quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Cândida Vilares Gancho (Como Analisar Narrativas) Parte 10: Machado de Assis (Pai Contra Mãe)

       A seguir você pode aplicar o roteiro de análise ao conto de Machado de Assis.

Pai contra Mãe

       A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos se não por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-de-flandres A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dois para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de beber, perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dois pecados extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras.

       O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa também, à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pegado.

       Há meio século, os escravos fugiam com freqüência. Eram mui tos, e nem todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era apenas repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho, e o mesmo dono não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação, porque dinheiro também dói. A fuga repetia-se, entretanto. Casos houve, ainda que raros, em que o escravo de contrabando, apenas comprado no Valongo, deitava a correr, sem conhecer as ruas da cidade. Dos que seguiam para casa, não raro, apenas ladinos, pediam ao senhor que lhes marcasse aluguel, e iam ganhá-lo fora, quitandando.

       Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por onde andava e a quantia da gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa: “gratificar-se-á generosamente”, —ou “receberá uma boa gratificação”. Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado uma vinheta, figura de preto, descalço, correndo, vara ao ombro, e na ponta uma trouxa. Protestava-se com todo o rigor da lei contra quem o acoitasse.

       Ora, pegar escravos fugidos era um ofício do tempo. Não seria nobre, mas por ser instrumento da força com que se mantêm a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implícita das ações reivindicadoras. Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem.

       Cândido Neves, - em família, Candinho,- é a pessoa a quem se liga a história de uma fuga, cedeu à pobreza quando adquiriu o ofício de pegar escravos. Tinha um defeito grave esse homem, não agüentava emprego nem ofício, carecia de estabilidade; é o que ele chamava caiporismo Começou por querer aprender tipografia, mas viu cedo que era preciso algum tempo para compor bem, e ainda assim talvez não ganhasse o bastante; foi o que ele disse a si mesmo. O comércio chamou-lhe a atenção, era carreira boa. Com algum esforço entrou de caixeiro para um armarinho A obrigação, porém, de atender e servir a todos feria-o na corda do orgulho e ao cabo de cinco ou seis semanas estava na rua por sua vontade. Fiel de cartório, contínuo de uma repartição anexa ao ministério do império, carteiro e outros empregos foram deixados pouco depois de obtidos.

       Quando veio a paixão da moça Clara, não tinha ele mais que dívidas, ainda que poucas, porque morava com um primo, entalhador de ofício. Depois de várias tentativas para obter emprego, resolveu adotar o ofício do primo, de que aliás já tomara alguma lições. Não lhe custou apanhar outras, mas, querendo aprender de pressa, aprendeu mal. Não fazia obras finas nem complicadas apenas garras para sofás e relevos comuns para cadeiras. Queria ter em que trabalhar quando casasse, e o casamento não se demorou muito.

       Contava trinta anos, Clara vinte e dois. Ela era órfã, mora com uma tia, Mônica, e cosia com ela. Não cosia tanto que não namorasse o seu pouco, mas os namorados apenas queriam matar o tempo; não tinham outro empenho. Passavam às tardes olhavam muito para ela, ela para eles, até que a noite a fazia recolher para a costura. O que ela notava é que nenhum deles lhe deixava saudades nem lhe acendia desejos. Talvez nem soubesse o nome de muitos. Queria casar, naturalmente. Era, como lhe dizia a tia, um pescar de caniço, a ver se o peixe pegava, mas o peixe passava de longe; algum que parasse, era só para andar à roda da isca, mira-la cheira-la, deixa-la e ir a outras.

       O amor traz sobrescritos. Quando a moça viu Cândido Neves, sentiu que era este o possível marido, o marido verdadeiro e único. O encontro deu-se em um baile; tal foi - para lembrar o primeiro ofício do namorado, — tal foi a Página inicial daquele livro, que tinha de sair mal composto e pior brochado. O casamento fez-se onze meses depois, e foi a mais bela festa das relações dos noivos. Amigas de Clara, menos por amizade que por inveja, tentaram arredá-la do passo que ia dar. Não negavam a gentileza do noivo, nem o amor que lhe tinha, nem ainda algumas virtudes; diziam que era dado em demasia a patuscadas.

       -Pois ainda bem, replicava a noiva; ao menos, não caso com defunto.

       - Não, defunto não; mas é que...

        Não diziam o que era. Tia Mônica, depois do casamento, na casa pobre onde eles se foram abrigar, falou-lhes uma vez nos filhos possíveis. Eles queriam um, um só, embora viesse agravar a necessidade.

       - Vocês, se tiverem um filho, morrem de fome, disse a tia à sobrinha.

       - Nossa Senhora nos dará de comer, acudiu Clara.

       Tia Mônica devia ter-lhes feito a advertência, ou ameaça, quando ele lhe foi pedir a mão da moça; mas também ela era amiga de patuscadas, e o casamento seria uma festa, como foi.

       A alegria era comum aos três. O casal ria a propósito de tudo. Os mesmos nomes eram objeto de trocados, Clara Neves, Cândido; não davam que comer, mas davam que rir, e o riso digeria-se sem esforço. Ela cosia agora mais, ele saía a empreitadas de uma coisa e outra; não tinha emprego certo.

       Nem por isso abriam mão do filho. O filho é que, não sabendo daquele desejo específico, deixava-se estar escondido na eternidade. Um dia, porém, deu sinal de si a criança; varão ou fêmea, era o fruto abençoado que viria trazer ao casal a suspirada ventura. Tia Mônica ficou desorientada, Cândido e Clara riram dos seus sustos.

       - Deus nos há de ajudar, titia, insistia a futura mãe.

       A notícia correu de vizinha a vizinha. Não houve mais que espreitar a aurora do dia grande. A esposa trabalhava agora com mais vontade, e assim era preciso, uma vez que, além das costuras pagas, tinha de ir fazendo com retalhos o enxoval da criança. À força de pensar nela, vivia já com ela, media-lhe fraldas, cosia-lhe camisas. A porção era escassa, os intervalos longos. Tia Mônica ajuda é certo, ainda que de má vontade.

       - Vocês verão a triste vida, suspirava ela.

       - Mas as outras crianças não nascem também? perguntou Clara.

       - Nascem, e acham sempre alguma coisa certa que comer, ainda que pouco...

       - Certa como?

       - Certa, um emprego, um ofício, uma ocupação, mas em que é que o pai dessa infeliz criatura que aí vem, gasta o tempo?

       Cândido Neves, logo que soube daquela advertência, foi ter com a tia, não áspero, mas muito menos manso que de costume, e lhe pergunto se já algum dia deixara de comer.

       - A senhora ainda não jejuou senão pela semana santa, e isso mesmo quando não quer jantar comigo. Nunca deixamos de ter o nosso bacalhau...

       - Bem sei, mas somos três.

       - Seremos quatro.

       - Não é a mesma coisa.

       - Que quer então que eu faça, além do que faço?

       - Alguma coisa mais certa. Veja o marceneiro da esquina, o homem do armarinho, o tipógrafo que casou sábado, todos têm um emprego certo... Não fique zangado; não digo que você seja vadio, mas a ocupação que escolheu, é vaga. Você passa semanas sem vintém.

       - Sim, mas lá vem uma noite que compensa tudo, até de sobra. Deus não me abandona, e preto fugido sabe que comigo não brinca; quase nenhum resiste, muitos entregam-se logo.

       Tinha glória nisto, falava da esperança como de capital seguro. Daí a pouco ria, e fazia rir à tia, que era naturalmente alegre, e previa uma patuscada no batizado.

       Cândido Neves perdera já o ofício de entalhador, como abrira mão de outros muitos, melhores ou piores. Pegar escravos fugidos trouxe-lhe um encanto novo. Não obrigava a estar longas horas sentado. Só exigia força, olho vivo, paciência, coragem e um pedaço de corda. Cândido Neves lia os anúncios, copiava-os, metia os no bolso e saía às pesquisas. Tinha boa memória. Fixados os sinais e os costumes de um escravo fugido, gastava pouco tempo em achá-lo segura-lo, amarra-lo e levá-lo. A força era muita, a agilidade também. Mais de uma vez, a uma esquina, conversando de coisas remotas, via passar um escravo como os outros, e descobria logo que ia fugido, quem era, o nome, o dono, a casa deste e a gratificação; interrompia a conversa e ia atrás do vicioso. Não o apanhava logo, espreitava lugar azado, e de um salto tinha a gratificação nas mãos. Nem sempre saía sem sangue, as unhas e os dentes do outro trabalhavam, mas geralmente ele os vencia sem o menor arranhão.

       Um dia os lucros entraram a escassear. Os escravos fugidos não vinham já, como dantes, meter-se nas mãos de Cândido Neves. Havia mãos novas e hábeis. Como o negócio crescesse, mais de um desempregado pegou em si e numa corda, foi aos jornais, copiou anúncios e deitou-se à caçada. No próprio bairro havia mais de um competidor. Quer dizer que as dívidas de Cândido Neves começaram de subir, sem aqueles pagamentos prontos ou quase prontos dos primeiros tempos. A vida fez-se difícil e dura. Comia-se fiado e mal; comia-se tarde. O senhorio mandava pelos aluguéis.

       Clara não tinha sequer tempo de remendar a roupa ao marido, tanta era a necessidade de coser para fora. Tia Mônica ajudava a sobrinha, naturalmente. Quando ele chegava à tarde, via-se-lhe pela cara que não trazia vintém. Jantava e saía outra vez, à cata de algum fugido. Já lhe sucedia, ainda que raro, enganar-se de pessoa, e pegar em escravo fiel que ia a serviço de seu senhor; tal era a cegueira da necessidade. Certa vez capturou um preto livre; desfez- se em desculpas, mas recebeu grande soma de murros que lhe deram os parentes do homem.

       - E o que lhe faltava! exclamou a tia Mônica, ao vê-lo entrar, e depois de ouvir narrar o equívoco e suas conseqüências. Deixe- se disso; Candinho; procure outra vida, outro emprego.

       Cândido quisera efetivamente fazer outra coisa, não pela razão do conselho, mas por simples gosto de trocar de ofício; seria um modo de mudar de pele ou de pessoa. O pior é que não achava à mão negócio que aprendesse depressa.

       A natureza ia andando, o feto crescia, até fazer-se pesado à mãe, antes de nascer. Chegou o oitavo mês, mês de angústias e necessidades, menos ainda que o nono, cuja narração dispenso também. Melhor é dizer somente os seus efeitos. Não podiam ser mais amargos.

       - Não, tia Mônica! bradou Candinho, recusando um conselho que me custa escrever, quanto mais ao pai ouvi-lo. Isso nunca!

       Foi na última semana do derradeiro mês que a tia Mônica deu ao casal o conselho de levar a criança que nascesse à Roda dos enjeitados. Em verdade, não podia haver palavra mais dura de tolerar a dois jovens pais que espreitavam a criança, para beijá-la, guardá-la, vê-la rir, crescer, engordar, pular... Enjeitar quê? enjeitar como? Candinho arregalou os olhos para a tia, e acabou dando um murro na mesa de jantar. A mesa, que era velha e desconjunta da, esteve quase a se desfazer inteiramente. Clara interveio:

       - Titia não fala por mal, Candinho.

       - Por mal? replicou tia Mônica. Por mal ou por bem, seja o que for, digo que é o melhor que vocês podem fazer. Vocês de vem tudo; a carne e o feijão vão faltando. Se não aparecer algum dinheiro, como é que a família há de aumentar? E depois, há tempo; mais tarde, quando o senhor tiver a vida mais segura os filhos que vierem serão recebidos com o mesmo cuidado que este ou maior. Este será bem criado, sem lhe faltar nada. Pois então a Roda é alguma praia ou monturo? Lá não se mata ninguém, ninguém morre à toa, enquanto que aqui é cerro morrer, se viver à míngua Enfim...

       Tia Mônica terminou a frase com um gesto de ombros, deu as costas e foi meter-se na alcova. Tinha já isinuado aquela solução, mas era a primeira vez que o fazia com tal franqueza e calor, - crueldade, se preferes. Clara estendeu a mão ao marido, como a amparar-lhe o ânimo; Cândido Neves fez uma careta e chamou maluca à tia, em voz baixa. A ternura dos dois foi interrompida por alguém que batia à porta da rua.

       - Quem é? perguntou o marido.

       - Sou eu.

      Era o dono da casa, credor de três meses de aluguel que vinha em pessoa ameaçar o inquilino. Este quis que ele entrasse.

       - Não é preciso...

       - Faça favor.
      
O credor entrou e recusou sentar-se; deitou os olhos à mobília para ver se daria algo à penhora; achou que pouco. Vinha receber os aluguéis vencidos não podia esperar mais; se dentro de cinco dias não fosse pago, pô-lo-ia na rua. Não havia trabalhado para regalo dos outros Ao vê-lo, ninguém diria que era proprietário; mas a palavra supria o que faltava ao gesto, e o pobre Cândido Neves preferiu calar a retorquir. Fez uma inclinação de promessa e súplica ao mesmo tempo, o dono da casa não cedeu mais.

       - Cinco dias ou rua! repetiu, metendo a mão no ferrolho da porta e saindo

       Candinho saiu por outro lado. Nesses lances não chegava nunca ao desespero, contava com algum empréstimo, não sabia como nem onde, mas contava. Demais, recorreu aos anúncios Achou vários alguns já velhos, mas em vão os buscava desde muito. Gastou algumas horas sem proveito, e tornou para casa. Ao fim de quatro dias, não achou recursos lançou mão de empenhos, foi a pessoas amigas do proprietário não alcança mais que a ordem de mudança.

       A situação era aguda. Não achavam casa, nem contavam com pessoa que lhes emprestasse alguma; era ir para a rua. Não contavam com a tia. Tia Mônica teve arte de alcançar aposento para os três em casa de uma Senhora velha e rica, que lhe prometeu emprestar os quartos baixos da casa, ao fundo da cocheira para os lados de um pátio. Teve ainda a arte maior de não dizer nada aos dois, para que Cândido Neves, no desespero da crise, começasse por enjeitar o filho e acabasse alcançando algum meio seguro e regular de obter dinheiro; emendar a vida, em suma. Ouvia as queixas de Clara, sem as repetir, é certo, mas sem as consolar. No dia em que fossem obrigados a deixar a casa, fá-los-ia espantar com a notícia do obséquio e iriam dormir melhor do que cuidassem.

       Assim sucedeu. Postos fora da casa, passaram ao aposento de favor, e dois dias depois nasceu a criança. A alegria do pai foi enorme, e a tristeza também. Tia Mônica insistiu em dar a criança á Roda. ‘Se você não a quer levar, deixe isso comigo; eu vou à rua dos Barbonos.” Cândido Neves pediu que não, que esperasse, que ele mesmo a levaria. Notai que era um menino, e que ambos os pais desejavam justamente este sexo. Mal lhe deram algum leite; mas, como chovesse à noite, assentou o pai levá-lo à Roda na noite seguinte.

       Naquela reviu todas as suas notas de escravos fugidos. As gratificações pela maior parte eram promessas; algumas traziam a soma escrita e escassa. Uma, porém, subia a cem mil-réis. Tratava-se de uma mulata; vinham indicações de gesto e de vestido. Cândido Neves andara a pesquisá-la sem melhor fortuna, e abrira mão do negócio; imaginou que algum amante da escrava a houvesse recolhido. Agora, porém, a vista nova da quantia e a necessidade dela animaram Cândido Neves a fazer um grande esforço derradeiro. Saiu de manhã a ver e indagar pela rua e largo da Carioca, rua do Parto e da Ajuda, onde ela parecia andar, segundo o anúncio. Não a achou; apenas um farmacêutico da rua da Ajuda se lembrava de ter vendido uma onça de qualquer droga, três dias antes, à pessoa que tinha os sinais indicados. Cândido Neves parecia falar como dono da escrava, e agradeceu cortesmente a notícia. Não foi mais feliz com outros fugidos de gratificação incerta ou barata.

       Voltou para a triste casa que lhe haviam emprestado. Tia Mônica arranjara de si mesma a dieta para a recente mãe, e tinha já o menino para ser levado à Roda. O pai, não obstante o acordo feito, mal pôde esconder a dor do espetáculo. Não quis comer o que tia Mônica lhe guardara; não tinha fome, disse, e era verdade. Cogitou mil modos de ficar com o filho; nenhum prestava. Não podia esquecer o próprio albergue em que vivia. Consultou a mulher, que se mostrou resignada. Tia Mônica pintara-lhe a criação do me nino; seria maior miséria, podendo suceder que o filho achasse a morte sem recurso. Cândido Neves foi obrigado a cumprir a promessa; pediu à mulher que desse ao filho o resto do leite que ele beberia da mãe. Assim se fez; o pequeno adormeceu o pai pegou dele, e saiu na direção da rua dos Barbonos.

       Que pensasse mais de uma vez em voltar para casa com ele, é cerro; não menos certo é que o agasalha muito, que o beijava, que lhe cobria o rosto para preserva-lo do sereno. Ao entrar na rua da Guarda Velha, Cândido Neves começou a afrouxar o passo.

       - Hei de entrega-lo o mais tarde que puder, murmurou ele.

       Mas não sendo a rua infinita ou sequer longa, viria a acabá-la; foi então que lhe ocorreu entrar por um dos becos que ligavam aquela à rua da Ajuda. Chegou ao fim do beco e, indo a dobrar á direita, na direção do largo da Ajuda, viu do lado oposto um vulto de mulher; era a mulata fugida. Não dou aqui a comoção de Cândido Neves por não podê-lo fazer com a intensidade real. Uni adjetivo basta; diga enorme. Descendo a mulher, desceu ele também; a poucos passos estava a farmácia onde obtivera a informação, que referi acima. Entrou achou o farmacêutico pediu-lhe a fineza de guardar a criança por um instante; viria buscá-la sem falta.

       - Mas...

       Cândido Neves não lhe deu tempo de dizer nada; saiu rápido atravessou a rua, até ao ponto em que pudesse pegar a mulher sem dar alarma. No extremo da rua, quando ela ia a descer a de S. José, Cândido Neves aproximouse dela. Era a mesma era a mulata fujona.

       - Arminda bradou, conforme a nomeava anúncio.

       Arminda voltou-se sem cuidar malícia. Foi só quando ele, tendo tirado o pedaço de corda da algibeira pegou dos braços da escrava, que ela compreendeu e quis fugir. Era já impossível Cândido Neves, com as mãos robustas, atava-lhe os pulsos e dizia que andasse. A escrava quis gritar, parece que chegou a soltar alguma voz mais alta que de costume, mas entendeu logo que ninguém viria libertá-la ao contrário. Pediu entào que a soltasse pelo amor de Deus.

       - Estou grávida, meu senhor! exclamou. Se Vossa Senhoria tem algum filho, peço-lhe por amor dele que me solte; eu serei sua escrava, vou servi-lo pelo tempo que quiser. Me solte, meu senhor moço!

       - Siga! repetiu Cândido Neves.

       - Me solte!

- Não quero demoras; siga!

Houve aqui luta, Porque a escrava, gemendo arrastava-se a si e ao filho. Quem passava ou estava à porta de uma loja, compreendia o que era e naturalmente não acudia. Arminda ia alegando que o senhor era muito mau, e provavelmente a castigaria com açoites, — coisa que, no estado em que ela estava, seria pior de sentir. Com certeza, ele lhe mandaria dar açoites.

       - Você é que tem culpa. Quem lhe manda fazer filhos e fugir depois? perguntou Cândido Neves.

       Não estava em maré de riso, por causa do filho que lá ficara na farmácia, à espera dele. Também é certo que não costumava dizer grandes coisas. Foi arrastando a escrava pela rua dos Ourives, em direção à da Alfândega, onde residia o senhor. Na esquina desta a luta cresceu; a escrava pôs os pés à parede, recuou com grande esforço, inutilmente. O que alcançou foi, apesar de ser a casa próxima, gastar mais tempo em lá chegar do que devera. Chegou, enfim, arrastada, desesperada, arquejando. Ainda ali ajoelhou-se, mas em vão. O senhor estava em casa, acudiu ao chamado e ao rumor.

       - Aqui está a fujona, disse Cândido Neves.

       - É ela mesma.

       - Meu senhor!

       - Anda, entra...

       Arminda caiu no corredor. Ali mesmo o senhor da escrava abriu a carteira e tirou os cem mil-réis de gratificação. Cândido Neves guardou as duas notas de cinqüenta mil-réis, enquanto o senhor novamente dizia à escrava que entrasse. No chão, onde jazia, leva da do medo e da dor, e após algum tempo de luta a escrava abortou.

       O fruto de algum tempo entrou sem vida neste mundo, entre os gemidos da mãe e os gestos de desespero do dono. Cândido Neves viu todo esse espetáculo. Não sabia que horas eram. Quaisquer que fossem, urgia correr à rua da Ajuda, e foi o que ele fez sem querer conhecer as conseqüências do desastre.

       Quando lá chegou, viu o farmacêutico sozinho, sem o filho que lhe entregara. Quis esganá-lo. Felizmente, o farmacêutico explicou tudo a tempo; o menino estava lá dentro com a família, e ambos entraram. O pai recebeu o filho com a mesma fúria com que pegara a escrava fujona de há pouco, fúria diversa, naturalmente, fúria de amor. Agradeceu depressa e mal, e saiu às carreiras, não para a Roda dos enjeitados, mas para a casa de empréstimo, com o filho e os cem mil-réis de gratificação. Tia Mônica, ouvida a explicação, perdoou a volta do pequeno, uma vez que trazia os cem mil-reis. Disse, é verdade, algumas palavras duras contra a escrava, por causa do aborto, além da fuga. Cândido Neves, beijando o filho, entre lágrimas verdadeiras, abençoava a fuga e não se lhe dava do aborto.

       - Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração.

Continua…

Fonte:
Cândida Vilares Gancho . Como Analisar Narrativas. 7. Ed. Editora Ática. http://groups.google.com.br/group/digitalsource/

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 628)

Uma Trova de Ademar 

Se não vês mais a saída,
se estás perdido e sozinho...
É nos atalhos da vida
que a gente encontra o caminho!
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 


Num egoísmo profundo
penso ao sentir os teus mimos,
que Deus só fez esse mundo
porque nós dois existimos.
–Geraldo Amâncio/CE–

Uma Trova Potiguar 


Me ajudem por caridade,
meu caso está se agravando!
Se eu não matar a saudade
ela finda me matando!
–Luiz Xavier/RN–

Uma Trova Premiada 


1985  -  Nova Friburgo/RJ
Tema  -  BRINQUEDO  -  1º Lugar


Infância é um brinquedo usado,
que um dia a vida resolve;
tomar um pouco emprestado
e nunca mais nos devolve!
–Arlindo Tadeu Hagen/MG–

...E Suas Trovas Ficaram 


Zerando ofensas e afrontas,
o beijo é o mago auditor
que faz o ajuste de contas
depois das brigas de amor!
–Waldir Neves/RJ–

Uma  Poesia 


Duas mãos face a face dando adeus
bem após tantas somas de carinhos,
uma estrada aberta em dois caminhos
fez a subtração dos sonhos meus.
Meu pesar muitas vezes mais que os teus,
tantos risos movidos por meus ais
não renderam a mim nada capaz
de propor um sorriso pra depois;
dividi a saudade pra nós dois
mas parece que a minha doeu mais.
–Lima Júnior/PE–

Soneto do Dia 

RASCUNHO.
–Benedicta de Mello/PE–


Eu fui papel que te serviu de prova...
Tu eras estudante e eu me prestava
a ser a humilde folha que gravava,
cada exercício da matéria nova.

Jamais lançaste em mim canção ou trova...
Eram notas de moço que estudava.
Julgando bem servir-te, eu não pensava
em ter na cesta de papéis, a cova.

Olhei-me um dia e achei-me mal escrita...
Caligrafia assim de quem hesita.
Não parecia do teu próprio punho.

E quando vi depois a tua escolha,
tive ciúmes sem fim da outra folha,
eu que fora somente o teu rascunho...

sábado, 4 de agosto de 2012

Sexteto em Sextilhas (Parte 10, final)

271 – Assis
Neste domingo, que é o dia,
das mamães, a todas elas
envio beijos e versos,
e ainda as rosas mais belas,
rogando a Deus e aos seus anjos
que estejam do lado delas.

272 – Ademar
Que Deus possa dar a elas,
amor e resignação,
para suportar a dor
da mais triste ingratidão 
de um filho ausente que nega
a sua própria benção.

273 – Delcy
Faz  doer  o coração
da mãe, que fica sozinha,
que o filho não a coloca
no  seu  trono  de  rainha,
pois por pobre que a mãe seja,
com ela, o céu  se  avizinha!
 
274 – Prof. Garcia
A grande tristeza minha
nesta loucura moderna,
é ver no filho clonado
a triste ausência paterna,
e o mundo adotando um filho
já na orfandade materna!

275 – Gislaine
Toda mãe é jóia eterna,
mesmo se o filho a renega;
do fundo do coração,  
seu perdão a ele entrega,
e ora mais por ele a Deus,
pois amor, mãe, nunca nega!

276 – Zé Lucas
Minha mãe foi toda a entrega
de um amor puro e sem fim;
protegeu-me, aqui na terra,
como nunca vi assim,
e eu creio que, aos pés de Deus,
ainda reza por mim!

277 – Assis
O céu deve ser assim:
um jardim onde as avós
e as mães e os anjos do bem,
em coro, numa só voz,
pedem mil bênçãos a Deus
todo o tempo para nós.

278 – Ademar
Elevo aos céus minha voz
para mamãe me escutar,
e pedir ao nosso Deus
proteção para Ademar;
que dos seus vinte e um filhos,
nunca deixou de lhe amar.

279 – Delcy
Vinte e um filhos para amar,
merece  nosso  louvor!
Minha  mãe teve só cinco
e amou-os com o mesmo ardor;
e  eu  tenho  somente  três
a  quem  dei  e  dou amor!

280 – Prof. Garcia
Toda mãe divide a dor
das dores do filho ausente;
amor de mãe, é tão forte,
dos outros, tão diferente,
que este amor sagrado e santo
só coração de mãe sente!

281 – Gislaine
Sinto minha Mãe presente,
sempre a dar-me proteção!
De sangue, tive dois filhos,
e duas, do coração...
Amo os quatro por igual.
Filhos são realização!
         
282 – Zé Lucas
Com a globalização,
nosso país-continente
tornou-se sócio do mundo,
mas não sei se é conveniente,
porque até gripe suína
já estão mandando pra gente!

283 – Assis
Sociedade, certamente,
algo bem melhor seria,
se em vez de trocar doenças
se trocasse mais poesia,
como a gente vem fazendo
nesta nossa parceria.

284 – Ademar
Tem muita gente hoje em dia
com essa gripe danada,
nunca mais eu como porco,
nem mesmo na feijoada;
prefiro comer galinha
e carne de bode assada.

285 – Delcy
Essa gripe tão falada,
que nosso mundo atacou,
faz com que nos preocupemos,
pois entre nós se alastrou
e esperemos , com confiança,
que parta como chegou!

286 – Prof. Garcia
Quando essa peste atacou
os pobres dos mexicanos,
me agarrei logo com os santos
e a proteção dos arcanos,
para não ver meus irmãos
na garra dos desenganos.

287 – Gislaine
Deixemos a gripe e os danos
continuemos nosso verso,
contaminando com ele ,
a luz do poema imerso,
graças a tecnologia
que uniu o nosso Universo!

288 – Zé Lucas
Para enriquecer meu verso,
pedi aos deuses do Olimpo
as ideias mais felizes,
os pensamentos mais limpos
e a pedraria mais rara
nos veios de meu garimpo.

289 – Assis
Nas grimpas do Olimpo agrimpo,
qual as gralhas nos pinheiros,
em busca de uma sextilha
à altura dos meus parceiros
neste instante em que partimos
para os versos derradeiros.

290 – Ademar
Faltam só DEZ, companheiros
para o rojão se acabar;
eu já fiz as minhas contas,
quem quiser pode anotar:
foi Assis quem começou...
Zé Lucas vai terminar.

291 – Delcy
Pois só podia  acabar
com o nosso Professor,
Zé Lucas,  o  nordestino,
que  desbordou em valor,
seguindo o exemplo de Assis
numa  apoteose  de  amor!

292 – Prof. Garcia
Nosso mestre e professor
dará o golpe fatal,
vai encerrar o debate
de forma fenomenal,
fazendo de cada verso
um poema universal!

293 – Gislaine
Foi numa emoção legal
que as sextilhas escrevemos.
Unimos o Sul e o Norte,
do nosso Brasil -  extremos
e usamos, então, os versos
tal fossem os nossos remos!

294 – Zé Lucas
Nessas emoções que temos,
quando as Estrela D'Alva brilha
eu começo a caminhar,
beijando as flores da trilha,
e entrelaçando nos dedos
as seis pontas da sextilha.

295 – Assis
Vejam só que maravilha,
pela qual muito agradeço:
sulistas e nordestinos,
amigos desde o começo,
chegamos ao fim da estrada
como irmãos em sonho e apreço.

296 – Ademar
Nem mesmo sei se mereço
De Deus tanta inspiração.
Pos isto agradeço aos céus
de todo meu coração;
pelas cinquenta sextilhas
que eu fiz com tanta emoção!...

297 – Delcy
Falando em inspiração,
olho os pagos e flechilhas,
e, agradeço  emocionada,
entre  tantas  maravilhas,
o  fato  de  ser  parceira
na  feitura  das sextilhas!

298 – Prof. Garcia
Ante tantas maravilhas
feitas com tanto carinho;
cada irmão cantou seu hino
qual mais feliz passarinho,
que abrindo o bico bem cedo
faz um repente no ninho!

299 – Gislaine
Foi bom e grande o carinho
de escrever em parceria
com tais poetas de escol, 
minha alma vive a alegria
dessa beleza envolvente
que nasce da poesia!

300 – Zé Lucas
Ao calor da parceria,
produzimos, como irmãos,
três centenas de sextilhas,
num trabalho a doze mãos,
mostrando que a poesia
floresce em todos os chãos. 

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Francisco José Pessoa (Caderno de Trovas)

À minha mulher confesso:
“- Na atual encarnação,
para apressar teu progresso
sou a tua expiação!”

À tardinha, todo dia,
assisto o chegar do trem,
esperando por Maria
só que Maria não vem.

A poça d’água na rua
de repente se prateia...
espelho tosco da lua
em noite de lua cheia.

As estrêlas não fenecem
perante à luz que encandeia,
mas docemente adormecem
se a noite é de lua cheia.

Eis o grande desafio
para quem se diz cristão:
ter que dizer, renuncio,
em favor de um outro irmão!

Esta vidinha da gente
tal a serra é mesmo assim...
ora subida ou vertente
num sobe e desce sem fim.

“Faça-se a luz”! e ao fazê-la
com muito amor e carinho,
Deus colocou uma estrêla
a clarear meu caminho.

Homem com muitos trejeitos,
mulher com muita feiúra
para mim são dois defeitos
que nem com reza tem cura!

Mãe é palavra seleta
por si só uma obra prima,
pois mesmo o maior poeta
procura e não acha rima!

Mesmo que lhe desagrade,
dentre os sabores prefira
o amargo de uma verdade
ao doce de uma mentira.

Minha mãe, quanta lembrança,
quem me dera tal jaez...
eu voltar a ser criança
começar tudo outra vez.

Na solidão com frequencia
escutamos uma voz...
deve ser nossa consciência
querendo falar por nós!

Nas veredas tortuosas
dessa vida em desalinhos,
nas retas eu colho as rosas
nas curvas tiro os espinhos.

Noitinha volto da roça
e Rosa com seu pudor,
apaga a luz da palhoça
pra gente fazer amor.

Nos quatro dias de momo
ante tanta bebedeira,
eu estarei, não sei como,
quando chegar quarta-feira!

Nossas faces, pergaminho,
rastro do tempo que, algoz,
não apagou o carinho
que ainda existe entre nós!

Nos trigais do sentimento
que contra o vento eu transponho,
cozi o pão sem fermento
no forno quente de um sonho.

O amor seria fecundo
como tal se espalharia,
se toda mãe que há no mundo
tivesse um nome...Maria!

O intenso amor que nos une
e nos completa, querida,
faz a nossa vida imune
às incertezas da vida.

O meu amor quis safar-se
de mim, então me escondi;
de rosa era seu disfarce...
fui, sorrateiro, e a colhi!

O nosso amor passageiro
tal orvalho evaporou...
nasceu e morreu ligeiro,
que nem saudade deixou.

O pó que emana do giz
e o salário sem valor,
tornam bem mais infeliz
a vida do professor!

Os gritos de liberdade
abafados por censuras,
viram ecos de piedade
nos porões das ditaduras.

O sol, gigante centelha,
torna-se mais colossal,
quando nascendo se espelha
nas águas do pantanal.

Por mais que em ti não pensasse
uma lágrima escorria,
irrigando a minha face,
onde eu plantei nostalgia.

Quando o sol arquiva o dia
e o expediente se encerra,
ecoa a Ave-Maria
nos escritórios da serra!

Quantos banquetes regados
a vinho, trufa e salmão...
quantos irmãos relegados
sem água, sem luz, sem pão!

Quem diz ter brilho e alardeia
desdenhando o semelhante,
esqueçe que a lua cheia
tem seus dias de minguante!

Quem faz da vida um disfarce
e finge viver a esmo,
de tudo pode safar-se
mas não engana a si mesmo!

Sem usar pincel ou tinta
apenas com seu clarão,
a lua cheia repinta
as veredas do serttão.

Todo indivíduo que é tolo
mas que de sábio se arvora,
é tal um pão sem miolo...
só tem a casca por fora!

O Autor

Sexteto em Sextilhas (Parte 9)

241 – Assis
Que bom quando a gente amarra
num feriado um domingo...
Domingo que pede cama,
ou pede da pinga um pingo;
domingo que quase rima
com  pé de cachimbo... bingo!

242 – Ademar
Eu sempre passo o domingo
sentindo e dando alegrias,
visitando meus amigos
que não vejo há vários dias;
e caçando inspiração
pra fazer minhas poesias...

243 – Delcy
Contemplo o  passar dos dias
com  alegria  e  saudades,
abrindo meus dois e-mails
para  ler as  novidades,
e  agradecer a  ventura
de crescer em amizades!

244 – Prof. Garcia
Não creio nas vaidades
dos sobejos sociais;
prefiro a contemplação
dos mistérios divinais
de um Cristo crucificado
ao mundo pedindo paz!

245 – Gislaine
O ser humano é capaz;
me encanta o mundo virtual,
que aumentou meu rol de amigos
de maneira atemporal!
Eu considero a Internet
invenção  fenomenal.    

246 – Zé Lucas
Com a internet, afinal,
o mundo está diferente,
as distâncias encolheram,
permitindo até que a gente
faça um debate de longe
tal se fosse frente a frente.

247 – Assis
Distância, modernamente,
é simples virtualidade.
Podemos, via internet,
bater um papo à vontade,
como se a gente estivesse
os seis na mesma cidade.

248 – Ademar
A Internet na verdade,
é uma grande maravilha,
mas perde para o poeta
pois não segue a nossa trilha;
ela pode fazer tudo
mas não faz uma sextilha!

249 – Delcy
Nem sextilha,  nem  septilha,
a  Internet,  nós  sabemos,
apesar  de  fazer  tudo
não faz o que nós fazemos,
e,  por  isso, nós  poetas,
ao  Senhor,  agradecemos!
 
250 – Prof. Garcia
Nós internautas, sabemos,
que a NET encurta os caminhos;
mas não gorjeia do jeito
do canto dos passarinhos
ao despertar da alvorada
no aconchego dos seus ninhos!
 
251 – Gislaine
Podemos trocar carinhos
por e-mails todo dia,
e podemos divulgar                                               
mensagens, versos, poesia,
repartindo com o mundo
a nossa eterna alegria!

252 – Zé Lucas
Quando eu não fizer poesia
para a mulher preferida
nem sair pra ver a Lua
brilhando em minha avenida,
estarei fora do mundo,
ou mesmo fora da vida.

253 – Assis
Jamais será interrompida
a nossa vida, jamais,
pois que a teremos eterna,
já que somos imortais,
e em nosso canto a faremos
sempre linda, mais e mais.

254 – Ademar
Nos nossos jogos florais
eu encontro um certo enlevo,
embora fique indeciso
se participar eu devo;
e só encontro as respostas
nas trovas que eu mesmo escrevo.

255 – Delcy
Será que devo ou não devo,
dos  Florais,  participar?
Há trovadores  famosos
que, por certo, irão ganhar!...
Mas, nesta minha humildade,
eu  quero, apenas,  trovar!

256 – Prof. Garcia
Eu passo a vida a cantar,
pois, cantar, faz muito bem;
o poeta quando canta
espanta os males que tem,
afasta as mágoas do peito
e os pesadelos não vem!

 257 – Gislaine
Gosto de cantar também,
cantando espalho os meus sonhos,
plantando suas sementes
tento tornar mais risonhos
os dias tristes do mundo,
que pesam porque , tristonhos! 

258 – Zé Lucas
Os momentos mais risonhos
eu desfruto quando canto
pra transmitir alegria
a quem sofre o desencanto
de não conseguir, sozinho,
afastar a dor do pranto.  

259 – Assis
A vida é dura, no entanto
vale a pena ser vivida.
E vale bem mais ainda
quando a gente faz da lida
um modo de, amando o irmão, 
dar-lhe a mão para a subida.
 
260 – Ademar
Pra ir ao fim da subida
estou de marcha engatada,
sou poeta conhecido
por ter a mão calejada;
sou retirante da seca,
um peregrino na estrada.

261 – Delcy
Chego a ficar agoniada,
quando sigo o meu caminho,
e encontro, logo a  seguir,
um irmão triste e sozinho,
que anda à procura de alguém,
que o entenda e dê  carinho!
 
262 – Prof. Garcia
Eu sou feliz passarinho
na copa das verdes matas,
sou menestrel das estrelas
em noites de serenatas,
sou colcheias latejantes
dos gemidos das cascatas!

263 – Gislaine
Relembro antigas fragatas
percorrendo o mar sem fim,
aos ventos, se aventurando,
enfrentando algum motim,
que muitas vezes parece
o que sinto dentro em mim!

264 – Zé Lucas
Dentro do mundo sem fim,
saí a buscar espaços,
onde a sorte me sorrisse,
afastando os embaraços;
encontrei muitos caminhos
e Deus aprumou meus passos.

265 – Assis
Enlaçado nos meus laços
de amizade e de afeição,
vou seguindo vida afora
numa alegre comunhão
em que a cada amigo trato
qual se fosse um meu irmão.

266 – Ademar
Quero você como irmão,
ao lado dos irmãos meus,
eu fazendo aqui meus versos
e você fazendo os seus;
trilhemos pois, o caminho
determinado por Deus!

267 – Delcy
Não sejamos  fariseus,
procuremos  ajudar
àquele que mais precisa
e junto, a nós, quer estar,
pois  somos  todos irmãos,
que precisam se amparar!

268 – Prof. Garcia
No rojão de versejar
todos nós somos estetas,
traçamos os nossos planos,
cumprimos as nossas metas,
deixando em cada sextilha
o murmúrio dos poetas!

269 – Gislaine
São as estradas completas
com versos cheirando a flor,
e a nossa terna amizade
é bem maior do que o amor,
pois unindo os corações
tem um novo brilho e cor!

270 – Zé Lucas
Há fortes doses de amor
nesta nossa poesia,
fruto de uma interação
de amizade e simpatia,
por isso Deus abençoa
os versos que a gente cria.

continua... final

Eunice Arruda Convida


Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 627)

Uma Trova de Ademar 

Com meu humilde talento,
numa inspiração precisa;
nesta foto eu apresento
minha netinha Luisa.
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 


Se fé remove montanha,
a esperança é garantida.
E se Cristo te acompanha,
sempre há luz em tua vida.
–Ayda Bochi Brum/RS–

Uma Trova Potiguar 


No chão cinzento da terra,
restava um sinal de cor:
não era o sangue da guerra,
mas o vermelho... da flor!
–Eva Garcia/RN–

Uma Trova Premiada 


2009  -  Nova Friburgo/RJ
Tema  -  SAUDADE  -  M/H


Ó Saudade, hoje me provas
que és a melhor das amigas,
porque fazes sempre novas
minhas saudades antigas…
–Ercy Marques de Faria/SP–

...E Suas Trovas Ficaram 


A tristeza que me invade
e que nunca chega ao fim
é a esquina de uma saudade
que eu dobro dentro de mim.
–Milton Nunes Loureiro/RJ–

Uma  Poesia 

Na partitura dos versos,
tento doces harmonias,
porque é mais feliz, no mundo,
quem, tecendo fantasias,
faz da existência um poema
e o canta, todos os dias!
–José Lucas de Barros/RN–

Soneto do Dia 

A MULHER.
–Renã Leite Pontes/AC–


A mulher deve ter semblante brando,
delicadeza é mais uma iguaria.
a mulher deve ter a voz macia,
encantar quando entra caminhando.

A mulher deve ser, de vez em quando,
um oásis de paz e calmaria,
como um “lago de prata” à luz do dia
e, vulcão noite adentro, estando amando.

A mulher deve ter este mistério
de fundura e frescor que faz do rio
vigor que faz nascer a cidadela.

A mulher deve ser este desvelo
que obriga a dedicá-la todo o zelo
e, se preciso for, morrer por ela.

Cândida Vilares Gancho (Como Analisar Narrativas) Parte 9

       Narrador ou foco narrativo ou ponto de vista da narração

       A princípio, indica-se se o narrador está na primeira ou na terceira pessoa; pode-se, a seguir, apresentar variantes do papel do narrador.

       Neste conto de Rubem Fonseca o narrador está na primeira pessoa, e é protagonista.

       Tema— Assunto — Mensagem

       Para identificar tema, assunto e mensagem, é mais fácil identificar primeiro o assunto, pois ele é mais concreto — é uma espécie de resumo (bem resumido) do enredo Aproveitemos o mesmo texto.

       O assunto é: um homem rico que sai para matar pessoas na rua com seu carro, para relaxar.

       O tema é uma abstração do assunto, a idéia que está subjacente ao assunto.

       O tema é: a violência

       A mensagem é uma frase que diz respeito ao tema, que Sintetiza o que o texto transmite ao leitor.

       A mensagem poderia ser: a violência está onde não se espera que esteja.

       Discursos

       Neste aspecto deve-se verificar que tipo de discurso predomina no texto: discurso direto, ou indireto, ou indireto livre. É bom que se apresentem exemplos.

       No texto de Rubem Fonseca predomina o discurso direto. Há uma peculiaridade quanto ao registro do discurso direto neste texto: ausência de travessão e de aspas. Exemplo:

(...) Os sons da casa minha filha no quarto dela treinando empostação de voz, a música quadrafônica do quarto do meu filho Você não vai largar essa mala? perguntou minha mulher tira essa roupa, bebe um uisquinho, você precisa aprender a relaxar (...)

Roteiro de análise

Suponhamos que você tenha (ou queira) analisar um conto ou um romance sozinho Apresentamos aqui um roteiro (possível) de análise, mas deixamos claro que não é o único e que você deve partir sempre de suas impressões e experiências.

I. Antes de analisar o texto:

1. leia com atenção e faça anotações sobre suas dúvidas ou pontos de interesse; não se esqueça de sublinhar as passagens importantes;

2. recorra ao dicionário para tirar dúvidas;

3. identifique e anote sua primeira impressão a respeito do texto (no final da análise você verificará se esta impressão se confirmou ou não);

4. anote dados preliminares sobre o texto a ser analisa do: autor, obra, edição, cidade, editora, ano da publicação, tomo, volume, página.

II. Análise propriamente dita.

Obs.: Você pode preencher estes dados durante a leitura ou depois dela.

1. Elementos da narrativa

 a) Enredo
— partes do enredo;
— conflito(s): o principal e os secundários.

b) Personagens
— quanto à caracterização
     planos: tipos/caricatura (há? quem são?);
     redondos: características físicas, psicológicas, sociais,           ideológicas, morais;
— quanto à participação no enredo protagonista: herói ou anti-herói; antagonista; personagens secundários.

c) Tempo
— época;
— duração;
— tempo cronológico ou psicológico (Procure justificar e exemplificar)

d) Ambiente (características)
— época;
— localização geográfica
 —clima psicológico;
— situação econômico-política;
— moral/religião.

e) Narrador
—primeira ou terceira pessoa;
—variantes.

       2. Tema — Assunto - Mensagem

       3. Discurso predominante

       4. Opinião crítica

       Com base nos seus apontamentos, dê sua opinião crítica sobre o texto. Provavelmente você partirá de uma primeira impressão, mas não se esqueça de que, independente da opinião ser ou não favorável, você deve sustentar esta posição com argumentos lógicos e com dados tirados do texto.

Não há limite de tamanho para uma opinião crítica (caso ela seja escrita). Tanto podem ser dez linhas como dez páginas, depende do grau de profundidade da análise.

Continua…

Fonte:
Cândida Vilares Gancho . Como Analisar Narrativas. 7. Ed. Editora Ática. http://groups.google.com.br/group/digitalsource/

Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa (Parte 5: Cabo Verde – 1. Lírica, final)

Outro companheiro de jornada é Oswaldo Osório (Caboverdeamadamente construção meu amor, 1975). «(...) Porque desmontámos os mitos e no regresso à pureza original/possuídos nos achamos de amor e construção», são dois versos do poema «Batuque» [79]. E neles se contém um projecto que se adequa à fala de Oswaldo Osório. Desmontados são por ele os mitos da linguagem esgotada, possuído (ou achado) está o poeta no amor da construção de uma linguagem descartada, através de rupturas morfológicas, neologismos, justaposições, de que o próprio título pode dar uma ideia: Caboverdeamadamente construção meu amor. Por amor se constroe uma vida nova e essa vida nova só poderá ser expressa poeticamente através de uma escrita nova:

cantalutando caboverdeamamos caboverdeamadamente construímos a nossa terra cantalutando caboverdeano os nossos sonhos descem às mãos
a esse acto caboverdeamor
cantaluta cantaluta cantaluta caboverdeamadamente [80]

Poetas de recursos estilísticos diferentes, mas todos apostados num corte definitivo (se é possível), cônscios de que a primeira condição para a poesia exercer a sua função social, terá que começar por sê-lo. Procedem a uma destruição da língua para reconstruir outras, e cada um com a sua gramática própria, integrando-se assim num processo de re-actualização, de pesquisa e invenção, desbloqueando a poesia de Cabo-Verde de um certo percurso repetitivo. Deixa de ser íntima, exclamativa, interrogativa, torna-se irónica, mordaz, epopeia. À saga quotidiana sucede a saga histórica. A este respeito, o do enriquecimento estilístico, não se pode dizer que os mais jovens poetas, como Armando lima Júnior, Tacalhe ou mesmo Dante Mariano, todos sem livro publicado, ou Sukre D'Sal (Horizonte aberto, 1976); Amdjers, 1977 ou Kwame Kondé (Kordá Kaoberdi, 1974) tivessem trazido qualquer novidade. A poesia deste grupo, de um modo geral, surge sob o signo da «véspera de amanhã», na inscrição de Dante Mariano de quem tarda o livro prometido:

«A notícia que trará o povo inteiro/para as ruas em avalanche/Esta, sim/HÁ MUITO   QUE  CHEGOU»  [81].  

Ou nas  palavras  de Kwame Kondé, por largos anos exilado:

«De mãos vazias te deixei, terra amada./O coração de dor sangrando» [82] para quem a Revolução «se alastra, viva, majestosa» e «rebelde como o desejo», «dominando o gesto, o olhar e a vida» [83].

O ponto de encontro é na «África! África independente» na «terra rica que herdámos», «mãe do futuro/irradiando felicidade» M (Sukre D'Sal).[84] O espaço cabo-verdiano de Tacalhe, o «Lar» por ele concebido é também, e só, na luta armada:

«É aqui meu amor/É aqui que fica/O lar do nosso sonho/Na boca vermelha desta espingarda....» [85]. O tempo nos dirá do futuro de cada um deles. Tacalhe, no entanto, persistentemente vem colaborando na página «Cultura» da Voz di Povo, diversificando a sua poesia com a consciência de que «as palavras «são loucas na busca do sentido!»[86].

Seja como for, de Arménio Vieira, Mário Fonseca, impublicados em livro, deles se aguarda (e há notícia concreta) uma palavra, já que, justamente com Oswaldo Osório, Corsino Fortes e Timóteo Tio Tiofe, são dos que possuem o fôlego necessário para dar à actual poesia cabo-verdiana uma solidez indiscutível. E alguns dos mais novos que neles atentem. E agora — e isto não significa nenhum juízo de valor, é uma arrumação, sempre tão difícil, diríamos uma «leitura histórica» como outras que admitimos — chamamos a atenção para um certo grupo de poetas: os poetas da diáspora cabo-verdiana.

Suponhamos António Mendes Cardoso, Jorge Pedro, Virgílio Pires, sem livro publicado, e de escassíssima produção poética, dando mesmo a impressão de a terem abandonado. Luís Romano, {Clima, 1963), revelando-se no Brasil e aí tornado autor bilingue, defendendo nos últimos anos, com persistência, uma literatura de língua nacional (o dialecto) há nele um olhar enternecido lançado sobre o homem crioulo, um gesto de solidariedade com o homem negro e um apelo ao «Irmão branco»:

«Branco:/escuta-me um momento/ainda é tempo/porque te falo de irmão para irmão/No mistério daquilo que nos formou/— considera-me —/Só isso nos basta/Só isso/e estende-me tua mão.» [87]

 Teobaldo Virgínio (Poemas cabo-verdianas, 1960; Viagem para além da fronteira, 1973), estreando-se em Cabo Verde, mas desde há muito vivendo em Angola, repensa-se num lirismo algo cristão e num impulso alado na solidariedade cabo-verdiana, numa visão universalista. «Sejam ferramentas solitárias/cada boca fale seu grito/reprimido/cada braço corte/seu caminho livre» e cada olhar reflicta seu caminho claro Um fulgor de esperança em cada humilde [88]

Daniel Filipe, consagrado autor repartido entre duas poéticas: inicialmente a cabo-verdiana e depois a portuguesa, o seu nome retém-se aqui como um acto de justiça. Cabo-verdiano de origem, de nascimento e etnicamente, apesar da sua radicação em Portugal desde criança, três livros, pelo menos, são de motivação cabo-verdiana: Missiva (1946), Marinheiro em terra (1949) e A. ilha e a solidão (1957). Se quisermos encontrar-lhe um ponto de encontro, devemos buscá-lo ao grupo de Claridade: a insularidade da terra pequena metida nas grades   das   suas   contradições,  avara  ao   futuro  dos homens e úbere aos sonhos e anseios:

Ah, esta ânsia de partir, de ser
Um barco mais na imensidão do mar...
De ir sempre além, sem saber
A rota certa para regressar... [89]

Com excepção de Virgílio Pires e Jorge Pedro, todos os outros se revelaram poetas fora da sua terra ou então ausentes dela foi que se confirmaram como tal.

Em 1961, organizada e prefaciada com inteligência por Jaime de Figueiredo, é publicada em Cabo Verde a antologia Modernos poetas cabo-verdianos e, com ela, nesse tempo, se dá o panorama essencial da moderna poesia de Cabo Verde. Por motivos metodológicos (ou outros) ficaram de fora apenas António Pedro e Daniel Filipe, ambos, e de longe, profundamente radicados em Portugal e o seu nome ligado à literatura portuguesa. No entanto, afigura-se-nos — e atrás quisemos justificá-lo — que Daniel Filipe exige a sua recuperação cabo-verdiana. Estes dois poetas terminaram, depois, por ser incluídos, bem como outros, juntamente com os seleccionados por Jaime de Figueiredo, no primeiro volume de No reino de Caliban — antologia panorâmica da poesia africana de expressão portuguesa (1975), que o autor destas linhas organizou, anotou e prefaciou.

A rematar citamos o nome de Amílcar Cabral, fundador do P. A. I. G. C. e um dos ideólogos mais prestigiosos da revolução africana. Dos poemas que dele agora conhecemos, dois aspectos da sua personalidade se podem enunciar: o de uma comunhão telúrica e, simultaneamente, o de uma adesão colectiva ao destino trágico  do  seu povo — mas  o  afago  da esperança germinando, como no poema «Regresso...»:

«Venha Comigo, Mamãe Velha, venha,/recobre a força e chegue-se só ao portão./A chuva amiga já falou mantenha/e bate dentro do meu coração» [90]; ou como em «Ilha»: «Rochas escarpadas tapando os horizontes,/ mar aos quatro cantos prendendo as nossas ânsias!» (in Ilha, ano VII Ponta Delgada, 22-6-1946; republicado noutros, inclusive Seara Nova, dezembro 1974);

A outra atitude, o outro ponto de vista, é o da representação duma consciência dialéctica da vida, como em «Segue o teu rumo Irmão:» «Que amanhã na planície conquistada/da terra redimida/libertada/os Homens irmanados colherão/o saboroso Pão» [91]. Ou em «Quem é que não se lembra»: «Meu grito de revolta ecoou pelos vales mais longínquos da Terra/atravessou os mares e os/oceanos» [92].

Tudo leva a crer que não haverá razão para se optar pela existência de duas fases, correspondendo a escrita dos poemas a um mesmo período e, assim, uns e outros se completam dando a globalidade poética de Amílcar Cabral [93].
––––––––
Notas:
79    Osvaldo Osório, Caboverdeamadamente construção meu amor, 1975, p. 43.

80    Idem, idem, 1975, p. 46.

81    Dante Mariano, «Comunicado n.° 1» in M. Ferreira, No nino de Caliban, 1.° vol., 1975, p. 252.

82    Kwame Kondé, Kordá kaoberdi, 1974, p. 59.

83    Idem, idem, p. 83.

84    Sukre D'Sal, Horizonte aberto, 1976, p. 29.

85    Tacalhe «Lar», in M. Ferreira, No reino de Caliban, 1.° vol., 1975, p. 258.

86    Idem, «Poema para depois» in «Cultura» de Voz di Povo, Praia, Cabo Verde, 29-11-1977, p. 8.

87    Luís Romano, Clima, 1963, p. 236.

88    Teobaldo, Virgínio, Viagem para além da fronteira, 1973, P.39.

89    Daniel Filipe, Missiva, 1946, p. 43.

90    Amílcar Cabral, «Ilha«, in Cabo Verde, ano I, n.° 2, 1949, p.ll.

91    Idem, «Segue o teu rumo irmão» in Vozes, n.° 1, 1974, p.19.

92    Idem, «Quem é que não se lembra», idem, p. 19.

93    Amílcar Cabral na sua juventude, pelo menos, mesmo antes de assumir as responsabilidades políticas que veio a assumir, andou pelas lides literárias. Escreveu um ou outro ensaio («Apontamentos sobre a poesia cabo-verdiana» — in Cabo Verde ano n.° 28, 1952) e publicou escassos poemas. Ouvimo-lo, inclusive, ler um conto em 1943 ou 1944, em S. Vicente de Cabo Verde, apresentado ao grupo da Academia Cultivar, de onde saiu o projecto da Certeza. Acentue-se que, até há bem pouco tempo, sabíamos da existência de uns três poemas: «Ilha», publicado no jornal Ilha, ano VII, Ponta Delgada — Açores, 22-VI-1946; «Regresso», no Cabo Verde, ano I, n.° 2, Praia, Cabo Verde, 1949; e posteriormente «Para ti, mãe Iva», publicado no seu livro de curso, republicado, depois do seu assassinato, no jornal Expresso (Lisboa). Após a independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde, Luís Romano junta sete poemas ao seu artigo «Amílcar Cabral. Apontamentos sobre a poesia cabo-verdiana», (in Vozes, n.° 1, Brasil, 1976, pp. 15-21). Mais recentemente Mário Pinto de Andrade reúne três poemas ao artigo «Amílcar Cabral e a reafricanização dos espíritos», publicado em Nâ Pintcha, Bissau, 12-IX-76, aquando das comemorações do XX aniversário do P. A. I. G. C. Entretanto Mário de Andrade e Arnaldo França transcrevem um novo poema (sem título) no ensaio «A cultura na problemática da libertação nacional e do desenvolvimento, à luz do pensamento de Amílcar Cabral» in 'Raízes, ano I, n.° 1. Praia, Cabo Verde, 1977, p. 4. Alguns destes poemas repetem-se nas publicações que referimos e, assim, do nosso conhecimento, são ao todo dez poemas. Os três poemas publicados por M. Andrade vêm acompanhados da indicação da fonte: «Mensagem. Boletim da Casa dos Estudantes do Império, ano II, maio a dezembro, n.° 11», desconhecendo-se o ano e se é a fonte apenas do último poema se dos três.


Continua…

Fonte:
Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa I Biblioteca Breve / Volume 6 – Instituto de Cultura Portuguesa – Secretaria de Estado da Investigação Científica Ministério da Educação e Investigação Científica – 1. edição — Portugal: Livraria Bertrand, Maio de 1977

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Sexteto em Sextilhas (Parte 8)

211 – Assis
Sonho um mundo onde a poesia
seja uma regra geral.
Um mundo onde a exceção
seja a violência brutal
que hoje em dia em toda parte
espalha a tristeza e o mal.

212 – Ademar
Tenho um sonho especial
que sonho de noite a dia:
ver o pobre com saúde,
menos barriga vazia,
e um poeta nas escolas
pra divulgar a poesia...

213 – Delcy
Ao  viver o  dia-a-dia,
minha alma toda se inquieta,
é que as belezas da Terra
só  quem as canta é o poeta,
pois  a maldade  do  mundo
se antepõe ao bem do esteta!

214 – Prof. Garcia
Segue o mundo em linha reta,
cheio de ódio e maldade;
a ganância não se curva,
não tem dó nem piedade;
mas o poeta estende os braços
beija e abraça a humanidade!

215 – Gislaine
Dá fim à desigualdade,
pois em seu mundo risonho,   
planta, o poeta, a alegria,
transmutando o que é tristonho,    
e, com a força do seu verso,
torna real  o seu sonho!

216 – Zé Lucas
Penso num mundo risonho
de irmão abraçando irmão,
os casais em mil ternuras,
coração a coração,
parecendo o céu na terra
pelo encanto da união.

217 – Assis
Os mais jovens viverão,
por certo, melhores dias.
Verão cumprir-se as promessas
que lemos nas profecias;
lobo e cordeiro juntinhos,
como antecipa Isaías.

218 – Ademar
Faço minhas profecias
sem querer coisas demais,
quero apenas neste mundo
que os homens sejam iguais;
que façam em vez de guerra
um mundo cheio de paz!

219 – Delcy
A  defesa  do  bem  traz
a  apologia  da  crença,
de  que  homens desiguais
se  unam  na  benquerença,
e o  nosso  mundo melhore,
pondo  fim  à  indiferença!

220 – Prof. Garcia
Nesta luta infinda, imensa,
entre nós pobres mortais,
são tantos atos ferozes,
tantas decisões brutais;
mas nós, poetas do mundo
queremos todos iguais!

221 – Gislaine
Nossos versos são sinais,
da luta pela igualdade,
nascidos do coração,
sementes de liberdade,
plantando um amor amigo
para toda a humanidade!

222 – Zé Lucas
Deus criou a humanidade
à sua imagem sagrada,
querendo-a no paraíso,
em santa e eterna morada,
porém há seres humanos
que não servem para nada!

223 – Assis
A humanidade, criada
à imagem do Criador,
não dando a tal privilégio
o seu devido valor,
perdeu-se ao perder de vista
a vocação para o amor.

224 – Ademar
É certo que o desamor
existe em todo lugar,
mas nós somos diferentes
na maneira de pensar;
pois ao nascermos poetas
foi para viver e amar.

225 – Delcy
Poetas,  vamos  cantar
com amor, a natureza,
as  flores e os animais,
a exuberante  beleza,
que povoa o nosso mundo
 e, de Deus, mostra a grandeza!

226 – Prof. Garcia
Eu não suporto a torpeza
da mente má, desumana,
que destrói a própria vida,
pensando que a Deus engana,
mas só engana a si mesmo
de forma bruta e tirana!

227 – Gislaine
Esse desamor que engana,
em nossas almas de estetas
não existe, pois é o sonho,
que alicerça nossas metas, 
e  nós seguimos  felizes,
porque nascemos poetas!

228 – Zé Lucas
Palmilhando estradas retas,
chegaremos ao lugar
almejado pelos justos,
em seu bonito sonhar,
e levaremos um livro
de sextilhas pra cantar.

229 – Assis
Sempre gostei de pensar
que os bons ventos desta vida
no seu canto vão levando,
por uma estrada florida,
de mãos dadas os poetas
para a Terra Prometida.

230 – Ademar
Quando eu partir desta vida,
irei coberto de paz;
e chegando lá em cima
nas mansões celestiais,
vou depressa organizar:
"Primeiro Jogos Florais"...

231 – Delcy
Nos teus jogos celestiais,
tu podes contar  comigo,
com Luiz Otávio e Adelmar
e  muitos outros, te digo,
pois  os  poetas  do céu,
estarão  todos  contigo!

232 – Prof. Garcia
Na mesma luta eu prossigo
junto aos amigos leais,
tentando cantar meus versos
nos novos jogos florais,
que serão organizados
nos palcos celestiais!

233 – Gislaine
Nós já somos imortais,
pois estamos planejando
a primeira grande festa,
lá no céu, e convidando,       
com carinho, os trovadores,
que aos poucos forem chegando!

234 – Zé Lucas
Jesus Cristo, no comando,
do paraíso abre o véu,
e em vez desta vida curta,
por aqui, andando ao léu,
teremos a vida eterna
pra fazer versos no céu.

235 – Assis
Tiremos hoje o chapéu
ao Trabalho, no seu dia,
e juntos comemoremos,
com justa e imensa alegria,
o nosso ofício fecundo
de operários da poesia.

236 – Ademar
Hoje eu quero neste dia
em nome dos Trovadores,
enaltecer toda classe,
sejam garis ou doutores;
desejando mais justiça
a todos trabalhadores...

237 – Delcy
Nós, que somos trovadores,
vamos,  hoje,  nos  unir,
comemorando o "Trabalho",
razão  do  nosso  existir,
pois trabalhar com o verso
nos anima  a  prosseguir!

238 – Prof. Garcia
A humanidade sorrir
e a mão de Deus agradece,
pelo dia do trabalho
que ao operário enaltece,
quem trabalha comemora
quem nada faz entristece.

239 – Gislaine
Fazer versos é uma messe
que nos dá muita alegria,  
leva paz aos corações,
enfeita mais nosso dia,
e as emoções extravasam
por meio da poesia!  

240 – Zé Lucas
O verso é meu dia-a-dia,
mas enfrento qualquer barra,
desde o cabo de uma enxada
ao braço de uma guitarra;
trabalho como formiga
e canto como cigarra.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 626)

Uma Trova de Ademar 

Toda dor deixa sequela,
mas devido eu sofrer tanto,
minha dor só se revela
na angústia triste do pranto.
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 


No espelho vê-se um rosto
marcado com rugas mil.
Mas nos olhos, sem desgosto,
o mesmo ar juvenil.
–Eliana Palma/PR–

Uma Trova Potiguar 


As vozes da natureza
eu as ouço com carinho...
Mas há uma santa beleza
na voz sã do passarinho.
–Hilda Araújo/RN–

Uma Trova Premiada 


2000  – Pouso Alegre/MG
Tema  - PASSADO  – M/E


Pensei ser fogo apagado...
Mas ao ver-te, de repente,
vi que a chama do passado
arde, ainda, em meu presente.
Thereza Costa Val/MG–

...E Suas Trovas Ficaram 


Afeições enternecidas,
meus derradeiros amores!...
Deus vos salve, mãos queridas,
que me cobristes de flores!...
–Adelmar Tavares/PE–

Uma  Poesia 


Desta forma, ao nosso jeito,
vamos cumprindo a missão:
vemos o mundo e colhemos
em tudo uma inspiração
que, antes de expressar poesia,
passa pelo coração.
–Vanda Fagundes Queiróz/PR–

Soneto do Dia 

ORAÇÃO DE POETA.
–Miguel Russowsky/SC–


– Que me darás, Senhor, pela jornada
de dores, privações e misereres?
– Eu te darei a noite salpicada
de estrelas e silêncio. Que mais queres?

– E para a solidão da madrugada?
– Já fiz o mundo cheio de mulheres.
procura e encontrarás a tua amada.
Faz os mais lindos versos que puderes.

– Mas como irei, Senhor, reconhecê-la?
– Há no céu, entre todas, uma estrela
que apenas tu verás. Que mais perguntas?

– E este frio e esta angústia que ora sinto?
– quando ela penetrar em teu recinto
a primavera e a paz hão de vir juntas.

Ialmar Pio Schneider (Soneto para Bruna Lombardi)

Homenagem à data de aniversário da atriz, escritora e modelo Bruna Lombardi que hoje transcorre.
Escrito após ler o livro de poesias da poetisa No Ritmo desta Festa. Daí a citação final.


Palmilhei tuas páginas sozinho,
de noite, de manhã, por alguns dias
foste alguém que surgiu em meu caminho
e me detive a ouvir o que dizias.

Depois... que nem o capitoso vinho
me envolveste com tuas fantasias;
e me senti girando em redemoinho
como solto ao furor das ventanias.

Ler os teus versos, ó Bruna Lombardi,
já não importa quando, nunca é tarde,
pois trazem sempre cálida emoção

que brota da poesia-sensação...
Acabou-se a leitura... e o que me resta?!
A saudade do ?ritmo dessa festa?.

Fonte:
O autor

Machado de Assis (Badaladas – Capítulos dos Chapéus – 2 de fevereiro de 1873)

Hipocrate dit . . . que nous nous couvrions tous deux.
Geronte
Hipocrate dit cela?
Sganarelle
Oui.
Geronte
Dans son chapitre. . . dês chapeaux.
Molière: Le médecin malgré lui.
Act. II, sc. II.


Até sábado passado, às 11 horas menos cinco minutos, o chapéu era uma criatura ilibada. Não constava na política um só crime do chapéu. O júri não via comparecer o chapéu à barra do seu tribunal. As rebeliões faziam-se muitas vezes com o concurso das bengalas, mas sem intervenção do chapéu. O chapéu era austero; pode-se dizer que era o Sócrates do vestuário.

O que ele fazia era obedecer a Hipócrates, segundo Sganarello; cobria o homem. Não tinha outro ofício. Cortejava os conhecidos; ia na mão, quando o mortal, seu dono, entrava na igreja ; pendia quietamente à porta das fábricas.

Sua neutralidade na política era tal que os homens viravam a casaca, mas não consta nunca que mudassem o chapéu. Ele servia a todos com a mesma solicitude. Era desdém ou servilismo? Não sei; mas a verdade é que era assim.

Mas chegou o dia de sábado 25, caiu a noite, tocou o sino das dez, os relógios marcaram 15, 30, 55 minutos, momento fatal, em que o chapéu se afundou no abismo de todas as iniqüidades.

Foi o caso.

Os espectadores do Fênix gostam da atriz Jesuína, no que lhes acho razão, porque nada perdeu do talento de outrora.

Houve uma ocasião em que o entusiasmo subiu de ponto: foi às 10 horas e 55 minutos. Trovejavam as palmas e os bravos, e então (ó assombro!) dez ou doze chapéus caíram aos pés da atriz.

Dizer o pasmo, a indignação, a cólera muda que se desenhou em todos os semblantes seria coisa digna da pena de um Tácito ou da lira de um Homero — à escolha. Uns olharam para o teto, outros para o chão, outros para os outros, e todos pareciam pedir uma reparação à moral ultrajada, um castigo a insurreição do chapéu.

Se não quando, quatro soldados correm até a porta da caixa, e os dez ou doze delinqüentes (aqui sou obrigado a referir-me a informações) são conduzidos ao xadrez, onde tiveram tempo de refletir nas desvantagens de ir meter o nariz — quero dizer, a aba —onde não eram chamados.

Ora, eu apelo para todas as almas bem nascidas, e intimo-lhes que me respondam se esta correção do chapéu não equivale à passagem do Granico ou, quando menos, à invenção do molliscorium.

Na antiguidade houve igual situação. Dracon (donde fizemos draconiano) apresentava ao povo de Atenas umas leis novas, e quando menos esperava recebeu na cara todos os chapéus do congresso popular. Um espírito esclarecido, como eu imagino que e o meu leitor, liga naturalmente o ato de Atenas com o do Rio de Janeiro. Não digo que haja du Dracon dans la Jesuine; mas o povo fluminense é muita vez consoante do ateniense, e pode amanhã acontecer a um legislador o que hoje acontece a uma simples atriz.

Portanto,

V’la ce qu'c'est !
C'est bien fait !
Fallait pas qu'y aille ! (bis).

Simples observações aos pios franciscanos.

O governo pediu aos franciscanos que recebessem no seu convento alguns enfermos; e os franciscanos perguntaram-lhe a que lhe soube o almoço, resposta tão concisa quão incisiva, e que eu quisera ver gravada em letras de bronze como exemplo a futuros governos e estímulo a vindouros franciscanos.

Não posso afiançar se a resposta foi literalmente aquela; mas, se não foram as palavras, foi o sentido, visto que o efeito da resposta não passou de deixar os franciscanos naquela doce e deliciosa paz d'alma e de corpo, em que vão, arrastando este pesado exílio do século.

Há que diga que esta recusa dos franciscanos não prova amor do próximo nem de Deus. É verdade; mas não há só esses dois amores debaixo do sol. Há outra coisa, quase tão sublime como Deus, e muito mais simpática que o próximo: é a pele. Os franciscanos amam a pele e fazem bem.

Meia dúzia de doentes no seu convento podiam dar-lhes o reino do céu, mas podiam também tirar-lhes o deste mundo, e na opinião dos franciscanos, se o reino do céu é bom, o morro de Santo Antonio não é mau, e sem de todo renunciar a ir gozar lá em cima, desejam ainda por algum tempo engordar cá embaixo.

A conclusão, portanto, é que os franciscanos trancaram a porta à febre amarela, e que a pele de suas paternidades continua a esticar, sem embargo da opinião que o governo, o povo e este seu criado possamos fazer deles.

Eu, às vezes, quando não tenho que fazer, entro a cogitar no que fazem os frades. É positivo que não gastam todo o tempo a rezar; também não me parece verossímil que passam todo o tempo a ler ou dormir. Um Mont'Alverne teria muito em que ocupar o tempo; mas os monges daquela casta não vêm aos cardumes; são raros.

Quando investigo este assunto, lembro-me se passam as horas do dia a fazer charadas ou a passear em cavalinhos de pau. Outras vezes imagino que jogam cabra-cega. Já uma vez acreditei que faziam calemburgos.

E não digo isto por censura; porque se cá fora a vida não chega a netos, não é crível que chegue a netos no claustro. Alguma coisa é preciso fazer para matar o tempo.

S. Paulo, que fabricava barracas de campanha, andava pregando o evangelho, e ao mesmo tempo trabalhando no seu ofício. Tinha um ofício. O ofício do frade é ser frade, coisa hoje equivalente a uma farta aposentadoria. Nem S. Paulo trabalhou para outra coisa, senão para avolumar o cachaço do frade, arredondar-lhe a barriga, florescer-lhe as rosas do rosto. Não trabalhou para que ele morresse de febre amarela. Logo, fizeram muito bem os pios franciscanos.

A COZINHEIRA CELESTINA

Agora que cada médico apresenta o seu remédio contra a febre amarela, não é fora de propósito mencionar um que a cozinheira Celestina descobriu.

O qual foi exposto do seguinte modo:

— Para a febre amarela não há como refrescos e limonadas.

— Limonadas e refrescos? Disse o moleque.

— Sim, senhor; não há como isso. Em 1850 a filha do major B., onde eu estava, caiu com a febre amarela; deram-lhe logo uma limonada, que se foi repetindo de hora em hora. Não tomou outra coisa até o dia em que morreu.

A PAREDE DOS CONDUTORES

Mal sabe o leitor o que eu admiro em toda a história da parede que outro dia fizeram os condutores e cocheiros dos bonds.

O que mais me admirou foi (declaração da parte oficial) o estarem os chefes da revolta, às 6 horas da manhã. . . bêbedos!

Admira realmente que a empresa tolere beberrões de tal ordem. Bêbedos às 6 horas da manhã! O que não será ao meio-dia?

Quem os vê no seu ofício durante o dia mal pensa que cada um deles esta já com duas ou três garrafas no bucho. Isso é por força algum segredo de Ayer. Ou então há criaturas que não se embebedam para todos, mas para alguns, ao contrário do sol, que, como sabemos, lucet omnibus.

Humildemente peso ao varonil Greenough haja por despedir esses “embriagados de
Efraim”, não só para evitar outras paredes, mas, sobretudo para resguardar a pele dos contribuintes, seus criados.

Dr. Semana.

––––––––––––––
Nota:
Dr. Semana é o pseudonimo que Machado usava nestas cronicas

Fonte:
Obra Completa, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Edições W. M. Jackson,1938. Publicado originalmente na. Semana Ilustrada, Rio de Janeiro, de 22/10/1871 a 02/02/1873.

Cândida Vilares Gancho (Como Analisar Narrativas) Parte 9 – Partes do Enredo, Personagens, Tempo, Ambiente

       Partes do enredo

       Para identificar com mais facilidade as partes do enredo, é melhor começar pela exposição, que corresponde ao co meço da história, e o clímax, que é sempre o ponto culminante da história, isto é, o momento de maior tensão do conflito. A complicação e o desfecho são decorrências desta primeira identificação.

Maneiras de registrar as partes do enredo

Usando aspas, se o texto não for longo, pode-se citar o começo e o final de cada parte do enredo. Podem ser usadas reticências entre parênteses para indicar que houve Supres são de parte do texto citado.
Indicando o capítulo, as páginas ou os parágrafos de cada parte do enredo, atribuindo, a seguir, um nome, uma espécie de resumo de cada parte.

       Obs: O ideal é associar as duas maneiras e atribuir fomes a cada uma das partes. Vejamos o exemplo:

       exposição: “Cheguei em casa (. -) você precisa aprender a relaxar”, isto é, o primeiro parágrafo.

       Apresentação do personagem principal e sua família

       complicação: “Fui para a biblioteca (...) o alívio era maior”, isto é, do segundo até a metade do quinto parágrafo

       O cotidiano entediante do personagem narrador e sua saída de casa em busca de uma aventura relaxante.

       clímax: “Então vi a mulher (..) de casa de subúrbio”, isto é, da metade do quinto parágrafo até o final deste.

       O assassinato da mulher com o carro.

       desfecho: “Examinei o carro (. -) na companhia”, isto é, o sexto e o sétimo parágrafos.

       A volta para casa.

Personagens

       Identifica-se primeiro se há ou não personagens tipos e caricaturas; a seguir, o protagonista e o antagonista. Então caracterizam-se os personagens principais (se forem personagens redondos). Aproveitemos o texto para exercitar a caracterização do narrador personagem:

características físicas: gordo;

características psicológicas: tenso, frio, indiferente em relação família e à vida das vítimas;

características ideológicas: acredita no poder e no dinheiro;

características sociais: devemos julgar o Personagem de acordo com os Outros Personagens ou de acordo com uma perspectiva do leitor (cada um tem a sua).

       A mulher o vê como um homem honesto, cidadão acima de qualquer suspeita, mas desconfia que seja infiel; além disso o julga ligado demais aos bens materiais Seus filhos aparentemente o vêem como uma fonte de obtenção de dinheiro.

       E você, o que acha do narrador personagem? Por quê?

Obs.: Procure, sempre que Possível, descrever o Personagem usando sua própria linguagem, isto é, evite copiar do texto, porque nem sempre as características dos personagens correspondem a trechos descritivos, nos quais basicamente aparecem adjetivos. Pode-se caracterizar os personagens por suas ações, por exemplo.

Tempo

       Para se analisar o tempo num texto narrativo, aconselha se a fazer antes de mais nada um levantamento das referências temporais, pelo menos as mais importantes A seguir deve-se classificar os vários níveis de tempo.

Tempo cronológico e tempo Psicológico

Como distingui-lo?   

       O tempo cronológico identificado, marcado, e segue a seqüência cronológica, isto é, natural. O tempo psicológico é a decorrência dos vaivéns da mente do narrador ou dos personagens; não existe como realidade, mas como imaginação do personagem ou do narrador. No conto “Passeio no turno”, o tempo é cronológico, porque os fatos se sucedem numa seqüência natural, isto é, o homem chega em casa, janta, sai para passear, volta e vai dormir; não há flashback, não há tempo imaginário.

       Ambiente

       Assim como os personagens, o(s) ambiente(s) deve(m) ser caracterizado(s) usando-se uma linguagem pessoal; em outras palavras, deve-se evitar copiar do texto. Vamos então caracterizar o ambiente do conto “Passeio noturno”:

época: atual;

situação econômica/política: ambiente burguês;

moral: burguesa (o que vale é o poder — do carro — e o dinheiro);

religião: nada é mencionado;

localização geográfica: ambiente urbano, Rio de Janeiro; clima psicológico: frieza, tensão, violência.

Conclusão: poderíamos dizer que o ambiente deste texto é burguês, urbano, atual, carregado de frieza, tensão e violência.

Continua…

Fonte:
Cândida Vilares Gancho . Como Analisar Narrativas. 7. Ed. Editora Ática. http://groups.google.com.br/group/digitalsource/

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 625)

Uma Trova de Ademar 

Amar... verbo transitivo
que em qualquer conjugação
traz um novo lenitivo
para o nosso coração!
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 


Em qualquer fase da vida,
sempre que a incerteza ocorre,
sem que a fé seja perdida
a esperança nos socorre.
–Nei Garcez/PR–

Uma Trova Potiguar 


Contra o ente que fingisse
nutrir por nós, amizade,
bom seria que existisse
detector de falsidade.
–Pedro Grilo/RN–

Uma Trova Premiada 


2000  -  Sete Lagoas/MG
Tema  -  DESCOBERTA  -  2º Lugar


Um cego tem seus segredos
e viver não o intimida:
faz, pela ponta dos dedos,
a descoberta da vida.
–Elen de Novais Félix/RJ–

...E Suas Trovas Ficaram 


Buscando instantes felizes
pelos caminhos tristonhos,
foram tantos meus deslizes
que tropecei nos meus sonhos!...
–Aloísio Alves da Costa/CE–

Uma  Poesia 

Não sei amar de outro jeito
que não seja com ternura,
com carinho e com respeito,
com paixão e com doçura.
E quando o amor nos acolhe
é a gente mesmo que escolhe
o jeito de se entregar;
confessei em versos plenos
nada mais e nada menos,
a minha forma de amar!
–Ademar Macedo/RN–

Soneto do Dia 

LUCIDEZ.
–Divenei Boseli/SP–


Se eu te disser que sou feliz agora,
nesse momento em que a razão cochila
e, na modorra, enxerga só a mochila
que carregavas quando foste embora;

que o meu rancor, agora, não destila
o fel que dentre estas paredes mora,
e que saudade alguma hoje devora
o coração que recobri de argila;

se eu te disser que a porta do meu quarto
por onde tu partiste foi o parto
da solidão que eu quis, sem dor, sem ira,

por hoje, podes crer, mas toma tento:
È falsa a lucidez do meu tormento
e tudo o que eu disser, hoje, é mentira!...