quarta-feira, 11 de outubro de 2023

J. G. de Araújo Jorge (Infinito de Poesias) 2


ADIANTE...

Nada dizes. São apenas os olhos
que nos revelam, sem o flagrante da palavra,
a necessidade da voz...

... e intimamente vamos compreendendo
que este amor não pode
terminar em nós…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  =

ALGUÉM
    
Contigo ao meu lado,
não sou apenas um homem feliz,
sou alguém capaz de amar a vida,
de reconciliar-me com as coisas,
alguém capaz de existir,
de se sentir alguém...

Sem ti, não sou ninguém.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  =

AMOR
    
E nunca chegamos ao fim da taça,
por mais que a esvaziemos.

Agora,
sei que isto é amor.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  =

ANTES... E DEPOIS...

Quando nos encontramos,
teus olhos estão cheios de nuvens,
como os altos cumes...

Subo à tua procura, e me perco, e me cego sem paisagem,
enquanto o amor me fustiga como um vento das alturas...

Depois,
quando voltas a me olhar,
teus olhos estão limpos e puros,
sem uma nuvem sequer,
e eu te posso descortinar até o horizonte…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  =

APELO
    
Apelei para o céu, para o mar, para as nuvens,
para as flores,
queria encontrar a imagem deste amor,
descrever a emoção que me perturba tanto
e que me esfria as mãos...

Para a poesia apelei...

Colhi apenas palavras... E diante do meu fracasso
tomei-te nos braços, e silenciei.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  =

AS DUAS FACES

Quando te aperto contra mim
quando te beijo,
percebo que este amor é assim
como uma mistura
de ternura
e desejo,
que não tem fim...

Às vezes, tenho vontade de tomar-te entre as mãos
com a humildade e a pureza de um crente
a desfiar um terço,
tenho vontade de te embalar docemente
com esse cuidado de alguém que embalança
num berço
uma criança...

E logo após, ímpetos de te amar,
de te querer e beijar
com volúpias de fogo
e carícias de chama,
como desesperadamente a gente quer
e beija,
uma mulher
que se ama,
se deseja...

Mistura
de ternura e desejo,
de mansa ternura
e desejo violento,
mistura
de morno carinho
e voluptuoso calor,
- às vezes te quero como uma criança...
- outras vezes, como um louco, um doente
de amor!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  =

ASPERSÃO
    
Sinto uma íntima necessidade
de que todos participem da minha felicidade...

Gostaria que todos soubessem de ti...
E eu falaria de ti como se fala da beleza
da poesia, do mar, das flores, das crianças,
do amor...

Mas, oh supremo egoísmo! Sigo em silêncio
e me submerjo em meu pensamento,
por ciúme... ou pudor…

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. A sós. 1. ed. 1958.

Silmar Böhrer (Croniquinha) 93

A vida é uma crônica. E cada um de nós faz parte das narrativas. Já imaginou o que é a sua vida ? Nascimento, o despertar, o crescer, o enxergar, abrir-se para um mundo que o espera?

São tantas vivências, histórias e estórias que se enlaçam, criam limo, põem em xeque, fazem pensar, usufruir ou não, desdenhar, aplaudir. E assim temos enredo, ambiente, temporalidade com toda sorte de personagens.

E se ela é feita dos mesmos ingredientes dum romance, deve ter também a consideração deste, no patamar de obra literária, legando aos leitores exposições e descrições plenas de realidades, em detrimento do romance, obra de ficção.

A crônica tem legados vivos à posteridade.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Aparecido Raimundo de Souza (Uma pequena coceira na unha do pé crescida)

 

AVISO: ESTA CRÔNICA CONTÉM LÁGRIMAS DE CROCODILO.

ESTOU A PIQUE. Afundado, naufragado, estropiado. Envolto até os fundilhos do pescoço, vivendo num perigo de proporções gigantescas. Mergulhado, de baixo para cima, de cima para baixo, num mar tenebroso e escuro. Por conta, perdi tudo. Fiquei sem saída, sem amarras onde me agarrar. Neste momento, me encontro sem chão, sem eira nem beira. Em razão disso, tenho constantes suores e calafrios. Tipo um formigamento inexplicável. Atrelado a ele, um medo mórbido e tétrico me invade, me arrasa, me aflige, me angustia e me devassa. Que desilusão! Talvez o vazio que me desmorona, e, neste momento me extermina, seja consequência dos meus dissabores e horrores, dores e dias, horas e confusões, sobretudo das confusões vividas em estado de decadência quando me dirigia à dilapidação do meu próprio “eu” interior. O fato é que na verdade, não sei explicar.

Apenas tenho conhecimento e convicção, ou a prática constante da sapiência em ebulição constante, me mostrando que tudo o que vivo agora, seja um vazio pegajoso e imensurável. Reconheço, um oco cavo, construído, entretanto (apesar de desprovido de sentido lógico), por cordas e nós, fitas e amarras, laços e fortes correntes que me prendem, não me permitindo “sair fora” usque (até que) não consentindo que eu siga em frente, em busca de um horizonte mais sociável, ameno e hospedeiro. Tudo o que me cerca, assume ares de destruição. Esta destruição, por sua vez, creio, imposta goela abaixo, me corrói, me destrói... me aniquila. Se eu pudesse, num instante parar o tempo, rever os dias passados, talvez encontrasse os motivos que hoje me deixam à beira de um estado de nervos incurável. Eu tento, verdade seja dita, mas não consigo.

Alguma coisa que desconheço, me tolhe o desejo veemente de seguir adiante. De caminhar de cabeça erguida. De voltar a viver os momentos bons e maravilhosos que fizeram parte do “meu ontem”. “Meu ontem”… ficou em algum ponto da estrada. Não sei onde, ou de que maneira, este aperreio anunciado (sem anúncio) me ocorreu. Procuro, desde então, ou dito de forma mais pesada, busco tipo um tresloucado, exaltado e aturdido, alucinado e arvorado, dar de cara com uma válvula de escape. Uma porta sem chave, totalmente aberta. Um vão arreganhado, um falho sem miolo. Um desvão infrutífero e alheado (alienado). Um buraco (buraco não, pelo amor de Deus) uma saída emergente. Um escape urgente, um “apenas de gula fula e radiosa”, que me leve de volta ao estado bonançoso onde eu estava e me faça sentir novamente abraçado à Felicidade.

A minha Felicidade se foi. Falo da Felicidade plena. Aquela danada inteira, cheia, repleta, no auge e pronta para a minha degustação. Degustação? Melhor seria, para meu gozo, ou meu desfrute, irmanado à minha sobrevivência. Não importa. O fato concreto é que a safada arrumou as malas e se mandou. Partiu saltitante para a cidade do “Não Sei Onde” e me deixou aqui, sozinho, vazio, despejado das coisas boas. Desempregado da sorte, e pior, aniquilado, abraçado fortemente às desventuras surgidas de minha falta de um Amanhã mais condescendente. Por favor, alguém me acuda. Onde tem um pé de alface? Quero me autodestruir, me automutilar. Matar a mim mesmo tirando, arrancando, desenraizando, eliminando, banindo do peito, da alma, do corpo, dando uns tiros de festim em meu próprio suicídio.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

terça-feira, 10 de outubro de 2023

Mensagem na Garrafa – 5 -


Arlete Araújo
João Pessoa/PB

Sou feita de saudade


Há quem diga que não se pode viver do passado.

Eu digo que não se pode viver no passado

A vida não permite que voltemos no tempo...

Quantas vezes eu tive vontade que aquele segundo voltasse Quantas vezes eu senti os meus braços vazios e quis voltar no tempo e abraçar longamente alguém que já não posso abraçar.

Eu sou feita de saudades, saudade machuca, dói e dói muito.

Saudade me faz chorar, chorar aos prantos e derramar tantas lágrimas que tem horas que penso que vou formar um rio...

Um rio de lágrimas...

É... Saudade faz com que eu eleve os meus olhos aos céus e agradeça ser feita de saudade... Porque é verdade... Sou feita de saudades, mas eu só choro e se sinto dores porque a minha saudade é feita de amores eternos... Amores que nunca, nunca vão findar... Amores infinitos, amores para toda uma eternidade, amores que vão acompanhar meu último suspiro e vão fazer com que minha passagem seja cheia de esperança...

Esperança de que vou rever todos os que tenho saudades e que esses reencontros vão ser a complementação de uma vida.

É. Não vivo no passado, mas faço do meu passado um motivo para viver meu presente da maneira mais feliz possível e viver meu futuro cheio de esperanças em reencontros felizes.

Lá, no outro lado, onde não sei... Existe muita gente importante e a quem eu amei e por quem fui amada e que merecem minhas lágrimas de saudade...

Por isto, sou feita de saudade!

Teófilo Braga (O relógio de Strasburgo)

(CONTO DE 1352)


A idade média está completamente caracterizada nas suas lendas; porque se não há de por elas recompor a história, anima-la com essas cores vivas, dar-lhe movimento. A mais extensa, a que absorveu todas as imaginações rudes e criadoras, foi a lenda do Diabo, reprodução do dualismo persa, que aparece fatalmente no período instintivo da gênese religiosa. Desta idealização do mal provém, na arte, a realização anônima do grotesco, muitos dos velhos fabulários, e na ascese (1) divina a tentação de que estão cheios Ribadaneiras e Bolandistas.

A ciência, nos primeiros séculos da Igreja, foi desprezada, amaldiçoada como inútil e perigosa, porque tornava o espírito rebelde, orgulhoso; a alma perdia com ela a simplicidade que a elevava até Deus. A observação das leis físicas do mundo era uma impiedade; Bacon e Silvestre II foram observados como feiticeiros. É um martírio interminável o desenvolvimento da razão. Foi um dos algozes São Paulo: «Eu destruirei a sabedoria dos sábios e rejeitarei a ciência dos eruditos. O que é feito dos sábios? O que é feito destes espíritos curiosos das ciências do século? Não os há convencido Deus da loucura das ciências deste mundo?» A Igreja não se contentou com a acrimônia da invectiva (2), quis encarnar este verbo do obscurantismo. As lutas e as agonias que se seguiram estão perpetuadas em um sem número de lendas sobre as revoltas do espírito, que vieram a sintetizar-se no tipo do Fausto.

Em pleno século XIV. O sol brilhante, em um céu sereno e límpido de um dia de alegria, derramava-se em torrentes sobre a catedral de Strasburgo. Voltada para o oriente, segundo o rigor do simbolismo religioso, recebia a luz do alto, como um cenáculo em que as línguas de fogo vinham revelar os mistérios da vida e a serenidade, que ela havia de infundir aos tristes que se acolhessem, fugidos das tempestades do mundo, na tranquilidade do seu recinto. A luz refletia-se coruscante das vidraças, que ostentavam um rosicler das cores mais caprichosas e vivas; cada pedra, cada ângulo, cada saliência destacava-se mostrando os rendilhados e labores esquisitos; a torre parecia então mais altiva, não erguia-se com as nuvens, perdia-se na profundeza do espaço azulado e puro. Era um belo dia de primavera.

Diante da catedral majestosa foram-se agrupando pouco a pouco alguns vultos ociosos; e, atraída na razão direta das massas, instantes depois a multidão flutuava impaciente, como quem espera um prodígio anunciado, por exemplo, um eclipse.

Não era nenhum eclipse, nem tampouco o aparecimento de um cometa, que então fazia tremer os pontífices e os reis. Não era mesmo procissão esplêndida, que o povo e os amadores de tertúlias estavam esperando com ansiedade. O que seria então?

Uma figura estranha, encapuzada em um capote com capuz escuro, chapéu emplumado ao uso da corte, vinha montado, a sela, em um cavalo malhado; custava-lhe a romper por entre a turba apinhada; estrangeiro ali, não quis atropelar ninguém, e resolveu esperar que o concurso fosse diminuindo.

—O que está toda esta gente aqui a fazer, em um dia de trabalho? — perguntou o desconhecido para um rapaz, que parecia esconder-se entre o vulgo, com um ar de tristeza e de uma dor incomum. — Há alguma procissão ou festa de jubileu? Ainda as portas da catedral estão fechadas.

— É certo que vindes de bem longe, — volveu-lhe vivamente o pobre rapaz — pois que ainda vos não chegou a fama do grande Relógio de Strasburgo. É uma maravilha da Alemanha. Não vedes aquela estatuazinha da Virgem? Diante dela, vem ao bater do meio dia os três Reis Magos com seus presentes, e o Galo autômato, que lá está, sacode as asas logo que o sol toca o zênite.

O cavaleiro não teve tempo para compreender o que ouviu, porque um sussurro imenso, repentino, burburinhou por toda a praça. O carrilhão de Strasburgo dava meio dia. Ficaram boquiabertos, atentos esperando o aparecimento dos Reis Magos. Sentiu-se primeiro o ruído estrepitoso de umas asas pesadas, depois o clangor de uma voz énea, soturna. O cavaleiro estava pasmado com o que via. A fama do Relógio de Strasburgo correra as partes do mundo. Os palácios, os mosteiros, os castelos desejavam uma maravilha igual. Ignorava-se o nome do artista. Os clérigos da catedral ufanavam-se com tão magnífico e singular artefato.

— Oh! dize-me, — acudiu o cavaleiro, saindo do espasmo da admiração — dize-me quem fez esta obra prodigiosa, que é a inveja de todas as cidades do mundo! Porque não se fala o nome dele? Onde está o artista? Venho de França para vê-lo.

— Perguntais, nobre cavaleiro, como se eu pudesse violar tal segredo! Mal sabeis que as vossas palavras acordam na minha alma uma dor profunda como um eco num páramo aziago. Quem fez o Relógio, perguntais vós, e a gloria tenta-me, precipita-me, impele-me a arriscar a vida! Foi meu pai! — e as lágrimas de alegria e pesar foram-lhe embargando-lhe os olhos, até que rompeu em um choro insofrido de criança. O cavaleiro apeou-se e estreitou-o nos braços.

— É a saudade de teu pai, que te lava o rosto com esse pranto de ingenuidade e amor? Não soube a morte respeitar tão preclaro engenho? E eu que vinha da parte de Carlos V, de França, para visita-lo e falar-lhe!

— Ele ainda vive, senhor. Mas que vida! Oh! antes a morte o tivesse envolvido nas suas trevas geladas; antes houvesse nascido sem aquela luz do talento, que é sempre a predestinação do martírio.

A praça estava já deserta, e os dois partiram envolvidos nesta conversação. Chegaram na oficina do relojoeiro. Era um velho; as cãs alvíssimas formavam-lhe um diadema venerando; tinha o rosto escondido entre as mãos, como quem se abismara numa abstração intensa, ou numa grande e entranhável agonia. O estrangeiro permaneceu hirto sob a soleira da porta; não se atrevia a interromper os processos misteriosos daquela mente perscrutadora. A criança aproximou-se com familiaridade, e segredou-lhe longamente umas palavras mal articuladas e confusas. O velho ergueu então a fronte banhada em uma alegria suave, e voltou-se para a porta:

— Buscam-me da parte de El-rei Carlos V de França? — perguntou ele com um ar afável e indicando um assento ao desconhecido.

— Em verdade, El-rei me envia aqui.

— E o que pretende de mim, que nada posso, El-rei, que tudo manda?

— Conhecendo a vossa boa fama, vendo que enriquecestes a Alemanha com essa maravilha do Relógio de Strasburgo, ele quer também colocar na torre do palácio da Justiça uma máquina, que dividindo com justeza as doze horas do dia, ensine a observar a justiça e as leis.

— Como o não serviria eu de boa vontade, se me não houvessem apagado para sempre o lume dos olhos. Não vedes estas órbitas vazias? Cegaram-me. Há já dezesseis anos que vivo mergulhado nestas sombras cerradas, que me antecipam a escuridão tétrica do sepulcro, mas que me prolongam a vida, no abandono da desgraça, para sofrer a cada instante as mais excruciantes provações. Eu vivo ao desamparo; nem sei já trabalhar. Nesta solidão do espírito, para esquecer o tédio e o desespero que me pungem, eu invento maquinismos complicados, que o meu pobre filho executa. É ele o herdeiro do meu engenho. Cada pancada do relógio no carrilhão da catedral, é uma palavra de sarcasmo, um insulto vibrado por uma língua satânica, só entendida por mim. Vou contando as horas na mudez das noites de insônia, e cada uma me descreve com mais feias cores esta morte onde fui precipitado em vida.

Havia nas palavras do velho um misto de resignação e dor, uma conformidade, uma santidade admirável. A fronte, enrugada pelos anos e o estudo, pendia-lhe sobre o peito; o filho ainda imberbe, engraçado, ingênuo, estava de pé a seu lado, mudo, com os olhos no chão.

— Como houve mãos tão bárbaras, que ousaram por diante do vosso espírito, para sempre, a sombra eterna da morte? Foi o acaso? Foi a perversidade que vos desempenhou nessa desgraça? Seria a inveja quem vos suplantou à traição, vendo-se obrigada a admirar os artefatos que não podia exceder? Oh, contai-me. Não! não! tenho horror de ouvir; deve custar-vos muito isso. El-rei há de sabe-lo e acudir-vos.

O velho ergueu lentamente a fronte; pousou as mãos sobre a cabeça loira do filho, brincando distraído com os cabelos anelados. Depois de um momento de indecisão, começou:

— O bispo João de Lichtenberg encomendou-me um relógio grande para a torre de Strasburgo. Era preciso que as horas canônicas fossem observadas com escrúpulo; as irregularidades na divisão do tempo causavam graves inconvenientes às rezas e ofícios divinos do coro. Eu trabalhei dois anos consecutivos; tinha empenhada naquela obra a minha fama. Inventei um calendário em que representava as indicações das principais festas móveis: ao lado pus-lhe um quadro em que estavam escritas em verso as principais propriedades dos sete planetas; ao meio coloquei-lhe um astrolábio, em que os ponteiros notavam o movimento do sol e da lua, as horas e os quartos. Ao alto estava uma estátua da Virgem, ante a qual se inclinavam, ao dar do meio dia, as figuras dos três Reis Magos. Ficaram espantados com a maravilha da obra; soou por toda a parte a fama dela. O povo aglomerava-se na praça para ver. Os clérigos recearam que os outros mosteiros ou as cortes da Europa quisessem ter um monumento igual. Como impedi-lo? Uma noite, estava eu descansando do trabalho assíduo, improbo que levava, quando me bateram na porta. Vieram dizer-me que o relógio estava parado. Levantei-me às pressas, aterrado, confuso, e dirigi-me para a torre. Quando ia subindo, e já a uma altura vertiginosa, apagaram-se de repente os archotes; os que me acompanhavam, lançaram mão de mim para me precipitar; as unhas prenderam-me às fendas da cantaria (3), com a tenacidade do amor à vida. Por fim, cansados, agarraram-me, arrancaram-me os olhos. Aos meus gritos, os malvados respondiam que me desse por feliz em não ser queimado vivo na praça pública, exposto à irrisão da plebe, por feiticeiro; que eu tinha pacto com Satanás, que o evocava com linhas cabalísticas com que formava as rodas dentadas.

O pobre velho permaneceu um instante silencioso refletindo no assombro daquela noite infernal; depois mudando de conversa, o embaixador pediu-lhe para levar o filho, que havia de fazer por certo o relógio para o palácio da justiça. Não faltaram negações e hesitações. O velho conhecia o talento do filho, e temia um igual desastre. O cavaleiro jurou protege-lo com a vida, e traze-lo incólume à casa de seu pai, logo que tivesse findado o trabalho.

O relógio foi posto na torre do palácio da Justiça, e ele que aconselhava a observância da justiça e das leis, foi o mesmo que, dois séculos mais tarde deu o sinal para a execrável carnificina da noite de S. Bartolomeu.

Quando o filho do relojoeiro de Strasburgo voltou à pátria, ainda o pobre velho vivia. Estava no meio da sua desgraça, possuído de uma alegria infinita. Na solidão do espírito em que ficara, procurara constantemente vingar-se. Vingou-se afinal.

Um dia conseguiu aproximar-se do Relógio, e tocou em uma roda de tal forma, que não tornou mais a regular, apesar de todos os esforços; em 1574, intentou restaura-lo Dasypodius, outros em 1669, em 1731, até que cessou de trabalhar em 1789, como uma relíquia última da idade média que arrebatava a Revolução. O desgraçado levava esta única consolação do mundo. A mesma lenda se conta dos relógios de Nuremberg, de Auxerre e Lyon, em que as versões parecem filhas da compreensão de uma mesma verdade.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  =
VOCABULÁRIO
(1) Ascese =conjunto de práticas austeras, comportamentos disciplinados e evitações morais prescritos aos fiéis, tendo em vista a realização de desígnios divinos e leis sagradas.
(2) Invectiva =palavra ou série de palavras injuriosas e violentas contra alguém ou algo.
(3) Cantaria =pedra lavrada ou aparelhada em forma geométrica, para uso em construções; pedra de cantaria.


Fonte:
Disponível em Domínio Público
Teófilo Braga. Contos Phantásticos. Lisboa: Livraria de Antonio Maria Pereira, 1894.
Português atualizado por J. Feldman

Machado de Assis (Vinte Anos! Vinte Anos!)

Gonçalves, despeitado, amarrotou o papel, e mordeu o beiço. Deu cinco ou seis passos no quarto, deitou-se na cama, de barriga para o ar, pensando; depois foi à janela, e esteve ali durante dez ou doze minutos, batendo o pé no chão e olhando para a rua, que era a rua detrás da Lapa.

Não há leitor, menos ainda leitora, que não imagine logo que o papel é uma carta, e que a carta é de amores, alguma zanga de moça, ou notícia de que o pai os ameaçava, que a intimou a ir para fora, para a roça, por exemplo. Vão conjecturas! Não se trata de amores, não é mesmo carta, posto que haja embaixo algumas palavras assinadas e datadas, com endereço a ele. Trata-se disto. Gonçalves é estudante, tem a família na província e um correspondente na corte, que lhe dá a mesada. Gonçalves recebe a mesada pontualmente; mas tão depressa a recebe como a dissipa. O que acontece é que a maior parte do tempo vive sem dinheiro; mas os vinte anos formam um dos primeiros bancos do mundo, e Gonçalves não dá pela falta. Por outro lado, os vinte anos são também confiados e cegos; Gonçalves escorrega aqui e ali, e cai em desmandos. Ultimamente, viu um sobretudo de peles, obra soberba, e uma linda bengala, não rica, mas de gosto; Gonçalves não tinha dinheiro, mas comprou-os fiado. Não queria, note-se; mas foi um colega que o animou. Lá se vão quatro meses; e instando o credor pelo dinheiro, Gonçalves lembrou-se de escrever uma carta ao correspondente, contando-lhe tudo, com tais maneiras de estilo, que enterneceriam a mais dura pedra do mundo.

O correspondente não era pedra, mas também não era carne; era correspondente, aferrado à obrigação, rígido, e possuía cartas do pai de Gonçalves, dizendo-lhe que o filho tinha uma grande queda para gastador, e que o reprimisse. Entretanto, estava ali uma conta; era preciso pagá-la. Pagá-la era animar o moço a outras. Que fez o correspondente? Mandou dizer ao rapaz que não tinha dúvida em saldar a dívida, mas que ia primeiro escrever ao pai, e pedir-lhe ordens; dir-lhe-ia na mesma ocasião que pagara outras dívidas miúdas e dispensáveis. Tudo isso em duas ou três linhas embaixo da conta, que devolveu.

Compreende-se o pesar do rapaz. Não só ficava a dívida em aberto, mas, o que era pior, ia notícia dela ao pai. Se fosse outra coisa, vá; mas um sobretudo de peles, luxuoso e desnecessário, uma coisa que realmente ele achou depois que era um trambolho, pesado, enorme e quente... Gonçalves dava ao diabo o credor, e ainda mais o correspondente. Que necessidade era essa de ir contá-lo ao pai? E que carta que o pai havia de escrever! que carta! Gonçalves estava a lê-la de antemão. Já não era a primeira: a última ameaçava-o com a miséria.

Depois de dizer o diabo do correspondente, de fazer e desfazer mil planos, Gonçalves assentou no que lhe pareceu melhor, que era ir à casa dele, na Rua do Hospício, descompô-lo, armado de bengala, e dar-lhe com ela, se ele replicasse alguma coisa. Era sumário, enérgico, um tanto fácil, e, segundo lhe dizia o coração, útil aos séculos.

— Deixa estar, patife! quebro-te a cara.

E, trêmulo, agitado, vestiu-se às carreiras, chegando ao extremo de não pôr a gravata; mas lembrou-se dela na escada, voltou ao quarto, e atou-a ao pescoço. Brandiu no ar a bengala para ver se estava boa; estava. Parece que deu três ou quatro pancadas nas cadeiras e no chão — o que lhe mereceu não sei que palavra de um vizinho irritadiço. Afinal saiu.

— Não, patife! não me pregas outra.

Eram os vinte anos que irrompiam cálidos, férvidos, incapazes de engolir a afronta e dissimular. Gonçalves foi por ali fora, Rua do Passeio, Rua da Ajuda, Rua dos Ourives, até à Rua do Ouvidor. Depois lembrou-se que a casa do correspondente, na Rua do Hospício, ficava entre as de Uruguaiana e dos Andradas; subiu, pois, a do Ouvidor para ir tomar a primeira destas. Não via ninguém, nem as moças bonitas que passavam, nem os sujeitos que lhe diziam adeus com a mão. Ia andando à maneira de touro. Antes de chegar à Rua de Uruguaiana, alguém chamou por ele.

— Gonçalves! Gonçalves!

Não ouviu e foi andando. A voz era de dentro de um café. O dono dela veio à porta, chamou outra vez, depois saiu à rua, e pegou-o pelo ombro.

— Onde vais?

— Já volto...

— Vem cá primeiro.

E tomando-lhe o braço, voltou para o café, onde estavam mais três rapazes a uma mesa. Eram colegas dele, — todos da mesma idade. Perguntaram-lhe onde ia; Gonçalves respondeu que ia castigar um pelintra, donde os quatro colegas concluíram que não se tratava de nenhum crime público, inconfidência ou sacrilégio, — mas de algum credor ou rival. Um deles chegou mesmo a dizer que deixasse o Brito em paz.

— Que Brito? perguntou o Gonçalves.

— Que Brito? O preferido, o tal, o dos bigodes, não te lembras? Não te lembras mais da Chiquinha Coelho?

Gonçalves deu de ombros, e pediu uma xícara de café. Tratava-se nem da Chiquinha Coelho nem do Brito! Há coisa muito séria. Veio o café, fez um cigarro, enquanto um dos colegas confessava que a tal Chiquinha era a pequena mais bonita que tinha visto desde que chegara. Gonçalves não disse nada; entrou a fumar e a beber o café, aos goles, curtos e demorados. Tinha os olhos na rua; no meio da conversa dos outros, declarou que efetivamente a pequena era bonita, mas não era a mais bonita; e citou outras, cinco ou seis. Uns concordaram em absoluto, outros em parte, alguns discordaram inteiramente. Nenhuma das moças citadas valia a Chiquinha Coelho. Debate longo, análise das belezas.

— Mais café, disse Gonçalves.

— Não quer conhaque?

— Traga... não... está bom, traga.

Vieram ambas as coisas. Uma das belezas citadas passou justamente na rua, de braço com o pai, deputado. Daqui um prolongamento de debate, com desvio para a política. O pai estava prestes a ser ministro.

— E o Gonçalves genro do ministro!

— Deixa de graças, redarguiu rindo o Gonçalves.

— Que tinha?

— Não gosto de graças. Eu genro? Demais, vocês sabem as minhas opiniões políticas; há um abismo entre nós. Sou radical...

— Sim, mas os radicais também se casam, observou um.

— Com as radicais, emendou outro.

— Justo. Com as radicais...

— Mas você não sabe se ela é radical.

— Ora bolas, o café está frio! exclamou Gonçalves. Olhe lá; outro café. Tens um cigarro? Mas então parece a vocês que eu chegue a ser genro do ***. Ora que caçoada! Vocês nunca leram Aristóteles?

— Não.

— Nem eu.

— Deve ser um bom autor.

— Excelente, insistiu Gonçalves. Ó Lamego, tu lembras-te daquele sujeito que uma vez quis ir ao baile de máscaras, e nós lhe pusemos um chapéu, dizendo que era de Aristóteles?

E contou a anedota, que na verdade era alegre e estúrdia; todos riram, começando por ele, que dava umas gargalhadas sacudidas e longas, muito longas. Veio o café, que era quente, mas pouco; pediu terceira xícara, e outro cigarro. Um dos colegas contou então um caso análogo, e, como falasse de passagem em Wagner, conversaram da revolução que o Wagner estava fazendo na Europa. Daí passaram naturalmente à ciência moderna; veio Darwin, veio Spencer, veio Büchner, veio Moleschott, veio tudo. Nota séria, nota graciosa, uma grave, outra aguda, e café, cigarro, troça, alegria geral, até que um relógio os surpreendeu batendo cinco horas.

— Cinco horas! exclamaram dois ou três.

— No meu estômago são sete, ponderou um dos outros.

— Onde jantam vocês?

Resolveram fazer uma revista de fundos e ir jantar juntos. Reuniram seis mil-réis; foram a um hotel modesto, e comeram bem, sem perder de vista as adições e o total. Eram seis e meia, quando saíram. Caía a tarde, uma linda tarde de verão. Foram até o Largo de S. Francisco. De caminho, viram passar na Rua do Ouvidor algumas moças retardatárias; viram outras no ponto dos bondes de S. Cristóvão. Uma delas desafiou mesmo a curiosidade dos rapazes. Era alta e fina, recentemente viúva. Gonçalves achou que era muito parecida com a Chiquinha Coelho; os outros divergiram. Parecida ou não, Gonçalves ficou entusiasmado. Propôs irem todos no bonde em que ela fosse; os outros ouviram rindo.

Nisto a noite foi chegando; eles tornaram à Rua do Ouvidor. Às sete e meia caminharam para um teatro, não para ver o espetáculo (tinham apenas cigarros e níqueis no bolso), mas para ver entrar as senhoras. Uma hora depois vamos achá-los, no Rocio, discutindo uma questão de física. Depois recitaram versos, deles e de outros. Vieram anedotas, trocadilhos, pachuchadas (tolices); muita alegria em todos, mas principalmente no Gonçalves que era o mais expansivo e ruidoso, alegre como quem não deve nada. Às nove horas tornou este à Rua do Ouvidor, e, não tendo charutos, comprou uma caixa por vinte e dois mil-réis, fiado. Vinte anos! Vinte anos!

Fonte:
Machado de Assis. Contos esparsos. Publicado originalmente em A Estação, de 15/7/1884.
Disponível em Domínio Público.

Estante de Livros (“Uns braços”, de Machado de Assis)

O conto está em

https://singrandohorizontes.blogspot.com/2011/01/machado-de-assis-uns-bracos.html


A desconstrução do discurso romântico em Uns Braços, de Machado de Assis,

pelo Prof. Edir Alonso
 
O presente escrito tem como propósito analisar criticamente o conto Uns braços, de Machado de Assis, buscando identificar nesse microcosmo da narrativa machadiana elementos que evidenciem uma perspectiva Realista. Dentre esses elementos, enfatizaremos a análise psicológica das personagens e a desconstrução do discurso romântico.

Publicado originalmente na Gazeta de Notícias, em 05/11/1885, já na maturidade do escritor, e, posteriormente em 1893, no volume de contos intitulado Várias Histórias, o conto em análise se constitui em uma urdidura engenhosa, que envolve o leitor, conduzindo-o a uma atmosfera de romance, que, ao término da trama se dissolve, evidenciando a oposição entre a fantasia e a realidade, e a consequente prevalência da moral socialmente estabelecida e das instituições sobre os sonhos e as pulsões humanas.

Tratemos de forma resumida, sob o risco evidente de simplificação, do enredo de Uns braços. Inácio, rapaz de 15 anos, filho de um barbeiro, é colocado pelo pai como estagiário de Borges. Este vive maritalmente com D.Severina, e abriga Inácio em sua casa, irritando-se constantemente com as distrações do moço. A verdade é que Inácio se apaixona por D. Severina; se encanta especialmente com os braços da jovem senhora. Quando percebe os olhares de Inácio, a mulher passa ao conflito: ele ainda é muito jovem, ela é uma mulher comprometida. Mas são apenas olhares. Em um domingo Borges sai de casa, e D. Severina observa que Inácio dorme suavemente na rede. O rapaz está a sonhar com ela e, neste instante se dá uma incrível coincidência: ao sonhar com o beijo de D. Severina, Inácio é realmente beijado pela mulher. Depois do ato impulsivo, D. Severina passa a se reprimir pelo que fizera e passa a tratar o rapaz secamente e a cobrir os braços com um xale. Inácio, ainda mais distraído da realidade com seus sonhos, não percebe a mudança da senhora. Após uma semana, Borges irá dispensá-lo sem nenhum sinal de rudez, embora não permita que Inácio se despeça de Severina, alegando que ela estaria com muita dor de cabeça. Os anos se passam e Inácio nunca teve sensação igual à daquele beijo, que para ele não passara de um sonho.

Dentro da tradição Realista, o conto privilegia o cenário doméstico da família burguesa, na segunda metade do século XIX: “Passava- se isto na Rua da Lapa, em 1870.”. O episódio em questão suscita a temática do adultério feminino, ainda que de forma extremamente sutil, se comparado àqueles relatados em Madame Bovary (1857) ou em O Primo Basílio (1878). A herança de Flaubert também se evidencia no tema da leitura e do devaneio romântico. Assim como Emma Bovary, o personagem Inácio alimenta uma visão de mundo romântica a partir da leitura de folhetins:

“Inácio passava-os [os domingos] todos ali no quarto ou à janela, ou relendo um dos três folhetos que trouxera consigo, contos de outros tempos, comprados a tostão, debaixo do passadiço do Largo do Paço. [...]Estava cansado, dormira mal a noite, depois de haver andado muito na véspera; estirou-se na rede, pegou em um dos folhetos, a Princesa Magalona, e começou a ler. Nunca pôde entender por que é que todas as heroínas dessas velhas histórias tinham a mesma cara e talhe de D. Severina, mas a verdade é que os tinham.”

Essa cena da leitura culmina com o sono e com o sonho de Inácio, que se concretizará sem que ele perceba. Curiosamente, ao contrário das narrativas fundadoras da escola realista, em Uns Braços não é a mulher quem se desprende da realidade a partir da imersão em um universo romântico, mas o rapaz.

Desse modo, à superficialidade de Inácio contrapõe-se a profundidade da personagem feminina. A análise psicológica, como traço Realista, se evidencia na exploração do conflito de D. Severina. A descrição física da personagem é o ponto de partida para revelar o caráter ambíguo típico da mulher machadiana:

Não se pode dizer que era bonita; mas também não era feia. Nenhum adorno; o próprio penteado consta de mui pouco; alisou os cabelos, apanhou-os, atou-os e fixou-os no alto da cabeça com o pente de tartaruga que a mãe lhe deixou. Ao pescoço, um lenço escuro, nas orelhas, nada. Tudo isso com vinte e sete anos floridos e sólidos.”

O fato de não se poder defini-la como sendo bonita ou feia, os cabelos presos, o lenço escuro e a ausência de adornos apontam para a sexualidade reprimida de mulher casada, condição sintetizada pelo paradoxo dos “vinte e sete anos floridos e sólidos”. A sensualidade e a feminilidade mascaradas pela solidez do papel social atribuído à mulher da época.

Esse equilíbrio aparente é rompido quando D. Severina percebe os olhares de Inácio:

"Naquele dia, enquanto a noite ia caindo e Inácio estirava-se na rede (não tinha ali outra cama), D. Severina, na sala da frente, recapitulava o episódio do jantar e, pela primeira vez, desconfiou alguma coisa Rejeitou a ideia logo, uma criança! Mas há ideias que são da família das moscas teimosas: por mais que a gente as sacuda, elas tornam e pousam. Criança? Tinha quinze anos; e ela advertiu que entre o nariz e a boca do rapaz havia um princípio de rascunho de buço. Que admira que começasse a amar? E não era ela bonita? Esta outra ideia não foi rejeitada, antes afagada e beijada (grifo nosso). E recordou então os modos dele, os esquecimentos, as distrações, e mais um incidente, e mais outro, tudo eram sintomas, e concluiu que sim."

O monólogo interior revela que a protagonista vai, gradualmente, admitindo a ideia de estar sendo admirada pelo rapaz, passando, inclusive a comprazer-se pelo fato de ser desejada (ou desejável). Nesse sentido, não temos em D. Severina a constituição linear das heroínas românticas, dada a sua volubilidade. Ademais, não está ela apaixonada pelo jovem, o qual, longe de qualquer idealização, sequer é visto como homem. De certo modo, a protagonista apaixona-se por si própria ao descobrir sua feminilidade.

Por outro lado, Inácio caracteriza-se como uma perfeita representação do Romantismo. Suas constantes distrações, motivadas pela paixão que nutre por D. Severina, levam-no a distanciar-se totalmente da realidade. O mundo de sonhos construído pelo rapaz se cristaliza no discurso:

“[...] retirou-se, como de costume, para o seu quarto, nos fundos da casa. Entrando, fez um gesto de zanga e desespero e foi depois encostar-se a uma das duas janelas que davam para o mar. Cinco minutos depois, a vista das águas próximas e das montanhas ao longe restituía-lhe o sentimento confuso, vago, inquieto, que lhe doía e fazia bem, alguma coisa que deve sentir a planta, quando abotoa a primeira flor.”

De forma magistral, o narrador machadiano passa à perspectiva do personagem, construindo uma poética tipicamente romântica, associando as emoções da personagem às imagens da natureza. Dessa forma, se estabelece no conto a tensão dialógica entre Realismo e Romantismo, tomando-se como referência o conceito bakhtiniano de dialogismo:

“Com base no que foi dito, pode-se afirmar que na composição de quase todo enunciado do homem socialdesde a curta réplica do diálogo familiar até as grandes obras verbal-ideológicas (literárias, científicas e outras) existe, numa forma aberta ou velada, uma parte considerável de palavras significativas de outrem, transmitidas por um ou outro processo. No campo de quase todo enunciado ocorre uma interação tensa e um conflito entre sua palavra e a de outrem, um processo de delimitação ou de esclarecimento dialógico mútuo (...)”(Bakhtin, 1988:153)


Essa tensão evolui num crescendo, até chegarmos ao clímax da narrativa:

"Que não possamos ver os sonhos uns dos outros! D. Severina ter-se-ia visto a si mesma na imaginação do rapaz; ter-se-ia visto diante da rede, risonha e parada; depois inclinar-se, pegar-lhe nas mãos, levá-las ao peito, cruzando ali os braços, os famosos braços. Inácio, namorado deles, ainda assim ouvia as palavras dela, que eram lindas cálidas, principalmente novas, - ou, pelo menos, pertenciam a algum idioma que ele não conhecia, posto que o entendesse. Duas três e quatro vezes a figura esvaía-se, para tornar logo, vindo do mar ou de outra parte, entre gaivotas, ou atravessando o corredor com toda a graça robusta de que era capaz. E tornando, inclinava-se, pegava-lhe outra vez das mãos e cruzava ao peito os braços, até que inclinando-se, ainda mais, muito mais, abrochou os lábios e deixou-lhe um beijo na boca.

Aqui o sonho coincidiu com a realidade, e as mesmas bocas uniram-se na imaginação e fora dela. [...]"


O beijo, sonhado por Inácio, de fato ocorre, sem que ele perceba. Aqui fica evidente a distância intransponível entre os universos representados pelos protagonistas, pois o que se afigura real para D. Severina é apenas um sonho para o jovem. A atmosfera de romance é abruptamente rompida pelo senso de realidade da personagem feminina:

"A diferença é que a visão não recuou, e a pessoa real tão depressa cumprira o gesto, como fugiu até à porta, vexada e medrosa. Dali passou à sala da frente, aturdida do que fizera, sem olhar fixamente para nada. Afiava o ouvido, ia até o fim do corredor, a ver se escutava algum rumor que lhe dissesse que ele acordara, e só depois de muito tempo é que o medo foi passando. Na verdade, a criança tinha o sono duro; nada lhe abria os olhos, nem os fracassos contíguos, nem os beijos de verdade. Mas, se o medo foi passando, o vexame ficou e cresceu. D. Severina não acabava de crer que fizesse aquilo; parece que embrulhara os seus desejos na ideia de que era uma criança namorada que ali estava sem consciência nem imputação; e, meia mãe, meia amiga, inclinara-se e beijara-o (grifo nosso). Fosse como fosse, estava confusa, irritada, aborrecida mal consigo e mal com ele. O medo de que ele podia estar fingindo que dormia apontou-lhe na alma e deu-lhe um calafrio."

O gesto impulsivo é imediatamente reprimido. A culpa desencadeia na personagem um mecanismo defensivo, em que passa a buscar justificativas para o que acabara de fazer. Neste momento, vem à tona outra problemática interessante do conto. D. Severina e Borges “viviam maritalmente há anos”, sem filhos, pelo que se pode presumir. A complexidade do conflito interno da protagonista ainda pode fazer com que ela projete no rapaz não apenas os instintos sexuais recalcados, mas também o filho desejado. Daí a imagem ambígua do rapaz:

"Uma criança! disse ela a si mesma, naquela língua sem palavras que todos trazemos conosco. E esta ideia abateu-lhe o alvoroço do sangue e dissipou-lhe em parte a turvação dos sentidos.
- Uma criança!"


Essa ambiguidade pode ser reforçada pela seguinte passagem:

"D. Severina tratava-o desde alguns dias com benignidade. A rudeza da voz parecia acabada, e havia mais do que brandura, havia desvelo e carinho. Um dia recomendava-lhe que não apanhasse ar, outro que não bebesse água fria depois do café quente, conselhos, lembranças, cuidados de amiga e mãe (grifo nosso), que lhe lançaram na alma ainda maior inquietação e confusão."

O próprio Inácio sente-se confuso em relação à D. Severina, em parte pelas atitudes dúbias da mulher, em parte pelo próprio complexo edipiano. O rapaz, inserido na casa de Borges, vê-se afastado de seu contexto familiar: “Cinco semanas de solidão, de trabalho sem gosto, longe da mãe e das irmãs [...]”. Borges passa a cumprir o papel de pai, a lei, a autoridade, a castração. D. Severina passa a ser a figura feminina presente em sua vida, a representação da mãe.

A profundidade da narrativa machadiana nos permite um amplo leque de leituras, em especial no que diz respeito à análise psicológica das personagens. No presente estudo, como já havíamos exposto anteriormente, tal enfoque reforça a percepção do conto Uns Braços como discurso permeado por elementos da tradição Realista.

Nesse sentido, passaremos a considerar alguns artifícios na construção da trama que apontam para a desconstrução do discurso romântico.

Uma leitura ingênua do conto pode levar à impressão de que o tema central é o triângulo amoroso. Inicialmente, teríamos diversos elementos que consubstanciam uma expectativa romântica, que, mais tarde, será frustrada. Além da diferença de idade, há um desnível social entre Inácio, filho de um barbeiro e D. Severina. A esses impedimentos soma-se o fato de a protagonista estar presa ao papel de mulher de Borges. São os “liames sociais” a que se refere o narrador.

É sabido que a tônica da maior parte das narrativas românticas é o amor proibido, o que suscita a oposição entre o indivíduo e a sociedade, sendo a transgressão, a superação dos liames sociais, a condição para a realização do herói.

A atmosfera vai se construindo nos devaneios de Inácio e nas divagações de D. Severina, envolvendo o leitor em uma teia, fazendo-o acreditar no surgimento de um romance. Nesse sentido, o narrador lança, como uma isca, uma reveladora antecipação: “Afinal, porém, [Inácio] teve de sair, e para nunca mais; eis aqui como e porquê.” Neste instante imagina-se que algo aconteceu entre a mulher e o rapaz. Especula-se, inevitavelmente, que Borges possa ter descoberto o suposto enlace amoroso e, consequentemente, expulsado o moço de sua casa.

As próximas cenas serão carregadas de uma tensão crescente, como se evidencia em passagens como:

“A agitação de Inácio ia crescendo, sem que ele pudesse acalmar-se nem entender-se.”

“Um domingo, - nunca ele esqueceu esse domingo [...]”;

“[D. Severina] estava justamente na sala da frente ouvindo os passos do solicitador que descia as escadas. Ouviu-o descer; foi à janela vê-lo sair e só se recolheu quando ele se perdeu ao longe, no caminho da Rua das Mangueiras. Então entrou e foi sentar-se no canapé. Parecia fora do natural, inquieta, quase maluca [...] Saiu da sala, atravessou rasgadamente o corredor e foi até o quarto do mocinho, cuja porta achou escancarada.”

“D. Severina sentiu bater-lhe o coração com veemência e recuou”

 
Assim, o próprio leitor poderá sentir seu coração a bater com veemência até o clímax: a cena do beijo.

D. Severina passará então à autocensura, o que se evidencia quando ela passa a cobrir os braços com um xale, e tratará o rapaz secamente. Por fim, passados alguns dias, Borges irá dispensar o moço, sem maiores explicações. Ora, não veríamos “como e porque” Inácio teria de sair? Assim, não apenas frustram-se as expectativas românticas estimuladas no leitor, mas a também se desconstitui a possibilidade de encerrar-se a história com um entendimento definitivo do que acontecera.

Teria Borges descoberto o beijo ou desconfiado de algo? Nesse sentido, observe-se o curto diálogo final entre ele e Inácio:

“- Quando precisar de mim para alguma coisa, procure-me.
- Sim, senhor. A Sra. D. Severina...
- Está lá para o quarto, com muita dor de cabeça. Venha amanhã ou depois despedir-se dela.”


Borges o teria impedido de falar com D. Severina. Mas, nesse caso, porque não agira de forma agressiva? Quanto a essa suposta agressividade, destacamos uma passagem que trata das ameaças de Borges.

"E foi por ali, no mesmo tom zangado, fuzilando ameaças, mas realmente incapaz de as cumprir, pois era antes grosseiro que mau."

Por outro lado, Inácio era constantemente repreendido por suas distrações, mostrando-se inapto para o trabalho. Desse modo, Borges teria todos os motivos para mandá-lo embora, mesmo desconhecendo a situação entre o rapaz e D. Severina.

Por fim, há uma terceira e provável hipótese, em que D. Severina, como típica mulher machadiana, teria manipulado Borges, induzindo-o a demitir o rapaz sem que ele suspeitasse de nada.

Assim, é possível que o leitor sinta o desconforto oriundo do fato de não lhe ser oferecido um desfecho conclusivo para a história. À perspectiva linear e a consequente previsibilidade inerentes ao pacto narrativo do Romantismo contrapõe-se a omissão do narrador. A sensação de que nada acontecera ou de que ignoramos os acontecimentos vem acompanhada da frustração da expectativa de um final feliz ou melodramático, comuns às narrativas sentimentalistas da primeira metade do século XIX.

Nesse sentido, é interessante observar que a trama se encerra com a ignorância de Inácio a respeito de tudo o que acontecera:

"Inácio saiu sem entender nada. Não entendia a despedida, nem a completa mudança de D. Severina, em relação a ele, nem o xale, nem nada. Estava tão bem! falava-lhe com tanta amizade! Como é que, de repente... Não importa; levava consigo o sabor do sonho. E através dos anos, por meio de outros amores, mais efetivos e longos, nenhuma sensação achou nunca igual à daquele domingo, na Rua da Lapa, quando ele tinha quinze anos. Ele mesmo exclama às vezes, sem saber que se engana:
- E foi um sonho! um simples sonho!"


A perspectiva romântica do rapaz faz com que sua condição de “sonhador” siga inalterada ao longo de toda a história. Assim se dá a vinculação do romantismo, personificado por Inácio, à ignorância, à incapacidade de compreender a realidade.

É dessa forma que Uns Braços se constitui como uma narrativa surpreendente, complexa e passível de diversas leituras. Em um plano mais particular, é possível sondar aspectos da psicologia das personagens na oposição entre a moral e as pulsões do indivíduo, como observamos no conto a exploração dos desejos recalcados e o conflito edípico. Atingindo a universalidade, o texto ainda pode ser percebido em uma perspectiva metaliterária: a relação dialógica entre o Realismo, vinculado às atitudes de D. Severina, e o Romantismo, associado aos devaneios de Inácio termina por evidenciar a falência do idealismo romântico.

Fonte:
Literatura – Edir
http://literatura-edir/analise-do-conto-uns-bracos-de-machado.html. 18 março 2009

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Adega de Versos 113: Francisco Neves de Macedo

 

Mensagem na Garrafa – 4 –


José Feldman

(Maringá/PR)

MEU ADEUS


Quando minha vida extinguir,
não importa como morri,
pois se alguém te inquirir,
conte apenas como eu vivi.

Conte dos amores que tive,
dos amigos que deixei,
do pranto que não contive
e do tanto quanto penei.

Conte o abraço incontido,
da felicidade em viver,
de meu mundo colorido
e do meu reerguer.

Conte os sonhos que eu sonhava
e o tanto que por eles batalhei,
do desânimo que me derrubava
e como dele me levantei.

Conte sobre nossos momentos juntos,
e o tanto de filmes que assistimos,
da enorme quantidade de assuntos
que nunca nós reprimimos.

Conte sobre minhas palhaçadas
e o quanto que nós gargalhamos,
tornando nossas vidas animadas,
e o quanto nos deleitamos.

Conte sobre os gatos que amava,
cuja saudade nunca extinguiu,
do tanto que eu os idolatrava
e do carinho que por eles persistiu.

Conte como eu os tratava,
como minha vida por eles dediquei,
cada um que eu abraçava,
cada um que eu amei.

Conte sobre as cadelas de minha vida,
e o tanto de amor que sempre lhes ofereci,
de como minha alma lhes era agradecida
e quando de suas partidas, o quanto morri.

Mas acima de tudo…

Conte que eu era meio tosco,
mas que tinha um grande amor
por todos que viveram conosco
e todos que vivi cada momento de dor.

Conte que eu não era perfeito,
nem rico nem doutor.
Conte que apesar de todo defeito
eu sempre acreditei no amor.

Humberto de Campos (O tropeiro)

O casamento do Sr. Antônio Moreira, comerciante e fazendeiro em S. Bernardo das Russas, cidade cearense a duzentos e quarenta quilômetros de Fortaleza, estava anunciado para a véspera de Natal, que distava apenas oito dias. Há um mês, quase, não se falava em outra coisa. A festa devia ser estrondosa, com banda de música e danças por uma semana, e o que era mais, com uma abundância de comidas e bebidas como não havia notícia de outra na redondeza. Antegozando o sucesso daquele acontecimento, o Sr. Antônio chamou, uma tarde, um antigo tropeiro, e ordenou:

- João, você vai amanhã à capital. Daqui lá são quarenta léguas das grandes. Você ponha a cangalha na burra preta; escanche em cima o jogo de malas e, chegando à cidade, receba na casa da modista para quem vai esta carta o vestido da noiva.

E olhando o tropeiro, significativamente: – Mas, olhe: você deve estar aqui no sábado, à tarde. Se não, já sabe!

O caboclo correu ao cercado, pôs a cangalha na burra, atirou-lhe por cima o jogo das malas de couro e partiu. Chegando em Fortaleza, recebeu a encomenda, e para estar em S. Bernardo no dia determinado, retrocedeu na mesma hora.

O prazo que o Sr. Moreira lhe havia dado para a viagem era francamente curto. O caminho não era bom, a burra era velha, e sexta-feira, à tardinha, faltando ainda dezoito léguas, estava completamente estropiada. Debalde o caboclo, sacudindo o cabresto, lhe metia o relho, rogando-lhe pragas: a alimária reunia as forças, tentava um choro manhoso, e voltava ao mesmo passo triste, lento, fatigado.

De repente, surgiu na margem da estrada uma palhoça de lavrador. João bateu:

- Ôi, de casa!

- Ôi, de fora!

E apareceu na porta de esteira um sertanejo cobreado, dando as "boas-tardes".

O tropeiro, que era mais ou menos conhecido por ali, perguntou interessado, se não havia um cavalo, um burro, um jumento, que lhe pudessem alugar. O dono da casa foi franco: animais, não tinha; informado, porém, do compromisso do viajante, lembrou-lhe experiente um remédio:

- Homem, você quer um conselho?

E ensinou:

- Olhe, ali atrás da casa tem uma pimenteira. Está encarnada de pimenta. Você apanha uma porção delas, machuca num caco, faz uma bolota de pano, e... e... passa!

O João aceitou a receita: machucou as pimentas, enrolou alguns molambos à ponta de um pau, ensopou-os no molho, e passou.

Passou e despediu-se.

Daí a pouco, a burra começou a aumentar a marcha. Momentos depois, principiou a trotar; e, finalmente, largou de malas às costas numa carreira brutal, furiosa, desabalada, caminho a fora.

Seguro na ponta do cabresto, o caboclo, a principio, acompanhou o quadrúpede. Quando, porém, este abalou na correria desbragada pela estrada silenciosa, não houve mais recurso: estava, ele também, cansado, fatigado, estropiado. Mas, recordando-se que tinha prometido estar com o animal em São Bernardo das Russas, e este se podia transviar com a roupa da noiva, reuniu num supremo esforço todas as suas energias de inteligência e de músculos, arrancou num movimento rápido o cinturão de couro, e fazendo em si mesmo o que havia feito com a burra, largou-se também pelo caminho soturno, numa carreira desenfreada!

No dia seguinte, pela manhã, oito horas antes da que lhe fora marcada, atravessavam os dois, o tropeiro e a burra em disparada as últimas ruas de São Bernardo das Russas.

Fonte: Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925. 
Disponível em Domínio Público.

A. A. de Assis (Artes de meninos)

Todos fazem suas artes, eu também já fiz as minhas. Porém primeiro preciso falar do Seu Lino, o olhador, vigiador, cuidador dos meninos arteiros de São Fidélis lá pelos anos 1940. Para começar, ele só aparecia em público vestido de terno e gravata, em respeito ao cargo que exercia. “Nobless oblige” (a nobreza da função exige indumentária adequada), ele explicava, enfatizando a lição que lhe ensinara o professor Expedito.

Um homem doce de coração, contudo rigoroso no cumprimento das suas responsabilidades. Recebia um salário para tomar conta da meninada durante oito horas por dia, mas quem disse que ele olhava para o relógio? Lá estava cedinho na porta das escolas. Lá estava de noite na porta do cinema ou do circo. Onde pudesse haver crianças, lá estava Seu Lino de terno e gravata, zelosamente cuidante para que não cometessem nenhuma travessura grave.

Vai daí que numa certa manhã um passarinho dedo-duro lhe indicou a direção da beira-rio. Lá foi ele. Atrás do Grupo Escolar havia um arvoredo, atrás do qual o rio formava uma enseada. Seu Lino caminhou passo a passo no meio das árvores, chegou bem pertinho e deu a ordem: “Fiquem todos onde estão”.

Estávamos nadando, meia dúzia de garotos, na maior farra, eu no meio deles. E o mais dramático: pelados, nuzinhos-nuzinhos. Tínhamos gazeado as aulas para curtir o banho de rio. Seu Lino, provavelmente rindo por dentro, catou nossos uniformes escolares deixados na grama e levou ao gabinete da diretora do Grupo.

Ela de imediato mandou chamar os pais. Só nos devolveria a roupa depois de passar um bom sermão na presença dos responsáveis. E a gente lá dentro d’água, sem poder sair devido à peladez.  

Por sorte meu pai não estava em casa na hora, então meu irmão Gomes, dez anos mais velho que eu, foi encarregado de ir me buscar e garantir que eu receberia uma reprimenda à altura e não voltaria a praticar traquinagens de tal monta.

No caminho meu irmão foi me passando uma lição de moral, alertando para a necessidade de criar juízo e coisa e tal. Em casa contou a história pra mãe, porém combinaram de não comentar nada com o pai, receando que ele pudesse exagerar no castigo. A mãe, após o discurso de praxe, proferiu a sentença, aliás bem maneira, considerando a importância da arte: uma semana sem ler gibi e sem jogar futebol de botão.

Aceitei a pena com humildade, todavia quis saber por que estavam levando tão a sério o fato de alguns meninos estarem tomando banho de rio pelados.

“E quem foi que falou de banho pelado?” – disse a mãe, concluindo: “Claro que isso também não é um bom costume, e você já tem idade suficiente para entender que as pessoas não podem ficar por aí exibindo suas intimidades. Mas no caso em foco o pecado não está na nudez; está no ato de matar aulas, ainda mais em vésperas de provas. Entendeu, Pafúncio?

(Crônica publicada em 28 de setembro de 2023, no Jornal do Povo)

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Tertúlia da Saudade 12: Apollo Taborda França

 

Mensagem na Garrafa - 3 -


 
Elisabete Aguiar
(Mangualde/ Portugal)

SABES?

Se estás perdido na bruma,
em nevoeiro e solidão,
sabe que tudo é espuma,
nada passa de ilusão.

Se te afundas na agonia
de uma sombria ansiedade,
sabe que a luz, mesmo esguia,
vem derramar claridade.

Se vacilas no torpor
da dúvida e da incerteza,
sabe que os braços do Amor
te guiam para a Beleza.

Se entontecido mergulhas
em ruidosa e louca orgia,
sabe que rudes agulhas
dilaceram a Alegria.

Se vais ao sabor do vento,
nas velas de uma miragem,
sabe que em cada momento
se recomeça a Viagem.

Se te revoltas na dor
e te alegras no prazer,
sabe que por teu labor
conquistas seu renascer.

Se nas trevas da amargura
anseias por todo o Bem,
sabe que em tua doçura
Ele já morada tem.

Se em teu medonho caminho,
por espinhos encrespado,
sofres na alma em desalinho
e segues dilacerado…

Se essa saudade magoada,
do sonho que mal sonhaste,
estimula a Caminhada
que ainda agora começaste…

Sabe que há sempre uma luz
a estrelar a noite escura,
e o pensamento traduz
para a manhã a brancura.

A Esperança é passaporte
para o reino do amanhã;
sabe que serás mais forte!
Sabe que Ela é tua irmã!

Fonte: enviado pela autora.

Contos do Paraná ("O amor na Fazenda Fortaleza", de Ivo Nalce)


No começo do século passado, José Felix da Silva instala a Fazenda Fortaleza, nos Campos Gerais, perto de onde hoje é Tibagi, então um povoado parado. A região era habitada pelos índios Coroados que atacavam os brancos. José Felix transforma sua fazenda numa verdadeira fortaleza, com muralhas e alguns homens passam a atacar    os índios,  massacrando-os e trazendo os sobreviventes para trabalhar como escravos na fazenda. O governo dá-lhe a patente de coronel e, além dos índios, passa a atacar os garimpeiros clandestinos que faiscavam no Rio Tibagi. As lutas contra os índios prosseguem, mas a segurança da Fazenda Fortaleza atrai agricultores que se instalam na região.

José Felix tinha fama de ser dos homens mais ricos da Província de São Paulo, a que o Paraná pertencia. E também de ser avarento e muito cruel. Quando o sábio francês Auguste de Saint-Hilaire passa pela Fazenda Fortaleza, em 1820, conta que as provisões eram fechadas a sete chaves e, por ser José Felix odiado por seus escravos, somente seu neto de oito anos era que o barbeava. Não tinha confiança de entregar a navalha na mão de ninguém mais.

José Felix se casa com uma moça muito pobre e, dizem muito bela e aí começa um dos casos de amor mais loucos que o Paraná já conheceu. Mulher jovem e bela com marido velho, avarento e ruim não pode dar boa coisa. A mulher contrata dois homens para matarem o marido, Na emboscada, José Felix fica gravemente ferido, mas consegue liquidar com os dois bandidos.

Como todo mundo sabia que fora a mulher quem mandara matar José Felix, ela foi presa na cadeia em Castro, cidade que, segundo Saint-Hilaire, era então habitada por três ou quatro comerciantes, prostitutas e alguns artesãos. Com seu dinheiro, ou poder, José Felix consegue liberar a mulher, o que ela aceita. Traz ela de volta para a Fazenda Fortaleza e tranca-a no quarto do casal, para isso manda gradear as janelas e a única porta. Os escravos passam a comida através das grades. Ninguém entrava na cela.

Ninguém? Todas as noites, José Felix tirava a chave que trazia amarrada no pescoço, abria a cela e ia dormir com ela no seu leito nupcial para cumprir as obrigações matrimoniais de praxe. Como eram as noites de amor do casal, só Deus sabe. Ou, então, Nelson Rodrigues, que também sabe de alguma coisinha da vida como ele é.

Talvez, como as personagens de Nelson Rodrigues, a mulher gostasse de apanhar. Mas de todo jeito parece que não muito, porque um belo dia, ou uma bela noite, consegue despejar goela abaixo de José Felix, um delicioso copo de vinho francês temperado com esses venenos que só os índios da região sabiam preparar. Mas enfim, apesar de morrer com a dose, José Felix, mesmo desconfiado como era, devia estar acostumado e gostar de receber das mãos da mulher um copinho de vinho francês antes de deitarem no leito nupcial para mais uma noite de amor, ou talvez de ódio. Isso, só mesmo o bom Deus sabe.

Fonte: 300 Histórias do Paraná: coletânea. Curitiba: Artes e Textos, 2004.

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) LX


A espuma, artesã do mar,
à noite, chega e semeia
versos, à luz do luar,
nas vestes brancas da areia!
= = = = = = = = =

Ao ver que o teu pranto existe
e, o teu consolo é chorar,
meu canto ficou mais triste
que o pranto do teu olhar!
= = = = = = = = =

Ao ver teu rosto uma vez,
vi, pelo olhar indeciso...
Que com tanta timidez,
tu tens um lindo sorriso!
= = = = = = = = =

As filhas são meus tesouros,
meus netinhos são meus guias,
Tornando mais duradouros
os feitiços dos meus dias!
= = = = = = = = =

As mariposas pousando,
nas flores das violetas,
parecem anjos rezando
com asas de borboletas!
= = = = = = = = =

Às vezes, sinto os teus passos,
mesmo em momentos dispersos,
compondo bem, os espaços
que há, nos passos dos meus versos!
= = = = = = = = =

A vida com seus enganos
e os homens com seus engodos,
vão pondo mais desenganos
no mundo de quase todos!
= = = = = = = = =

Em dolentes badaladas,
notas curtas, versos longos,
o sino, em notas cifradas
decifra velhos ditongos!
= = = = = = = = =

Eu trago do meu Nordeste,
nos dedos de cada mão...
As marcas do solo agreste
dos pés secos do sertão!
= = = = = = = = =

Mesmo que o amor se desfaça,
entre alguns desajustados...
Que nunca se acabe a graça
do dia dos namorados!
= = = = = = = = =

Meus olhos te dizem tanto,
que ao vê-los, nos olhos teus...
Se cai gota do teu pranto
cai pranto dos olhos meus!
= = = = = = = = =

Meus versinhos são retalhos
de antigas luzes pagãs,
presas aos versos grisalhos
dos sóis de minhas manhãs!
= = = = = = = = =

Meu verso é fogo sagrado
com chamas de amor e paz!...
Mesmo depois de apagado,
sopra a cinza e se refaz!
= = = = = = = = =

Morre uma estrela tão bela,
da noite, um lindo troféu;
no espaço, essa ausência dela,
vira um fantasma no céu!
= = = = = = = = =

No meu ranchinho de palha,
nada me assusta, meu Deus!...
Nele, é que o amor se agasalha
nas conchas dos braços teus!
= = = = = = = = =

Num pico, sobre as colinas,
há um velho mosteiro, ao longe,
onde as canções mais divinas,
são preces de um velho monge!
= = = = = = = = =

O orgulhoso, é na verdade,
um cego sem ter visão,
que não percebe a humildade
da luz do sol pelo chão!
= = = = = = = = =

O tempo com seus enganos,
cego em silêncio e sem voz,
de repente, muda os planos
dos planos de todos nós!
= = = = = = = = =

Por mais, que se tente a fuga,
ninguém foge do desgosto
de ver que, o tempo sem ruga,
nos deixa rugas no rosto!
= = = = = = = = =

Quando a musa nos alcança,
a infância, não tem fronteira;
o poeta, nasce criança
e é criança a vida inteira!
= = = = = = = = =

Quando o teu olhar me enlaça,
mesmo se amargo, ele fosse,
minha alma, rindo me abraça
e, a vida fica mais doce!...
= = = = = = = = =

Saudade é um trem carregado,
de mágoa, de pranto e dor,
que às vezes, traz do passado
velhas lembranças de amor!...
= = = = = = = = =

Toda vez que uma esperança,
diz adeus e, não se explica,
nunca apaga da lembrança
a dor que na mente fica!
= = = = = = = = =

Tuas mãos, ah... tuas mãos,
que ofertam lírios e cravos,
perfumam meus sonhos vãos
e as mãos dos sonhos escravos!
= = = = = = = = =

Um canto que ainda persiste
na memória de nós dois...
Vem da voz do canto triste
de um velho carro de bois!

Fonte: Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.  Enviado pelo trovador.

Aparecido Raimundo de Souza (E o amor se fez saboroso, como pizza de muçarela*, com coca cola)

BASTOU OLHAR para a jovem que parou ao seu lado e João Ninguém se encantou dela. Não só dela, igualmente do seu sorriso, da sua voz macia, da pele cheirando a alfazema. No conjunto da obra, também do rosto, do charme, da simplicidade, da sua altivez. A figura possuía um semblante diferente. Ele jamais havia visto um igual. O sorriso, então, o deixou, de pronto, em estado de êxtase total.  Se tivesse aquela fofura em seus braços... se tivesse aquela deusa ao alcance dos seus carinhos e afagos, certamente seria o homem mais feliz na face da terra. João Ninguém se imaginou, por breves momentos, de braços dados com ela, trocando carícias e afagos. Sonhou acordado, estar andando pelas ruas, indo à missa na igrejinha local, passeando na praça, de mãos dadas, ou ao cinema, para assistir a um filme romântico.

Seus amigos ficariam com uma pontinha de inveja. Uma pontinha, não. A galera entraria em colapso. Todos se veriam à volta num deslumbramento difícil de ser descrito. Talvez até impossível de resumir em palavras. A beldade, do nada, simplesmente parou e sorriu. Se abriu num gracejo destilado de insinuações abertas a fazer com que, de pronto, seu coração conjecturasse devaneios construídos pelo calor de uma emoção que transbordava rebuliços inquietos e "zaragatados". Ele, ao vê-la assim, ao vivo e a cores, saiu do sério. Em contrapartida, ela não deixou margens a dúvidas. Seguiu se centuplicando ainda mais faceira, num inteiro amplificado que subia dos pés à raiz dos cabelos. Tudo assim, num relance inexplicável se recrudesceu exacerbado e envolto numa festa multicolorida de provocações pecaminosas.

João Ninguém, nesse momento, se viu arrancado do chão, como se flutuasse nas nuvens num infinito imarcescível. Se flagrou livre, leve e solto, colhendo estrelas em pleno sol à pino. Como um tresloucado transgressor, bebeu um gole de esperança num cálice imaginário. Um trago apenas bastou para salvar a imensidão da sua euforia adormecida. O bastante, contudo, para se embriagar dos encantos indescritíveis que fluíam como água de nascente de dentro dela, tipo um rio de leito bonançoso, inundando seus sonhos mais eloquentes. Ele, obviamente, não queria apressar seu coração. Não dessa vez. Em face de amores antigos vividos à trancos e barrancos, atrelados a paixões que não vingaram. Ele, num ímpeto forçado, tentou se abster de se enveredar por mais uma aventura.

Apesar dos casos “outrorais” que por uma série de jetaturas (azares) não deram em coisa alguma, o Cupido, a contrário senso, mais uma vez, lhe flechara. E os dardos acertavam seu âmago a ponto de, no minuto seguinte acabar novamente corroído por uma solidão sem fim. Uma solidão dorida, furiosa, sequiosa para maltratar seus pontos mais fracos e, logicamente, no mesmo rol, perturbar de modo assustador, a sua paz interior. João Ninguém tinha a impressão que os batimentos vindos de dentro de seu peito, saiam atropelando o relógio e os ponteiros de sua biografia. Nesse esmagar de emoções borbulhantes, e, em adequação aos encantos daquela deusa, algo inexplicável correu a bel prazer de um deslumbramento completamente fora de controle. Ele, bem sabia, não tinha autoridade diante de seus comandos.

Por assim, num instante inexplicável e indescritível, vinculado a um esgar nervoso e de sensações jamais experimentadas, se perdeu nos próprios passos. Bateu de frente tropeçando com um desconhecido até então nunca aquilatado, ou melhor, saboreado. O amor. O amor, de novo, se via ressurgindo de um simples olhar, de uma simples espiadela. Desse trocar de gestos suaves, desse fitar contemplativo, seu universo se fez mais exuberante e ele sorriu. Se insuflou doidamente como um menino bobo diante de uma coisa que ele não sabia o que era. Apesar de não saber do que se tratava, tinha escondido, dentro de si uma bússola que o norteava a dar de frente com uma convicção perene. Uma certeza robusta e perdurável. Uma estabilidade que faria a sua alma, assim do nada, de repente, não mais que num estalo impulsivo deixasse claro e consequentemente mostrasse às suas dubiedades e descrenças; seus almejos e ansiedades sem manchas.

Finalmente, algo lhe segredava. Encontrara o rosto, o semblante do seu meado faltoso. O núcleo paralelo e irreprimível, que o faria ser o cidadão mais feliz no fértil da terra e de um mundo que ele, até então, desconhecia completamente. Deixando o medo de lado, as dúvidas, retribuiu o alvissareiro do sorriso recebido. A moça batizada Ana Claudia, não esperou segunda ordem. Como se movida por uma força estonteante, se achegou e sem mais delongas se enleou num abraço. Foi um amplexo infantil, mas demorado, acalorado, inesperado. João Ninguém, a envolveu carinhosamente. Ternamente. Daí em diante, o milagre se fez sempiterno. Jubiloso, João Ninguém se abriu aos resplendores do amor. Se fez, exuberante e florescente. Convidou a moça para morar com ele. Assim, numa boa. Do nada. No atropelo. Ana Claudia, de pronto, aceitou. Deu certo. Vingou. Ano seguinte, uma filha engalanou a união de ambos. Por derradeiro, nascia e se perpetuava, por inteiro e sem resquícios, um novo JOÃO. Desta feita, um senhor JOÃO ALGUÉM.
= = = = = = = = =
*Nota de rodapé do autor
A forma “mussarela”, sem dúvida, é a mais usada e já aparece registrada em alguns dicionários, contudo, contraria o nosso sistema ortográfico vigente e não está registrada no “Vocabulário Ortográfico da ABL.”  Assim sendo, oficialmente, devemos grifar a palavra dessa  forma:  MUÇARELA. Lado idêntico, nas palavras estrangeiras (muçarela tem origem italiana, e vem oriunda de mozzarella) que sofreu processo de aportuguesamento. O mesmo se aplica à açaí, paçoca, açúcar e praça.


Fonte:
Texto e nota enviados pelo autor

Jaqueline Machado (Isadora de Pampa e Bahia) – Capitulo 16: Isadora e Madame?

 Mesmo presa a uma situação indesejável, Isadora, sentia-se livre, enamorada. Sua alma, sua mente e seu coração tinham a máxima certeza de que a previsão da Vó Gorda sobre o amor que estava chegando em sua vida, estava certa. Queria dizer isso à querida benzedeira e comemorar a felicidade que estava a sentir junto da amiga. Estava a pé e apressou o passo rumo a Boitatá.

Enila estava a colher jasmins no jardim, para enfeitar a sala, enquanto Vó Gorda apanhava temperos em sua horta para o jantar de logo mais. As duas estavam a metros de distância, mas simultaneamente viram Isadora chegar sorridente e de braços abertos. Primeiro abraçou a amiga, e logo foi ao encontro da cozinheira.

- Vó...

- Não precisa dizer nada em palavras. Seus olhos me contam tudo. O amor aconteceu...

- Sim. A senhora estava certa. Por um lado estou muito feliz, por outro, não sei o que fazer. Estou noiva de um homem estranho ao meu modo de ver e sentir o mundo. Quando o vejo, sinto vontade de fugir para algum lugar qualquer, desde que bem distante daqui. Se meu destino está preso a esta pessoa, por que conheci Genuíno?

- Ah, guria, não pode entender tudo de uma vez só.

- Mas preciso entender. Caso contrário, como poderei encontrar a porta de saída desse inferno?

- “Fia”, queria te entregar essa chave em mãos, mas a missão de encontrar a chave e a porta de saída é tua. Se eu fizer isso por ti, o rumo da tua vida pode seguir por caminhos diferentes. Confia na vida. tenha fé. Agora a “véia” vai pra cozinha lavar esses temperos, preparar um prato bem gostoso. Se quiser, fica pra comer com a gente. Enila vai gostar.  

- O que estão cochichando? Não confia mais teus segredos a mim? – perguntou Enila em tom de brincadeira.

- Não se trata de segredos, quer dizer, sim, mas vocês podem saber.

Na sala, Enila ajeita as flores no vaso da mesa de centro e com atenção, ouve as confidências da amiga. Depois da explanação detalhada sobre a aventura amorosa, Isadora recordou algo sobre um tal livro, cujo conteúdo indecente levou o autor a prestar contas com a justiça francesa.

- É um livro que minha mãe e minha tia leram escondidas na biblioteca dos meus avós. Trata-se da história de uma mulher chamada Emma que traía o marido. Algo considerado imperdoável, indecente. Estou noiva e, em vez de beijar o noivo, beijei outro homem. Se o povo descobrir, por certo serei apedrejada, como deve ter sido a personagem.

- Querida, tu não és uma mulher casada. E esquece o que pode ter nesse livro e o que houve com o autor. Não fica impressionada. Agiste pelo impulso do amor. Foste corajosa, não indecente.

- Também penso assim, mas as consequências desse amor são imprevisíveis. Como será depois que eu estiver casada com o Fábio?

- Saberás o que fazer. E, independente da decisão que tomares, eu estarei ao teu lado. No que depender de mim, nunca estarás sozinha.

Entre sorrisos e lágrimas, Isadora e Enila trocaram um longo e apertado abraço.

- A amizade é uma flor divina que nasce dentro de quem tem o coração puro. Desabrocha por meio de sorrisos e alegra, perfuma a vida de quem tem a lealdade como primeira regra da vida – disse baixinho Vó Gorda ao entrar na sala segurando uma bandeja com chás, cafés, bolos, docinhos e biscoitos.  

Após se fartar com os quitutes, Isadora voltou para casa, indagou da mãe onde encontrar o tal livro indecente que ela havia lido quando menina. Dona Ana disse que o livro estava escondido junto de outras obras na dispensa da cozinha.

Que absurdo: livros escondidos na dispensa. Pensou Isadora, um tanto irritada.

Ao pegá-lo, observou a capa e o título: Madame Bovary.

- Muito prazer! - disse ela com um sorrisinho de canto nos lábios.

Debruçada sobre o travesseiro, com o lampião aceso à beira da cama sobre o criado mudo, abriu o livro aleatoriamente e se deparou com o seguinte trecho:
 
"...encontrava-se numa dessas crises em que a alma inteira mostra indistintamente o que encerra como o oceano que, nas tempestades, entreabre-se das algas das praia até a areia dos abismos.“

Depois, foi às primeiras páginas e imergiu na leitura até o raiar do dia.

“É... eu e essa Madame temos nossas diferenças.” pensa, antes de adormecer.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  =
continua…

Fonte: Texto enviado pela autora

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Dorothy Jansson Moretti (Álbum de Trovas) 31

 

Mensagem na Garrafa - 2 -


Há Momentos
autor desconhecido

Há momentos na vida em que sentimos tanto
a falta de alguém que o que mais queremos
é tirar esta pessoa de nossos sonhos
e abraçá-la.

Sonhe com aquilo que você quiser.
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que se quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes
não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor
das oportunidades que aparecem
em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.

O futuro mais brilhante
é baseado num passado intensamente vivido.
Você só terá sucesso na vida
quando perdoar os erros
e as decepções do passado.

A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar
duram uma eternidade.
A vida não é de se brincar,
porque um belo dia se morre.