = = = = = 

Deus mostra ao mundo insensato,
injusto, cego e sem luz...
Que o infinito amor, de fato,
coube entre os braços da cruz!
= = = = = = = = =

É no silêncio das noites,
na cadência dos meus ais...
Que a saudade em seus açoites
quebra o silêncio da paz!
= = = = = = = = = 

Entre esperas e demoras,
vi passar tanta quimera!...
Que, a primavera das horas,
já nem é mais primavera!
= = = = = = = = = 

Essa constante ansiedade
que ao fim da tarde, caminha...
É a velha dor da saudade
que eu sinto toda tardinha!
= = = = = = = = = 

Exemplo bom é o exemplo,
que as almas bondosas dão,
rezando no altar do templo
pelas outras que se vão!
= = = = = = = = = 

Lembrando canções antigas,
de volta ao meu velho chão...
Vi muitas sombras amigas
na orquestra da solidão!
= = = = = = = = = 

Meus dias!... Feliz por tê-los
na vida que se refaz,
no branco dos meus cabelos
aos ventos pedindo paz!
= = = = = = = = = 

Na estrada em que a luz palmilha,
é que a verdade se inspira;
e ante a luz que, tanto brilha,
jamais, se esconde a mentira!
= = = = = = = = = 

Não vi mais meus pirilampos,
poetas de luz do meu chão,
que iluminavam meus campos
nas noites de solidão!!!
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Na treva é que se carrega,
a dimensão do empecilho
da dor, que sente a mãe cega,
por não poder ver o filho!
= = = = = = = = = 

Num mundo de desiguais,
onde há tantos desenganos...
Perde-se cada vez mais
os sentimentos humanos!
= = = = = = = = = 

Ousado e um tanto atrevido?
Mas confesso, e se não fosse...
Jamais teria sentido
o mel de um beijo tão doce!
= = = = = = = = = 

Pelos teus gestos fanados,
para voltar não me peças;
sinto em teus sins, camuflados,
o olhar de falsas promessas!
= = = = = = = = = 

Quanta lágrima sentida
no olhar da mãe peregrina,
regando as rugas da vida
nas rugas da própria sina!
= = = = = = = = = 

Quanta lágrima sofrida,
e na alma, essa inquietude...
Por não ter feito na vida
tudo aquilo quanto pude!
= = = = = = = = =

Se a esperança é paz no outono,
sê paciente na espera;
que a flor desperta do sono
na eclosão da primavera!
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Se a flor da infância se afasta,
crê noutras flores bondosas;
que uma flor que o vento arrasta
não rouba a vida das rosas!
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Sem saber se tu me esperas,
cada verso que componho,
tem sabor das vãs quimeras
do tempero do meu sonho!
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Velho mar, meu confidente,
entre nós, tudo se arruma,
quando a queixa que se sente
vaga entre os cachos de espuma!
= = = = = = = = = 
Fonte> Professor Garcia. Poemas do meu cantar. Natal/RN: Trairy, 2020. Enviado pelo autor.

Estante de Livros (“Labirinto”, de Kate Mosse)


Fenômeno literário na Inglaterra com mais de 750 mil exemplares vendidos no país, o romance histórico Labirinto, da premiada escritora inglesa Kate Mosse, reúne todas as qualidades que o leitor espera encontrar em um bom livro de ação e mistério. Há verdades além das verdades buscadas, viradas e reviravoltas, memórias a serem recuperadas e reivindicadas, desentendimentos de amantes a serem reconciliados, fragmentos do passado a serem salvos e antigas traições a serem vingadas. 

Inspirado em rigorosa pesquisa sobre importante período da história medieval europeia - a cruzada religiosa contra a seita cristã dos cátaros no século XIII que significou uma importante mudança na história da França - Labirinto tem como protagonistas e heroínas duas mulheres separadas pelo tempo, mas unidas por um destino comum. 

Em julho de 1209, na cidade francesa de Carcassonne, a adolescente Alaïs recebe do pai um misterioso livro, que ele diz conter o segredo do verdadeiro Graal. Embora Alaïs não consiga entender as estranhas palavras e símbolos escondidos naquelas páginas, sabe que seu destino é proteger o livro. Serão necessários enormes sacrifícios e uma fé inabalável para preservar o segredo do labirinto - um enigma que remonta a milhares de anos e aos desertos do antigo Egito. 

Julho de 2005: durante uma escavação arqueológica nas montanhas ao redor de Carcassonne, a jovem professora Alice Tanner descobre dois esqueletos. Dentro da tumba na qual repousavam os antigos ossos, experimenta uma sensação de maldade impressionante e percebe que, por mais impossível que pareça, de alguma forma, ela é capaz de entender as misteriosas palavras ancestrais gravadas nas pedras. Porém, é tarde demais - Alice acaba de desencadear uma aterrorizante sequência de acontecimentos incontroláveis, e agora, seu destino está irremediavelmente ligado à sorte dos cátaros, oitocentos anos atrás.
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Análise de Hérida Ruiz

Labirinto é o primeiro volume da  trilogia Languedoc escrita por Kate Mosse. Ao ler esse exemplar provei sentimentos de entusiasmo, fascínio e algumas vezes um certo desapontamento. Labirinto não é um livro fácil, se o leitor não estiver completamente disposto e envolvido, provavelmente não perceberá o quão prazerosa é a obra de Kate Mosse.

O que mais me impressionou foi a narrativa, Kate Mosse abusou da criatividade e dos detalhes, eu quase consegui tocar com os dedos as personagens, sentir o aroma das ervas de Alaïs, o sabor do vinho ou a apreensão e curiosidade de Alice.

Como pano de fundo, Labirinto, explora a perseguição da igreja católica contra os fieis da igreja catara. Kate Mosse fez uma pesquisa extensa sobre a cruzada religiosa aos chamados bons homens, estes possuíam opiniões diferentes dos cristãos que foram consideradas heréticas na Idade Média. Isso desencadeou uma "caçada" da igreja católica para exterminar os hereges e com o apoio do exército profano "A Host" do norte da França, praticaram horrores inimagináveis. Mas por traz dessa carnificina e massacre, os governantes do norte tinham o interesse na posse e conquista das terras do sul, na antiga região do Midi.

Eu consegui sentir o terror provocado pelo exército "A Hoste", a crueldade e sede de sangue me causou uma certa apreensão durante a leitura. Alaïs foi um presente... inteligente, carismática, leal e guerreira, me conquistou desde a primeira palavra dedicada à ela. Alice é bem diferente, achei a personagem meio confusa, apática e, apesar de sua determinação na busca do segredo, ela o faz com certa timidez.

A autora introduz muitos personagens secundários na trama e me questionei sobre a necessidade e os motivos, mas ao longo do livro tudo se converge e se torna claro... são todos necessários. 

Há pontos contraditórios na narrativa, não quero ser critica demais, mas... durante todo o livro Alice é bombardeada por instintos, pensamentos, sonhos e visões e em vários momentos a narrativa faz alusão à vidas passadas, mas terminei o livro sem saber com certeza se Alice é ou não reencarnação de Alaïs.

Excerpto do texto sobre o livro por Hérida Ruiz, para o site Lendo nas Entrelinhas. 11.9.2009.

Antonio Brás Constante (A sina de um escritor anônimo)

Pensando bem, ser um escritor desconhecido é uma veste que me cai bem, que lhe cai bem, que cai sobre os ombros de tantos outros também. Fora dos pedestais, procuramos alertas por sinais que se escondem de nossa procura. Nos desencontros de nossa lida de vida, escrita, transcrita, madura ou prematura. As tentativas frustradas são surras que levamos, por ousar almejar o reconhecimento que sonhamos.

A inexistência é o estigma que carregamos por toda existência. É nossa segunda pele, é o que sustenta nosso sentimento de impotência, diante de tantas potências que não enxergam o que lhes mostramos. E assim vão se passando milhares de horas, e assim vamos morrendo por dentro e por fora... Como ontem... Como agora.

Vagamos pela sombra de poucas estrelas, com ideias na mente e um lápis na mão. Portas fechadas à frente, caminhos interditados sem passagem aos nossos passos. Dedos gigantes apenas apontam para seguirmos viagem de volta à multidão, que segue sem alento rumo ao esquecimento.

 “Este mundo não lhe pertence”, “DESISTE!”. “Teu trabalho é bom, mas não temos espaço para tal expressão”. “Tenta daqui a algumas semanas, meses, anos”. Sua presença indesejada teimosamente nesta estrada, só merece uma resposta amarga: “sinto muito, mas no momento não queremos nada”.

Desculpe-me foi engano, a verdade dolorida muitas vezes não deve ser dita. Esta maldita realidade imposta e de tal forma impossível de ser transposta. Aqui fico parado na beira desta carreira, como um caroneiro que espera em uma porteira pela passagem do sucesso. Sou tal qual a poeira exposta pelas ruas, que se perde na eternidade das veracidades nuas, destes pequenos textos…

Fonte: Recanto das Letras do autor. 18.9.2010. in https://www.recantodasletras.com.br/pensamentos/2505922

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Vanice Zimerman (Tela de versos) 27

 

Mensagem na Garrafa – 59 –

Daniel Maurício
Curitiba/PR

QUERO UM AMOR

Quero um amor
Que seja tipo substantivo próprio
Mas que também tenha amor próprio
Pois só assim fará alguém feliz
Quero um amor
Do tipo que se escreva com letras maiúsculas
Que seja recíproco
E de forma tão mútua
Não precise pedir por atenção
Quero um amor
Do tipo sujeito
Que pra vida escancare o peito
Que além de palavras
Seja também ação
Quero um amor
Que tenha predicados
Que se entregue 
Sem medo de pecados 
Pois o que é feito com amor
Não pode sofrer maldição
Quero um amor
Que não seja do tipo possessivo
Pra que eu não me sinta oprimido 
Mas que seja inteirinho meu
Quero um amor
Do tipo artigo definido
Que seja o amor da minha vida
E não apenas de um verão
Quero um amor
Do tipo substantivo concreto
E não apenas secreto 
Que nos parques me dê as mãos
Quero um amor
Que tenha adjetivos
Mas que acima de tudo
Tenha objetivos
E seja dono de um bom coração
Ah,
Eu quero um amor!

Silmar Bohrer (Croniquinha) 100

Pensamentos em calmaria quando ouço 
barulhinho ali fora e penso - chuva...   

Olho para o poste na esquina vendo   
chuvinha emoldurada no luzeiro da noite. 

Destino dadivoso.  Dormir sono sonoro
no prelúdio molhado que deve avançar na madrugada.  

Hoje a corujinha não vem, 
mas os quero-queros seguem agitados,
molhadinhos ali no gramado. 

Primavera abençoada.  
Noite, cores, chuva, luzes anunciando que os Magos Reis seguem sua rota 
em busca do menino nascido em Belém. 

Mágica vida de sonhos, quimeras e ilusões !

Fonte: Texto enviado pelo autor 

Ubirajara Godoy Bueno (Aparelhinho)

Um simples exame de rotina, mas foi quando tudo começou.

— A pressão está oscilando, vamos ter que usar o  holter — disse-me o médico enquanto prescrevia a recomendação.

— O que é isso, doutor?

— Significa que sua pressão arterial vem apresentando diferentes valores a cada medição.

— Isso eu sei, estou perguntando sobre esse tal...  holter.  

— Ah! Um aparelhinho pra checar essas variações durante vinte e quatro horas — respondeu-me com a simplicidade de quem receita uma aspirina.      

Chamo a atenção dos leitores para o termo “aparelhinho”, a sugerir algo simples, inocente, com o qual não devemos nos preocupar. O diminutivo nos tranquiliza diante das situações que desperta, por razões justas, o nosso senso de alerta: volto num minutinho, vai doer só um pouquinho, custa baratinho, e assim por diante. Desnecessário dizer que devemos desconfiar dessas expressões e logo mais ratificarei o que estou dizendo.

Voltemos ao consultório:

— Vou ter que ficar com ele esse tempo todo? — perguntei, com o pressentimento de que alguma coisa não ia dar certo.

— Será necessário, mas fique tranquilo, trata-se de um monitoramento bastante simples.  

Duas ou três horas depois, lá estava eu na clínica (não muito tranquilo), para uma nova experiência em minha vida.

Um estojo preto de plástico, com botões coloridos e um visor digital, foi preso à minha cintura   através   de uma correia de couro,   sugerindo um imenso  walkman. Segundo a enfermeira que me auxiliava na instalação, o aparelho era equipado com um avançado sistema eletrônico e uma potente bomba injetora. Um tubo flexível de borracha, conectado ao estojo, subia pelo meu tórax sob a camisa, contornava o pescoço e descia pelo braço esquerdo. Nessa extremidade havia um bracelete inflável, o qual circundava meu braço pouco acima do cotovelo. A intervalos de 10 minutos, a bomba seria acionada automaticamente para injetar ar no bracelete, inflando-o e comprimindo meu braço. A pressão arterial era então medida e o valor armazenado na memória do equipamento. No dia seguinte, os resultados seriam avaliados.

Finalizado o trabalho de instalação, a enfermeira recomendou-me, repetidas vezes, que eu não me movesse durante as medições. Um simples movimento de cabeça ou o mero ato de falar poderiam prejudicar as leituras.

Mesmo com a camisa fora da calça e as mangas estendidas, numa tentativa de camuflar aquela parafernália, saí da clínica um pouco constrangido. Para agravar ainda mais a situação, eu estava sem carro.

Carregava minha valise de serviço, mas tinha desistido de voltar ao trabalho. Iria para casa o mais rápido possível.

Segui pela calçada em direção ao ponto de ônibus procurando manter a naturalidade.  

Mal eu tinha percorrido dois quarteirões, senti o aperto no braço. A primeira medição estava sendo feita. Lembrei-me da recomendação e estanquei os movimentos. Durante 10 ou 15 segundos mantive-me imóvel, no meio da calçada, olhando para um poste e sentindo-me um verdadeiro idiota. Após a despressurização do bracelete, continuei meu caminho. Mais dois quarteirões e lá estava eu, feito uma estátua, olhando desta vez para uma banca de jornais. Diante dos meus olhos, uma série de revistas pornográficas.   O jornaleiro, supondo um especial interesse de minha parte pelo material exposto, cochichou em meu ouvido: “disponho de artigos mais quentes”. Procurando não me mexer, voltei os olhos em sua direção, enquanto esboçava um sorriso de lado, meio torto, como se maliciosamente agradecesse pela preciosa informação. Minha postura poderia ser atribuída a um maníaco sexual.

Cheguei ao ponto de ônibus com um sério problema a ser resolvido: como permanecer normalmente entre os passageiros com o bíceps avolumando-se dentro da camisa a cada 10 minutos?   Numa decisão ousada, desvencilhei-me de todo equipamento e guardei-o dentro de minha valise. Em casa eu recolocaria o aparelho. Uma pequena interrupção no monitoramento não iria prejudicar o exame.

Dentro do ônibus, acomodei-me no único lugar disponível, ao lado de uma senhora que me dirigiu um sorriso amável. Após dois ou três pontos o coletivo ficou apinhado.  

Mas o pior estava por acontecer: o aparelho começará a funcionar dentro da minha bolsa. Na falta dos sinais da corrente sanguínea para orientar o bloqueio da bomba, o ar estava sendo injetado continuamente e, com efeito, o bracelete inflava-se sem cessar. Ao me dar conta desse fato, entrei em desespero. A bolsa começava a avolumar-se e já chamava a atenção da senhora de sorriso amável e dos passageiros em pé ao meu  lado.

Ruídos estridentes revelavam que meus acessórios de trabalho e pertences pessoais estavam sendo esmagados no interior da bolsa pela força brutal daquele equipamento  atroz.

A bolsa continuava a crescer e já atingia dimensões gigantescas. Não se podia descartar a possibilidade que viesse a explodir a qualquer momento. Minha vizinha de banco mantinha agora uma expressão de horror enquanto se benzia. Entre os burburinhos dos passageiros, pareceu-me que alguém rezava. Tive um impulso de jogar minha bolsa pela janela ou então abandonar o ônibus gritando: salve-se quem puder.

Felizmente o processo foi interrompido e o ar do bracelete liberado. Minha bolsa voltou ao tamanho normal, embora um pouco disforme, e a paz reinou de novo no coletivo.

Vou poupar os leitores dos próximos acontecimentos que me sucederam até a manhã do dia seguinte, mesmo porque acredito terem sido suficientes os fatos até aqui narrados para alertá-los sobre os perigos dos tais aparelhinhos, concebidos pela nossa moderna, idolatrada e infalível tecnologia.

A propósito, vocês já ouviram falar num outro aparelhinho... ?

Fonte:
Sorocult. 24.11.2003. Site desativado. Acesso em 2016.
https://www.sorocult.com/el/view.php-cod=1897.htm

Luiz Damo (Trovas do Sul) LIII


A abelha durante o dia
não para de trabalhar,
nunca fez engenharia
e faz tudo sem falhar.
= = = = = = = = = 

Água por todos os lados
de ilha podemos chamar,
triste é ficarmos ilhados
sem que possamos nadar.
= = = = = = = = = 

A justiça, embora tarde,
nunca deverá falhar,
inimiga do covarde
que não quer se revelar.
= = = = = = = = = 

Altos montes ou baixadas
por florestas revestidas,
pelas fontes são regadas
prometendo novas vidas.
= = = = = = = = = 

As gotículas de chuvas
descendo nos parreirais,
se misturam com as uvas
formando doces cristais.
= = = = = = = = = 

Das flores gostamos tanto
pelo perfume que exalam,
são templos do puro encanto,
com ternura elas nos falam.
= = = = = = = = = 

Do semblante da criança
tão sorridente a brincar,
brotam raios de esperança
que ajudam a iluminar.
= = = = = = = = = 

Doze meses o ano tem,
trinta dias tem um mês,
sete a semana contém
tempo que o mundo Deus fez.
= = = = = = = = = 

Ecos podem ser ouvidos
num silêncio singular,
podendo ser confundidos
com distúrbio auricular.
= = = = = = = = =

Lares fartos de ternura,
campos cheios de verdor,
sobre a mesa da cultura
brilhe a chama do labor.
= = = = = = = = = 

Muitos sonhos são desfeitos
por falta de consistência,
buscamos os mais perfeitos
nos caminhos da existência.
= = = = = = = = = 

No cantar dos passarinhos
Deus também se manifesta,
cantos cobrem os caminhos
e transformam as florestas.
= = = = = = = = = 

Nos abismos do passado,
talvez um projeto antigo,
jaz em dores, transpassado,
esperando um solo amigo.
= = = = = = = = = 

Nossa luta pela vida
no nascimento começa,
sendo apenas concluída
quando a morte se atravessa.
= = = = = = = = = 

Nossos rios e lagoas
estão sendo poluídos,
quase ninguém canta loas
por julgarem já perdidos.
= = = = = = = = =

Nunca devemos correr
quando o certo é devagar,
antes, sempre socorrer,
que o socorro mendigar.
= = = = = = = = = 

Onde quer que a luz esteja
é lá que estaremos nós
e assim o mundo nos veja
conhecendo a nossa voz.
= = = = = = = = = 

Os caminhos da verdade
às vezes não são floridos
e os espinhos da maldade
machucam nossos sentidos.
= = = = = = = = = 

Outrora a "palavra" tinha
sotaque de um documento
e a fonte donde ela vinha
era mais que um testamento.
= = = = = = = = = 

Quem nunca soube plantar
como pode pretender,
algum sonho alimentar,
ou de bons frutos colher?
= = = = = = = = = 

Tendo flores nos caminhos
bons perfumes vou sentir,
porém se tiver espinhos,
são dores: por quê mentir?
= = = = = = = = = 

Se as águas forem cercadas
pela terra firme e boa,
mesmo que estejam paradas
não passam duma lagoa.
= = = = = = = = = 

Se quisermos comer pão
trigo devemos plantar,
para tê-lo sempre à mão
no almoço, café e jantar.
= = = = = = = = = 

Toda mãe devia ser
um Anjo feito pessoa,
onde o filho possa ver
uma santa que se doa.
= = = = = = = = = 

Tudo passa tão depressa
que por vezes perde a graça,
quando a confiança cessa
um novo contexto traça.
= = = = = = = = = 

Um terreno pedregoso
nunca se deve escolher,
pra não tornar-se oneroso
o fruto que for colher.
= = = = = = = = = 
Fonte: Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014. Enviado pelo autor.