quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Ivan Carlo (Manual de Redação Jornalística) Parte 10, final e biografia


CAPÍTULO 9
ORGANIZANDO AS INFORMAÇÕES EM FRASES SIMPLES


Um dos principais problemas de quem começa a fazer matérias jornalísticas é a tendência de juntar várias informações em uma única frase.

A função do jornalista, além de divulgar informações, é também organizá-las de forma que o leitor possa identificar rapidamente o que quer no texto. Ao se juntar várias informações numa única frase, o jornalista dificulta a leitura e pode levar a compreensões completamente equivocadas – isso quando o leitor consegue ir até o fim do texto.

Vamos imaginar uma situação. O jornalista José Energúmeno foi mandado para fazer uma matéria a respeito de um acidente de trânsito. Ele descobriu que o acidente havia ocorrido com um ônibus e redigiu a seguinte frase:

UM ÔNIBUS SE ACIDENTOU NA BR 346.

Energúmeno achou que era pouco. Podia ser até um bom título, mas certamente ainda faltava algo para se tornar uma matéria. Você consegue imaginar o que falta? Sim, basta se lembrar das seis perguntas. Ele percebeu que faltavam personagens para a história: os passageiros, e redigiu assim a sua frase:

UM ÔNIBUS, TRANSPORTANDO 20 PASSAGEIROS, SE ACIDENTOU NA BR 346.

Tudo bem. Só que seria interessante dizer quem eram essas pessoas. O leitor deve ser seduzido pela matéria. Energúmeno achou que a presença de crianças no ônibus ia ajudar o leitor a se identificar com a situação. Então ficou assim:

UM ÔNIBUS, TRANSPORTANDO 20 PASSAGEIROS, ENTRE ELES UM MULHER E DUAS CRIANÇAS, SE ACIDENTOU NA BR 346.

Em seguida ele foi acrescentando novas informações à frase:

UM ÔNIBUS, TRANSPORTANDO 20 PESSOAS, ENTRE ELES UMA MULHER E DUAS CRIANÇAS, BATEU EM UM CARRO NA BR 346.

UM ÔNIBUS DA LINHA SÃO JOSÉ DOS CAMPOS- SÃO PAULO, TRANSPORTANDO 20 PESSOAS, ENTRE ELES UMA MULHER E DUAS CRIANÇAS, BATEU EM UM CARRO NA BR 346.

UM ÔNIBUS DA LINHA SÃO JOSÉ DOS CAMPOS- SÃO PAULO, TRANSPORTANDO 20 PESSOAS, ENTRE ELES UMA MULHER E DUAS CRIANÇAS, BATEU EM UM CARRO MODELO CORSA NA BR 346.

UM ÔNIBUS DA LINHA SÃO JOSÉ DOS CAMPOS- SÃO PAULO, TRANSPORTANDO 20 PESSOAS, ENTRE ELES UMA MULHER E DUAS CRIANÇAS, BATEU EM UM CARRO MODELO CORSA, QUE CAPOTOU, NA BR 346.

UM ÔNIBUS DA LINHA SÃO JOSÉ DOS CAMPOS- SÃO PAULO, TRANSPORTANDO 20 PESSOAS, ENTRE ELES UMA MULHER E DUAS CRIANÇAS, BATEU, NA NOITE DE ONTEM, EM UM CARRO MODELO CORSA, QUE CAPOTOU, NA BR 346.

UM ÔNIBUS DA LINHA SÃO JOSÉ DOS CAMPOS- SÃO PAULO, TRANSPORTANDO 20 PESSOAS, ENTRE ELES UMA MULHER E DUAS CRIANÇAS, BATEU, ÀS 19 HORAS DE ONTEM, EM UM CARRO MODELO CORSA, QUE CAPOTOU, NA BR 346 E MORRERAM 15 PESSOAS.

UM ÔNIBUS DA LINHA SÃO JOSÉ DOS CAMPOS- SÃO PAULO, TRANSPORTANDO 20 PESSOAS QUE ESTAVAM DE FÉRIAS, ENTRE ELES UMA MULHER E DUAS CRIANÇAS, BATEU, ÀS 19 HORAS DE ONTEM , EM UM CARRO MODELO CORSA, QUE CAPOTOU, NA BR 346 E MORRERAM 15 PESSOAS.

UM ÔNIBUS DA LINHA SÃO JOSÉ DOS CAMPOS- SÃO PAULO, TRANSPORTANDO 20 PESSOAS QUE ESTAVAM DE FÉRIAS, ENTRE ELES UMA MULHER E DUAS CRIANÇAS, BATEU, ÀS 19 HORAS DE ONTEM, EM UM CARRO MODELO CORSA, QUE CAPOTOU, NA BR 346 E MORRERAM 15 PESSOAS E A POLÍCIA ACREDITA QUE O MOTORISTA ESTIVESSE EMBRIAGADO. .

UM ÔNIBUS DA LINHA SÃO JOSÉ DOS CAMPOS- SÃO PAULO, TRANSPORTANDO 20 PESSOAS QUE ESTAVAM DE FÉRIAS, ENTRE ELES UMA MULHER E DUAS CRIANÇAS, BATEU, ÀS 19 HORAS DE ONTEM, EM UM CARRO MODELO CORSA, QUE CAPOTOU, NA BR 346 E MORRERAM 15 PESSOAS E A POLÍCIA ACREDITA QUE O MOTORISTA, QUE SOBREVIVEU, ESTAVA EMBRIAGADO.

No final, Energúmeno redigiu a seguinte frase:

UM ÔNIBUS DA LINHA SÃO JOSÉ DOS CAMPOS- SÃO PAULO, TRANSPORTANDO 20 PESSOAS QUE ESTAVAM DE FÉRIAS, ENTRE ELES UMA MULHER E DUAS CRIANÇAS, BATEU, ÀS 19 HORAS DE ONTEM, EM UM CARRO MODELO CORSA, QUE CAPOTOU, NA BR 346 E MORRERAM 15 PESSOAS E A POLÍCIA ACREDITA QUE O MOTORISTA, QUE SOBREVIVEU, ESTAVA EMBRIAGADO, MAS ELE NEGA PORQUE NÃO HÁ NENHUMA PROVA DISSO E OS POLICIAIS NÃO FIZERAM TESTE DE BAFÔMETRO.

O editor, claro, não entendeu nada. Nem os leitores. Vamos tentar melhorar o texto do Energúmeno. Reescreva o parágrafo, organizando as informações em frases simples.

BIBLIOGRAFIA
EPSTEIN, Isaac. Teoria da Informação. São Paulo, Ática, 1986.
LAGE, Nilson. Linguagem Jornalística. São Paulo, Ática, 1993. Manual de Estilo Editora Abril. São Paulo, Nova Fronteira, 1990.
Manual Geral da Redação - Folha de São Paulo. São Paulo, Folha de São Paulo, 1987.
MEDINA, Cremilda. Entrevista - o diálogo possível. São Paulo, Ática, 1990.
PIGNATARI, Décio. Informação. Linguagem. Comunicação. São Paulo, Perspectiva, 1976.
VANOYE, Francis. Usos da Linguagem. São Paulo, Martins Fontes, 1991.
Folha on line - http://www.uol.com.br/folha
Terra Notícias - http://www.terra.com.br/frterra.htm


Sobre o Autor e sua Obra

O Prof. Ivan Carlo é jornalista, professor, roteirista e escritor. Mestre em comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo.
Tem realizado trabalhos para publicidade, como o roteiro do desenho animado "SUS", para a Secretaria de Saúde de Curitiba.
Sua produção literária inclui um livro infantil (Os Gatos, editora Módulo), um artigo na coletânea de artigos acadêmicos Histórias em Quadrinhos no Brasil: Teoria e prática e o livro Spaceballs, publicado pela Associação Brasileira de Arte Fantástica.

Colabora com vários sites e publicações, sob o pseudônimo de Gian Danton. Produz roteiros de quadrinhos desde 1989, quando estreou na extinta revista Calafrio. Sua produção de roteiros para quadrinhos inclui histórias para as editoras Nova Sampa, ICEA, D´arte, Brazilian Heavy Metal, Metal Pesado e para a editora norteamericana Phantagraphics.

Seu trabalho mais recente na área de quadrinhos foi o roteiro e a edição de texto da revista Manticore pelo qual ganhou os prêmios Ângelo Agostini (melhor roteirista de 1999) e HQ Mix (melhor lançamento de terror).

Mantém o site Idéias de Jeca-tatu (http://www.lagartixa.net/jecatatu), único no Brasil especializado na discussão sobre roteiro para quadrinhos. É professor titular de Língua Portuguesa do Centro de Ensino Superior do Amapá – CEAP e coordenador do curso de jornalismo da Faculdade SEAMA. Para corresponder como Prof. Ivan Carlo escreva: calliope@uol.com.br


Fonte:
Virtualbooks

7a. Semana do Escritor de Sorocaba, realizada em agosto de 2011.


7ª Semana do Escritor, que começa hoje e se estende até sábado na sede da Fundação de Desenvolvimento Cultural de Sorocaba (Fundec), à rua Brigadeiro Tobias, Centro, é experiência que merece ser acompanhada com interesse, especialmente no que se refere à fórmula desenvolvida por seus realizadores para manter o evento ativo e permitir que ele retorne todos os anos - ao menos, enquanto houver interesse dos escritores locais em possuir esse canal para divulgação de seus trabalhos.

Sorocaba perdeu, nas últimas décadas, excelentes projetos nas áreas de vídeo, teatro e música - alguns patrocinados pela Prefeitura, outros por sindicatos e entidades empresariais -, simplesmente porque os patrocinadores decidiram fechar as torneiras de recursos ou canalizar seus investimentos para outro setor. Por fatores que nunca ficaram muito claros, mas que certamente passam pelo aspecto financeiro e, provavelmente, tiveram a ver com trocas de chefias e mudanças de prioridades, colocaram-se pedras em cima de projetos bem-aceitos pelo público e que já haviam cumprido as etapas mais difíceis de popularização e conceituação, interrompendo-se processos importantes de formação artística e cultural.

Essa realidade, somada à inconstância das leis de incentivo, que financiam projetos pontuais e ações com prazo de validade – mas, por suas próprias características, não oferecem uma resposta satisfatória para atividades de longo prazo -, impõe aos artistas e produtores culturais a necessidade de planejar seu trabalho tendo em vista a sustentabilidade, sob o risco de despenderem grande energia para tornar uma ideia bem-sucedida e vê-la abortada sem muitas explicações, conforme o humor de quem os financia.

É nesse caminho pouco ortodoxo, por assim dizer, que a Semana do Escritor tem procurado encontrar seu espaço, aberta a parcerias indispensáveis (como a da própria Fundec, que desde a primeira edição, em 2005, cede o saguão do belíssimo Palácio Brigadeiro Tobias para o evento), porém sem depender de verbas, sejam elas públicas ou privadas, para cobrir suas despesas. E isso porque o financiamento do evento vem dos próprios escritores participantes, que contribuem com uma quantia de R$ 100 cada um, como numa cooperativa, e juntos proporcionam um orçamento diminuto porém suficiente para que o evento possa ser realizado.

A Semana do Escritor não rivaliza com grandes eventos de grandes orçamentos, não tem shows de artistas famosos nacionalmente nem a presença de figurões da literatura brasileira, mas cumpre sua proposta de divulgar a literatura regional de forma aberta e democrática, com exposição de livros e uma extensa agenda de eventos que inclui palestras, lançamentos e apresentações artísticas.

É importante valorizar essa forma de fazer as coisas, que certamente exige uma dose de sacrifício maior dos organizadores, porém assegura tanto a permanência quanto a independência dos eventos, mantendo– os livres de interferências externas, de cortes orçamentários e mesmo de questões políticas. Sem descartar patrocínios privados e das leis de incentivo - mas sem estabelecer uma relação de dependência exclusiva em relação a essas fontes de recursos -, o autofinanciamento é uma saída para eventos coletivos, e mais ainda quando estes oferecem a possibilidade de uma receita, mesmo pequena, proveniente de vendas de livros ou de ingressos, com a qual o investimento inicial de cada participante possa ser compensado.

Com seu formato ímpar, a Semana do Escritor é uma fonte de aprendizado para quem trabalha no setor cultural, na medida em que reúne todas as condições básicas para que seus financiadores individuais a melhorem e aperfeiçoem ano a ano, com a certeza de que ninguém, a não ser eles próprios, poderá decretar seu fim.

José Carlos Fineis
Consultor Editorial
Jornal Cruzeiro do Sul/Fundação Ubaldino do Amaral
Fones: (15) 9789-0793 - 2102-5057


Fonte:
Jornal O Cruzeiro do Sul. Sorocaba, 23 de agosto de 2011. Folha A3. Enviado por Douglas Lara.

JB Xavier (Lançamento do Livro Não Haverá Amanhã)


Romance Histórico de J.B. Xavier.
530 páginas

Em 1374, com a morte na fogueira do último Grão Mestre da Ordem do Templo, Jacques de Molay, uma importante relíquia que encerra alguns dos maiores segredos da cristandade, guardados há séculos pelos templários, se perde. 300 anos mais tarde a mais rica família da Inglaterra, os Canterville, se envolve em sua recuperação, após descobrir que ela se encontra no Novo Mundo, ao sul das possessões portuguesas conhecidas como Brasil. Para recuperá-la, a família Canterville acaba se envolvendo na Revolução Gloriosa de 1689, que colocou no trono inglês um monarca holandês, e com Francisco Dias Velho, o bandeirante vicentista que fundou a povoação da Ilha dos Patos, hoje conhecida como Florianópolis, Capital do Estado de Santa Catarina. Entretanto, a recuperacão da "preciosidade" não seria fácil. Poderosas forças políticas, econômicas e religiosas conspiram para se apossar da relíquia, levando o suspense e a aventura a níveis de tirar o fôlego!

Acompanhe a eletrizante saga da família Canterville na missão de salvar o objeto sagrado templário enquanto se envolve em uma das mais sangrentas tragédias de todos os tempos, já ocorridas nas costas brasileiras.

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9 de Novembro de 2011
19:00 horas - Palestra do autor
19:40 - Coquetel e autógrafos

Palácio Cruz e Souza
Praça XV de Novembro, 227
Centro Florianópolis SC
Telefone/Fax: (048) 3028-8091
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7 de Dezembro de 2011
19:30 -Palestra do Autor
20:00 – Coquetel e autógrafos

Centro Cultural Casa das Rosas
Av. Paulista, 37 -Bela Vista
Fone: 11 3285-6986/ 3288-9447

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Trova 202 - Ademar Macedo (RN)

Sérgio Matos (Poesias Avulsas)


AMOR ENAMORADO

Ao pôr-do-sol estive
Sentindo-te a meu lado
O céu ao fundo avermelhado
De cor se me vestiu enamorado
Te senti te respirei tão encantado
De amor te agasalhei
Me fecundei!
Terno e arrebatado
Entorpeci!
Maravilhado

INSTANTÂNEO

VIVER
é permanecer p’rá lém de mim
Ter a olfacção da aragem em movimento
Compreender a solidão em eco de catapulta
Ter a paciência sentida que para além de nós
outros transpiram p’la ânsia de viver

Estou em todo o lado
Não estou em lado algum
Existo – num êxito opaco
Sou filtração de uma vida
Uma intuição consciente

Na confluência de tolerâncias várias,
olhar o espelho e encontrar-me
é aceitar o meu semelhante,
que segue outro caminho
e tem outra história

Na duplicação de uns nos outros:
saber dividir diferenciando,
é caminhar por uma rua
que é um mundo

Cada um de nós tem vocação
para o que existe
O que existe tem a ver
com o que está dentro
de cada um
Nós, em cada um – somos um cais de partida
Nunca um porto de chegada

AMAR POR AMOR

NO AMOR…
Tenho a luz,
o sonho, o gesto,
a profunda dor…
Ilusão
- Amor!

No amor…
eu tenho os dias,
as ocultas noites,
Nostalgia!
A memória virtual

No amor…
tenho tudo e o nada haver…

Desideratos abstractos…
fantasias, crepúsculos,
devaneios…
Alegorias!

No amor…
tenho a percorrida vida,
o pensamento amado…
a profundidade esquecida
Êxtase!...
O fio d’alma
Revertida

SILÊNCIO

O verdadeiro segredo
de estarmos sempre presentes
naquilo que fazemos
é conseguirmos muita coisa sem nos perdermos

O estado de vigília constante
a que somos submetidos
ao contrário de adormecer
desperta-nos
no compulsar atento
daquilo que nos rodeia

Vivemos o livre fruir dos nossos
pensamentos
a forma rítmica com que
sentimos e agimos
A harmonia que se manifesta
em relação a tudo e todos

É-nos intrínseca a capacidade
de amar
- o desejo e o júbilo
no que faz

E somos!!

VOLÚPIA

Como é bom sentir o inatingível e gerar o imediato
Olhar o coração apinhado de esperança e dizer sim
Permanecer para além de nós nas horas ociosas
Gerar outra paz e revoltar nascendo o que de nós brota

Cheirar a fé odorada e defumar o repleto alento
Acreditar na vida como passagem para algures

Caminhar!!

Enlaçar o sonho em mar de esperança e amar sorrindo
Renascer nascendo depois da morte e ternuras guardar

Conter a pena de perdurar apenas só

Vivendo!!

Outras vidas seus ecos escutar lamentos de solidão

Atento!!

Perder-me enlaçado no desenlaço de outras almas

Sentindo!!

Palmilhar o agnóstico da carne e sofrer o espírito levitando

Fecundo!!

FOTOTROPIA

Através de pequenas coisas
e invadido pelo mistério
pressagio meditação
Obscureço o entendimento
e conjugo-me no afirmativo
Acorro a sugestões internas
Inverto os factos e insidiosamente
procura estimular o amor-próprio
Desobedeço
- abusando dos poderes divinos
Levo à ânsia o meu instinto
Inverto a ordem
- sou acto revolucionário

Na fraqueza de tudo ser
desperto o meu nada promissor
Seiva de esperança
deglutida de apreensão
Sortilégio/Desventura
Tão-somente
- vontade d’quele que me enviou

Haja – Luz!..

DIMENSÃO MAIOR

Subo à minha torre de cristal
E sinto um céu de azul jasmim
Edifico ilhas de segurança
E vivo a paz como refúgio
Desato o sonho e prendo o tempo
Que esvoaça em meu pensar
Parto e chego a desoras
Vivo e fujo de tanta pressa
Vislumbro o mar
Que de ondas sucessivas molha a areia
Do seu abraço
A sede basta que refresca
Sublimo o crer
E entrego o imenso prazer
Tão bom é estar vivo
Alagando o meu olhar
Fugaz mais lestos que o lamento
A voga as horas do vício
Em pousio no tempo d’ócio
No meu mirante de cristal
Existo….
Ficarei!

DE MIM O SOPRO

Olhando p’ra mim respiro o que escrevo
Palavras saídas sentidas de dentro
Anseios alados vividos esfumados
Penumbras trazidas lonjuras guardadas

Revejo remiro ilusão tormento
Dor incontida angustia momento
Ajusto de coisas figuras passadas
Princípio sem fim saudades amargas

Atento deslumbro contento contacto
Vidas sofridas tão de abstracto
Resumo consumo nas dobras do tempo
Revejo reverso no verso de mim
Tristeza ternura confusão sem fim

Sou ponto de vida exclamação d’alguém
Certeza concisa colhida de quem
Trazida embalada de questões e razões
Olhar maduro que pinga ilusões

EXALAÇÃO D’ALMA

A hera crescia
Galgava a parede
Afanosa
Ela o verde aspergia

No jardim
De tamanha olência
As abelhas fecundavam o jasmim

Ao desamanhecido dia
Garganteava o pintassilgo
A semente desmiolada depenicava

Aqui…

Ali…

Desejava!

Em gargarejos de dor
Arrojava a asa ao seu amor

No brejo se refrescava!

INAPTOS


Só conheço de nome
e ouço falar

São aquilo que cobiçam
e mostram outra razão
do algures que não o são

Pavão em penas suas
de cores já desbotadas
- alegram por fora
por dentro a pigam
água de choro

Na inexactidão do começo
apiedam-se
à continência
do fim

Só de nome conheço
e falar
os ouço!

CLARIDADE

Nas trevas vejo
em dia estou

No que me alaga
dono não sou

Um rio
esboroado
p’las lágrimas
que de mim brotam

O montante derrama
cristais de luz
- saudades –
que meu estuário banham

Escorro a jusante
de abraço a
outras águas
tamanhos mares

D’alguém
por fim resvalam prantos

O nenhures greta
tísica de sede

Desmesuradamente
Inundo algures!
Link
Fonte:
A Janela do Poeta

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 368)


Uma Trova Nacional

Meus castelos não têm fadas,
nem mais ilusões-meninas...
hoje são restos de "nadas",
num pedestal em ruínas...
–ERCY MARIA MARQUES/SP–

Uma Trova Potiguar

Rasga o manto que te cobre,
mostra teu riso e esplendor...
Pois, a cortina, mais nobre,
não cobre um riso de amor!
–PROF. GARCIA/RN–

Uma Trova Premiada

1996 - Barra do Piraí/RJ
Tema: SANGUE - 5º Lugar

No mundo de tanto mal,
em que a moral é postiça,
falta o sangue arterial
dos princípios da justiça!
–JOSÉ VALDEZ DE C. MOURA/SP–

Uma Trova de Ademar

Nasce a aurora e, mansamente,
mostra em cada amanhecer
a realidade que a gente
faz tudo para esquecer.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Morreu na guerra. Que brilho!
Tem mais um herói a história.
E a mãe, chorando o seu filho,
amaldiçoa essa glória.
–LILINHA FERNANDES/RJ–

Simplesmente Poesia

MOTE:
Para mim o tudo é nada,
para Deus, o nada é tudo.

GLOSA:
Quando a vida foi criada,
tudo se fez no universo
e eu digo aqui, neste verso,
Para mim o tudo é nada,
de uma palavra sagrada,
que no Gênesis, estudo,
Deus fez todo o conteúdo,
essa teoria é perfeita...
Do caos a vida foi feita,
para Deus, o nada é tudo.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Estrofe do Dia

Matam sem ser por enganos,
por pura perversidade,
sem haver necessidade
atacam pais, ferem manos,
vem os direitos humanos
trazendo um triste sentido,
protegendo um atrevido
sem consciência de nada;
toda lei ultrapassada
só favorece o bandido.
–MOACIR LAURENTINO/PB–

Soneto do Dia

Vida e Morte de Chico Mendes
–RENÃ LEITE PONTES/AC–

O Chico na mata lá vai toque toque.
sensato, rebelde e amigo... Ele é pai!
levando a poronga e faca ele vai...
defende a floresta de balde a reboque.

Defesa da mata é motivo de choque,
qual choque de frio da chuva que cai.
jurado de morte, pra luta ele sai
pedindo a justiça que o mal não lhe toque.

Quem sabe se a mata ficar bem cuidada
não para esta raiva do rude inimigo
que quer toda a mata refém da boiada,

Cilada composta de grande perigo:
tão moço seu Chico tombou de emboscada
com tiro que pega do peito ao umbigo.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Varal de Mini-Contos II


Paulo Gonçalves
ENFIM, PEDRO

Armando e Eleanor já estavam casados há muito tempo quando conceberam o primeiro filho. Esperavam ansiosos por um menino. Entediados com o casamento, animaram-se com a idéia de alguém mais pra dividir a relação. Queriam fazer novos planos, refazer os sonhos. Pedro nasceu em dezembro, próximo ao Natal.

Eleanor não suportava mais as manias do marido e acabou dedicando-se exclusivamente à maternidade. Embora se queixasse do acúmulo de tarefas domésticas e de cuidar sozinha do pequeno Pedro, dava graças a Deus por não ter que dividi-lo com ninguém. Sua dedicação garantiu que Pedro se tornasse um garoto saudável e vigoroso, um tanto mal-acostumado. Armando não se importava com as críticas da esposa e muito menos com o fato de não dormirem juntos como antes. À noite, quando chegava em casa, ocupava-se da educação do filho, ditando as regras que deveriam ser seguidas.

Pedro permaneceu em companhia dos pais até onde deu e depois foi morar sozinho. Alugou um apartamento próximo à Faculdade. Cursou psicologia até o terceiro ano, mas desistiu do sonho de sua mãe por motivos óbvios: tinha seus próprios sonhos. Acabou se formando em engenharia da computação, algo mais próximos de seus ideais. Queria conquistar o mundo.

Carlos Herculano Lopes
O PACTO

Pedro e Maria, recém-casados, fizeram um pacto: morreriam juntos. Quarenta anos mais tarde, já velhos e donos das mesmas desilusões, um assentou-se frente ao outro relembrando vivências comuns: filhos e netos, as viagens tão longas, outras que não fizeram, a juventude perdida. E miraram-se longamente enquanto o sol, mais belo naquela tarde, declinava sem pressa. Em seguida trocaram beijos, juras antigas, encheram os copos e fecharam os olhos, como haviam combinado... Muito abatida no outro dia, com um xale negro nas costas e rodeada pelos filhos, todos inconformados com o suicídio do pai, dona Maria, com sulcos profundos nas faces, recebia os cumprimentos.

Publicado em Coração aos Pulos, 2001

Pedro Silva
SERIA EU?

Um dia, pensei encontrar-me. Olhei no espelho. Seria eu? Seria mesmo eu? Olhei para baixo, mirando as mãos e os pés. Parecia eu, mas não tinha certeza. As fotos que poisavam nos móveis da minha casa eram similares à imagem obtida no espelho. Tinha na altura cinco anos. Hoje, meio século depois, continuo sem saber: seria mesmo eu?

Maria Luiza Forneck
E-MAIL

Mari,

A casa está de luto. Vieram buscar buscar a Liss. Choro, diarréia, fungo para tratar, uma ferida na pata que a veterinária não viu e que ela mordia cada vez mais. A Leila me orientou e eu dei leite com mel, que solta barriga. Talvez, mamando o leite da mãe, ela suportasse tal gororoba, mas aqui com o vermífugo que tomou, teve cólica e houve choradeira brava.

É um belo espécime, puro descendente de border collie, enfrentou-me. Eu batia com um papel do chão, mas passado susto, ela retomava os uivos, é claro, fazendo aquela "pose" típica dos border: sentava como um leão, com as patas arriadas para frente, mostrando os dentes, atitude destinada a intimidar ovelhas e gansos, que obedecem, igual a esta que vos escreve. Devido à diarréia, não me arrisquei a leva-la para meu quarto, o que era certo que ela estava pedindo. Inteligente, logo encontrou onde afiar as garras. Namorava a própria imagem refletida na fórmica da cozinha, passando a patinha... uma paixão de nenê!

Já soube do encontro emocionante com a mãe preta: mamou muito, grande festa no pedaço. Imagino o que não contou para a turma sobre a noite que passou aqui... Descobri, lenta que sou, pouco antes de ela partir, o porque de só ter aceitado um pano de lã preto para se recostar, ignorando um colchão colorido e um pano na cor gelo. A Lígia tem doze desses animais e me disse que a guardará até que ela complete noventa dias, caso eu mude de idéia.

Quanto à arte terapia, conversaremos na quarta-feira.

Beijos

Mariana

Mário-Henrique Leiria
CASAMENTO

"Na riqueza e na pobreza, no melhor e no pior, até que a morte vos separe."
Perfeitamente.
Sempre cumpri o que assinei.
Portanto estrangulei-a e fui-me embora.

In "Contos do Gin-Tonic" (1974)

Regina Starosta
PONTO DE REFERÊNCIA

1

Dirijindo, por ruas desconhecidas, me perdi.
Seguindo o ônibus, acabei na margem de um rio.

2

Todo o dia dobrava a esquina da casa azul.
Pintaram a casa de amarelo.
Não achei mais a rua.

Vera Ione Molina
BUSCA

O coração atropelado acordou a mulher, os soluços convulsivos a levaram para a cozinha. Preparou um chá de erva-doce para digerir as tristezas e, nessa digestão, se fortalecer, acrescentou gengibre para ganhar coragem; coisas aprendidas na leitura do romance indiano A Senhora das Especiarias.

O pranto não cedeu e ela correu para a Internet para buscar Jesus. O modem estava com problema de configuração, não poderia receber o Messias.

Ela digitou salvação e se abriram possibilidades fulgurantes, construídas com substantivos abstratos.

Fonte:
http://www.artistasgauchos.com.br/veredas/?x=1&lk=1

Ialmar Pio Schneider (Soneto a Casimiro de Abreu)


– In Memoriam – Falecimento do poeta em 18.10.1860

Mas, onde se esconderam “Meus Oito Anos”,
que os procuro debalde na distância?
Casimiro de Abreu, teus desenganos,
trazem saudades de minha infância...

No entanto, sempre na mesma constância,
bate meu coração com seus arcanos;
e o que outrora tinha significância,
hoje, são meus pobres cantos profanos.

Pois, “oh! que saudades que tenho”, agora,
daquele tempo bom que foi embora,
e que, bem sei, não volta nunca mais?

Sigo meu caminho sempre confiante,
que cada etapa que me surge adiante,
só vem complementar meus ideais...
Porto Alegre – RS, 18 de outubro de 2011,

Fonte:
Soneto enviado pelo autor

Júlia Lopes de Almeida (Em Guarda)


Quando, ao cair da noite, a mãe senta nos joelhos o filho amado e o interroga sobre os feitos do seu dia, para censurá-lo ou aplaudi-lo, como é feliz quando tem, para fortalecer a sua consciência, a contar-lhe um fato heróico ou um sentimento sublime, documentados por uma simples notícia de jornal ou uma audição de acaso! A sua alma profética adivinha que coisa alguma comoverá mais profunda e utilmente o seu rapazinho do que o saber que no seu tempo, na sua cidade mesmo, à hora em que ele brincava com o seu pião, ou escrevia os seus temas, ou dormia regaladamente o seu sono, havia um homem da mesma raça, da mesma língua, seu semelhante em tudo, que arriscava a sua vida para salvar a vida de um estranho, escalando janelas incendiadas, atirando-se às ondas impetuosas, atrevendo-se, enfim, aos perigos de uma morte horrível e quase inevitável!

São as melhores páginas para a alma, estas páginas vivas, ainda quentes do calor do sangue, ou empapadas pela inundação das lágrimas. Percebendo isso, não há mãe que se não comova, quando, relatando-as ao filho, vê nas transparentes pupilas dele despontar e dilatar-se a flor dourada da generosidade e do entusiasmo precoce.

Sei que, ao contrário de tudo que é regido pelas leis naturais, os heróis do passado, vistos através a distância dos tempos, em vez de diminuírem crescem de
estatura; mas a verdade também é que essa lente mágica, agiganta-os até ao ponto de os tornar como deuses, mais fáceis de admirar que de imitar.

O conhecimento dos grandes homens da antiguidade serve para a cultura do espírito, mas não sei se terá o mesmo proveito para a do sentimento.

Eles permanecem imóveis no seu tempo, em um meio que foge à nossa perspicácia e em que se destacam como entes sobre-humanos para o culto das gerações sucessivas. As crianças, lendo ou ouvindo as suas façanhas, têm uma certa desconfiança da sua autenticidade, ou o pressentimento de que nos tempos modernos elas seriam absolutamente impossíveis.

De resto, o que está nas crônicas e nos livros pode ser ficção. Quem viu? Quem relatou? Homens que talvez tivessem mentido ou simplesmente exagerado, e que dormem há muito o frio sono em túmulos dispersos e ignorados.

Agora o que não é mentira, o que parece feito da carne quente e não das cinzas frias, é um caso de altruísmo que o nosso jornal nos contou esta manhã, com um comentário banal, na frivolidade apressada de quem vê tudo do alto e quer seguir para diante, em desempenho de outras atribuições. Este caso, passado entre nós, atestado por pessoas nossas conhecidas, ainda tem uma palpitação de vida e pode reproduzir-se nesta mesma hora, daqui a pouco, ou amanhã....

Que belo partido tiram as mães inteligentes dessas lições do acaso! As vezes o fato parece tão insignificante que se some em um canto do periódico, sem atrair a atenção de ninguém, tal qual como uma mulher desconhecida e feia se some numa esquina. Passou, viram-na, mas não houve quem lhe tirasse o chapéu ou sequer a acompanhasse com a vista.

Por mais que bramem contra o egoísmo e a maldade destes tempos, olhem que há por aí muitos exemplos de abnegação e de bondade dignos de toda a nossa reverência. Lendo-os, na maior parte das vezes, levantamos os ombros, não fazemos caso.

É que a notícia, feita sobre o joelho, vinha mal enroupada, com falta do estilo que seduz e obriga à comoção. Refletindo, porém, um bocadinho, a educadora perspicaz pesca, no lodo que as seções policiais revolvem, pérolas de inapreciável valor! O resto depende da habilidade dos seus dedos, quando as mostrem à clara luz para fazê-las admirar.

Há quem proíba a meninas e rapazinhos a leitura dos jornais. Por mim não me parece que haja nisso bom senso. O jornal é toda a alma da cidade, com os seus vícios, as suas misérias e as suas glórias, que fazem tremer de horror ou de entusiasmo, e que, melhor que todos os livros de filosofia, ensina a conhecer o coração de um povo.

Que descortinará o jornal mais indiscretamente do que descortina a rua, onde a mocinha, incitada à faceirice por elogios sem termos, entrevê os graves amigos do papai conversando com as cocottes, sentindo nas faces puras o bafejo de todas as tentações, desde as do luxo das vitrines até as do jogo, em bilhetes de loteria que flutuam diante dos seus olhos, sacudidos por mãos teimosas e impertinentes?

Ah, o jogo! Por toda a parte se alastra a mania das rifas e das loterias; algumas casas mesmo do comércio especulam com a sua sedução. Há já sapatarias, alfaiatarias, casas de papel ou de jóias, que oferecem coupons sujeitos a uma fortuna de acaso, que habilita uma pessoa a alcançar, de graça, um terno novo, um par de botinas, ou meia dúzia de lápis. Ora, estes coupons e bilhetinhos de azar entram pelas portas e pelas janelas, como que trazidos pelo vento, e são sempre as mãos curiosas dos rapazinhos que primeiro os agarram, os reviram e os estudam!

Parece nada? Pois nessa insinuação manhosa de economia caseira está uma terrível ameaça de ruína.

Sei que há algumas mulheres que, sem cogitar em que o germe de uma grande chaga é quase sempre um átomo invisível, acoroçoam os filhos a espalhar entre os colegas de escola cartões em que flutuam promessas, que, quando se cumprem pervertem, e quando se não cumprem desesperam.

Uma vez, descia eu a praia de Botafogo, ao calor brando de um dia sem sol, quando ouvi, com o frou-frou de uma saia de seda, a voz de um menino dizer a uma moça que ia ao seu lado:

— Olhe, mamãe, já passei cinco coupons da chapelaria e ainda não tirei nenhum chapéu.

Aquele lamento, respondeu ela, com a sua linda voz bem timbrada:

— Continua, que há de chegar a tua vez.

Passaram ligeiros, ela arrepanhando a sua linda saia de seda cor de gravanço, ele impertigado na sua farda de colegial. Ficou um rastro de aroma no ar...

Estremeci. Mãe e filho! Ele queixava-se da má sorte do jogo, ela incitava-o a continuar.

Então, não é verdade que a rua tem revelações extraordinárias, confidências imprevistas e absurdas?

Em quatro palavras apanhadas no ar, vi toda nua a alma daquela mulher perfumada e ligeira, que já se sumia na primeira esquina, sob a sombrinha rendada e rósea do guarda-sol, que era como uma flor de que ela fosse a haste...

Ora, se aos filhos dos ricos, que têm meias finas e roupas caras, interessa o bafejo da sorte que lhes conceda um chapéu vulgaríssimo ou umas botinas ordinárias, imagine que anseios de coração terão os seus colegas pobres, para quem esse chapéu representaria um luxo a que estão pouco acostumados!

Com igual razão, se a mãe rica condescende com um: — continua —, a mãe pobre, sabendo que o filho tem no bolso papéis que o habilitem a ter, sem gastar um vintém, um terno novo, uma carteira ou um relógio de ouro, suplicar-lhe-á que se avie na aquisição ainda de outros bilhetes, tanto mais que a flanela do seu casaco já está puída, ameaçando fim próximo.

Oh! Estes terríveis papeizinhos que o vento espalha pela cidade e faz entrar pelas janelas e portas das casas de família onde há rapazes, como se para mão ensinamento e perdição deles não fosse de sobra a rua, onde,
du soir au matin, roule le grand peut-étre,
Le hasard, noir flambeau de ces siécles d'ennui,
como disse o adorável Musset!

Quantas e quantas vezes, o próprio chefe da família se gaba distraída e imprudentemente, diante dos seus filhos, de ter ganho nesta ou naquela espécie de jogo! No que ele não repara, arrastado pela sua influência, é como as crianças arregalam os olhos de espanto, seduzidas por aquele triunfo que ainda desconhecem, mas cuja meia percepção os enleia e os atrai.

O trabalho que as mães têm, para destruir pela raiz aquele desejo de imitação, que tão depressa nasce e se avigora, é tremendo! A luta é surda, feita minuto a minuto, com uma vigilância extenuadora, visto que o inimigo as cerca de todos os lados. Mas também, quando a noite o sono e o cansaço cerram as pálpebras dos filhos, e elas se acercam dos seus leitos, sentem que a sua mão que abençoa procura em um esforço, talvez vão, mas sempre puro e bem intencionado, levar aquelas almas para um largo futuro de paz e de ventura.

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Ronaldo Balbacch (Poesias Avulsas)


UM DIA!

Um dia, vou escrever algo,
Que percorra o mundo...
Que todos falem de mim...
E saibam a importância da vida.

Letras perfeitas, sem ódio,
Que sejam boas para todos
E reflitam nas quadras o amor
Força maior da nossa existência.

Para um dia ser lembrado...
Com um ser humano bom
Que deixou um belo legado
Algo para as futuras gerações.

Talvez este seja o maior sonho
Difícil de concretizar, num mundo
Complexo, conflitante, impossível...
Porque não se consegue agradar a todos.

Além da massificação das idéias
E dos ideais mundanos...
A globalização cria em tempo real
Um verdadeiro reduto de solidão.

A multidão de amigos internautas...
Oculta a solidão que existe atrás da tela
Fatores que fazem o mundo irreal e fantasioso...
Um dia vou escrever algo que seja melhor que isso!

São Paulo – SP, 16 de outubro de 20011

DESEJOS DE AMOR INSACIADOS!

Quando tuas mãos tocavam as minhas
Eu sentia o calor dos doces carinhos
Que flutuavam qual abelha rainha
Na flor rubra, doce, sem espinhos.

A maciez dos teus lábios deleitava,
O mais puro, verdadeiro, e único amor.
Tua veste sensual encantava...
Desejos de tocar as pétalas da preciosa flor.

Sempre busquei o amor terra afora...
No lugar dos sonhos, encontrei pesadelos,
Sobram recordações, e doçura de outrora,
Porque não sinto o toque suave dos teus cabelos.

Flutuo pelas vagas desse imenso mar
Com espinhos presos n’alma
Não esqueço o teu olhar...
O gosto dos teus beijos que a boca inflama.

Provei do mais puro licor da vida
O saboroso, mais precioso, e doce vinho...
O ouro da flor do trigo prometida...
Nos eternos momentos de carinho...

Conheci lugares, percorri o mundo
Sem perder a vontade de revê-la
E num mergulho eterno e profundo...
Sentir o teu brilho de estrela.

Saciar a boca sedenta pelo beijo
Que possui o gosto do pecado...
Voltar e realizar esse desejo...
No campo de um amor eternizado.

Os dias, a primavera, e as belas flores,
Rejuvenescem os sonhos delicados...
Na imortalidade, de um amor de quereres,
Há muito mais que saudade, há desejos insaciados!
São Paulo-SP, 10 de outubro de 2011

AVE DE RAPINA!

Quando tuas mãos tocavam as minhas
Eu sentia o calor dos doces carinhos
Que flutuavam qual abelha rainha
Na flor rubra, doce e sem espinhos.

Na maciez dos teus lábios deleitava,
O verdadeiro e único amor.
Em veste sensual me encantava
Ao toque das pétalas da preciosa flor.

Busquei o amor terra afora...
Em sonhos encontrei pesadelos...
Porém descubro a tua doçura agora
Que não sinto o toque dos teus cabelos.

Flutuando pelas vagas desse mar
Vejo que pregaste em minha alma
A profunda marca do teu olhar...
O teu cheiro impregnado tira-me a calma

Me deste o puro licor da vida
O sabor do mais doce vinho...
O ouro da flor do trigo, querida,
Momentos inesquecíveis de carinho...

Se eu houvesse percorrido o mundo
Ainda, assim, voltaria para revê-la
Por um único mergulho profundo
No teu mar de profundeza bela.

Como outrora havia tocado...
Minha boca sedenta pelo amor
Que possui o gosto do pecado...
E a ânsia louca de tocar na tua flor.

Nessa primavera vejo flores
De perfumes doces e delicados...
Saudade profunda dos amores
Que há muito deixei no passado...

Talvez seja uma ave que perdeu o carinho...
Que nunca mais repousará no meu leito...
Qual ave rapina que cruza o caminho...
Para arrancar da presa o coração do peito!

EU TE AMO SECRETAMENTE!

Eu te amo como se essa fosse a ultima vez
Ou se o entardecer fosse o fogo a queimar
Brasa ardente que consome minha palidez...
Quando o coração inutilmente tenta te alcançar.

Te amo como se fosse a ultima rosa do jardim,
De orvalho molhada ao alvorecer da primavera
Esse amor, secreto, sem inicio, meio ou fim,
Apenas o sentir d’alma, que desejo gera.

Não sei como tudo começou, apenas, sinto o amor,
Que devora as entranhas do meu ser, já sem calma,
Entre a espera e a chegada há lagrima de dor...
Porque dentro de mim te ocultas flor sem alma.

Te amo como o dia, em que o sol se esconde,
E leva escondida a luz que daria brilho a vida,
Sem mais brilhos, o coração não responde,
Inerte sem o devido impulso nada brinda.

Eu te amo mesmo sem saber do amanhã
Porque o teu amor é noite em meu mundo
Tua sombra, secreta, vaga e vã...
Uma miragem no deserto profundo.

Estás perto quando os meus olhos cerram
E quando abro os olhos percebo a distância
Nem de noite ou de dia, os sonhos param.
Sou o menino que perdeu a infância.

E deixou que seus brinquedos quebrassem...
Sem graça vivo esse amor juvenil, puro do amante,
Na espera que nossos corpos se abracem.
Assim te amo na espera de um dia encontrar-te.

Fonte:
Unión Hispanoamericana de Escritores (UHE)

Ivan Carlo (Manual de Redação Jornalística) Parte 9


CAPÍTULO 8
A PAUTA

Ela é uma introdução a respeito do tema, orientando o repórter quanto ao assunto e o ponto de vista que deve ser explorado.

Normalmente é feita pelo editor ou pelo pauteiro e entregue ao repórter assim que ele chega à redação.

Segundo o Manual Geral da Redação da Folha de São Paulo, a pauta deve ter:

1) Um breve histórico dos acontecimentos que constituem o objeto da reportagem;

2) Um roteiro das questões essenciais que a reportagem deverá responder;

3) Pelo menos uma hipótese que a reportagem vai confirmar ou refutar;

4) Aspectos mais relevantes para a linha editorial da FOLHA no tema da reportagem;

5) Aspectos até então pouco explorados sobre o assunto;

6) Indicações de nomes de pessoas, com endereços e telefone, que podem ser procuradas como fonte de informações.

Claro que esse é padrão ideal de uma pauta. Algumas pautas podem ter menos informações. Mas é essencial que seja repassado ao repórter o assunto de maneira bastante clara, com o enfoque que deve ser seguido e as sugestões de fontes, com nome e telefone.

EXEMPLO DE PAUTA

INTERNET ATRAI PUBLICITÁRIOS
A confecção de home-pages, uma atividade antes dominada por técnicos em informática, está atraindo cada vez mais publicitários. A matéria deve enfocar essa mudança e esclarecer porque os empresários estão preferindo contratar agências de publicidade para fazer suas home-pages. O que os publicitários fazem de diferente? Um visual mais bonito? Mais facilidade de navegação?

Entrevistar:
publicitários que estão se aventurando na nova mídia.
Empresários que estão dando preferência às agências.
Técnicos em informática.

Sugestões de fontes:
Elísio Eliam, da agência Da Vinci - fone 333-3333

Sugestão de pergunta:
Qual é o atrativo da internet para as agências?
Fernando Silva - técnico - fone 444-4444

Sugestão de pergunta:
Os técnicos estão se sentido ameaçados?
José Moreira - empresário - fone 222-2222

Sugestão de pergunta:
O que o levou a preferir um publicitário para a confecção de sua homepage?

Atenção: pauta não é o mesmo que matéria jornalistica!

A pauta antecede a matéria. Ela serve para o repórter se orientar e poder fazer a matéria.

A seguir apresento dois exemplos. Um é uma pauta. O outro é a matéria jornalística. Tente estabelecer as diferenças entre os dois.

Exemplo 1
E-BOOKS
Os livros eletrônicos estão conquistando cada vez mais adeptos. A matéria deve explorar essa mudanças de comportamento. Devem ser entrevistadas pessoas que adoram e-books e pessoas que simplesmente não os suportam. Algumas perguntas que devem ser respondidas: O que os e-books trazem de novo? Quais são as suas vantagens? Quais as desvantagens?

Sugestões de fontes:
Michella Cunha - Ela é um exemplo de alguém que não gosta de ebooks.
Fone 111-1111

Sugestão de pergunta:
-Por que você não trocaria um livro de papel pelo livro eletrônico? Vítor Conceição é um exemplo de alguém que adora os e-books. Fone: 777 7777.

Sugestão de pergunta:
- O que os livros eletrônico têm que os livros de papel não têm?

Exemplo 2
Página virada para o papel
Alessandra Carneiro

Ainda é cedo para dizer que o e-book é popular, mas já há muita gente apostando alto nesse novo formato. Em controvérsia, existem aqueles que garantem não trocar a leitura tradicional por nada. Michella Cunha, de 23 anos, se enquadra no segundo caso. “Além de provocar cansaço, os livros eletrônicos não vão superar a emoção de virar as páginas. Eu adoro ficar lendo deitada na minha cama. A capa e uma orelha bem escrita são capazes de me envolver completamente. Não costumo dizer 'dessa água não beberei', mas os e-books não me fascinam”, confessa.

Vítor Conceição, de 25 anos, apesar de ser um fã declarado dos e-books, não discorda de Michella quando ela afirma que ler no monitor pode ser um tanto quanto fatigante. Porém, ele acredita que os livros digitais têm se adaptado bem a essa nova forma. “A maioria dos textos para Internet é curta. Acho que um bom tamanho seria algo entre 50 e 100 páginas. Mais do que isso, fica cansativo”, opina. No entanto, Vítor não se esquece de apontar as vantagens dos e-books. “Permitir que um autor novo tenha seu trabalho distribuído sem influência de questões mercadológicas é importante. Além disso, temos a possibilidade de fugir da linearidade. Alguns dos melhores e-books que já li, como o Tristessa e o Quensboro Ballads, são trabalhos feitos em hypertexto, coisa que não seria possível se eles fossem livros tradicionais”, garante.

Se os e-books tomarão o lugar dos livros tradicionais é uma outra história. Por enquanto, tanto quem é a favor quanto quem é contra a literatura eletrônica dividem a mesma opinião. “Não acredito que eu vá deixar de comprar livros. Gosto de poder olhar, sentir o cheiro do papel, a textura, ler a dedicatória, coisas assim. Acho que o e-book e os livros tradicionais são apenas complementares”, conclui Vítor.

Veja outro exemplo de pauta:

ECONOMIA INFORMAL
Aproveitando o crescimento da economia informal em nosso Estado, vamos fazer uma matéria sobre o assunto. Serão entrevistados os camelôs do centro da cidade. A matéria deve esclarecer as razões que os levaram a desenvolver essa atividade. Além disso, podem ser mostradas as dificuldades dos camelôs no dia-a-dia.

Verificar como os camelôs estão organizados em nosso Estado. Que tipo de apoio eles recebem das instituições estaduais e municipais? Fazer fotos mostrando os entrevistados em local de trabalho e fazer foto mostrando uma geral do local em que eles trabalham.

continua…

Fonte:
Virtualbooks

Casimiro de Abreu (As Primaveras) Parte 7


MOCIDADE

Doce filha da lânguida tristeza,
Ergue a fronte pendida - o sol fulgura!
Quando a terra sorri-se e o mar suspira
Porque te banha o rosto essa amargura?!
Porque chorar quando a natureza é risos,
Quando no prado a primavera é flores?
- Não foge a rosa quando o sol a busca,
Antes se abrasa nos gentis fulgores.
Não! - Viver é amar, é ter um dia
Um amigo, uma mão que nos afague;
Uma voz que nos diga os seus queixumes,
Que as nossas mágoas com amor apague.
A vida é um deserto aborrecido
Sem sombra doce, ou viração calmante;
- Amor - é a fonte que nasceu nas pedras
E mata a sede à caravana errante.
Amai-vos! - Disse Deus criando o mundo,
Amemos! - disse Adão no paraíso,
Amor! - murmura o mar nos seus queixumes,
Amor! - repete a terra num sorriso!
Doce filha da lânguida tristeza,
Tua alma a suspirar de amor definha...
- Abre os olhos gentis à luz da vida,
Vem ouvir no silêncio a voz da minha!
Amemos! - Este mundo é tão tristonho!
A vida, como um sonho - brilha e passa;
Porque não havemos p’ra acalmar as dores
Chegar aos lábios o licor da taça?
O mundo! O mundo! - E que te importa o mundo?
- Velho invejoso, a resmungar baixinho!
Nada perturba a paz serena e doce

Que as rolas gozam no seu casto ninho.
Amemos! - tudo vive e tudo canta...
Cantemos! seja a vida - hinos e flores;
De azul se veste o céu... vistamos ambos
O manto perfumado dos amores.
Doce filha da lânguida tristeza,
Ergue a fronte pendida - o sol fulgura!
- Como a flor indolente da campina
Abre ao sol da paixão tua alma pura!
Setembro - 1858

NOIVADO

Filha do céu - oh flor das esperanças,
Eu sinto um mundo no bater do peito!
Quando a lua brilhar num céu sem nuvens
Desfolha rosas no virgíneo leito.
Nas horas do silêncio inda és mais bela!
Banhada do luar, num vago anseio,
Os negros olhos de volúpia mortos,
Por sob a gaze te estremece o seio!
Vem! a noite é linda, o mar é calmo,
Dorme a floresta - meu amor só vale;
Suspira a fonte e minha voz sentida
É doce e triste como as vozes dela.
Qual eco fraco de amorosa queixa
Perpassa a brisa na magnólia verde,
E o som magoado do tremer das folhas
Longe - bem longe - devagar se perde.
Que céu tão puro! que silêncio augusto!
Que aromas doces! que natura esta!
Cansada a terra adormecida sorrindo
Bem como a virgem no cair da sesta!
Vem! tudo é tranqüilo, a terra dorme,
Bebe o sereno o lírio do valado...
- Sozinhos, sobre a relva da campina,
Que belo que será nosso noivado!
Tu dormirás ao som dos meus cantares,
Oh! filha do sertão! sobre o meu peito.
O moço triste, o sonhador mancebo
Desfolha rosas no teu casto leito.
1858

DE JOELHOS

Qual reza o irmão pelas irmãs queridas,
Ou a mãe que sofre pela filha bela,
Eu - de joelhos - com as mãos erguidas,
Suplico ao céu a felicidade dela.

- “Senhor meu Deus, que sois clemente e justo,
Que dais voz às brisas e perfume à rosa,
Oh! protegei-a com o manto augusto
A doce virgem que sorri medrosa!
Lançai os olhos sobre a linda filha,
Dai-lhe o sossego no sue casto ninho,
E da vereda que seu pé já trilha
Tirai a pedra e desviai o espinho!
Senhor! livrai-a da rajada dura
A flor mimosa que desponta agora;
Deitai-lhe orvalho na corola pura,
Dai-lhe bafejos, prolongai-lhe a aurora!
A doce virgem como a tenra planta
Nunca floresce sobre terra ingrata;
- Bem como a rola - qualquer folha a espanta,
- Bem como o lírio - qualquer vento a mata.
Ela é a rola que a floresta cria,
Ela é o lírio que a manhã descerra...
Senhor, amai-a ! - a sua voz macia
Como a das aves, a inocência encerra!
Sua alma pura na novel vertigem
Pede ao amor o seu futuro inteiro...
- Senhor! ouvi o suspirar da virgem,
Dourai-lhe os sonhos no sonhar primeiro!
A mocidade, como a deusa antiga,
Na fronte virgem lhe derrama flores...
- Abri-lhe as rosas da grinalda amiga,
Na mocidade derramai-lhe amores!
Cercai-a sempre de bondade terna,
Lançai orvalho sobre a flor querida;
Fazei-lhe, oh Deus! a primavera eterna,
Dai-lhe bafejos - prolongai-lhe a vida!
Depois - de joelhos - eu direi: sois justo,
Senhor! mil graças eu vos rendo agora!
Vós protegestes com o manto augusto
A doce virgem que minh’alma adora! -
Dezembro - 1858

TRÊS CANTOS

Quando se brinca contente
Ao despontar da existência
Nos folguedos da inocência,
Nos delírios de criança;
A alma, desabrocha
Alegre, cândida e pura -
Nessa contínua ventura

É toda um hino: - esperança!
Depois... na quadra ditosa,
Nos dias da juventude,
Quando o peito é um alaúde,
E que a fronte tem calor;
A alma então se expande
Ardente, fogosa e bela -
Idolatrando a donzela
Soletra em trovas: - amor!
Mas quando a crença se esgota
Na taça dos desenganos,
E o lento correr dos anos
Envenena a mocidade;
Então a alma cansada
De belos sonhos despida,
Chorando a passada vida -
Só tem um canto: - saudade!
Fevereiro - 1858

ILUSÃO

Quando o astro do dia desmaia
Só brilhando com pálido lume,
E que a onda que brinca na praia
No murmúrio soletra um queixume;
Quando a brisa da tarde respira
O perfume das rosas do prado,
E que a fonte do vale suspira
Como o nauta afastado;
Quando o bronze da torre da aldeia
Seus gemidos aos ecos envia,
E que o peito que em mágoas anseia
Bebe louco essa harmonia;
Quando a terra, da vida cansada.
Adormece num leito de flores
Qual donzela formosa embalada
Pelos cantos dos seus trovadores;
Eu de pé sobre as rochas erguidas
Sinto o pranto que manso desliza
E repito essas queixas sentidas
Que murmura as ondas co’a brisa.
É então que a minha alma dormente
Duma vaga tristeza se inunda,
E que um rosto formoso, inocente,
Me desperta saudade profunda.
Julgo ver sobre o mar sossegado
Um navio nas sombras fugindo,
E na popa esse rosto adorado

Entre prantos p’ra mim se sorrindo!
Compreendo esse amargo sorriso,
Sobre as ondas correr eu quisera...
E de pé sobre a rocha, indeciso,
Eu lhe brado: - não fujas, - espera!
Mas o vento já leva ligeiro
Esse sonho querido dum dia,
Essa virgem de rosto fagueiro,
Esse rosto de tanta poesia!...
E depois... quando a lua ilumina
O horizonte com luz prateada,
Julgo ver essa fronte divina
Sobre as vagas cismando, inclinada!
E depois... vejo uns olhos ardentes
Em delírio nos meus fitando,
E uma voz em acentos plangentes
Vem de longe um - adeus - soluçando!
Ilusão!... que a minha alma, coitada,
De ilusões hoje em dia é que vive;
É chorando uma glória passada,
É carpindo uns amores que eu tive!
Lisboa - 1856

SONHANDO

Um dia, oh linda, embalada
Ao canto do gondoleiro,
Adormeceste inocente
No teu delírio primeiro,
- Por leito o berço da ondas,
Meu colo por travesseiro!
Eu, pensativo, cismava
Nalgum remoto desgosto,
Avivado na tristeza
Que a tarde tem, ao sol-posto,
E ora mirava as nuvens,
Ora fitava teu rosto.
Sonhavas então, querida,
E presa de vago anseio
Debaixo das roupas brancas
Senti bater o teu seio,
E meu nome num soluço
À flor dos lábios te veio!
Tremeste como a tulipa
Batida do vento frio...
Suspiraste como a folha
Da brisa ao doce cicio...
E abriste os olhos sorrindo

Às águas quietas do rio!
Depois - uma vez - sentados
Sob a copa do arvoredo,
Falei-te desse soluço
Que os lábios abriu-te a medo...
- Mas tu, fugindo, guardaste
Daquele sonho o segredo!...
Agosto - 1858

LEMBRANÇA NUM ÁLBUM

Como o triste marinheiro
Deixa em terra uma lembrança,
Levando n’alma a esperança
E a saudade que consome,
Assim nas folhas do álbum
Eu deixo meu pobre nome.
E se na ondas da vida
Minha barca for fendida
E meu corpo espedaçado,
Ao ler o canto sentido
Do pobre nauta perdido
Teus lábios dirão: - coitado!
Junho - 1858

O BAILE!

Se junto de mim te vejo
Abre-te a boca um bocejo,
Só pelo baile suspiras!
Deixas amor - pelas galas,
E vais ouvir pelas salas
Essas douradas mentiras!
Tens razão! Mais valem risos
Fingidos, desses Narcisos
- Bonecos que a moda enfeita -
Do que a voz sincera e rude
De quem, prezando a virtude,
Os atavios rejeita.
Tens razão! - Valsa, donzela,
A mocidade é tão bela,
E a vida tão pouco!
No borborinho das sala,
Cercada de amor e galas,
Sê tu feliz - eu sou louco!
E quando eu seja dormindo
Sem luz, sem voz, sem gemido
No sono que a dor conforta;
Ao consertar tuas tranças
No meio das contradanças

Diz tu sorrindo: “- Qu’importa?...
“Era um louco, em noites belas
“Vinha fitar as estrelas
“Nas praias, co’a fronte nua!
“Chorava canções sentidas
“E ficava horas perdidas
“Sozinho, mirando a lua!
“Tremia quando falava
“E - pobre tonto - chamava
“O baile - alegrias falsas!
“- Eu gosto mais dessas falas
“Que me murmuram nas salas
“No ritonelo das valsas.- “
Tens razão! - Valsa, donzela,
A mocidade é tão bela
E a vida dura tão pouco!
P’ra que fez Deus as mulheres,
P’ra que há na vida prazeres?
Tu tens razão... eu sou louco!
Sim, valsa, é doce a alegria,
Mas ai! que eu não vejo um dia
No meio de tantas galas -
Dos prazeres na vertigem,
A tua coroa de virgem
Rolando no pó das salas!...
Julho-1858

MINH’ALMA É TRISTE

I

Minh’alma é triste como a rola aflita
Que o bosque acorda desde o albor da aurora
E em doce arrulo que o soluço imita
O morto esposo gemedora chora.
E, como a rola que perdeu o esposo,
Minh’alma chora as ilusões perdidas,
E no seu livro de fanado gozo
Relê as folhas que já foram lidas.
E como as notas de chorosa endeixa
Seu pobre canto com a dor desmaia,
E seus gemidos são iguais à queixa
Que a vaga solta quando beija a praia.
Como a criança que banhada em prantos
Procura o brinco que levou-lhe o rio,
Minh’alma quer ressuscitar nos cantos
Um só dos lírios que murchou no estio.
Dizem que há gozos nas mundanas galas
Mas eu não sei em que o prazer consiste.
- Ou só no campo, ou no rumor das salas,
Não sei porque - mas a minh’alma é triste!

II

Minh’alma é triste como a voz do sino
Carpindo o morto sobre a laje fria:
E doce e grave qual num templo um hino,
Ou como a prece ao desmaiar do dia.
Se passa um bote com as velas soltas,
Minh’alma o segue n’amplidão dos mares;
E longas horas acompanha as voltas
Das andorinhas recortando os ares.
Às vezes, louca, num cismar perdida,
Minh’alma triste vai vagando à toa,
Bem como a folha que do sul batida
Bóia nas águas de gentil lagoa!
E como a rola que em sentido queixa
O bosque acorda desde o albor da aurora,
Minh’alma em notas de chorosa endeixa
Lamenta os sonhos que já tive aoutrora.
Dizem que há gozos no correr dos anos!...
Só eu não sei em que o prazer consiste.
- Pobre ludíbrio de cruéis enganos,
Perdi os risos - a minh’alma é triste!

III

Minh’alma é triste como a flor que morre
Pendida à beira do riacho ingrato;
Nem beijos dá-lhe a viração que corre,
Nem doce cant o sabiá do mato!
E como a flor que solitária pende
Sem ter carícias no voar da brisa,
Minh’alma murcha, mas ninguém entende
Que a pobrezinha só de amor precisa!
Amei outrora com amor bem santo
Os negros olhos de gentil donzela,
Mas dessa fronte de sublime encanto
Outro tirou a virginal capela.
Oh! quantas vezes a prendi nos braços!
Que o diga e fale o laranjal florido!
Se mão de ferro espedaçou dois laços
Ambos choramos mas num só gemido!
Dizem que há gozos no viver d’amores,
Só eu não sei em que prazer consiste!
- Eu vejo o mundo na estação das flores...
Tudo sorri - mas minh’alma é triste!

IV

Minh’alma é triste como o grito agudo
Das arapongas no sertão deserto;
E como o nauta sobre o mar sanhudo,
Longe da praia que julgou tão perto!
A mocidade no sonhar florida
Em mim foi beijo de lasciva virgem:
- Pulava o sangue e me fervia a vida,
Ardendo a fronte em bacanal vertigem.
De tanto fogo tinha a mente cheia!...
No afã da glória me atirei com ânsia...
E, perto ou longe, quis beijar a s’reia
Que em doce canto me atraiu na infância.
Ai! loucos sonhos de mancebo ardente!
Esp’ranças altas... Ei-las já tão rasas!...
- Pombo selvagem, quis voar contente...
Feriu-me a bala no bater das asas!
Dizem que há gozos no correr da vida...
Só eu não sei em que o prazer consiste
- No amor, na glória, na mundana lida,
Foram-se as flores - a minh’alma é triste!
Março 12 - 1858

Fonte:
ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972. Texto-base digitalizado por Raquel Sallaberry Brião.

Monteiro Lobato (O Presidente Negro) XVIII – O Orgulho da Raça


CAPÍTULO XVIII
O Orgulho da Raça

Passei a semana agitado, menos com as revelações do ano 2228 do que com a impassibilidade de miss Jane.

Eu ardia, positivamente ardia, e traia o meu amor em todos os meus olhares e gestos; mas a enigmática jovem não dava ar de o perceber. No começo a admiti como um puro espírito, uma Cassandra sem nervos nem sangue. Depois duvidei da existência de tais puros espíritos e passei a ver em miss Jane uma "desentendida". Talvez que me julgasse muito inferior a si e adotasse semelhante atitude como o meio mais fácil de guardar as distancias. Mas era-me impossível conciliar isso com a amizade que ela me demonstrava e sobretudo com o ter só a mim no mundo depois de perdido o pai. Se de fato me julgasse inferior ou indigno de sua pessoa, certo que já me teria afastado do castelo. Não havia duvida, miss Jane fazia-se de desentendida...

Firmei-me nessa idéia e concebi um plano de ataque — uma demonstração amorosa que a arrancasse da sua marmórea impassibilidade. Ou tudo ou nada. Ou dava-me o coração ou punha-me no olho da rua.

Restava saber uma coisa só — se no momento da demonstração a timidez não me trairia a vontade...

Quando chegou o domingo, levantei-me mais cedo e fui ao mercado de flores. Comprei as mais belas violetas e a sobraçá-las parti para Friburgo no primeiro trem. Lá me dirigi ao cemitério onde repousavam os restos do professor Benson. Pela segunda vez eu levava flores ao jazigo do pai da maior maravilha do século — miss Jane...

Ao transpor o portão do pequeno cemitério meu coração bateu. Vi de longe um vulto querido a espalhar rosas sobre o túmulo do velho sábio. Aproximei--me com um pressentimento n'alma — "é hoje"...

— Também aqui? disse miss Jane ao avistar-me, estendendo para mim a sua mão gelada pelo frescor matutino.

Vi que era chegado o momento. Armei-me de todas as coragens e comecei:

— Miss Jane, eu...

Mas engasguei. Já estava ela de olhos muito fixos no túmulo, com o ar de quem repete mentalmente o "morrer... dormir... sonhar, quem sabe?" de Shakespeare. Estava puro espírito em excesso...

Ficamos os dois silenciosos por alguns momentos. Depois miss Jane falou, como respondendo a si própria e sempre de olhos cravados no túmulo:

— Nem ele! Nem ele que penetrava o passado e o futuro adiantou um passo na decifração do enigma da vida...

Engoli de vez o meu propósito. Não era o momento. O formoso Hamlet de faces róseas, cabelos afogados em boina de veludo negro e corpo revestido de perfeito tailleur, pairava muito distante de mim.,.

Apesar disso tomei-lhe a mão e apertei-a de novo, suavemente. Miss Jane olhou-me nos olhos com a funda melancolia dos que penetram no mui longe das coisas — e nada vêem do que vai por perto.

Dali seguimos juntos para o castelo, sem que a paisagem nem o ar fino da manhã dissipassem a tristeza dela e a minha decepção. No castelo, por uma hora, só falamos do professor Benson, com longos intervalos de silencio — intervalos de silencio em que eu lamentava a coexistência de puros espíritos em corpos assim tão perturbadores.

Depois do almoço, o primeiro que fiz em sua companhia, a nuvem das saudades passou e retomamos a nossa excursão pelo ano 2228.

– Onde estávamos? principiou ela.

– Em Kerlog, já libertado do pesadelo elvinista, respondi.

– Sim, é isso. As mulheres aderiram ao Homo e tudo mudou, como era natural. A raça branca formava novamente um bloco unido e apto a organizar a resistência.

– Mas a impressão do golpe de Jim? Como o recebeu o país? perguntei suspirando.

– Com estupefação. Pela primeira vez na vida de um povo ocorria um fato que interessava a todos os seus componentes, sem exceção de um só. E como ninguém, a não ser Jim Roy, houvesse esperado por aquele desfecho, fácil é de imaginar o grau de assombro do espírito publico.

A estupefação dos brancos derrotados não era menor que a dos negros vencedores. Haviam estes agido como autômatos; deram o voto a Roy como o dariam a Kerlog, a miss Astor, ou o não dariam a nenhum dos três, se tal fosse a senha recebida. E agora olhavam-se uns para os outros num estonteamento de vitoria em absoluto inédito para eles.

Quanto ás conseqüências possíveis, nem de um lado nem do outro ninguém podia prever coisa nenhuma. Extenso demais era o fenômeno para ser abarcado por uma cabeça e, alem disso, não tinha precedentes na história.

Só no dia seguinte é que o acesso de estupefação coletiva principiou a decair. As células do imenso organismo social foram saindo daquele penoso estado de anestesia para entrar na fase inversa da exaltação. O velho desprezo racial do branco pelo negro transformava-se em cólera, e o recalcado ódio do negro pelo branco, arreganhando os dentes, entreabria um monstruoso sorriso de revanche.

Lentamente despertava a massa negra do longo letargo de submissão e tremia de narinas ao vento, como o tigre solto na jungle. Toda a barbárie atávica, todos os apetites em recalque, rancores impotentes, injustiças padecidas, todas as vergastadas que laceraram a sua pobre carne até o advento de Lincoln, e depois de Lincoln todas as humilhações da desigualdade de tratamento — essa legião de fantasmas irrompeu da alma negra como serpes de sob a laje que mão imprudente levanta. E a raça maior que o da mesquinha liberdade física, passou a sonhar o grande sonho branco da dominação...

Tomado de receios ante a imensidade daquele despertar, Jim Roy auscultava os frêmitos do seu povo e media a tarefa ingente que lhe pesava sobre os ombros. Se não conseguisse manter açaimado o monstro e submisso á sua voz de comando, a momentânea vitoria breve se transformaria num horrendo cataclismo. Jim Roy amava a América. Nós alicerces do colossal edifício o cimento ligador dos blocos fôra amassado com o suor dos seus ancestrais. A América surgira do esforço braçal de um, dirigido pelo esforço mental de outro, e pois tanto lhe falava a ele ao sangue como ao do mais orgulhoso neto dos pioneiros louros.

De instante a instante recebia comunicações dos seus agentes dando conta do estado d'alma da massa. A pantera negra distendia os músculos entorpecidos, com os olhos a se rajarem de sangue...

Jim tremeu. Sabia conter os nervos da fera, dominar-lhe todos os ímpetos instintivos. Além disso via o seu já imenso prestigio de líder acrescentado com o de Presidente eleito — mas estaria em seu poder sofrear o maremoto africano? Não faria dele um dique impotente a borrasca a desenhar-se?

Jim sentia no ar as ondas de fluidos explosivos, um perfeito ambiente de pólvora. O solo latejava pulsações vulcânicas. Jim tremeu diante de sua obra — e sem vacilar foi ao encontro de Kerlog. O momento impunha a conjugação da sua força com a do líder branco.

Defrontaram-se os dois chefes como duas forças da natureza, contrarias nos seus destinos, inimigas pela voz do sangue, mas irmanadas no momento por um nobre objetivo comum.

No primeiro ímpeto Kerlog apostrofou o chefe negro.

— "Vê tua obra, Jim! A América transformada num vulcão e ameaçada de morte!"

O negro cravou no líder branco os olhos frios, por um instante animados de estranho fulgor.

— "Não minha, Presidente Kerlog! Não é minha esta obra. É sua, é dos seus, é de Washington, é de Lincoln. Os brancos mentiram na lei básica. E ou confessam que mentiram ou reconhecem que a situação é perfeitamente normal. Que aconteceu, Presidente Kerlog? Houve um pleito e as urnas libérrimas conferiram a vitoria a um cidadão elegível. Acha o Presidente Kerlog que o Pacto Constitucional sofreu lesão?

Naquele peito a peito Jim Roy dominava o adversário.

— "Mas não se trata disso, continuou ele. O momento não é para recriminações — e em matéria de recriminações o Presidente Kerlog bem sabe que jamais um branco venceria um negro... O fato está consumado; e como chefes supremos das duas raças a nós só incumbe atender á salvação comum. Se não contivermos de rédeas presas os dois monstros — o monstro da ebriedade negra e o monstro do orgulho branco, a chacina vai ser espantosa..."

— "Ninguém sabe disso melhor que eu, retrucou o chefe da nação. Nos estados do Sul já lavra o incêndio ..."

O negro deu um salto.

— "Jim o apagará! Jim manterá presa em cadeia de aço a pantera africana. Ele a domina com os olhos como o soba a dominava no kraal donde a cupidez dos brancos a tirou. Jim é rei!"

Era tal a firmeza com que o grande líder negro emitia aquelas palavras que o tom de superioridade do branco se demudou em admiração. Kerlog viu que tinha diante de si, não um feliz aventureiro político, mas uma dessas incoercíveis expressões raciais a que chamamos condutores de povos. Pela primeira vez enfrentava um homem que era algo mais que um homem. E do fundo do coração Kerlog lamentou que a incompatibilidade racial o separasse de tamanho vulto.

Jim prosseguiu:

— "Mas só o farei se por sua vez o Presidente Kerlog açaimar o orgulho branco. Eu domino os meus com o olhar e a palavra. O Presidente Kerlog domina com a força do estado. Em nossas mãos está pois a paz da América."

O líder branco baixou a cabeça. Meditava.

— "Pois salvemos a América, Jim! disse erguendo-se. Açaima tu a pantera negra que meterei luvas nas unhas da águia branca."

Um leal aperto de mão selou aquele pacto de gigantes.

— "Mas a pantera que conte com o revide da águia! continuou o líder branco depois que as mãos se desapertaram. A águia é cruel..."

Jim Roy retesou-se de todos os músculos como a fera que se põe em guarda.

— "Ameaça-nos como sempre? Ameaça-nos até 110 momento em que a América ou rompe a sua Constituição e afoga-se num mar de sangue ou submete-se ao meu comando?"

Kerlog olhou-o firme nos olhos e murmurou com nitidez de lamina:

— "Não ameaço. Previno lealmente. Vejo em ti uma força demasiado grande para que eu a enfrente com palavras. Estamos face a face não dois homens, sim duas almas raciais arrostadas num duelo decisivo. Não fala neste momento o Presidente Kerlog. Fala o
branco de crueldade fria, o mesmo que vos arrancou do kraal, o mesmo que vos torturou nos brigues, o mesmo que vos espezinhou nos algodoais. Como ha razões de estado, Jim, há razões de raça. Razões sobre-humanas, frias como o gelo, cruéis como o tigre, duras como o diamante, implacáveis como o fogo. O sangue não raciocina, como os filósofos. O sangue sidera, qual o raio. Como homem admiro-te, Jim. Vejo em ti o irmão e sinto o gênio. Mas como branco só vejo em ti o inimigo a esmagar..."

O largo peito de Jim Roy arfava. A fera ancestral nele alapada transpareceu no fremir das ventas grossas.

— "E não trepidará o branco em esmagar a América se for condição para esmagar o negro?" rugiu.

Kerlog retrucou calmamente como se pela sua boca falasse o próprio deus do Orgulho:

— "Acima da América está o Sangue".

Jim baixou a cabeça. Viu aberto á sua frente o eterno abismo. O sangue branco tinha a dureza do diamante. Armado de mais cérebro, dos vales dos Ganges partira para a ousada aventura conquistadora e vencera sempre e não cedera nunca. Era o nobre, o duro, o eterno senhor cujo raio fulmina. Era o criador. Do rude instinto de matar do troglodita extraíra a sua grande arte, a Guerra. Forjara a espada, dominara o gás que explode, violara o profundo das águas e a amplidão dos ares. E com esse feixe de armas incoercíveis rodeara como de baionetas o diamante do seu Orgulho.

Tudo isso, num clarão, viu Jim Roy naquele homem que sereno o arrostava. E o que ainda havia de escravo no sangue do grande negro vacilou. Jim sentiu--se como retina ferida pelo sol. Mas sem demora reagiu. Ergueu-se e mais firme que nunca disse com dureza de rocha na voz:

– "Seja! E porque assim é, dei o supremo golpe. A América é tão sua como minha. Tenho-a nas mãos. Vou dividi-la.”

– "A justiça está contigo, Jim. Manda a justiça dividir a América. Mas o Sangue está acima da justiça. O Sangue tem a sua justiça. E para a justiça do Sangue Branco é um crime dividir a América."

Jim novamente baixou a cabeça e emudeceu. Pela segunda vez sentia-se como a retina ofuscada pelo sol.

O Presidente Kerlog aproximou-se dele e, com as mãos nos seus ombros largos, disse:

— "Vejo-te grande como Lincoln, Jim, e é com lágrimas nos olhos que contemplo a tua figura imensa, mas inútil... Adeus. Atendamos ao instante, açaimemos as nossas raças — mas não fique entre nós sombra de mentira. O teu ideal é nobilíssimo, mas á solução de justiça com que sonhas só poderemos responder com
a eterna resposta do nosso orgulho: Guerra!"

E os dois seres humanos subsistentes no imo dos dois lideres raciais abraçaram-se com lágrimas...

Miss Jane fez uma pausa, atenta á minha comoção. Aquele duelo de gigantes agitara fundo o meu ser. Tive a impressão de que jamais a história oferecera lance mais grandioso — nem mais cruel. Vi claros inúmeros pontos até ali obscuros na marcha da caravana que do fundo das idades vem vindo a entredegolar-se com sanhudos ódios. Vi um sonho de Ariel esfumado nas alturas — a Justiça Humana; e vi na terra, onipotente, a Justiça do Sangue — um raio cego...

— E depois? perguntei. Voltou a paz á América?

— Sim, respondeu miss Jane. Os dois lideres entraram a agir de pronto. A ação de um foi tão rápida e segura como a do outro. A pantera negra recolheu as garras e a águia branca enluvou as unhas.

Mas o beluário negro sentia-se ferido. As palavras que a raça branca pusera na boca de Kerlog cravaram-se-lhe no coração como as zagaias dos seus avós no peito dos leões africanos — mortalmente...
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continua… XIX– Burrada

Fonte:
Monteiro Lobato. O Presidente Negro. Editora Brasiliense, 1979.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Trova 201 - Pedro Ornellas (SP)



Fonte:

Trova , Imagem e montagem enviadas pelo autor

Laeticia Jensen Eble (Livro de Poesias)



A DIALÉTICA DO MUNDO ME ABRAÇA

A dialética do mundo me abraça.
Não alcanço a razão do dia,
nem o mistério da noite.

Do pó da criação ao pó que na terra deitará
tudo se transforma e se justifica.
Somos um só corpo a respirar
o breve sopro da existência eterna.
Só o destino nos une ao futuro.
E nosso destino é viver o presente,
síntese do que foi e do que será.

A escuridão e a luz movem,
como alavancas indissociáveis,
esse imenso ser em contínuo duelo.
O preto e o branco
O quente e o frio
O mais e o menos
O céu e a terra
O tudo e o nada
O som e o silêncio
O nascer e morrer
Olhar e não ver
Estar e não ser
São instâncias da mesma realidade.
A harmonia se impõe na superação dos limites.

A DÚVIDA

Caminho diariamente
Percorro as estradas gélidas
do deserto escaldante da dúvida
pincelando a vida
de erros e acertos
noites e oásis
frustrações e delírios
e dúvidas
A cada suspiro de alívio
uma nova dúvida
A cada projeto
A cada desafio
A cada sol
A cada lua
A cada pausa
A cada recomeço
Lá está escondida,
enterrada,
disfarçada:
a dúvida
Nada é absoluto.
Nada?

A ESPERANÇA É...

A esperança é um fio
É um tesouro na areia
É um alvo pequeno
É o som da sereia
É um pote de ouro
no fim do arco-íris.
É o colo de Deus
dizendo: - Vem!
A esperança não teme,
não pede favor,
não escolhe o dono,
não cobra valor.
A esperança é ...
simplesmente existe.
É oferta e entrega,
pra quem preencher
uma só condição:
Um peito aberto
do tamanho certo
para ela brincar.

ANCESTRAIS

Nada em mim é inédito.
Nada se criou do nada,
Nem tampouco tive escolha.
Me surpreendo
vivendo experiências já vividas,
amando de um jeito já amado,
falando palavras já ditas.
Meu corpo conta uma história viva
escrita por muitos autores.
Do capítulo da minha vida
eu sou a última frase
E ao vazio após o ponto
Medito.
Olho para trás...
Se não me é dado escrever
Eu canto
Meu refúgio é a voz
Ah, voz
Avós.

ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU

A poesia almeja ser
música no ritmo?
pintura na imagem?
escultura na forma?
O poeta perde-se
entre o que é ou não é
e o que quer ser
Maestro ou concerto?
Pintor ou pintura?
Escultor ou escultura?
Profeta ou profecia?
Deus ou criação?

Algumas palavras
nunca precisam ser ditas
Alguns poemas
nunca ser pronunciados
Os olhos a lamber, a beijar, a sugar
certos versos embebidos
de puro sentir
No silêncio se aprofunda
o abismo
entre poema e leitor
Nele epicamente se ergue
a ponte divina da salvação, etérea
construída palmo a palmo, arquitetonicamente,
sofregamente,
de palavras escolhidas
e colhidas ao vento
para unir inabalável
e por todo o sempre
o coração do poeta
ao coração do leitor.

HOJE QUERO A ÁGUA BATENDO EM MEU ROSTO

Hoje quero a água batendo em meu rosto
como uma benção
Quero as brumas envolvendo meus cabelos
como uma prece
Quero a carícia da terra em meus pés caminhando
como um lamento
De tudo que não fiz
de tudo que não disse
de tudo que não quis.
Quero fazer parte do todo
para me desfazer em nada.
Preciso de um recanto
de um conselho
de um silêncio amigo
Não sei onde ando
com quem ando
onde quero ir.
Só sei que preciso chegar
mas não querem me esperar
Choro sozinha esquecida
na solidão de minhas mãos
que me acodem a secar as lágrimas
Suspiros são como gritos agora
É tudo que emito
Ahhh...
Que saudade do tempo
em que eu não sabia
o que era viver
A felicidade era tão simples
Tão fácil de ser alcançada
Agora sigo meu destino
cansada de andar
Para cada vez mais longe.

NAVEGAR É PRECISO?

Dantes, das naus do caos
redes de ferro e fogo
dominaram-nos, converteram-nos
Hoje, redes virtuais
pendem de embarcações
que nunca tocaram o mar maculado
A epopéia se refaz
E nós, excluídos.

- Digite sua senha

Ao povo não guia a bússola vil dos argonautas
Continuamos selvagens - aborígines
miséria que abastece e entorna a taça daquele que ri
A mão calejada colhe o aroma do seu perfume,
corta na própria carne o cerne do seu assento
Globalização – traição!
Escavação das trevas.

- Digite sua senha

A fé anima a febre
desse povo que agoniza
Tupã nos salve!
Rogai às aves que aqui gorjeiam
acordem-nos desse sono hipnótico
E se revele aos nossos olhos a riqueza
Desfrutemos do legítimo direito
de abastecer nossos próprios cálices
De onde só entornavam lágrimas,
já pode verter dignidade.

- Senha inválida
Tente novamente
mais tarde.

Este poema foi premiado com o 2º lugar pelo II Prêmio SESC de Poesia,
no DF em 2003
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Fonte:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/laeticiajensen.html

Júlia Lopes de Almeida (A Água)


Sem pêlo, sem escamas e sem penas, somos os animais mais bem fadados para a volúpia da água. Ela, que no batismo nos lava do pecado original, é a primeira condição da vida. Fria ou quente, enrijando-nos a carne ou quebrantando-nos os nervos, é sempre a ela que devemos o melhor dos regalos — a limpeza.

Diz-nos a história que os povos da idade média fugiam da água como o diabo da cruz, e que, entretanto, outros mais recuados tinham banheiras de porphyro e termas deslumbrantes, onde iam deleitar o corpo cansado do pó e do ar.

As belas rumas de Pompéia assim o atestam.

Já tive a ventura de errar os meus leves passos de mulher distraída pelostemplos de Ísis, de Júpiter e de Vênus, de calcar as grandes pedras desiguais das estreitíssimas ruas da cidade morta, desolada, triste, eloqüente na sua mudez de túmulo! E a cada caminhada por entre casas de oradores, poetas e filósofos, cujos nomes retinem ainda hoje como campânulas de ouro nos carunchosos e carcomidos monumentos da história; cada passada sobre os mosaicos ou por entre as colunas de mármore do Fórum, da Basílica, do teatro e dos templos, que de misteriosos segredos de extintas grandezas e sereníssima fé meus olhos descortinavam! Dentro daquele cemitério, que mais parece uma legenda viva, ao dobrar uma esquina ou ao penetrar no atrium de uma casa luxuosa, eu esperava, de instante a instante, ver estendida para mim, cavalheirosamente, a mão patrícia de um pompeiano ilustre: riso nos lábios, túnica roçagante, falas amáveis com ritmos de versos, em que oferecesse ao meu corpo, cansado de percorrer toda cidade, desde a sua Porta Marina e Fonte da Abundância até aos seus últimos limites, o doce repouso num triclínio dourado, o sabor das suas frutas mais finas e dos seus mais esquisitos licores! Mas... Ai de mim! No meio daquelas estreitíssimas ruas e daquelas paredes derrocadas nem viva alma, a não ser, de longe em longe, quebrando o poético respeito do local, a de algum guarda de boné e galões nas mangas do casaco...

No meio das coisas máximas, comovem muitas vezes as mínimas. Eu sabia que Pompéia tinha a sua pintura característica, e alegrei os olhos vendo sobre o estuque vermelho-escuro, ou mesmo preto, as suas grinaldinhas de flores, os finos arabescos serpeando ao redor de taças mimosas e de figuras gentis, essa pintura de estilo tão original e delicado, que seduziu o próprio Rafael — o mais delicado artista de todos os tempos — que a imitou — na forma e na cor, em uma das galerias do Vaticano em Roma; ouvira falar e lera notícias, mosaicos esplendidos de Pompéia e das suas incomparáveis termas, mas não imaginei nunca que o amor à água tivesse sido tamanho; e essa particularidade tão simples, tão da obrigação de toda a gente, tornou logo simpático aos meus olhos esse grande povo, extinto tantos anos antes de ter nascido Cristo! Foi, portanto, um pedaço de chumbo torcido, miserável resto de um cano velho, uma das coisas que mais assombro me fizeram! Pompéia gastava água em abundância: a canalização estendia-se por todas as ruas e todas as casas, com torneiras iguais às de hoje, e havia termas luxuosas, com largos tanques, piscinas claras, salas bem decoradas. Não lhes bastando isso, todas as habitações tinham o seu atrium, sala sem teto, aberta sol e às águas puras do céu, que encontravam no solo um reservatório de mármore — o impluvium.

Roma, na sua parte antiga, mostra-nos também termas e mais termas; desde as mais soturnas, como as de Tito, que se não vêem sem auxílio de luzes, até às Caracala, onde no seu tempo de brilhantismo viviam estátuas célebres, Hércules Farnese, Vênus Calipígia, Flora e outras! Mas... Ruínas, como as termas, só vistas por artistas ou por filósofos, historiadores ou poetas, para que o saber ou a imaginação reconstrua o que o tempo e os homens perversamente destruíram.

Dizia eu que os povos da idade média não imitaram seus antepassados, e fugiam da água como o diabo cruz!... Felizmente, porém, houve grandes coquettes todos os tempos e essas tiveram sempre a fantasia extravagante... Do banho!

Por desgraça, não lhes bastava a água nem o sabonete aromático e espumoso. Umas lavavam-se em leite de jumenta, como a mulher de Nero; outras em sumo de morangos esmagados, que amacia a pele e que alegra a vista; outras em água (finalmente!) da chuva, como Diana de Poitiers; outras com água destilada de mel de rosas, ou com pasta de amêndoas bem dissolvida, ou com o sumo leitoso de plantas verdes, ou em vinho de Málaga, como a amante de Alexandre I, da Rússia; ou em infusões de junquilhos, nardos e jacintos, as flores de aroma capitoso e embriagador! Maria Antonieta, que fez inventar uma banheira para o seu banho da noite, mergulhava-se todas as manhãs num cozimento de folhagem de timo e de serpol.

Neste nosso Brasil, quente e ubérrimo, sobejam plantas, cuja decocção daria banhos cheirosos. Mas para que, se os perfumistas ingleses e franceses nos mandam já prontas, transparentes e deliciantes, as mais finas essências, que, derramadas n'água ou pulverizadas depois na pele, nos dão o mesmo gozo com
muito menor trabalho? Além de que, os cozimentos, desde que não sejam prescritos pelo médico, podem ser perigosos!

Para fazer a toilette à pele, isto é, vesti-la de uma cor suave e brandamente veludosa, julgo bastante... a água pura e um sabonete delicado. Enfim, para não ser avara, concedo que se deite no banho um pouco de água de Colônia.

Eu aconselharia a todas as moças ricas luxo de mármores e de metais nos seus quartos de banho. Uma mulher moça e formosa (qual é delas que não se julga assim?) ao escorregar na água quente, que todo o corpo enlaça, lambe e amolenta, que doces sonhos teceria, vendo por entre as pestanas cerradas as cores eternamente fugitivas dos mármores e os reflexos dos vidros e dos metais! Para a burguesa apressada ou fraca o caso é outro — o quarto de banho deverá ser simples, amplo e risonho. Um oleado rodeará aí a banheira, para que a água não apodreça o assoalho, se não houver ladrilho; bastará mais um tapete para os pés, uma larga cadeira de encosto, cabides, um porta-toalhas, e, fixadas na parede, perto da banheira, e ao alcance da mão, a cesta da esponja e a concha do sabonete. Além disso, uma sólida cantoneira de mármore, as escovas e o pulverizador, o porta-grampos, etc.

A água é um elemento essencial da vida e o principal fator da saúde humana. Uma casa em que a talha filtro seja bem tratada, e o quarto de banho diariamente freqüentado, atravessará largos períodos de serenidade e de alegria!

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).
Imagem = A Tarde On Line