terça-feira, 10 de maio de 2011

Sérgio Napp (Da Arte da Palavra ao Prazer da Leitura) Parte 4


Imaginemos que você seja um desses apaixonados pela boa mesa. E que tenha habilidades suficientes para enfrentar a cozinha. Próximo a você os recipientes, os condimentos, os produtos, enfim o necessário para um daqueles pratos de água na boca. Em suas mãos a receita. Mas lembre-se, a receita é como se fosse a fórmula de um alquimista: tudo depende dela e de sua capacidade de interpretá-la e misturar convenientemente os elementos. O mínimo deslize e o feitiço pode virar contra o feiticeiro. Enfim, a receita está em suas mãos. E você possui duas alternativas frente a ela (se isto o assusta pare por aqui). Primeira: você a segue minuciosa e burocraticamente, todos os itens, passo a passo. Ao fim terá, provavelmente, um prato delicioso e elogiado. Segunda: você segue, rigorosamente, o que foi colocado na primeira alternativa. Mas (e como é importante este mas) a ela você acrescenta uma dose de criatividade, uma porção de talento, um tanto de ousadia e sem querer transformá-la, você a transforma em algo único. Os aplausos e os olhares lúbricos o consagrarão. (Um aparte: talvez na primeira tentativa o sucesso não ocorra, mas você é um desses teimosos, inquietos e persistentes. Com certeza, tentará tantas vezes quantas sejam necessárias até acertar. Em verdade, garanto, você conseguirá).

Assim se escreve. Você lê, e muito; é imaginativo, observador; freqüenta ou não oficinas de literatura. Não mais que de repente, surge-lhe a idéia, o desenho dos personagens, o desenrolar da ação, o clímax. A sua frente o computador, a máquina datilográfica ou, simplesmente, o papel em branco e a esferográfica. Em você, a receita e a técnica se complementam. E você as segue, minuciosamente, livro a livro. O resultado, claro, é encantador e merece aplausos. Mas (e como é importante este mas) se além de tudo você for um transgressor e possuir impetuosidade, destempero, ousadia, indignação, ao agregá-los à técnica atinge o nirvana. Se definir o seu próprio idioma, haverá de transformar peixes em estrelas. E quando decifrar a alquimia das palavras, sem se preocupar em transformá-las, as transformará de forma tal e tão brilhante que haverá de se perpetuar. (Talvez o sucesso não aconteça de imediato. Normal. Mas você é daqueles a quem o vento não dobra, vaso que não se quebra à primeira queda; você tem consciência de seu talento e, por isso, e por outros tantos motivos, há de perseverar. Bravos! Com toda a certeza que a vida permite, você o alcançará).

Escrever é um dom, segundo Domingos Pellegrini; não é mérito pessoal, mas herança humanitária. Honrar este dom com trabalho e ética, como em qualquer atividade humana, é o grande mérito.

Alguns o conseguem, outros não. Àqueles, seja qual for o grau, é dado olhar o pôr do sol através da tempestade. Meter as mãos no barro e transformá-lo em tulipas. Redescobrir a vida e sua melodia. Perceber a sutileza do espanto e empalmá-lo. Destravar o carro e deixá-lo ao sabor das correntezas sentindo o vento cortar a pele, certos de que, ao fim e ao cabo, haverá, sempre haverá, a magia das palavras e o deslumbre de quem prova e sente o maravilhoso sabor de cada um de todos os dias.

Alguém se habilita?

Fonte:
Artistas Gaúchos

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