quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Coelho Neto (Canções)


Foi de tristeza aquele dia.

Minha mãe, desolada ainda que ali me tivesse no aconchego do seu amor, já me avistava na desventura do lúgubre destino profetizado, como em anátema, por meu pai: vagando, descalço e roto, com fome, pedindo esmola a troco de canções como os mendigos que vão de porta em porta e cantam plangentemente para comiserar.

Poeta!

A própria ama, compadecida de mim, fez uma promessa à Nossa Senhora para que me protegesse contra o mau fado. E todos que souberam da minha infelicidade – vizinhos, amigos, simples, conhecidos lastimaram-me, aconselhando-me a não persistir naquele vício e perdição. Tive medo, medo supersticioso sentindo-me como cercado de maldições.

Tudo me parecia hostil; as próprias árvores como que se retraíam, negando-me a sombra dos seus ramos. E os que cruzavam comigo olhavam-me de soslaio, com desprezo, desviando-se como de um leproso.

Poeta!

Mas como descobrira meu pai os meus primeiros versos, que eu escondera como um furto nas páginas do dicionário?! É bem certo que o coração dos pais adivinha.

Jurei a mim mesmo nunca mais escrever canções, ainda que os versos me afluíssem prontos, com imagens e rimas, como vêm à haste as flores com a cor viçosa e trescalando aroma.

À noite, tarde, no silêncio da casa apagada, já deitado, ouvi cantar dentro de mim, muito longe, numa suave saudade.

A voz era meiga e, até de madrugada, rimei às escondidas, n’alma, canções formosas, que se perderam porque nunca as escrevi para que meu pai as não achasse, irritando-se com elas e fazendo chorar de tristeza minha pobre mãe.

Eis por que não conservei as canções da minha adolescência quando, sem ainda amar, já decantava o amor, como se sente a luz, antes de ver sol.

Fonte:
Coelho Neto. Canteiro de saudades. Porto: Lello, 1927.

Amadeu Amaral (Ratinha de esgoto)


(Na praça, depois de dois minutos de prosa)

- Dá-me um cigarro, Timóteo.

- Um Abdula?

- Oh! não me atrevia a tanto.

- É que eu não fumo Abdula. Eu uso fumo Veado, de pacotinho amarelo, e mortalhas de Gaston d'Argy.

- Que ignomínia, Timóteo!

- Talvez tenhas razão, meu caro Ramalho. Realmente...

- Parece-me que te aborreci. Garanto que não tive intenção...

- Realmente!

- Estava brincando...

- Olha, queres tomar um café?

- Vamos lá, Timóteo.

(No café, a uma das mesinhas do fundo)

- Garçom, café para dois. - Então, o amigo Ramalho acha que é uma ignomínia fumar do Veado, de pacotinho amarelo... Entretanto, este pacotinho é tão cômodo! Olhe, tiro uma porção de fumo, maior ou menor, conforme a hora, conforme o apetite; puxo por esta mortalha, arranco-a como quem arranca uma pequenina página inútil do livro da vida, enrolo nela este punhadinho de tabaco desfiado, ponho-lhe fogo... e... fuuu!... fico a olhar a fumaça que sobe e que se dispersa...

- Quanto a isso de soltar fumaça e ficar olhando, não é só com o Veado que se pode fazer.

- De fato. Mas há uma diferença: É que eu o faço unicamente para isso, ao passo que tu fumas os teus Abdulas, Sakelarides etc., só por fumares Abdulas e Sakelarides, para teres entre os dedos um cigarro fino, adocicado, caro, e da moda. Acresce que,. a mim, o único cigarro que vejo queimar com prazer, é esse. Tirem-me o Veado, e tiram-me o vício.

- Não há outro. Nenhum outro.

- Ora, esta.. . Vejo que estás comovido, Timóteo! Ora esta... Mas que diabo disto é aquilo, ó seu Timóteo?

- Não há outro...

- Mas...

- Quer que eu lhe conte? Eu tinha dezoito anos (porque posso garantir-lhe que já tive dezoito anos), morava no Rio, frequentava uma roda horrível de boêmios machos e fêmeas. Um dia, conheci uma menina, uma criatura ordinaríssima, uma ratinha de esgoto, uma vesícula vanólica da cidade. Eu era um bruto, um palhaço, um bicho sem alma. A boêmia, a minha roda de boêmios, todas as rodas de boêmios da Terra me aclamavam o mais feroz, o mais divertido e mais grotesco dos boêmios.

- Isso é conto.

- Não crês? É o mesmo. Encontrei-me um dia, ao acaso das troças e distúrbios, com essa menina sem graça, sem beleza e sem coração. Uma bebedeira, um capricho, uma luta a copos e garrafas num botequim de marinheiro, de contrabandistas e de rufiões - e, no fim, eu, na rua, sozinho, às três da madrugada, a rebocar a minha pobre amiga, que eu não amava, nem queria. Simpatizou comigo. Não sei se gostou do meu cinismo, ou da minha fachada, que naquele tempo era menos má. Depois, encontrei-a outras vezes, na mesma zona. Quando dei acordo, tinha-se-me agarrado, com um carrapicho que se leva na roupa de passagem pela macega. Protestei contra o seu desmazelo: tratou de se alindar... e começou a procurar-me com maior insistência. Reclamei contra as suas maneiras desconjuntadas e reles: tratou de se emendar, emendou-se... e entrou a procurar-me todos os dias.

- Uma paixão, enfim.

- Da graúda. Para encurtar: a páginas tantas, adoeceu. Coisa do peito. Levei-lhe o médico. Dei-lhe todos os remédios. Para arranjar os meios, acabei por me empregar. Isso durou meses. Afinal, morreu. E, quando morreu, morreu quase bonita, - parecia impossível! - morreu bonita, muito branda, muito leve, muito fina, com um sorriso delgado e virginal de criatura renascida. Era outra. E eu, também, era outro. Completamente outro. Pela primeira vez conheci a gravidade, o recolhimento e a ternura.

- ... Mas, isso é sério, Timóteo?

- Como tudo quanto há de sério.

- Mas, agora, que é que tem tudo isso com o fumo Veado?

- Por enquanto, nada. Escuta. Larguei o Rio, larguei a boêmia, larguei a vadiação e a troça, vim para esta nossa terra, tratei de encaminhar-me na vida... e cheguei a esta pacífica posição que estás vendo, - pequeno proprietário e empregado público. Meu pai, que morreu há dezoito anos, fez tudo para que me casasse. Minha mãe, que morreu há cinco, punha-me no caminho todos os laços e arapucas matrimoniais que podia. Minhas irmãs indicavam-me cada semana um partido inexcedível. Levaram-me a bailes, introduziram-me na sociedade. Fizeram-me até viajar, para conhecer meninas e viúvas. Fui requisitado por duas ou três damizelas bonitas e graciosas, - uma clara e breve, uma trigueira e forte, uma pálida e sentimental... Não pude. Não pude de todo. Nunca encontrei uma carinha que tivesse o sorriso dolorido e reconhecido de Amanda, aquele sorriso de meiguice enlaçante e magoada, aquele sorriso-flor, aquele sorriso-gota d'água, aquele sorriso-recompensa, inconfundível, indefinível, indescritível, que me entrou na alma durante seis meses, que a perfumou, a amoleceu, a revolveu, a tocou em todas as suas obras, que me deu a conhecer, com a doçura da lágrima e a ânsia do desespero, a volúpia da minha primeira e única obra de arte.

- Mas, o fumo?

- Muito simples. Nesse tempo eu, pobre boêmio sem mesada, sem emprego e sem vergonha, fumava Veado, porque era muito barato e saía ainda mais barato do que custava, pois eu podia regular à vontade a grossura do cigarro. Muitas vezes, reparti com ela o meu pacotinho. Muitas vezes. Nos meus dias amargos de boêmio sem vintém, almocei e jantei cigarros de fumo Veado. Toda a minha história com Amanda correu entre nevoeiros de fumo Veado. Contraí com isso o meu hábito mais tenaz, - um hábito feito, hoje, de saudades, de remorsos, de obsessões doces e dilacerantes, da infinita tristeza de um nunca-mais que me purifica e me aniquila... A minha vida inteira teve o seu pináculo na hora em que a minha ratinha de esgoto morreu sorrindo nos meus braços. Tudo o mais que se seguir são ondulações que se prendem, num ritmo decrescente, a essa altitude remota... Impossível esquecer.

- Mas, que diabo! isso tudo é verdade?... Estás chorando, Timóteo?

- Alto lá! Bem vê que não estou chorando. Então eu sou homem que chore? Garçom, outro café; mas bem quente!

(Uma pausa. Sorve-se o café em silêncio. Timóteo saca do seu pacotinho de fumo)

- Portanto, o amigo Ramalho já sabe porque é que eu prefiro fumar desta ignominiosa maneira.

- Mas, ainda não voltei do meu espanto, Timóteo! Então, isso tudo é mesmo verdade?...

- Veja lá como eu estou mestre em fazer os meus cigarros. Sou capaz de os enrolar com uma só mão. Aqui está o fumo, vê? Agora, arranco a mortalha, - mais uma pequenina página inútil do livro da minha vida - ponho-lhe o fumo, estendo-o, enrolo... Está vendo? Pronto... Dá cá o fogo... fuuu!... Olha essa espiral que se esgueira por cima de todo esse burburinho, de todas essas cabeças... Olha, olha, lá vai ela... Acabou-se. - Moço, cobre aqui quatro cafés. Jesus, estou na horinha do meu bonde! Ande com isso, ó funcionário!

Fonte:
Obras de Amadeu Amaral - Editora Hicitec - 1982.

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Edy Soares (Manuscritos (Di)versos) 19

 

Aluísio de Azevedo (O Madeireiro)


– Sua ama está em casa, rapariga?

– Está, sim, senhor. Tenha a bondade de dizer quem é.

– Diga-lhe que é a pessoa que ela espera para jantar.

– Ah! Pode subir… Minha ama vem já.

Entrei e reconheci a saleta, onde eu dantes fora recebido tantas vezes pela viuvinha do general.

Quanta recordação! Vira-a uma noite no Clube de Regatas; apresentou-me um jornalista então em moda; dançamos e conversamos muito. Ao despedir-nos, ela, com um sorriso prometedor, disse-me que costumava receber às terças-feiras os amigos em sua casa e que eu lhe aparecesse.

Fui, e um mês depois éramos mais do que amigos, éramos amantes.

Adorável criatura! simples, inteligente e meiga. No entanto, o meu amor por ela fora sempre um tanto frouxo e preguiçoso. Aceitava e desfrutava a sua ternura como quem aceita um obséquio de cortesia. Teria eu porventura o direito a recusá-la?…

Mas, assim como nasceram, acabaram os nossos amores; uma ocasião cheguei tarde demais à entrevista; de outra vez lá não fui; depois esperei-a e ela não se apresentou; até que um dia, quando dei por mim, reparei que já não era seu amante.

Seis meses já lá se iam depois disto, e eis que uma bela manhã, ao levantar-me da cama, entregaram-me uma carta.

Era dela.

Meu amigo.
Sei que conserva as minhas cartas e peço-lhe que me as restitua. Venha jantar comigo, mas não se apresente sem elas. É um caso sério, acredite.
São vinte. Não me falte e conte com a estima de quem espera merecer-lhe este último obséquio.
Afianço que será o último. Sua amiga,

LAURA.


Para que diabo queria ela as suas cartas?… Teria receio de que as mostrasse a alguém?… Impossível!

Principiavam-me estas considerações, quando se afastou a cortina da saleta e a viuvinha do general surgiu defronte de mim.

– Com efeito! disse ela. Só assim o tornaria a ter em minha casa! Bons olhos o vejam!

Beijei-lhe a mão.

– Trouxe?… perguntou.

– Suas cartas? Pois não! Bem sabe que para mim as suas ordens são sagradas…

– Ainda bem. Sente-se.

Sentamo-nos ao lado um do outro. Ela recendia uma combinação agradável de cananga do Japão e sabonete inglês; tinha um vestido de linho enfeitado de rendas; e na frescura aveludada do seu colo destacava-se um medalhão de ônix.

– Então, que fantasia foi essa?… interroguei, depois de um silêncio em que nos contemplamos com o mesmo sorriso.

E no íntimo já estava gostando de haver lá ido. Achava-a mais galante; quase que me parecia mais moça e mais bonita.

– Que fantasia?…

– A de exigir as suas cartas…

Ela fez do seu meio sorriso um sorriso inteiro.

– Tinha receio de que alguém as visse?… perguntei, tomando-lhe as mãos entre as minhas.

– Não! Suponho-o incapaz de tal baixeza…

– Então?…

– Mas para que deixá-las lá?… Está tudo acabado entre nós.

E retirou a mão.

Eu cheguei-me mais para ela.

– Quem sabe?… disse.

Laura soltou uma risada.

– Você há de ser sempre o mesmo!… Não se lembraria de mim se não recebesse o meu bilhete, e agora… Tipo!

– Não digas tal, que é uma injustiça!

– Espere! Tire a mão da cinta! Tenha juízo!

– Já não te mereço nada?…

– Deixe em paz o passado e tratemos do futuro. Eu quero que você seja meu amigo…

Dizendo isto, erguera-se e fora abrir uma janela que despejava sobre o jardim.

– Está então tudo acabado?… Tudo? inquiri, erguendo-me também, e envolvendo-a no meu desejo, que ela fazia agora reviver, maior do que nunca.

É que incontestavelmente o demônio da viuvinha estava muito mais apetitosa. Nunca tivera aqueles ombros, aquele sorriso tão sanguíneo e aqueles dentes tão brancos! Seus olhos ganharam muito durante a minha ausência, estavam mais úmidos e misteriosos, quase brejeiros! O seu cabelo parecia-me mais preto e mais lustroso; a sua pele mais pálida, com uma cheirosa frescura de magnólia. Todos os seus movimentos adquiriram inesperada sedução; e o seu quadril havia enrijado de um modo surpreendente; o seu colo tomara irresistíveis proeminências que meus olhos cobiçosos não se fartavam de beijar.

– Então, tudo acabado, hein?…

– Tudo!

– Tudo? tudo?…

– Absolutamente!

– Para sempre?

– Você assim o quis, meu amigo! Queixe-se de si!

Ia lançar-lhe as mãos e fechá-la num abraço; ela, porém, desviou-se, ordenando-me com um gesto muito sério que me contivesse, puxou duas cadeiras para junto da janela e pediu-me que a ouvisse com toda a atenção.

– Sabe por que lhe exigi as minhas cartas?…

– Por quê?

– Porque vou casar…

– Como? A senhora disse que ia casar?!

– Dentro de dois meses.

– Com quem, Laura?

E fiquei também eu muito sério.

– Com um negociante de madeiras.

– Um madeireiro?

Ela meneou afirmativamente a cabeça; eu fiz um trejeito de bico com os lábios e pus-me a sacudir a perna.

– Está bom!

– Que quer você?… Uma senhora nas minhas condições precisa casar!…

– Ora esta! Um madeireiro!…

– Que me ama muito mais do que você me amou, tanto assim que está disposto a fazer o que você nunca teve a coragem de imaginar sequer! E juro-lhe meu amigo, que saberei merecer a confiança de meu marido! Serei em virtude o modelo das esposas!…

Olhei-a de certo modo.

– Não seja tolo! – disse ela em resposta ao meu olhar.

E fugiu lá para dentro, sem consentir que eu a acompanhasse.

Só nos tornamos a ver meia hora depois, já a mesa do jantar.

– E as cartas? reclamou ela.

Tirei o maço do bolso, desatei-lhe a fitinha cor-de-rosa que o atava; contei as cartas, estavam todas as vinte metodicamente numeradas, com as competentes datas em cima escritas em letra boa.

Mas não tive ânimo de entregá-las.

– Olhe! disse, trago-lhas noutro dia… Se as restituir agora, que pretexto posso ter para voltar cá?…

– Hein? Como? Isso não é de cavalheiro…

– Não sei! Quem lhe mandou ficar mais sedutora do que era?

– Está então disposto a não entregar as minhas cartas?…

– E até a servir-me delas como arma de vingança!

Laura franziu a sobrancelha e mordeu os beiços.

Tínhamos já cruzado o talher da sobremesa e bebíamos, calados ambos, a nossa taça de champanhe.

O silêncio durou ainda bastante tempo. Ela só o quebrou para perguntar, muito seca, se eu queria mais açúcar no café.

E continuamos mudos.

Afinal, acendi um charuto e arrastei minha cadeira, para junto da sua.

– É melhor ser minha amiga… segredei passando-lhe o braço na cintura.

– Não desejo outra coisa, balbuciou ressentida e magoada. Peço-lhe justamente que me proteja como amigo, em vez de pôr obstáculos ao meu futuro. Que diabo! eu preciso casar!…

– Eu lhe entrego as cartas… Descanse.

– Então dê-mas!

– Com a condição de prolongar a minha visita até mais tarde…

– Mas…

– E fazermos um pouco de música ao piano como dantes. Está dito?

– Jura que me entrega depois as cartas?…

– Dou-lhe a minha palavra de honra.

– Pois então fique.

Às onze e meia, Laura apresentou-me o chapéu e a bengala.

Repeli-os e declarei positivamente que não lhe entregaria as cartas, se ela não me concedesse por aquela noite, aquela noite só gozar ainda uma vez dos direitos que dantes o meu amor me conferia tão solicitamente.

Ela a princípio não quis, mostrou-se zangada; mas eu insisti, supliquei, jurei que seria a última vez, a última!

E não saí.

Pela manhã, depois do almoço, Laura exigiu de novo as suas cartas.

Tirei o pacotinho da algibeira, abri-o, contei dez.

– É a metade. Aí ficam!

– Como a metade?…

– Pois, Laura, você me acha tão tolo que te entregasse logo todas as tuas cartas?… E depois, em troca do que te pediria que prolongasse um outro jantar como o de ontem?…

– Isso é uma velhacada!

– Que seja!

– Estou quase não aceitando nenhuma!

– Daqui a uma semana vir-te-ei trazer as outras dez. Está dito?

Daí a uma semana, com efeito, lá ia eu, com as dez cartinhas na algibeira, em caminho da casa de Laura. E nunca em minha vida esperei com tanta ânsia a hora de uma entrevista de amor. Os dias que a precederam afiguraram-se-me intermináveis e tristes. A viuvinha também se mostrava ansiosa, quando menos por apanhar as suas cartas.

Mas, coitada! não recebeu as dez, recebeu cinco.

Pois se a achei ainda mais arrebatadora nesta segunda concessão que na primeira!…

E na seguinte semana recebeu apenas duas cartas, e nas outras que se seguiram recebeu uma de cada vez.

Ah! mas também ninguém poderá imaginar a minha aflição ao desfazer-me da última! um jogador não estaria mais comovido ao jogar o derradeiro tento! Eu ia ficar completamente arruinado; ia ficar perdido; ia ficar sem Laura, o que agora se me afigurava a maior desgraça deste mundo!

Arrependi-me de lhe ter dado dez logo de uma vez e cinco da outra. Que grande estúpido fora eu! Esbanjara o meu belo capital, quando o podia ter feito render por muito tempo!…

Então o espectro do madeireiro surgiu-me à fantasia, como eu o imaginava: bruto, vermelho, gordo e suarento. E Laura, ao meu lado, no abandono tépido da sua alcova sorria triunfante, porque tinha rasgado o único laço que a prendia a outro homem. Estava livre!

Rasguei a carta ao meio.

– Tratante!

– Aqui tem, disse passando-lhe metade da folha de papel. Ainda me fica direito a um almoço e metade de uma noite em sua companhia… Peço-lhe que me deixe voltar..

Ela riu-se, e só então reparei que meus olhos estavam cheios d’água.

– Queres que te passe de novo o baralho?… perguntou-me enternecida, cingindo-se ao meu peito.

– Se quero!… Isso nem se pergunta!

– Mas agora é a minha vez de pôr a condição…

– Qual é?

– Só tornaremos a jogá-lo depois de casados, serve-te?

– E o madeireiro? Ele não tem cartas tuas?

– Tranquiliza-te que, além de meu marido, eu só amei e escrevi a um homem, que és tu!

– Pois aceito com todos os diabos! E, como ainda tenho jus a um almoço, não preciso sair já!

Uma semana depois, Laura dizia-me à volta da igreja:

– Mas, meu querido, como queres tu que eu te mostre uma pessoa que não existe ?.

– Como não existe?… Então o teu ex-noivo, o célebre madeireiro, cujo retrato trazias no medalhão de ônix…

– Qual noivo! Aquela fotografia é de um jardineiro que tive há muitos anos e que morreu aqui em casa.

– Então tudo aquilo foi…

– Foi o meio de arrastar-te para junto de mim, tolo! e reconquistar o teu amor, que era tudo o que ambicionava nesta vida!

Fonte:
Aluísio de Azevedo. Demônios. Publicado em 1895.

Fernando Pessoa (Caravelas da Poesia) XLVII


NÃO TRAGAS FLORES, QUE EU SOFRO

 
Não tragas flores, que eu sofro...
Rosas, lírios, ou vida...
Tênue e insensível sopro.
O céu que não olvida!

Não tragas flores, nem digas...
Sempre há de haver cessar...
Deixa tudo acabar...
Crescem só urtigas.
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NÃO VENHAS SENTAR-SE À MINHA FRENTE, NEM A MEU LADO
 
Não venhas sentar-te à minha frente, nem a meu lado;
Não venhas falar, nem sorrir.
Estou cansado de tudo, estou cansado,
Quero só dormir.

Dormir até acordado, sonhando
Ou até sem sonhar,
Mas envolto num vago abandono brando
A não ter que pensar.

Nunca soube querer, nunca soube sentir, até
Pensar não foi certo em mim.
Deitei fora entre urtigas o que era a minha fé,
Escrevi numa página em branco, "Fim".

As princesas incógnitas ficaram desconhecidas,
Os tronos prometidos não tiveram carpinteiro.
Acumulei em mim um milhão difuso de vidas,
Mas nunca encontrei parceiro.

Por isso, se vieres, não te sentes a meu lado, nem fales.
Só quero dormir, uma morte que seja
Uma coisa que me não rale nem com que tu te rales -
Que ninguém deseja nem não deseja.

Pus o meu Deus no prego. Embrulhei em papel pardo
As esperanças e ambições que tive,
E hoje sou apenas um suicídio tardo,
Um desejo de dormir que ainda vive.

Mas dormir a valer, sem dignificação nenhuma,
Como um barco abandonado,
Que naufraga sozinho entre as trevas e a bruma
Sem se lhe saber o passado.

E o comandante do navio que segue deveras
Entrevê na distância do mar
fim do último representante das galeras,
Que não sabia nadar.
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NA PAZ DA NOITE, CHEIA DE TANTO DURAR
 
Na paz da noite, cheia de tanto durar,
Dos livros que li,
Que os li a sonhar, a mal meditar,
Nem vendo que os vi,
Ergo a cabeça estonteada
Do lido e do vão
Do ler e vazio que há e quis na noite acabada -
Não no meu coração.
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NAS ENTRESSOMBRAS DE ARVOREDO
 
Nas entressombras de arvoredo
Onde mosqueia a incerta luz
E a noite ocupa a medo
O incerto espaço em que transluz…
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NÁUSEA. VONTADE DE NADA
 
Náusea. Vontade de nada.
Existir por não morrer.
Como as casas têm fachada,
Tenho este modo de ser.

Náusea.  Vontade de nada.
Sento-me à beira da estrada,
Cansado já no caminho
Passo pra o lugar vizinho.

Mas náusea.  Nada me pesa
Senão a vontade presa
Do que  deixei de pensar
Como quem fica a olhar...
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NA VÉSPERA DE NADA
 
Na véspera de nada
Ninguém me visitou.
Olhei atento a estrada
Durante todo o dia
Mas ninguém vinha ou via,
Ninguém aqui chegou.

Mas talvez não chegar
Queira dizer que há
Outra estrada que achar,
Certa estrada que está,
Como quando da festa
Se esquece quem lá está.
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NA VÉSPERA
 
Na véspera de não partir nunca
Ao menos não há que arrumar malas
Nem que fazer planos em papel,
Com acompanhamento involuntário de esquecimentos,  
Para o partir ainda livre do dia seguinte.
Não há que fazer nada
Na véspera de não partir nunca.
Grande sossego de já não haver sequer de que ter sossego!  
Grande tranquilidade a que nem sabe encolher ombros  
Por isto tudo, ter pensado o tudo  
É o ter chegado deliberadamente a nada.
Grande alegria de não ter precisão de ser alegre,
Como uma oportunidade virada do avesso.
Há quantas vezes vivo
A vida vegetativa do pensamento!
Todos os dias sine linea
Sossego, sim, sossego...
Grande tranquilidade...
Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas!
Que prazer olhar para as malas fitando como para nada!
Dormita, alma, dormita!
Aproveita, dormita!
Dormita!
É pouco o tempo que tens!  Dormita!
É a véspera de não partir nunca!

Aparecido Raimundo de Souza (No tapa)


O GILBERTO VENESIANO e a sua mulher Penélope, resolveram, antes de embarcarem para a casa da filha (que havia ganho o primeiro bebê) darem uma passadinha no dentista. Como ficariam fora, pelo menos uns quinze dias, rumaram para o consultório do especialista. Na sala de espera, amargaram uns quarenta minutos em face de um cliente que precisou colocar às pressas dois dentes interinos em vista de tê-los perdidos numa briga de vizinhos.

Estavam, pois, às portas de desistiram da empreitada, quando, finalmente, a secretária mandou que entrassem:

— O doutor Cunegundes os espera. Queiram me acompanhar, por favor. Desculpem a demora.

Assim que se viram diante do estilista bucal, Penélope, soltando fogo pelas ventas, se adiantou e botou as mãos nas cadeiras, fazendo pose de mandona:

— Doutor Cunegundes, ouça com muita atenção. Quero que atenda a um pedido meu...

O doutor Cunegundes, até aquele instante, calmo e sereno, como sempre, se abriu em mesuras:

— Bom dia para a senhora também, dona Penélope — respondeu sorrindo. Claro que atenderei ao seu pedido. Aqui o cliente tem sempre razão. Obviamente, se a sua requisição a ser feita estiver ao meu alcance...

Dona Penélope não tinha papas da língua. Era uma criatura chata, avoada, sem noção. Sem se importar com o bom dia do doutor, a mulher alterou ainda mais a voz, se fazendo meio que descontrolada e fora de si:

— Tenho certeza que o senhor acatará o que tenho em mente...

Sem mais delongas, a mulher voltou a encarar o odontólogo dentro dos olhos. Mantendo a voz tonitruante esclareceu:

— Seguinte. Arranque esse maldito dente que lhe trouxe na mais profunda aflição. Todavia, desde logo, torno claro o desejo veemente de passar bem longe da anestesia. Não quero nenhum paliativo para estancar a dor. Estamos entendidos?    

Em resposta, o doutor Cunegundes coçou a cabeça. Diante da estranha solicitação da cliente observou, meio que ressabiado:

— Dona Penélope, entenda. Sem o procedimento da anestesia, a senhora sofrerá o diabo. Sem levar em conta que poderá passar mal, desmaiar... precisar ser levada para um hospital. Perceba, não é um simples pedido, como a senhora colocou. A coisa não funciona bem assim.

— Não importa — vociferou a mulher. Assumo as consequências do meu ato. Vamos em frente. Sem anestesia...

— Posso saber da senhora, pelo menos, os motivos da tal dispensa?  Acaso medo da agulha?

— Doutor —, estou... desculpe, estamos, eu e meu marido, com muita pressa. Entende, agora, o motivo da minha, digo, da nossa afobação desordenada? Pior, meu nobre, da maldita e intrépida impaciência que nos acelera os fundilhos da alma e as pregas do coração?

O dentista franziu o cenho. Boquiaberto e sem ação, se viu, de repente, no mato sem cachorro:

— Por certo eu entendo a sua situação... mas dona Penélope, eu...

— Doutor Cunegundes... por favor, sem qualquer outro argumento que por ventura possa querer trazer à baila.

Fez uma parada básica e acrescentou:

— Estamos com o tempo apurado. Sem contar o desrespeito de quase uma hora, ou mais, que mofamos como duas múmias paralíticas sentadas na sua recepção e a sua secretária, colada na droga do celular, sequer nos ofereceu uma água, menos ainda um café...

O doutor Cunegundes procurou aparentar uma serenidade que começava a voar longe de seus brios. Por dentro, tinha a impressão que explodiria:

— A senhora quer um café?  Seu Gilberto, aceita uma água?

Dona Penélope se adiantou de novo e retrucou, se contrapondo ao consorte:

— Doutor Cunegundes, o Gilberto não quer nada. Nem eu. Somente que o senhor faça o seu trabalho.

— Sem anestesia?

— Fui bastante clara quanto a isso. Como disse, e volto a frisar, sem anestesia. Estamos, como diria, meio que desembestados.  Queremos que nos livre do incômodo do dente, que cobre pelo seu trabalho e nos libere. A essa altura, deveríamos estar quase chegando ao nosso destino.

O doutor Cunegundes, perdeu, de vez a paciência. Nessa fase do campeonato, se mostrou deveras nervoso. Na verdade, além do semblante completamente desfigurado, danou a tremular as mãos. “Que mulher encapetada, essa”. Pediu licença, foi ao banheiro e lá, depois de beber um copo de água e um calmante forte com o restante de café da garrafa, se preparou para o atendimento:

— Quero que saiba, de antemão, a coisa vai doer horrores. A senhora sofrerá o diabo. Confesso, estou pasmo, dona Penélope. Devo acrescentar que a senhora é muito corajosa. Parabéns pela sua bravura e sangue frio.

Tirou do bolso um lenço, secou o suor, se benzeu:

— Sente-se, por favor. Seja o que Deus quiser. Qual é o dente?    

Dona Penélope, então se virou para o marido e, com um sorriso bailando nos lábios sensuais, se dirigiu a ele e mandou a ordem:

— Gilberto, meu amor, o doutor vai, enfim, nos levar a sério. Eu sabia que não criaria nenhum tipo de embaraço. Lembra do que lhe falei, quando vínhamos para cá? Que o doutor Cunegundes é cabra da peste e porreta...

Dona Penélope fez uma breve pausa. Estava satisfeita. A sua vontade, com a anuência do especialista a deixou acesa e saltitante. Para não perder mais nenhum segundo, concluiu, a sua fala, observando:

— Além de porreta, o nosso doutor tem convicção e sabe que os clamores vindos de clientes antigos, não podem ser contestados. OK, meu ilustre doutor. Nosso bate papo se estendeu além do tempo que eu havia previsto.  Gilberto, meu amor, seja macho. Senta na cadeira e mostra o dente “dodói” para o nosso salvador da pátria.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Therezinha D. Brisolla (Trov’ Humor) 04

 

A. A. de Assis (A massa da discórdia)

Na hora do recreio havia sobre a mesa um prato de pastéis. Seis professores na sala, sete pastéis. Cada boca serviu-se do seu bocado, a refeição ideal para o horário. O copo de chá gelado completava a merenda. Mas o pastel estava provocativamente delicioso, deixando no gogó dos comilões aquele irresistível gostinho de quero mais.

Sobrara no prato um pastel, o sétimo, sobre o qual pousavam gulosos os olhos dos seis candidatos a saboreá-lo. A boa educação, contudo, não permitia que nenhum dos presentes se apossasse do cujo. Melhor se tivesse vindo a conta certa, assim aquela sobra não perturbaria o recreio. O pessoal conversava para distrair, entretanto a tentação era demais. Seis olhares espetando o pastel, de longe. Ah, esses bons modos...

Poderia alguém ter sugerido um sorteio. No papelzinho, no palitinho, no par ou ímpar. Qualquer coisa, desde que se definisse a quem caberia o apetitoso conjunto de carne e massa. Ninguém tinha coragem de fazer a sugestão, com medo de ser chamado de fominha.

E o solitaríssimo pastel ali se oferecendo, cheiroso, fofucho. Poderiam reparti-lo em seis pedaços. Parecia, porém, que todos achavam tal solução deselegante. Além disso, a quem caberia a azeitona? Pois é: tinha uma azeitona no enredo, para atrapalhar. Dividir uma azeitona em seis pedaços seria operação deveras complicada, convenhamos. Falaram de futebol, falaram de política, falaram de tudo. Os olhares continuavam fixos no prato. Cada parceiro na esperança de que os outros cinco saíssem da sala. Ficando sozinho, o premiado comeria o último pastel sem constrangimento algum. Mas quem disse que sairia alguém dali? Havia unanimidade na gula.

Chegaram a desejar que entrasse na sala uma sétima pessoa, a fim de engolir a massa da discórdia e resolver de vez o impasse. Não apareceu ninguém. O pastel ali, esfriando, desafiando a imaginação criativa dos seis. Nenhum deles ao menos se atreveu a confessar o que estava pensando. Percebia-se apenas pelo jeitão meio vesgo. Ou era isso que uns acreditavam estar percebendo nos demais.

Tocou a sino, acabou o recreio. Última esperança de que voltasse todo mundo para o trabalho deixando apenas um na sala do lanche. Ninguém quis ser o primeiro a sair. Saíram juntos, os seis.

Minutos depois a moça da cozinha veio recolher a garrafa de chá, os copos e o prato. Pensou lá com seus temperos: “Uai, acho que o pastel não agradou... até deixaram sobra...” E sem mais indagações comeu ali mesmo o desprezado, para desocupar o prato. Alimento aliás muito providencial, visto que a moça havia acordado de madrugada e o café da manhã, naquelas alturas, estava mesmo já pedindo algum reforço.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 23-6-2022)

Gislaine Canales (Glosas Diversas) XLVIII


VOLTARÁS?
 
MOTE:
"Voltarei" dizes depressa
num agrado à despedida;
fica comigo a promessa
e em tuas mãos, minha vida!

Domitila Borges Beltrame
São Paulo/SP


GLOSA:
"Voltarei" dizes depressa
num aceno muito leve...
Jamais voltarás! Confessa!
Senti no teu até breve!
 
Eu sei, tu fizeste assim,
num agrado à despedida;
pra ficar longe de mim
após a tua partida!
 
Não há nada que me impeça
de continuar a sonhar...
Fica comigo a promessa
de que um dia vais voltar!
 
Se um dia a minha alegria
se entristecer, for perdida,
a deixarei na poesia,
e em tuas mãos, minha vida!
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ADORMECE SAUDADE
 
MOTE:
Fugindo da realidade,
eu vivo menos tristonho,
quando adormeço a saudade
no travesseiro do sonho!

João Freire Filho
Rio de Janeiro/RJ, 1941 – 2012


GLOSA:
Fugindo da realidade,
mergulhando na ilusão,
eu diminuo a ansiedade
do meu pobre coração.
 
No mundo da fantasia
eu vivo menos tristonho,
só de pensar na alegria
eu já me sinto risonho.
 
Muita ternura me invade
e uma paz, grande, sem fim,
quando adormeço a saudade
que sinto dentro de mim.
 
À saudade companheira,
sonhando, feliz, proponho,
dormir sua vida inteira
no travesseiro do sonho!
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AMOR TRANSCENDENTAL
 
MOTE:
Este amor envolto  em pranto,
é tão grande, tão profundo,
e é tão puro o seu encanto,
que não cabe neste mundo!

Luiz Otávio
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP


GLOSA:
Este amor envolto em pranto,
chorando a dor da saudade,
é enorme, nem sei bem quanto,
é maior que a realidade!
 
Este amor sem dimensão,
é tão grande, tão profundo,
que ultrapassa o coração
e nele, inteira, me inundo!
 
Este amor é um acalanto
que vem embalar meu dia,
e é tão puro o seu encanto,
que se transforma em poesia!
 
Este amor, tão sem igual,
eu vivo a cada segundo,
é um amor transcendental,
que não cabe neste mundo!
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LUA... FAROL... MAR...
 
MOTE:

Inspirando a serenata
com seus raios encantados,
a lua é o farol de prata
do mar dos apaixonados.

Maria Nascimento S. Carvalho
Rio de Janeiro/RJ    


GLOSA:
Inspirando serenata
o luar canta contente.
Imita a voz da cascata
e emociona muito a gente!
 
Esse luar tão bonito
com seus raios encantados,
ilumina o infinito,
deixa os olhos marejados!
 
Tanta beleza arrebata
e a sonhar, então, me ponho:
a lua é o farol de prata,
a lua é um farol de sonho!
 
Esse prateado profundo,
nesses mares tão sonhados,
é o farol maior do mundo,
do mar dos apaixonados.
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ROTA PERDIDA
 
MOTE:

Sou barco em rota perdida
navegando em meio à treva,
sem saber, no mar da vida,
a que porto ele me leva...

Sérgio Bernardo
Rio de Janeiro/RJ


GLOSA:
Sou barco em rota perdida
enfrentando a tempestade,
mas não quero, ter vencida,
minha força de vontade!
 
Eu sigo, sozinho, a esmo,
navegando em meio à treva,
a procura de mim mesmo,
numa busca que me enleva!
 
Nessa esperança crescida
eu me envolvo por inteiro,
sem saber, no mar da vida,
se sou bom ou mau barqueiro!
 
Nesse mar de solidão,
meu pensamento se eleva,
e indaga com emoção,
a que porto ele me leva…

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas Virtuais de Trovas VII. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Maio 2003.

Humberto de Campos (O Elefante)

Abu-Beker, o mercador opulento que espantava Bagdá com os esplendores do seu luxo, encontrou, um dia, entre as suas quatrocentas mulheres, uma, de beleza excepcional, que lhe enchera do vinho do desejo a bilha de ouro do coração. Chamava-se Kiusa, e sua língua era doce como uma tâmara. Adorando-a até o desespero, uma dúvida o atormentava, dia e noite, na suntuosidade do seu palácio: a dúvida de que aquele corpo era seu, apenas, e de que ninguém lhe violava, subornando os eunucos, a honestidade do gineceu. E foi atormentado que, um dia, se dirigiu à mesquita, e pediu, com o rosto em terra, soluçando versículos do Alcorão:

- Alá, tu, que abranges o universo com teu poder, consente que seja minha, unicamente, a esposa do meu amor. Eu tenho pensado, nas minhas vigílias aflitas, no meio de conservá-la virgem de beijos alheios; e encontrei um remédio: arrebatá-la para as montanhas, para os desertos, para as florestas que marcam os limites do mar, onde não haja outros seres senão eu e ela. Transforma-se, pois, na tua misericórdia, em um elefante soberbo e poderoso, para que eu atravesse, puxando o seu carro, as regiões desertas da Arábia!

Instantes depois, graças a um sortilégio comum nas terras do Crescente, saía as portas de Bagdá um carro suntuoso, tauxiado de ouro e forrado de púrpura, puxado pesadamente por um elefante. E foi de coração sossegado que Abu-Beker penetrou, transformado no monstruoso plantígrado, as florestas da Índia, arrastando pacientemente o carro do seu amor.

Certo dia, após uma viagem penosa e longa, o elefante parou de repente, desatrelou-se com o auxilio da tromba, e, abandonando os varais, deu volta em torno do carro, cuja entrada era por trás. E soltou um rugido de dor e de espanto: dentro, nos coxins que a sua opulência amontoara, deitavam-se enlaçados, Kiusa, maravilhosa de formosura, e bêbada de desejo, e, ao seu lado, beijando-lhe os olhos, Ebn-Ali, mercador de Alexandria! Ele tinha vindo, desde Bagdá, a puxar o carro dos dois amantes, que, dentro, se enlaçavam amorosos, enquanto ele, confiado e sereno, feria as patas pelo caminho!

Um barrido de desespero marcou o fim daquele encantamento humilhante. E era tornado homem, com o seu manto de mercador despedaçado pelos espinhos da viagem, que Abu-Beker gemia, com o rosto no solo.

- Alá, bendito sejas tu, na tua gloriosa sabedoria! Debalde tentarão os homens, mesmo com o teu auxilio, forçar as mulheres à honestidade, quando dias querem traí-los!

E debulhava-se em lágrimas, quando ouviu, de súbito, uma voz poderosa, que lhe disse:

- Mortal, aprende, tu mesmo, à tua custa, esta grande verdade; nenhum homem poderá, jamais, subtrair a mulher à traição, quando ela o queira enganar. O insensato que, como tu, trouxer, por prevenção, o leito às costas, terá, ao fim da viagem, uma surpresa dolorosa: verá que arrastou pelos caminhos, sem o saber, a mulher e o amante!

Abu-Beker levantou-se, enxugou os olhos, e, para esquecer, começou a ler o Alcorão.

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Stanislaw Ponte Preta (Era a Regininha)


O marido - que era um santo marido, como todos os enganados - deixou o escritório mais cedo e passou no "Seu Morais" para comprar sorvete de gabiroba, uma das taras de sua mulher. A mulher tinha muitas, mas o marido pensava que a única tara dela fosse sorvete de gabiroba.

Então o marido chegou e foi entrando em casa sem assobiar, o que é um perigo. Todo marido enganado devia entrar em casa assobiando, para evitar certas coisas, mas os maridos enganados que ainda não sabem não assobiam, é lógico e por isso mesmo ele entrou sem assobiar.

Estava colocando o sorvete no freezer (a surpresa seria na hora do jantar) quando ouviu a voz da mulher lá dentro. Ela dissera qualquer coisa e depois dera uma gargalhada, dessas gargalhadas assanhadinhas que certas mulheres dão quando o marido não está perto. Ele estranhou aquilo e foi até o quarto, onde encontrou Leonor deitada na cama, seminua, falando ao telefone.

A mulher, quando viu o marido, ficou com um ar assim meio sobre o de quem achou mosca no pirão. Logo se recompôs de fisionomia, e se dizemos de fisionomia é porque o resto ficou à mostra. Foi o marido, pouco depois, que teve o cuidado de dobrar o lençol por cima dela, escondendo o principal.

Antes, entretanto, ficou ali, parado na porta, sem entender direito, com aquele olhar ausente que crioulo faz quando vai andando pela rua com rádio transistor colado ao ouvido.

A mulher - dizia eu - recompôs-se com certa facilidade e continuou a falar no mesmo tom de voz:

- Mas, Regininha, essa anedota que você acabou de me contar é ótima!... e riu de novo, mas já sem aquele leve tom sexy da primeira risadinha que ele ouvira lá da cozinha, de gabiroba na mão, isto é, com o sorvete aquele.

Tirou um lenço do bolso, limpou os dedos e veio sentar na beirinha da cama, enquanto a mulher dava-lhe um adeusinho e continuava a conversar pelo telefone:

- Pois é isso, Regininha... nós precisamos marcar uma biriba para uma noite destas. Não, Regininha. O quê, Regininha? Tá bem, Regininha.

O marido pôs-se a sorrir de si mesmo. Por um momento suspeitara da pobre mulher. Não sabia explicar por que. Apenas, quando ouvira a sua voz, sentiu um leve calafrio a percorrer sua espinha, desde a nuca até a ZM (Zona Morta). Talvez porque não fosse aquele o tom de voz que sua mulher usava para o trivial havia já muito tempo. Mas, agora, tudo se dissipava. Era a Regininha.

- Você leu o artigo de Jacinto de Thormes de ontem, Regininha? - continuava a mulher: - Divino, Regininha, simplesmente divino.

Foi nesse pedaço que ele a cobriu com o lençol.

- Então tá, Regininha. Ele vai bem. Acaba de chegar aqui. (TAPANDO O FONE.) - Está mandando um abraço para você. OK, Regininha. Outro para você, Regininha.

E, ao desligar, antes que o marido abrisse a boca, tentou explicar o óbvio:

- Era a Regininha.

Deram-se um beijo mixuruca e o marido já ia para o banheiro, quando a campainha da porta tocou.

Era a Regininha.

Fonte:
Stanislaw Ponte Preta. Rosamundo e os outros. Publicado em 1963.

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) 13


Almas cheias de pecados,
rondam noites dolorosas,
e em corpos tão mutilados,
há tantas almas bondosas!
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Aos ideais, não me oponho,
nem curto promessas vãs...
Garimpo sonho por sonho
nos cascalhos das manhãs!
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Cumprindo os ritos do outono,
percebo nas tardes mansas,
tanta alegria sem dono,
no olhar de tantas crianças!
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De tudo o que a vida apronta
e, no meu peito, ainda vive...
Eu só nunca fiz a conta
dos desencantos que tive!
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Em silêncio, olha o infinito,
a mãe, que o filho venera!...
No silêncio, há tanto grito
que acorda o sono da espera!
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Este teu olhar sombrio,
à distância, me traduz,
que um olhar cego e vazio
busca outro raio de luz!
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Foram tantas despedidas,
que hoje, eu procuro um recanto,
que esconda mágoas retidas
no disfarce do meu pranto!
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Já velho, encurtando os passos,
no outono e arrastando as penas,
ninguém mais lhe estende os braços,
sequer, as tardes serenas!
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Muitas pedradas me dão,
e a resposta é mais ousada:
Dou pedradas de perdão
que vencem qualquer pedrada!
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Não temo falsa premissa,
nem falsidades fatais;
tenho medo é da justiça
com rumos tão desiguais!
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Na praça, as horas passando,
e ante o olhar da solidão,
a lua passa bordando
sonhos de amor pelo chão!
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No instante em que tu me rondas,
ó, lua do meu sonhar,
ouço os conselhos das ondas,
sinto as angústias do mar!
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Ó, mar, por que não te acalmas?
vê como a noite está mansa...
Não pesco os sonhos das almas,
pesco os sonhos da esperança!
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O tempo, aponta os sinais
que mudam nosso destino:
Menino não brinca mais
com brinquedos de menino!
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Por mais que a vida se apresse;
sentindo que a idade avança,
mesmo que nela, eu tropece,
não perco nunca a esperança!
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Por mais que o adeus se descarte,
nele, o que se intensifica,
não é a dor de quem parte,
mas é a dor de quem fica!
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Quando a aurora, abre a janela,
se expõe e puxa a cortina,
deixa a alvorada mais bela
aos olhos da luz divina!
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Quando a noite me insinua
a ver o seu negro véu,
no lago, eu vejo outra lua,
rindo da lua no céu!
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Que o tempo nunca me peça,
medidas da mocidade;
não há no mundo, quem meça,
da infância, uma só saudade!
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Se a ostentação te faz nobre,
esquece!… É falsa nobreza;
nobre é quem deixa que o pobre
ponha mais pão sobre a mesa!
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Sempre juntos, de mãos dadas,
e o casal, muito depois...
Segue contando as passadas
e a solidão entre os dois!
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Se uma onda se encapela,
e acalma com a lua cheia,
o mar, com ciúme dela,
não deixa rastros na areia!
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Se um certo olhar te conduz,
a uma paixão envolvente...
Vê, se de fato, traduz
o amor que teu corpo sente!
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Sou como o mar entre as brumas,
que ante as procelas, se alteia,
mas deixa versos de espumas
nos pergaminhos da areia!
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Teu olhar me disse tudo!...
E, eu só vim saber depois,
que aquele silêncio mudo
disse tudo por nós dois!
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Fonte:
Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.
Livro enviado pelo trovador.

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Vanice Zimerman (Tela de Versos) 6: Gotas de Cera

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) 63


Sinistra noite. Pressaga. Tanto visto, tanto anunciado. Ventosraiostrovõesaguaceiro. Mancomunados da mãe-natureza. Muita chuva, sinais dos tempos? Ciclos da natureza em constância inconstante? Previsões dos homens ? Indagações permanentes.

Não seria a vida constante aguaceiro, chuvarada, temporais, enchentes a qualquer tempo? Passam os ventos, as águas baixam, o sol ressurge, a vida volta ao seu normal. Perene ciclo dos humanos. E dos ventos, e das águas, dos presságios, do sem tempo…

Fonte:
Texto enviado pelo autor.


Mario Quintana em Prosa e Verso – 24 -

5005618942
Não existe no mundo tanta gente como o número de ordem que me deram no cartão de identidade, que não vou te mostrar porque não poderias lê-lo antes de o ter dividido da direita para a esquerda em grupos de três, para depois o pronunciares cuidadosamente da esquerda para a direita. Sei que o mesmo acontece contigo, mas que te importa, que nos importa isso — antes que um dia nos identifiquem a ferro em brasa, como fazem os estancieiros com o seu gado amado?

Esse número, de quintilhões ou quatrilhões, não me lembro mais, me faz recordar que venho desde o princípio do mundo, lá do fundo das cavernas, depois de pintar nas suas paredes, com uma habilidade hoje perdida, aqueles animais que vejo nos álbuns, milagre de movimento e síntese. Agora sou analítico, expresso-me em símbolos abstratos e preciso da colaboração do leitor para que ele “veja” as minhas imagens escritas. Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas. Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha, nem desconfia que se acha conosco desde o início das eras. Pensa que está somente afogando os problemas dele, João Silva... Ele está é bebendo a milenar inquietação do mundo!

Fonte:
Mário Quintana. A Vaca e o Hipogrifo. Publicado em 1977, pela editora Garatuja (Porto Alegre).

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Daniel Maurício (Poética) 40


Artur de Azevedo (A cozinheira)


Capítulo I

Araújo entrou em casa alegre como passarinho. Atravessou o corredor cantarolando a Mascote, penetrou na sala de jantar, e atirou para cima do aparador de vieux-chêne um grande embrulho quadrado; mas, de repente, deixou de cantarolar e ficou muito sério: a mesa não estava posta! Consultou o relógio: era cinco e meia.

— Então que é isto? São estas horas e a mesa ainda neste estado! - Maricas!

Maricas entrou, arrastando lentamente uma elegante bata de seda. Araújo deu-lhe o beijo conjugal, que há três anos estalava todo dia à mesma hora, invariavelmente - e interpelou-a:

— Então, o jantar.

— Pois sim, espera por ele!

— Alguma novidade?

— A Josefa tomou um pileque onça, e foi-se embora sem ao menos deitar as panelas no fogo!

Araújo caiu aniquilado na cadeira de balanço. Já tardava! A Josefa servia-os há dois meses, e as outras cozinheiras não tinham lá parado nem oito dias!

— Diabo! dizia ele irritadíssimo; diabo!

E lembrava-se da terrível estopada que o esperava no dia seguinte: agarrar no Jornal do Comércio, meter-se num tílburi, e subir cinquenta escadas à procura de uma cozinheira!

Ainda da última vez tinha sido um verdadeiro inferno! — Papapá! — Quem bate! — Foi aqui que anunciaram uma cozinheira? — Foi, mas já está alugada. — Repetiu-se esta cena um ror de vezes!

— Vai a uma agência, aconselhou Maricas.

— Ora muito obrigado! — bem sabes o que temos sofrido com as tais agências. Não há nada pior.

E enquanto Araújo, muito contrariado, agitava nervosamente a ponta do pé e dava pequenos estalidos de língua, Maricas abria o embrulho que ele ao entrar deixara sobre o aparador...

— Oh! como é lindo! exclamou extasiada diante de uma magnífico chapéu de palha, com muitas fitas e muitas flores. Há de me ficar muito bem. Decididamente és um homem de gosto!

E, sentando-se no colo de Araújo, agradecia-lhe com beijos e carícias o inesperado mimo. Ele deixava-se beijar friamente, repetindo sempre:

— Diabo! diabo!...

— Não te amofines assim por causa de uma cozinheira.

— Dizes isso porque não és tu que vais correr a via sacra à procura de outra.

— Se queres, irei; não me custa.

— Não! Deus me livre de dar-te essa maçada. Irei eu mesmo.

Ergueram-se ambos. Ele parecia agora mais resignado, e disse:

— Ora, adeus! Vamos jantar num hotel!

— Apoiado! Em qual há de ser?

— No Daury. É o que está mais perto. Ir agora à cidade seria uma grande maçada.

— Está dito: vamos ao Daury.

— Vai te vestir

Às oito horas da noite Araújo e Maricas voltaram do Daury perfeitamente jantados e puseram-se à fresca.

Ela mandou iluminar a sala, e foi para o piano assassinar miseravelmente a marcha da Aída; ele, deitado num soberbo divã estofado, saboreando o seu Rondueles, contemplava uma finíssima gravura de Goupil, que enfeitava a parede fronteira, e lembrava-se do dinheirão que gastara para mobiliar a ornar aquele bonito chalé da rua do Matoso.

Às dez horas recolheram-se ambos. Largo e suntuoso leito de jacarandá e pau-rosa, sob um dossel de seda, entre cortinas de rendas, oferecia-lhes o inefável conchego das suas colchas adamascadas.

À primeira pancada da meia-noite, Araújo ergue-se de um salto, obedecendo a um movimento instintivo. Vestiu-se, pôs o chapéu, deu um beijo de despedida em Maricas, que dormia profundamente, e saiu de casa com mil cuidados para não despertá-la.

A uns cinquenta passos de distância, dissimulado na sombra, estava um homem cujo vulto se aproximou à medida que o dono da casa se afastava...

Quando o som dos passos de Araújo se perdeu de todo no silêncio e ele desapareceu na escuridão da noite, o outro tirou uma chave do bolso, abriu a porta do chalé, e entrou...

Na ocasião em que se voltava para fechar a porta, a luz do lampião fronteiro bateu-lhe em cheio no rosto; se alguém houvesse defronte, veria no misterioso noctívago um formoso rapaz de vinte anos.

Entretanto, Araújo desceu a rua Matriz e Barros, subiu a de São Cristóvão, e um quarto de hora depois entrava numa casinha de aparência pobre.

Capítulo II

Dormiam as crianças, mas dona Ernestina de Araújo ainda estava acordada. O esposo deu-lhe o beijo convencional , um beijo apressado, que tinha uma tradição de quinze anos, e começou a despir-se para deitar-se. Araújo levava grande parte da vida a mudar de roupa.

— Venho achar-te acordada: isso é novidade!

— É novidade, é. A Jacinta deu-lhe hoje para embebedar-se, e saiu sem aprontar o jantar. Fiquei em casa sozinha com as crianças.

— Oh, senhor! é sina minha andar atrás de cozinheiras!

— Não te aflijas: eu mesma irei amanhã procurar outra.

— Naturalmente, pois se não fores, nem eu, que não estou para maçadas!

Depois que o marido se deitou, dona Ernestina, timidamente:

— E o meu chapéu? perguntou; compraste-o?

— Que chapéu?

— O chapéu que te pedi.

— Ah? já não me lembrava... Daqui a uns dias... Ando muito arrebentado...

— É que o outro já está tão velho...

— Vai-te arranjando com ele, e tem paciência... Depois, depois...

— Bom... quando puderes.

E adormeceram.

Logo pela manhã a pobre senhora pôs o seu chapéu velho e saiu por um lado, enquanto o seu marido saía por outro, ambos à procura de cozinheira. Os pequenos ficaram na escola.

Os rendimentos de Araújo davam-lhe para sustentar aquelas duas casas. Ele almoçava com a mulher e jantava com a amante. Ficava até a meia-noite em casa desta, e entrava de madrugada no lar doméstico.

A amante vivia num bonito chalé, a família morava numa velha casinha arruinada e suja. Na casa da mão esquerda havia o luxo, o conforto, o bem estar; na casa da mão direita reinava a mais severa economia. Ali os guardanapos eram de linho; aqui os lençóis de algodão. Na rua do Matoso havia sempre o supérfluo; na rua de São Cristóvão muitas vezes faltava o necessário.

Araújo prontamente arranjou cozinheira para a rua do Matoso, e à meia noite encontrou a esposa muito satisfeita:

— Queres saber, Araújo? Dei no vinte! Achei uma excelente cozinheira!

— Sério?

— Que jantar esplêndido! Há muito tempo não comia tão bem! Esta não me sai mais de casa.

Pela manhã, a nova cozinheira veio trazer o café para o patrão, que se achava ainda recolhido, lendo a Gazeta. A senhora estava no banho; os meninos tinham ido para a escola.

— Eh! eh! meu amo, é vosmecê que é dono da casa?

Araújo levantou os olhos; era a Josefa, a cozinheira que tinha estado em casa de Maricas!

— Cala-te, diabo! Não digas que me conheces!

— Sim, sinhô.

— Com que então tomaste anteontem um pileque onça e nos deixaste sem jantar, hein?

— Mentira sé, meu amo; Josefa nunca tomou pileque. Minha ama foi que me botou pra fora!

— Oras essa! Por que?

— Ela me xingou pro via das compra, e eu ameacei ela de dizê tudo a vosmecê.

— Tudo, o que?

— A história do estudante que entra em casa à meia-noite quando vosmecê sai.

— Cala-te! disse vivamente Araújo, ouvindo os passos de dona Ernestina, que voltava do banho.

O nosso herói prontamente se convenceu que a Josefa lhe havia dito a verdade. Em poucos dias desembaraçou-se da amante, deu melhor casa à mulher e aos filhos, começou a jantar em família, e hoje não saí à noite sem dona Ernestina.

Tomou juízo e vergonha.

Fonte:
Artur de Azevedo. Contos Fora da Moda. Publicado originalmente em 1894,

Aparecido Raimundo de Souza (A insídia)


‘A morte é um passo absurdo. Junta os pés de todo mundo’.
Lau Siqueira


EU TRAGO O CANSAÇO OFEGANTE das estradas na poeira nojenta encravada em meu corpo. Os pés endurecidos e calejados de passos, a voz embargada, enregelada por soluços e, no peito, as dores traiçoeiras nascidas da solidão de todos que me desprezaram aos reveses da sorte. Coladas em mim, me acompanham, as frustrações e malquerenças dos seres humanos perdidos em lembranças e, no coração magoado, se fazem presentes às batidas descompassadas pelos dissabores da revolta de estar sempre na busca constante do nada.  

Caminham comigo, lado a lado, as desgraças e as misérias dos derrotados.  Igualmente, as infelicidades dos homens aflitos e os atravancamentos das mulheres que não conseguiram galgar as aspirações e os sonhos que tinham ao alcance das mãos. Estão sempre aonde quer que eu vá, ou esteja restos de amores desfeitos, relíquias amargas e destroços mortiços e sombrios. Na verdade, pedaços e porções das muitas alegrias interrompidas e não compensadas por motivos outros que sequer ousaram vingar. E pelo andar da carruagem, nunca ousarão.

Para me tornar mais nimbosa e peçonhenta do que sou, tenho, no rosto, o trágico sorriso que as crianças esqueceram. Nos lábios, palavras amigas jamais pronunciadas e, no sangue –, bem, no sangue -, as partículas das maldades eternas se arrastando, toldadas, como vermes malévolos pelas esquinas obumbradas do silêncio taciturnamente constrangedor. Está guardada dentro de mim, a mais cruel das apoquentações existentes na face da terra. Exatamente aquela que fere e não cicatriza. Que machuca e não sara. Que faz doer e não se debela. Nunca se medica. A desgraça.

Além de não convalescer, na mesma paulada, essa desgraça aniquila e definha, pouco a pouco, sem dar esperanças de se acurar, ou de se consumar. Já não falo no vil e sórdido esmorecimento, açoitado pelas brumas do mal, baralhada com a neurastenia, para, no minuto seguinte, transformar a chuva fina que cai intermitente, num temporal de fustigações cruéis, notadamente, nas vidas de cada um que visito. E eu patrulho meticulosamente, vidas e vidas, todos os dias...

Por conseguinte, carrego as desdouras inconstâncias dos fracassados, os insucessos dos desfortalecidos de espírito, as fúrias dos oprimidos que sucumbiram (e sucumbem) em misérias e não tiveram a coragem suficiente de moverem as barreiras do tempo para tentarem mudar seus destinos no painel comum das acontecências.  O frio esquálido das masmorras e o vazio gélido e sepulcral das cadeias infestadas de cadáveres em busca de luz são como sombras perniciosas a me protegerem.  E maleficamente me resguardam...

Seguem meus passos, em trilho contíguo, as angústias embaraçosas dos espectros apodrecidos nos pavilhões e corredores dos hospitais e enfermarias, como, igualmente, a vã esperança de cura para os atirados aos leitos dos nosocômios e sanatórios. De contrapeso, conservo a fé destruída, exterminada, fragmentada em mil pedaços. Constantemente, tenho ao meu redor, sob meus mandos e caprichos, uma multidão de resignados e desiludidos, decepcionados e desenganados pelo câncer e pelo fogo selvagem das doenças e moléstias incuráveis. E esses andrajos, a cada novo dia, crescem de intensidade como as bactérias em meio a detritos a céu aberto.

Outros infortúnios e desditas marcam assídua presença à minha beira: a separação dos casais, a desunião das criaturas, os entulhos e as ruínas de lares desfeitos, as desalegrias e as desesperanças enfraquecidas e narcotizadas dos que vivem em plena harmonia. Atrapalho, de maneira fulminante, os cultivadores do bem e interfiro diretamente na sorte dos não vaidosos e descaídos, colocando, em seus calcanhares, as raias comuns das malquerenças, acompanhadas de densas nuvens negras de embaraços e azares...

Eu trago mais. O canto ingrato das agonias e urucubacas, as quimeras desfeitas, o transtorno brutal, o choro convulso dos adolescentes e, de roldão, o desejo veemente de ferir a ilusão de cada um, de lesionar profundamente cada ser vivente combalido e de agredir, moralmente, aqueles gentios que caminham em busca de luz nas trilhas da paz perene.

Eu trago, ainda, os presságios escoriados da vida, os júbilos e as festanças, por menores que sejam me fazem mal. O sol da primavera me golpeia os olhos e a noite me cega os sentidos. Por essa razão, a quietude dos pântanos me agasalha os passos, a deformidade inópia do passado é o meu escudo e a indigência da exacerbação minha maior aliada.

Eu tenho, comigo, a chave para decifrar o enigma que toda humanidade busca. Por isso mesmo, sou o eterno problema da vida, a pedra nos sapatos dos estudiosos, dos jovens de todas as idades, dos namorados, dos noivos, dos velhos, das crianças. Eu desafio a inteligência dos cientistas e me faço incógnita e insondada na equação de todos os credos.

Eu me desordeno, ainda, por inteira, na linha daqueles que sonham alto demais. Na verdade, eu me desfiguro na barreira que atrapalha tanto o rico, na sua opulência, quanto o miserável na sua desdita, almejando alcançar o ponto mais alto do pódio.  Amo ser a maligna que derruba o “grande”, do seu pedestal como, em contrapartida, empurro o “pequeno”, abismo abaixo. Destruo o orgulho na sua arrogância e faço o copo trasbordar sem lhe acrescentar a gota minguada.

Eu gero a força oculta nos gestos que espalho. Nos menores trejeitos está a minha magnificência. Virei à emboscada, a artimanha, o estratagema na individualidade do conduto de cada pessoa. O buraco negro, de sete palmos de profundidade, onde todos, indistintamente, terão de cair, vencidos, implorando clemência, de joelhos, curvados aos meus anseios.  

Na cintura está, em ponto de bala, a arma engatilhada para tolher aqueles que buscam conquistar um amanhã em troca de qualquer coisa, seja a que preço for. Por conta disso, verguei à perfídia dos que não tem religião onde se agarrar. Sou os olhos dos sem fé, as mãos dos imbecis e as pernas dos sem Deus. Deveras, me resignei ao derradeiro degrau da insolência. Posso ser encontrada no início, no meio ou no fim da corrida, seja da carreira em busca de dias melhores, ou em ensaio à magia da felicidade. Alimento e me regozijo em temperar o obscuro que está por vir depois, bem ainda, o tenebroso de tudo o que ainda acontecerá num futuro próximo.

Mesmo ângulo aprisiono e encarcero os pecados. Detenho, a meus serviços, o vazio imensurável, a ponte salvadora entre Deus e o homem. Tenho guardado, a sete chaves, o suspiro final. O adeus sem volta, sem restituição, sem expectativa de ressurgir das cinzas. Coloco nos olhos dos protagonistas desta terra, as lágrimas aflitas e tormentosas da cruel e desumana saudade. Bem preservada, bem arquivada, conservo a imagem do medo, na sua forma mais obscura de temperamento e rigidez. O receio mórbido da morada após sepultura e o cheiro acre das flores perdendo o viço, fenecendo lentamente num devagar sem pressa e sem retorno vem logo a seguir.

Manipulo a bel prazer o direito nas coisas que faço. Sou a advogada que defende. A promotora que incrimina. A juíza que sentencia.  Lado igual, o carrasco que usa a sua lei perversa, para fazer da sua presa, a vítima sem direito a qualquer tipo de argumento ou compaixão. Compaixão, aqui entendida, no sentido amplo de se ver livre das minhas garras. Portanto, me viro na corda do cadafalso, onde cada pescoço indistintamente se desvencilhará do corpo... e virá para mim...

Por conclusão, sem tirar nem pôr, me ponho à gula, me arbítrio, à algema, me coto à autoridade que pesará na hora de proferir o alvedrio que executará seu passamento desta para outro andar. Vem de lambuja a maior de todas as justiças. A mais certa. A que não deixa dúvidas. Oxalá, talvez, seja por todas essas e outras tantas razões, que a medicina venha fazendo pesquisas e mais pesquisas, desde os tempos de Leviatã e Moisés, para ver se encontra, dentro de mim, a doença que me definha o espírito.  Em verdade em verdade amadas e amados compreendo e conscientizo que não tenho cura...

EU SOU A MORTE!...

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Filemon Martins (Paleta de Trovas) 14

 

Moacyr Scliar (Parada obrigatória)


Mil lugares para conhecer antes de morrer é um best-seller  mundial da americana Patricia Schulz. (23/04/2006)

Tão logo ele tomou conhecimento dos mil lugares imperdíveis no mundo decidiu: seria o primeiro brasileiro a conhecê-los todos. Homem muito rico, recursos para isso não lhe faltariam. Pretendia, inclusive, realizar esse périplo em tempo recorde, em primeiro lugar para dar à façanha ainda maior destaque e depois porque, pela idade, já não podia fazer planos a longo prazo. Assim, tudo o que faria era entrar nos lugares mencionados na obra, tirar uma foto e  seguir adiante.  

Consultou um amigo, dono de uma grande agência de turismo. Sim, era possível fazer aquilo em um ano, desde que ele alugasse um jatinho particular. O que sem demora foi feito, e assim partiu, disposto a visitar pelo menos três lugares por dia. Era difícil, mas ele o conseguiu, e assim pouco a pouco foi riscando os lugares de sua lista.  

Deixou o Brasil para o fim. Em nosso país eram cerca de 20  lugares, a maioria deles em São Paulo, cidade onde nascera e onde morava. Os amigos esperavam que ali se encerrasse a gloriosa trajetória, mas seus planos eram diferentes. Queria terminar com o Copacabana Palace, no Rio.

Havia uma razão para isso, uma razão muito especial. Anos antes ele se apaixonara por uma mulher, uma jovem e linda carioca.  Paixão tão fulminante, tão avassaladora, que decidira largar tudo, esposa, filhos, empresas e viver com a moça no Rio. Para tanto, haviam marcado um encontro no Copacabana Palace. Encontro ao qual ele não compareceu. Chegou a viajar para o Rio, e, no aeroporto, tomou um táxi para ir ao famoso hotel, mas  no meio do caminho desistiu: não, não abandonaria tudo que havia conquistado por causa de uma aventura amorosa. Retornou a São Paulo sem ir ao Copacabana Palace, que aliás nem conhecia.  

Agora, finalmente, adentraria o hotel. Não mais para uma aventura, mas para gozar seus quinze minutos de fama. Seus assessores  haviam avisado a imprensa, que lá estaria para registrar o clímax da  aventura, a chegada ao último dos mil lugares.  

Já era noite quando o jatinho pousou no aeroporto. Ele tomou  um táxi. Nervoso: já estava atrasado. E, para cúmulo do azar, havia  um congestionamento em Copacabana. Decidiu completar o trajeto  a pé, apesar das advertências do motorista.  

Já estava a uns duzentos metros do famoso prédio da Avenida  Atlântica quando o assaltante lhe apontou o revólver. Ele fez um  gesto - um gesto que queria dizer, leve tudo, mas não me retenha, tenho um encontro com o Destino -, mas foi mal interpretado: o  homem achou que ele tentava reagir e disparou.  

Caído no chão, agonizante, tinha apenas uma mágoa: havia um lugar, um único entre mil outros lugares, que ele não veria antes de morrer. O problema, concluiu antes de expirar, é que a gente não  pode ter tudo o que se quer na vida.

Fonte:
Moacyr Scliar. Histórias que os jornais não contam. Ed. Agir, 2012.

Athos Fernandes ( Caderno de Poemas) 2


DESEJO INÚTIL


Eu sinto às vezes um desejo ardente
de percorrer as ruas da cidade,
e abraçar toda a gente,
num transporte sincero de amizade!

E de estender as minhas mãos cansadas
a todos que encontrar pelo caminho.
Às almas desgraçadas,
e aos que ostentam riqueza ou pergaminho!

E de dizer aos cresos e aos mendigos,
à porta dos palácios e choupanas,
que os quero como amigos
na identidade das paixões humanas!

Mas... quem, deseja as minhas mãos vazias?
Quem as quer estreitar nas suas mãos?
Tão só nas fantasias
ricos e pobres podem ser irmãos.

Num mundo de misérias e temores,
de tão tremendas lutas sociais,
os homens sofredores
como os dedos das mãos, não são iguais!
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NO PALCO DA VIDA

Na infância as travessuras são ruidosas...
Correr, brincar, ter sonhos multicores,
ir ao pomar colher frutas cheirosas
e nas escola zombar dos professores!

Depois, a mocidade! Enfim, garbosas,
as almas vivem desejando amores,
sorrindo sempre à vida, esperançosas,
vendo em tudo no mundo lindas cores.

Por fim, quando a velhice vem chegando,
em nossos corações vão-se abrigando
a nostalgia atroz e o desengano...

Foi-se o viço das folhas tão queridas!
Vem a morte ceifando nossas vidas,
neste palco de dor - descendo o pano!
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NUNCA MAIS

Viver só por viver, sem escopo, sem mira,
vazio de ideais, indigente de beijos,
imune o coração de afeto e de desejos,
quem há que em tal estado a morte não prefira?

Apátrida do amor, pobre vate sem lira,
nuvem que não tem céu, fonte sem rumorejos,
para que serve a asa a quem não tem adejos,
de que vale a vestal a quem não tem pira?

Eis o que me restou, saudosa amada minha!
Pois que ao partir levaste as ilusões que eu tinha
deixando-me a sofrer tormentos infernais...

E a sentir, como Poe, sobre o busto de Palas,
no silêncio do quarto ou no esplendor das salas,
negro corvo augural grasnando o “Nunca mais!”
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SE QUERES SER FELIZ

Se queres ser feliz, basta-te crer somente
e a ventura virá bater à tua porta!
Quem crê supera o Mal! E o resto pouco importa,
pois só vive feliz o que feliz se sente!

O que passou, passou. Cuidemos do presente,
já que é ele tão só que agora nos conforta.
Há, por falta de fé, tanta gente morta,
tanta gente infeliz, amigo, tanta gente!...

O futuro será conforme nossa crença:
bem melhor ou pior, segundo o preparemos
pela força da fé ou pela indiferença.

E o amor também virá, - no momento propício,
na exata proporção do quanto o merecemos,
como prêmio do bem ou cruz de sacrifício.
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TEMPO-VIDA

Todos nós temos na vida
tempo certo de viver...
E a gente, despercebida,
gasta o tempo sem prever
que toda hora perdida
sem algo de bom fazer,
mais rasa torna a medida
do bem que iremos colher
na hora da despedida,
quando é tempo de morrer!

Toda esperança falida
não torna a enriquecer,
tal como a flor ressequida
não logra reverdecer;
- assim, também, nossa vida
ao que foi não volta a ser.
Mal principia a partida
já se começa a perder.
Contra o tempo, na corrida,
ninguém consegue vencer!

Se a árdua luta intimida,
é bom ninguém se esquecer
que a fé sempre dá guarida
àquele que sabe crer.
Que a virtude apetecida
é ter gana no querer,
é ser forte na descida,
é ser justo no poder.
Quem malversa o Tempo-Vida,
tempo algum merece ter.

Fonte:
Athos Fernandes. Shangri-La: Poesias. Publicado em 1979.