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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023
Aparecido Raimundo de Souza (Quase incidentes similares)
terça-feira, 21 de fevereiro de 2023
Paulo Vinheiro (A Volta que Virá)
Remexendo nos meus emails e apagando algumas atenções revi amigos de hoje e de ontem, mas nada traduz sentidos como meus papéis.
Interessante essa teoria da memória tátil. Como podem ficar sabores de há tantos anos, odores de “não me engano”, cores que não desbotam?
Neste meu mundinho que afago, com a ponta de meus dedos, vejo as fotografias e as lembranças de dias que não têm fim.
Reflito: independente da razão comprometida, no que será das gentes que veem o mundo sem sabores, nem as cores, nem odores, nem os papéis que tanto pesam.
Acho que alguns que têm substituído as páginas por imagens plasmadas em telas e eletrônica, por completo, sem chance para certas sensibilidades, podem sofrer e fazer sofrer em seus mundos, tanto interno quanto externo, de um tipo de resfriamento estranho e esquizofrênico.
Tenho, com atenção, analisado o mundo que me circunda. Meu estranhamento se dá não com o que vejo e sim de certas ausências. Nós humanos (ou quase), não nos espantamos mais, isto é, fomos convencidos a esterilizar os sentimentos superiores.
Verdadeiras obras de arte no mundo, em desvão, amontoadas em um canto, fechado, úmido e sombrio. Onde estão os nossos vinis (lps), os nossos Bergman’s, em preto-e-branco, e lindas outras coisas que se desusa… uma a uma. Saudosismo? Não, mas a busca de um lugar no lugar comum.
Volto aos meus papéis que teimam em não desvanecer.
Fecho minha gaveta.
Até breve.
Colaboração do autor. Disponível em http://paulovinheiro.blogspot.com
Celito Medeiros (Poesias Avulsas)
AMORES VÊM E VÃO
Amores, sempre vêm e vão
Uns até ficam, outros não!
Os que partem, nos faltam
Os que ficam, nos fartam!
Alguns amores machucam
Presos em mal entendidos
Lembranças que cutucam
Elos que ficaram perdidos
A dicotomia do ódio e amor
Confundida gera o lamento
Poderia até causar uma dor
Quem não desejar tormento
O coração é um controlador
Abra ou fecha no momento!
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CRIANÇA MULHER MADURA
encanto para eu reviver
ouço ainda esta balada
em todo o amanhecer
você foi a doce amada
um embalo é constante
o belo sorriso de amor
pensamento inebriante
do teu perfume de flor
nesta paz que é dividida
sou pleno na gostosura
és roteiro de minha vida
criança mulher madura
doce abrigo da guarida
é a onda que me segura
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O FOGO E A PAIXÃO
o mágico clamor
de cumplicidade
partilhar o amor
total liberdade
a grande magia
em doce afago
gosto eu trago
como a poesia
neste agrado
fogo e paixão
gosto amargo
toque de mão
mel sagrado
sem solidão
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O POETA É PORRETA
Poesia com liberdade
O pensamento traduz
Muito desta realidade
Que a escrita conduz
Todo poema é uma luz
De um lado um escritor
Na apreciação superior
Pela beleza que seduz
Versos para provocar
Acima de tudo o amor
Sempre é bom poetar
Poeta é um sonhador
Consegue até agradar
Ao mais refinado leitor
Efigênia Coutinho. 1000 Sonetos . Academia Virtual Sala de Poetas e Escritores (AVSPE).
Hergé (As Aventuras de Tintim)
As Aventuras de Tintim (Les aventures de Tintin, em francês) é o título de uma série de histórias em quadrinhos (banda desenhada, em Portugal) criada pelo autor belga Georges Prosper Remi, mais conhecido como Hergé. Localizadas em um mundo meticulosamente examinado que muito tem em comum com o nosso, As Aventuras de Tintim apresentam vários personagens em cenários distintos. As séries foram as favoritas dos leitores e também dos críticos por mais de 70 anos.
O herói das séries é o personagem epônimo Tintim, um jovem repórter e viajante belga. Ele é auxiliado em suas aventuras desde o começo por seu fiel cão Milu (Milou, em francês). Os dois apareceram pela primeira vez em 10 de janeiro de 1929, no Le Petit Vingtième, um suplemento do jornal Le Vingtième Siècle destinado aos jovens. Mais tarde, o elenco foi expandido com a adição do Capitão Haddock e outros personagens pitorescos.
Esta série de sucesso era publicada em semanários e, ao término de cada história, os quadrinhos eram reunidos em livros (23 no total, em 2008). Ela ganhou uma revista própria de grande tiragem (Le Journal de Tintin) e foi adaptada para versões animadas, para o teatro e para o cinema. As séries são uma das histórias em quadrinhos europeias mais populares do século XX, sendo traduzidas para mais de 50 línguas e tendo mais de 200 milhões de cópias vendidas.
As séries de histórias em quadrinhos são há muito admiradas pelos desenhos claros e expressivos, com o estilo “ligne claire”, típico de Hergé. O autor emprega enredos bem elaborados de gêneros variados: aventuras com elementos de fantasia; mistério; espionagem; e ficção científica. As histórias nas séries de Tintim caracterizam-se tradicionalmente pelo humor em cenas de atividade, o que equivale em álbuns posteriores à sofisticada sátira e comentários político-culturais.
Descrição
Tintim é apresentado como um repórter: Hergé usa tal artifício para apresentar o personagem numa série de aventuras ambientadas em períodos contemporâneos àquele em que ele estava trabalhando (mais notavelmente, a insurreição bolchevique na Rússia e na Segunda Guerra Mundial e a alunissagem). Hergé criou também um mundo de Tintim, que conseguiu reduzir a um simples detalhe, mas reconhecível e com representação realista, um efeito que Hergé foi capaz de alcançar com referência a um bem mantido arquivo de imagens.
Apesar de as Aventuras de Tintim serem padronizadas – apresentando um mistério, que é, então, logicamente resolvido – Hergé encheu-as com o seu próprio senso de humor, e criou personagens de apoio que, embora sejam previsíveis, apresentaram-se com um certo encanto que permitiu ao leitor se engajar com eles. Esta fórmula de uma confortável e bem–humorada previsibilidade é semelhante a da apresentação do elenco na tira Peanuts ou em Three Stooges Hergé também teve um grande entendimento da mecânica dos quadrinhos, especialmente de seu andamento, uma habilidade demonstrada em As Joias de Castafiore, um trabalho que pretende ser envolvido com a tensão de que nada realmente acontece.
Hergé inicialmente improvisou na criação das aventuras de Tintim, exceto como Tintim iria escapar de qualquer situação que aparecia. Somente após a conclusão de Os Charutos do Faraó, Hergé foi incentivado a reformular e a planejar suas histórias. O impulso veio de Zhang Chongren, um estudante chinês que, sabendo que Hergé iria mandar Tintim à China na sua próxima aventura, instou–o a evitar que perpetuassem a visão que europeus tinham da China no momento. Hergé e Zhang trabalharam juntos na série seguinte, O Lótus Azul, que foi citado pelos críticos como a primeira obra-prima de Hergé.
Outras alterações à mecânica de Hergè criar as tiras se deram a partir de influências por parte de acontecimentos externos. A Segunda Guerra Mundial e a invasão da Bélgica pelos exércitos de Hitler determinaram o encerramento do jornal no qual Tintim era republicado. Os trabalhos foram interrompidos em Tintim no País do Ouro Negro, e os já publicados Tintim na América e A Ilha Negra foram proibidas pela censura nazista, que não concordou com sua apresentação da América e da Grã-Bretanha. No entanto, Hergé foi capaz de continuar com As Aventuras Tintim, publicando quatro livros e relançando mais duas aventuras no Le Soir, jornal licenciado pelos alemães.
Durante e após a ocupação alemã, Hergé foi acusado de ser um colaborador, por causa do controle nazista do jornal, sendo detido brevemente após a guerra. Alegou que estava simplesmente realizando um trabalho sob a ocupação, como um canalizador ou carpinteiro. Sua obra desse período, ao contrário do seu trabalho anterior e posterior, é politicamente neutra e resultou nas aventuras histórias clássicas, como O Segredo do Licorne e O Tesouro de Rackham o Terrível, mas a apocalíptica A Estrela Misteriosa reflete o sentimento de Hergé durante esse período político incerto.
A escassez do papel no pós-guerra exigiu mudanças no formato dos livros. Hergé geralmente desenvolvia suas histórias de forma que o tamanho fosse adequado à história, mas agora com o papel de dimensão reduzida, os editores Casterman pediram a Hergé para ele considerar a utilização de menores dimensões e adotar um tamanho estipulado de 62 páginas. Hergé continuou e aumentou sua equipe (os dez primeiros livros foram feitos por ele e sua esposa), surgindo assim os Studios Hergé.
A adoção de cor permitiu que Hergé expandisse o alcance das suas obras. Sua utilização da cor era mais avançada do que a dos quadrinhos norte-americanos da época, com valores que permitiam uma melhor combinação das quatro impressões tons e, consequentemente, uma abordagem cinematográfica em relação à iluminação e sombreamento. Hergé e seu estúdio permitiriam que as imagens enchessem meia página ou, mais simplesmente, mostrassem detalhadamente e acentuassem a cena, usando cores para realçar pontos importantes. Hergé cita este fato, declarando que “Considero minhas histórias como se fossem filmes. Sem narração, sem descrições, a ênfase é dada às imagens.” A vida pessoal de Hergé também afetou a série, com Tintim no Tibete sendo fortemente influenciada pelo seu colapso nervoso. Seus pesadelos, descritos por ele como sendo “todos em branco”, se refletem em paisagens cheias de neve. O enredo tem Tintim patinando em busca de Tchang Chong-Chen, previamente encontrado em O Lótus Azul, e a peça não tem vilões e uma pequena lição de moral, com Hergé até se recusando a se referir ao Homem das Neves do Himalaia como “abominável”.
A conclusão das aventuras de Tintim ficou incompleta. Hergé morreu em 3 de março de 1983 e deixou a 24ª aventura, Tintim e a Alph-Art, inacabada. O enredo viu Tintim embrenhar-se no mundo da arte moderna, e a história é interrompida no momento em que Tintim está aparentemente prestes a ser assassinado para ser transformado em uma estátua de acrílico a ser vendida.
Personagens:
Tintim
Tintim é um jovem repórter que se envolve em casos perigosos e realiza ações heroicas para salvar o dia. Quase todas as aventuras retratam Tintim trabalhando, empenhado em suas investigações jornalísticas. Ele é um jovem de atitudes mais ou menos neutras e é menos pitoresco que o elenco secundário.
Milu
Milu é um cão terrier branco, o companheiro de Tintim. Eles regularmente salvam um ao outro de situações perigosas. Milu frequentemente “fala” com o leitor por meio de seus pensamentos (muitas vezes mostrando um humor um tanto seco), que supostamente não são ouvidos pelos personagens da história.
Como o Capitão Haddock, Milu tem gosto pelo uísque Loch Lomond, e suas ocasionais “bebedeiras” tendem a colocá-lo em problemas, assim como sua intensa aracnofobia. O nome francês “Milou” foi largamente atribuído como uma referência indireta a uma namorada da juventude de Hergé, Marie-Louise Van Cutsem, que tinha o apelido de “Milou”.
Existe outra explicação para as origens dos dois personagens. Foi afirmado que Robert Sexé, um fotógrafo-repórter, cujas proezas eram recordadas na imprensa belga entre a metade e o fim da década de 1920, foi uma inspiração para o personagem Tintim. Sexé tinha notadamente uma aparência similar a de Tintim, e a Fundação Hergé na Bélgica admitiu que não é difícil imaginar como Hergé poderia ter sido influenciado pelas proezas de Sexé. Naquele tempo, Sexé estivera viajando pelo mundo em uma motocicleta feita por Gillet de Herstal.
René Milhoux era um campeão do Grand-Prix e detinha o recorde de motocicleta da época, e, em 1928, enquanto Sexé estava em Herstal falando com Leon Gillet sobre seus projetos futuros, o Sr. Gillet o colocou em contato com seu novo campeão, Milhoux, que acabara de deixar motocicletas prontas para Gillet de Herstal. Os dois rapidamente iniciaram uma amizade, e passavam horas falando sobre motocicletas e viagens; Sexé explicando suas dificuldades e Milhoux oferecendo seu conhecimento sobre mecânica e motocicletas pequenas trabalhando acima de seus limites. Graças a essa união de conhecimento e experiência, Sexé partiria em numerosas viagens por todo o mundo, escrevendo incontáveis relatos jornalísticos. O secretário geral da Fundação Hergé na Bélgica admitiu que não é difícil imaginar como o jovem George Rémi, mais conhecido como Hergé, poderia ter sido inspirado pelas bem publicadas proezas desses dois amigos, Sexé com suas viagens e documentários, e Milhoux com seus triunfantes registros, para criar os personagens de Tintim, o famoso repórter viajante, e seu fiel companheiro Milu.
Capitão Archibald Haddock
Capitão Archibald Haddock, um capitão navegador de origem discutível (pode ser de origem inglesa, francesa ou belga), é o melhor amigo de Tintim, e foi introduzido em O Caranguejo das Tenazes de Ouro. Haddock foi inicialmente descrito como um personagem fraco e alcoólatra, tendo mais tarde, porém, se tornado mais respeitável. Ele evoluiu para se tornar genuinamente heroico e até mesmo da alta sociedade, depois de encontrar um tesouro de seu ancestral Sir Francis Haddock (François de Hadoque em francês), no episódio O Tesouro de Rackham o Terrível. A natureza rude do capitão e seu sarcasmo representam uma contradição ao frequente e improvável heroísmo de Tintim; ele sempre rompe com um comentário seco ou satírico quando o repórter parece demasiado idealista. O Capitão Haddock vive em sua luxuosa mansão chamada Moulinsart.
Haddock usa uma série de pitorescos insultos e maldições para expressar seus sentimentos: “com mil milhões de mil macacos”, “com mil raios e trovões”, “trogloditas”, “cleptomaníaco”, “anacoluto”, “iconoclasta”, mas nada que seja realmente considerado uma grosseria. Haddock é um beberrão, particularmente chegado ao uísque Loch Lomond, e sua embriaguez é frequentemente usada para propósitos cômicos.
Hergé afirmou que o sobrenome de Haddock deriva-se de um “peixe inglês triste que bebe muito”. Haddock permaneceu sem um nome próprio até a última história completa, Tintim e os Tímpanos (1976), quando o nome Archibald foi sugerido.
Personagens secundários
Os personagens secundários de Hergé já foram mencionados como muito mais desenvolvidos que os principais, cada um imbuído de força de temperamento e personalidade que se comparam aos personagens de Charles Dickens. Hergé usava os personagens secundários para criar um mundo realista onde colocar os protagonistas das aventuras. Para mais realismo e continuidade, os personagens voltariam às séries. Foi conjeturado que a ocupação da Bélgica e as restrições impostas a Hergé forçaram-no a focar-se na caracterização para evitar o surgimento de situações políticas incômodas. A maior parte dos personagens secundários foi desenvolvida nesse período.
Dupond e Dupont
São dois detetives desajeitados que, mesmo não tendo nenhum parentesco, parecem ser gêmeos, tendo uma única diferença física: a forma de seus bigodes. Eles muito contribuem no humor da série, devido às suas antístrofes* e incompetência. Os detetives foram, em parte, baseados no pai e no tio de Hergé, gêmeos idênticos.
Trifólio Girassol
O Professor Trifólio Girassol é um cientista quase surdo, que entende e age diante de tudo de maneira equivocada como resultado de sua deficiência auditiva. É um personagem menor mas que aparece regularmente nas aventuras de Tintim. Estreou em O Tesouro de Rackham o Terrível, sendo baseado, parcialmente, em Auguste Piccard.
Bianca Castafiore
Bianca Castafiore é uma cantora de ópera, a quem o capitão Haddock absolutamente despreza. Contudo, ela constantemente aparece de súbito onde quer que eles estivessem, junto com sua criada Irma e o pianista Igor Wagner. Seu nome significa “flor branca e pura”, algo que o Professor Girassol entende quando oferece uma rosa branca à cantora pela qual é secretamente apaixonado em As Jóias de Castafiore. Ela foi baseada nas grandes cantoras de ópera em geral (de acordo com a percepção de Hergé), na tia de Hergé’s, Ninie, e, no pós-guerra, em Maria Callas.
Outros pesonagens secundários: o General Alcazar, um ditador sul-americano; Mohammed Ben Kalish Ezab, um emir, e seu filho Abdallah; Serafim Lampião, um vendedor de seguros; Tchang Chong-Chen, um menino chinês; o Doutor J.W. Müller, um maléfico médico alemão; Nestor, o mordomo; Roberto Rastapopoulos, o responsável pelos crimes; Oliveira da Figueira; o Coronel Sponsz; Piotr Szut; Allan Thompson; além do açougue Sanzot, que é um local recorrente na série.
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* Antístrofe = figura baseada nas diferenças de sentido que resultam da associação das mesmas palavras em um mesmo tipo de construção sintática, invertendo-se-lhes a ordem.
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Críticas
Muito se tem escrito sobre a ideologia da série. A obra é objeto de polêmica, em grande parte graças à contínua reedição das aventuras, que foram concebidas há muitos anos, em um contexto inteiramente diferente. Já se acusou Hergé de propagar em seus álbuns violência, crueldade para com os animais, pontos de vista colonialistas, racistas e até mesmo fascistas; foi acusado também de suposta misoginia, dado que quase não aparecem mulheres na série. Essas acusações se referem apenas a aspectos pontuais da série, não podendo-se dizer que sejam pontos de vista predominantes da série. Nesse sentido, há uma certa “lenda negra” de Tintim, devido ao fato de Hergé ter publicado algumas histórias em um jornal aprovado por nazistas, o Le Soir, durante a ocupação alemã na Bélgica.
Ainda que a Fundação Hergé tenha tomado tais acusações por ingenuidade do autor, e que certos pesquisadores como Harry Thompson afirmem que “Hergé fazia o que lhe dizia o abade Wallez (o diretor do jornal)”, o próprio quadrinista sentia que, visto suas origens sociais, não poderia escapar de preconceitos: “Ao conceber Tintim no Congo e Tintim no País dos Sovietes, estava sustentado por preconceitos do meio burguês no qual vivia. (…) Se tivesse de refazê-los, refazer-los-ia de outro modo, certamente.”
Em Tintim no País dos Sovietes, os bolcheviques são descritos como personagens maléficos. Hergé se inspirou num livro de Joseph Douillet, antigo cônsul da Bélgica na Rússia, Moscou sans voile, que era extremamente crítico ao regime soviético. Hergé inseriu isto no contexto afirmando que para a Bélgica da época, uma nação devota e católica, “tudo o que fosse bolchevique era ateu”. No álbum, os chefes bolcheviques são motivados apenas por interesses pessoais, e Tintim descobre, enterrado, “o tesouro escondido de Lênin e Trotsky”. Mais tarde, Hergé assimilou os defeitos desses primeiros álbuns a “um erro de minha mocidade”. Mas hoje, parte de sua maneira de representar a URSS da época pode ser considerada aceitável. Em 1999, o jornal The Economist publicou que “retrospectivamente, a terra da fome e da tirania desenhada por Hergé estavam estranhamente corretas”.
Tintim no Congo foi acusado de representar os africanos como seres ingênuos e primitivos. Na primeira versão do álbum, em preto-e-branco, vemos Tintim diante de uma lousa dando aula a crianças africanas. “Meus caros amigos”, diz ele, “hoje, vou lhes falar de sua pátria: a Bélgica”. Em 1946, Hergé redesenhou o álbum, transformando esta cena numa aula de matemática. “Sobre o Congo, eu conhecia apenas o que contavam na época: ‘os negros são como grandes crianças, sorte deles estarmos lá!’, etc. E desenhei os africanos de acordo com estes critérios, no mais puro espírito paternalista, que era o da época na Bélgica”, explicou-se Hergé.
Em 1988, no jornal britânico Mail on Sunday, Sue Buswell resumiu os problemas evidenciados nesse álbum: “lábios grossos e pilhas de animais mortos”, em referência à maneira como foram desenhados os africanos e aos animais que Tintim caça (atividade muito em voga na época em que o álbum foi feito). Todavia, Harry Thompson nota que tal citação pode ter sido tomada “fora de seu contexto”.
Transpondo uma cena de Les Silences du Colonel Bramble, livro de André Maurois, Hergé apresenta Tintim como um caçador, abatendo quinze antílopes, sendo que apenas um já seria o bastante para se alimentar. O grande número de animais mortos ao longo da história levou o editor dinamarquês dos álbuns Tintim a exigir algumas modificações. Hergé teve de substituir uma cena em que Tintim faz um furo no dorso de um rinoceronte para depositar uma dinamite e explodir o animal.
Em 2007, a Comissão pela Igualdade Racial (Commission for Racial Equality), órgão britânico, exigiu que o álbum fosse retirado das prateleiras de livrarias após uma reclamação, afirmando ser “triste saber que haja ainda hoje livreiros que aceitem vender e divulgar Tintim no Congo”. Em 23 de julho de 2007, um estudante congolês fez uma queixa em Bruxelas, capital da Bélgica, na qual considera a obra um insulto para o seu povo. O caso é investigado, mas o Centro para a Igualdade de Oportunidades e Combate ao Racismo (Centre pour l’égalité des chances et la lutte contre le racisme, instituição belga), advertiu que não se tome uma “atitude hiper-politicamente correta”.
Vários dos primeiros álbuns de Tintim foram alterados por Hergé em edições subsequentes, geralmente a pedido das editoras. Em Tintim na América, por exemplo, os traços caricatos dos personagens negros foram redesenhados como sendo brancos ou de etnia indefinida, incitado pelos editores americanos. Em a Estrela Misteriosa, um vilão americano tinha originalmente o sobrenome judeu Blumenstein. Isto era controverso, tanto que o personagem tinha exatamente o aspecto estereotipado de um judeu. Blumenstein foi alterado para Bohlwinkel, sobrenome menos etnicamente específico. Em edições posteriores, o personagem foi novamente alterado, desta vez para sul-americano, de um país ficcional chamado São Rico. Mais tarde, Hergé descobriria que Bohlwinkel também é um sobrenome judeu.
Outro álbum apontado como racista é Perdidos no Mar (também conhecido como Carvão no Porão), de 1958. Ainda que a história seja uma denúncia da escravidão, na qual Tintim e Haddock defendem claramente os mais fracos, um artigo publicado em 1962 na revista Jeune Afrique criticou duramente a representação dos africanos, especialmente a forma de falarem. Hergé rebateu as críticas e, em 1967, reescreveu alguns diálogos.
A ideia do fascismo da série pode estar relacionada à atitude do autor na época da Segunda Guerra e ao seu vínculo inicial com o abade Norbert Wallez, homem de extrema-direita e anticomunista assumido. Vale notar que os álbuns publicados durante a guerra são histórias nas quais não há nenhuma alusão política.
Álbuns como O Cetro de Ottokar, de 1939, desmentem a suposta simpatia de Hergé pelo fascismo. Nessa história, há críticas evidentes à política expansionista de Hitler. “Creio que todos os totalitarismos são nefastos, sejam eles de direita ou de esquerda.” disse o autor.
Hergé jamais negou suas ideias conservadoras. Talvez por esse motivo, Tintim seja a favor da ordem estabelecida, o que não o impede de dar atenção aos menos favorecidos, e, em muitas ocasiões, tomar o partido destes. Ao longo de suas viagens, Tintim demonstra um verdadeiro interesse e respeito pelas culturas não europeias, o que se manifesta também na vontade de Hergé pesquisar meticulosamente para a realização dos álbuns.
Influências
Na sua juventude, Hergé era um grande admirador de Benjamin Rabier, e esta influência manifestou-se, principalmente, numa série de imagens em Tintim no País dos Sovietes, em particular as imagens dos animais, sugeridas por Hergé. René Vincent, o ilustrador art-deco, também influenciou no início das aventuras de Tintim: “A influência pode ser detectada no início dos soviéticos, onde meus desenhos são projetados ao longo de uma linha decorativa, como um ‘S’…”. Hergé admitiu que havia roubado uma parte do trabalho de George McManus, afirmando que estavam “tão divertidos, que utilizei-os, sem escrúpulos!”.
Durante a pesquisa extensiva que realizou para escrever O Lótus Azul, Hergé foi influenciado pelos estilos ilustrativos e xilogravura chineses e japoneses. Isso é especialmente notável na paisagem marítima, que é similar ao trabalhos de Katsushika Hokusai e de Hiroshige.
Hergé também afirmou que Mark Twain foi uma influência, embora sua admiração possa tê-lo levado a desviar-se quando representou os incas como não tendo nenhum conhecimento do eclipse vindouro em O Templo do Sol, um erro atribuído por T.F. Mills como uma tentativa para retratar “incas em pavor aos tempos modernos (Um Ianque na Corte do Rei Artur, de Mark Twain)”.
Selos
A imagem de Tintim foi usada em selos postais em numerosas ocasiões, o primeiro emitido pelo Belgian Post em 1979 para celebrar o dia da filatelia. Esta foi a primeira de uma série de selos com as imagens dos quadrinhos de heróis belgas, sendo o primeiro selo do mundo a ter um herói dos quadrinhos.
Em 1999, a Royal Dutch Post lançou dois selos, em 8 de outubro de 1999, baseados na aventura Rumo à Lua, com os selos vendidos totalmente poucas horas após o seu lançamento. Os correios franceses, em seguida, emitiram um selo de Tintim e Milu em 2001. Para marcar o fim do franco belga, e também para comemorar o aniversário da publicação Tintim no Congo, mais dois selos foram emitidos pelo Belgian Post em 31 de dezembro de 2001. Os selos também foram emitidos no Congo, ao mesmo tempo.
Prêmios
Em 1° de junho de 2006, o Dalai Lama condecorou com o prêmio Luz da Verdade o personagem, juntamente com o arcebispo sul-africano Desmond Tutu. O prêmio foi em reconhecimento ao trabalho de Hergé no livro Tintim no Tibete.
Em 2001, a Fundação Hergé exigiu a retirada da tradução chinesa da obra, que havia sido lançada com o título Tintim no Tibete Chinês. O trabalho foi publicado depois com a tradução correta.
http://pt.wikipedia.org/wiki/As_Aventuras_de_Tintim
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023
Machado de Assis (Um Apólogo)
Quadras de Autores Desconhecidos
Dorothy Jansson Moretti (Uma Historinha bem Antiga)
O Cambuci era balzaqueano (se posso usar essa palavra), pois o bairro tinha ainda trinta anos, na época em que se passa este fato.
domingo, 19 de fevereiro de 2023
Humberto de Campos (Elas...)
- Isto é certo? - indagou a rapariga, estendendo-lhe um jornal com a mão esquerda, enquanto atirava para uma cadeira, com a direita, o seu lindo chapéu de palha da Itália, florido como uma campina pela primavera.
A notícia do jornal era, nada mais, nada menos, do que o noivado do ilustre bacharel com uma senhorita de família distintíssima, chegada recentemente de São Paulo. Sem tocar na folha que a amante lhe estendia, o rapaz respondeu, simplesmente, acendendo um cigarro:
- É.
Essa resposta fria, seca, brutal, desnorteara Suzete. Aquela afirmativa, embora esperada, fora, para ela, um golpe no coração. Fulminada por esse monossílabo, a rapariga segurou-se ao espelho da cama, para não cair. De súbito, porém, subiu-lhe ao rosto uma onda de sangue, e foi vermelha, rubra de cólera, com os olhos brilhantes e os dentes cerrados, que ela, amassando na mão o jornal, rugiu, num desespero de leoa ferida:
- São assim, os homens! Nascem, dizem eles, para o amor, para sorverem, altivos e alegres, todos os gozos da vida. Encontram no seu caminho uma mulher cheia do mesmo sentimento, disposta a conceder-lhes tudo, tudo, tudo, para que eles experimentem, até o êxtase, a glória de viver. Com a alma ardente, ela entrega-se a eles; dando-lhes venturas que eles nunca sonharam, oferecendo-lhes a taça do prazer, da alegria, da felicidade livre, para que a esvaziem, até o último gole. E, no entanto, eles têm vergonha, têm nojo, têm asco dessa mulher, preferindo, a ela, que não esconde os ardores do seu sangue nem os ímpetos do seu coração, a mulher-mentira, a mulher-falsidade, a mulher-simulação, que lhes não entrega nem a alma, nem o corpo, em obediência, unicamente, a preconceitos, a exigências sociais! À mulher que afronta a sociedade, fiel ao seu temperamento preferem eles, covardes diante do mundo, aquelas que não têm coragem para vencer, para atirar longe, em nome do seu amor, a grilheta das conveniências!...
Cabisbaixo, olhos pregados no tapete semeado de flores de seda, o rapaz ouvia, sem um protesto, a explosão daquele cofre de jóias malditas, daquela criatura venenosa, mas admirável, que o guiava, há três anos, pelo complexo labirinto da vida boêmia. E a rapariga continuava a andar, agitada, de um lado para outro do compartimento, passando, nervosa, as mãos finas, alvas, esguias, pelos finos cabelos dourados:
- É bom, mesmo, que eu seja punida. A virtude, para os homens, é a falsidade, é a simulação, é a mentira. Eles não sabem que o amor é incompatível com o pudor, com o receio, com o respeito às convenções, e que ele está, só ele, acima da vida e acima da morte!
E, numa onda de soluços mal sufocados, crispando os dedos:
- Infelizes! Buscam o amor, e onde o encontram, puro e selvagem, fogem dele! Procuram a sinceridade, a lealdade feminina, a mulher que não mente, nem com a sua boca, nem com o seu coração, nem com a sua carne, e, quando querem amparar diante da lei uma criatura, vão buscar aquela que menos conhecem, sem imaginar que a timidez é, nas mulheres, um cálculo, e sem se lembrarem que as mulheres que amam não calculam nem pensam!...
Arrebatada pelas próprias palavras, Suzete limpou os olhos no lencinho de seda, já ensopado de lágrimas, e, na mesma agitação, tomou o chapéu, disposta a partir.
- É a última vez, sabes? Nunca mais me verás no teu caminho. Adeus!
E ia já no rumo da porta, quando ouviu uma voz, que era um gemido:
- Suzete!...
A rapariga voltou-se, imperativa. Sentado na cama, com o rosto molhado de pranto, o rapaz a fitava, olhos implorantes, braços estendidos. Ela fixou-o, severa, e ouviu, então, esta súplica, ou, melhor, este soluço, que era uma capitulação para a vida e para a morte:
- Suzete... Fica!...
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.
Professor Garcia (Reflexões em Trovas) 19
Ainda senti a fragrância
do suor da primavera,
e o cheiro de minha infância
sobre as cinzas da tapera!
= = = = = = = = =
A lua, sobre a cascata,
beijando as águas, decreta
que a noite, é de serenata,
dos bandolins, do poeta!
= = = = = = = = =
A música que conforta,
que cura mágoas e dor...
às vezes, também transporta
falsas promessas de amor!
= = = = = = = = =
A natureza distinta
cora pinceladas extremas,
ao por do sol, põe mais tinta
de saudade, em meus poemas!
= = = = = = = = =
Ao ver na poça uma lua,
olho o céu, paro e medito,
aos pés da poça da rua,
fotografando o infinito!
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A saudade e a solidão,
em nada são desiguais.
São feras sem coração
e sem doçura em seus ais!
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Crê nos reveses da vida,
não nas promessas servis;
que a ambição vive escondida
por trás de falsos perfis!
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Da ternura, peregrinas;
do amor, grandes construtoras...
As mães, também são divinas,
mesmo sendo pecadoras!
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Enquanto há mãos escondidas,
fechadas entre os irmãos...
Há muitas mãos excluídas
à procura de outras mãos!
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Ergue o braço, estende a mão,
acolhe os mais oprimidos,
que Deus inclui na inclusão,
quem acolhe os excluídos!
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Eu sei que no amor se exprime,
do choro ao canto da fonte;
mas o amor é mais sublime
no regaço do horizonte!
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Lembrando canções antigas,
de volta ao meu velho chão...
Vi muitas sombras amigas
na orquestra da solidão!
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Mãe preta, de olhar sem brilho,
presa às algemas, no chão...
Dava o leite de seu filho
aos filhos do seu patrão!
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Medindo as forças, parece
por mais que eu possa supor,
que igual a força da prece
só mesmo a força do amor!
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Mesmo nas horas mais graves,
quando em silêncio, eu medito...
Ouço os conselhos suaves
das confissões do infinito!
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Na dor da mãe, tão sofrida,
ao ver o filho, eu confesso,
ter visto a dor da partida
pelo abraço do regresso!
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Não se curve ante o cansaço
das horas do entardecer!...
Espera o novo regaço
da aurora que vai nascer!
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Nas cinzas de uma coivara,
que gesto de amor sublime;
Uma flor da cor mais rara,
perfuma as mãos desse crime!
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Nossa trova se assemelha,
seja aqui, seja onde for...
a nossa Rosa Vermelha,
símbolo eterno do amor!
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Ó, velho mar, quem vós sois?
eu percebo em vossos ais,
que o entardecer de nós dois,
tem sentimentos iguais!
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Por não temer nada disso,
vim descobrir bem depois,
cigana, que teu feitiço
pôs mais feitiço em nós dois!
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Quem me dera que essa voz
que escuto, mesmo à distância,
fosse do amor, que entre nós,
vem desde do tempo da infância!
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Se a solidão, eu descarto
e, entre os véus da noite avança,
apago a luz do meu quarto
e acendo a luz da esperança!
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Se ofertas flores, se ofertas,
a quem te fere e magoa,
tu terás portas abertas,
no Reino de quem perdoa!
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Um livro velho, sem cor,
mudo, num canto da sala,
guarda um bilhete de amor
que de nós dois, tudo fala!
Enviado pelo trovador: Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.
Fernando Campanella (Conversa de Compadres)
Seu sítio era o que mais prosperava nas redondezas. Possuía tal homem uma azenha, onde transformava o milho em fubá ou quirera. A ele recorriam os sitiantes do lugar, trazendo parte de sua safra de milho para a troca com a farinha ou o fubá. E o Sr. Bastião sempre lucrava, o que os vizinhos levavam era três vezes menos o que traziam.
Se era hora do café, às crianças, cujos pais até seu sítio chegavam para uma visita, de amizade ou a negócio, era dada apenas a metade de um bolinho de chuva que a esposa fazia; se hora do almoço, uma lasquinha cozida do imenso castrado que abatera…Tudo calculado, medido, regulado.
Seus cavalos eram os mais belos e mais possantes, seu milharal o mais viçoso, seu gado o mais gordo da região.
Conta-se , também, que Bastião Medonho era um caloteiro de primeira, mau pagador, embora houvesse amealhado uma pequena fortuna, que esquentava o único banco da pequena Santana de Caldas. Acertava suas dívidas só quando não havia mais jeito e pesava contra ele a ameaça de um processo na comarca da região.
Ora, havia um compadre seu, o Sr. Maneco da Lua, um homem de caráter íntegro, pródigo, uma ‘candura de pessoa’ , como se dizia por lá. Conheciam-se os dois desde que nasceram. Brincaram juntos, as famílias tinham um laço de compadrio que remontava há várias gerações, embora morassem distantes.
Acontece que, certa vez, o Sr. Maneco vendera um belo cavalo para o compadre Bastião, sem documento assinado, na base da mais pura confiança, da amizade que os unia desde o berço. E nunca recebeu o dinheiro da transação. Também nunca cobrou: o Bastião era ‘cumpadi’, amigo dos ‘bão’ um ‘irmãu’. E se o companheiro não pagava era porque devia estar em situação ‘das pior’, como este sempre lhe dizia, chorando as mágoas, prometendo saldar a dívida logo que se recuperasse.
O tempo passou e Bastião nunca mais deu as caras no sítio do compadre, mais por safadeza que por vergonha de encarar o bobo do compadre.
O Sr. Maneco não era mesmo um homem deste mundo. Colocava os valores do sentimento acima de tudo, a fidelidade, a integridade eram seus bens maiores, embora fosse constantemente acusado de ingenuidade pela esposa e familiares.
E certa feita, em regresso de uma viagem de vários dias, Bastião passou em um armarinho de Santana para a compra de alguma peça de vestuário. E viu que lá estava o Maneco. Tentou disfarçar, evitar o encontro, um certo mal-estar lhe gelando as veias como se houvesse enxergado um fantasma. Mas o bom compadre dele se aproximou, em sua aura de cordialidade, sempre discreto em sua elegância, o chapéu bem limpo, os óculos, a calça mais curta, deixando ver as botas sem meia, o embornalzinho a tiracolo.
– Salvi, Cumpadi Bastião. Comu tem passado a famia? E ocê, irmãu, já tá melhozinho lá nu sítiu? Miorô as coisa por lá?
– Vigi, cumpadi, a situação tá ruim, mais tá ruim… tô penano dimais, doença no gado, praga no milhu, perdi tudinhu, Deus tenha dó….
E continuou a ladainha, tentando despertar piedade no amigo, evitando tocar no assunto da dívida contraída.
Porém, o Maneco também nem referência a tal dívida fez. Só lembrou para o Bastião os bons tempos em que nadavam nas enchentes, lá no Lava-Cavalos, bons tempos da infância em comum dos dois. E despediu-se assim como viera, uma leveza de espírito, quase um sopro de candura. Uma luz calma que de repente alumia e esvaece.
Meio encolhido pela grandeza do amigo, disse então Bastião ao dono da loja -Bom sujeitinhu este Manequinhu – Pareci até um espíritu di tão levezinhu …. E riu, meio a contragosto.
– O senhor tá bem? – perguntou o proprietário do armarinho. – Tava falando sozinhu… Tá passandu bem?
– Tava proseanu aqui com meu Cumpadi, ora, o Maneco da Lua, irmão dos báum…..
– O Sô Maneco lá da Juruaia? – indagou o dono da loja, espantado?
– Sim, meu cumpadi….
– Ele faleceu esta manhãzinha … O corpo tá lá na igreja agora…
Diz a lenda que Bastião, após confirmar falecimento do compadre pelo anúncio da igreja, se arrepiou dos fios do cabelo às unhas do pé, e disparou da loja, como se o Maldito, o Coisa-ruim, a Besta-de-Barba-de-Bode, o tivesse atacado.
Seu sítio foi vendido, a família dali se foi. De Bastião Medonho não mais se ouviu falar.
Se honrou as dívidas, se continuou medonho, não se sabe…Se morreu ninguém sentiu.
Palavreares. Acesso em 13 novembro 2011.
Aparecido Raimundo de Souza (Cotidiano número um)
DURANTE TODA A MINHA VIDA, nunca pensei confesso, nunca me passou pela cachola, sinceramente falando, que um dia fosse me cansar. E pior, cansar de viver. Hoje, aos sessenta e nove, compreendo, a gente se cansa sim, de tudo. De todos. Se melindra, se farta, se enraivece, se desgasta, com bobagens, a ponto de se incomodar com uma coisa banal procurada ao acaso, tipo (uma caneta, uma camisa, um par de meias) que por algum motivo não estava no lugar onde deveria ser encontrada.
De tudo é possível se cansar. Mas, de viver, de viver é quase surreal, inimaginável e, de certa forma, desatinadamente insano. Fui pego para Cristo. Aconteceu comigo. Talvez um dia, não sei, idêntico fato ocorra com alguém do meu convívio. Cansar de viver. Cansar de estar sem fazer nada, é a mesma coisa que viver, ou melhor, vegetar num lugar distante como num útero acolhedor. Viver é como estar respirando por obrigação, por dever de ofício.
É levar uma vida estranha, imprópria, misteriosa, uma existência que não era minha, como se, em algum lugar do passado, eu a tivesse roubado de alguém. Geralmente a gente se sente fatigado e exausto, pelo árduo rotineiro do trabalho, de pegar a condução com pessoas saindo pelo ladrão, de criaturas sobrecarregadas, tanto para ir, como para voltar, de segunda a sexta, trezentos e sessenta e cinco dias por ano.
Rotina estressante, é bem verdade. Todavia, se contínua, se avança, se desembesta, segue em frente, aos trancos e barrancos, sem parar, sem dar tréguas. A gente se aperreia dos elos que nos une. Nosso ser se agasta da casa, se desgosta da mulher, se enerva com os filhos, se entoja dos problemas que eles arranjam na escola, com os coleguinhas.
A certa altura da corrida contra o tempo, bate uma fadiga de todo santo dia ver as mesmas caras, os mesmos amigos. Aborrece parar no boteco da esquina, de almoçar sempre no restaurante mantido pela empresa... igual mesa, idêntico prato de comida, mesma garçonete (apesar da sainha curta que ela usa e do rostinho com um sorriso encantador).
Dá uma leseira mórbida dos companheiros que recontam as velhas e surradas piadas ou, expõem, incansavelmente, as tarefas postas sob as suas responsabilidades. A gente se abomba (1) dos parentes, dos irmãos chatos, das brincadeiras sem graça e repetitivas, das fofocas, do quadro sistêmico que não se altera nunca.
A gente procura se esquivar da mediocridade que carregamos para baixo e para cima, como um fardo extremamente pesado e danoso à saúde. A gente se esfalfa (2) de olhar sempre pela mesma janela, ver a rua, respirar as casas, dar bom dia ou boa noite aos vizinhos, e as vistas miúdas pelo contemplar do mesmo quintal, os mesmos vasos de plantas, o mesmo lixo acumulado produzindo moscas a bel prazer na calçada suja da rua.
Na garagem o possante dos tempos do ronca. A lata velha caindo aos pedaços, os pneus gastos, o infeliz serve apenas para os finais de semana, ainda assim se sobrar uma merreca para a gasolina, o que nunca passa de uma volta na praia com a família. A gente se esbandalha (3) de respirar, de deitar todas as noites, levantar às cinco horas da matina, tomar o café correndo, e à noite, sentar o cansaço arreliado (4) no sofá sujo da sala.
Estou por aqui a alguns passos de jogar tudo para o alto. Me vejo cheio por ver o jornal maquiado, com tudo dando certinho. Passou dos limites assistir as propagandas maçantes, onde cada anunciante tem a solução milagrosa e na dose certa para fazer com que a gente compre o produto e aumente a conta da próxima fatura do cartão de crédito.
Depois o mais degradante. Engolir a novela. Sempre a titica repetitiva. A gente se abodega (5) até os ossos dos filmes que, igualmente, se reincidem numa continuidade irritante e doentia. A mente se enraivece e se sobrecarrega da inconstância das mesmas coisas, sempre, sempre. Observo que nada muda. Tudo é sempre igual, como um caminhão abarrotado de japoneses, embora alguém viva anunciando por aí, que “nenhum dia é igual ao que passou...”. Pode até ser. Particularmente acho quem disse tremenda asneira, deveria se enforcar sem mais delongas, num pé de alface.
O fato é que chega uma hora, bate uma sensação de impotência, de sofrimento reprimido, de sonhos desfeitos, de planos não realizados. Do nada, aparece uma impressão tétrica de causa perdida, de tempo vivido à esmo, sem futuro, sem hoje e sem amanhã. É como se o próprio ceticismo pirrônico (6) que alimentamos no peito houvesse sido atingido por uma lança afiada e sangrasse pelas veias a derradeira gota do “eu” espúrio (7) que habita dentro de cada um de nós.
Sinto que estou prestes a engolfar a alma e me remeter às profundezas de um nada negro e sem volta. Nessas horas, a gente se pega abalado, se vê emocionalmente tolhido, amarrado, de pés e mãos, os olhos vendados, garganta apertada, indefeso, como se o mundo tivesse despencado do alto de um penhasco imenso e escolhesse cair exatamente sobre a nossa cabeça.
Tenho a impressão de que o medo me bate à porta com um estrondoso ruído, ao tempo em que o receio do que poderei encontrar lá fora (se abrir a guarda), me desassossegará o espírito e o porá em frangalhos. A gente, de uma forma ou de outra, se amofina das músicas, do romantismo, do amor, do amar, de como amar, de como renovar, a cada novo segundo, o carinho pela companheira de tantos janeiros sob o mesmo teto.
Mesmo caminho, a afeição pelos filhos. O aconchego pelos consanguíneos (pai, mãe, avô, bisavô) a turminha antiga e amarrotada que faz parte do esteio familiar cheio de pelancas. A gente se amua de tudo. Um sinistro prognóstico me lança à cova do abismo, e não só dela, da depressão e do terror. À linha disso, me invade uma vontade quase mórbida de não querer mais acordar.
De contrapeso, de colocar um basta definitivo, um ponto final, no meu viver, enfim, é difícil, complicado, inexplicável, inexorável. Não sei por que cargas d’água, esse vento de giro rápido resolveu embaralhar meus cabelos, levar para longe os meus planos para formalizar uma vida mais digna. Pois é: aconteceu comigo. Literalmente entediei. Grosso modo, me enfadei de... vejam se é possível uma coisa dessa natureza. Cansar de viver. EU CANSEI!
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Vocabulário enviado pelo autor:
1 Abomba – O que cansa ou deixa exausto.
2 Esfalfa – Tudo o que esgota ou causa fadiga.
3 Esbandalho – Estragar, quebrar, tirar da ordem.
4 Arreliado – Irritado, incomodado.
5 Abodega – Aquilo que emporcalha ou produz zanga.
6 Pirrônico – Rabugento e teimoso.
7 Espúrio – Adulterado, ilegal ou viciado.
Texto enviado pelo autor
sábado, 18 de fevereiro de 2023
Tertúlia da Saudade 01
André Carneiro (Do outro lado da janela)
Mandou consertá-la. No primeiro dia foi tudo bem. No segundo, lá estava a mancha de novo. Nos programas da tarde a imagem era boa. Alguém o lembrou de que talvez fossem os olhos cansados... Não eram. Sentia-os perfeitos, mesmo quando passava da meia-noite. Alguns filmes terminavam por volta das três horas da manhã. O técnico foi chamado de novo, e tudo se repetiu, até que ele resolveu vender o aparelho por qualquer preço e comprar outro, com sacrifício, o melhor e o mais caro nos anúncios.
Até a meia-noite a imagem estava nítida, mas meia hora depois apareceu a sombra, vaga e móvel, como se fosse parte de outra transmissão. A mancha não era estática, tinha movimento, suas bordas modificavam-se, dissolviam-se como algo em crescimento, em evolução. É isso, em evolução. Ele notou que a mancha era uma coisa viva, às vezes tinha tanto interesse quanto os filmes. Ele se perturbava olhando para aquilo, tentando descobrir o que era, o que significava, enquanto se esforçava para não perder o que estava acontecendo atrás, no filme que acompanhava. Atrás? Por que atrás? A mancha não estava na frente, misturava-se à imagem do programa transmitido.
Ele já mudara a televisão de lugar, comprara filtros especiais, inutilmente. Embora não falasse com ninguém do prédio, um dia, no elevador, quando conversavam sobre novelas, criou coragem, perguntou se eles notaram um defeito, uma leve mancha na imagem. Não, ninguém vira nada parecido.
Aos poucos, desistiu de lutar contra a mancha. Não chamaria mais os técnicos, não tentaria eliminar o defeito. Estava aprendendo a conviver com ela. Entretanto, a mancha não era somente algo que tapava o que estava atrás. Ela vibrava e se mexia com tal sutileza que parecia um pequeno programa dentro do outro que ele via. Surpreeendeu-se, um dia, ao perceber que a mancha estava também aparecendo à tarde, nem se lembrava há quanto tempo. Agora, quando o programa não era de seu especial interesse, ele olhava para a mancha, acompanhava as suas bordas, tentava calcular quanto ela tinha crescido e até onde ia chegar.
Bem tarde da noite, ela parecia bem maior e mais forte. Ele ficava no sofá, quase deitado, olhando fixo, horas seguidas. Um dia, surpreeendeu-se com o vídeo luminoso e branco, o zumbido do aparelho ligado, sem nenhuma imagem. Eram cinco horas da manhã, a estação tinha encerrado a transmissão. Ficou olhando por algum tempo ainda o retângulo mágico, depois deitou-se e custou a dormir.
Ficou algumas horas na cama, levantou-se e ligou o aparelho.
A mancha estava lá. Agora bem maior.
Quando se deu conta que a mancha já ocupava metade da imagem , percebeu que só via também os programas pela metade. A mancha crescia do centro para as bordas. Fazia estas reflexões para si próprio, de maneira fria e estatística, pois também ele aumentava as horas em que permanecia em frente ao aparelho, prestando a maior atenção. A mancha não era um borrão. Era uma cena, personagens, gestos, que ele identificava como em um sonho.
Só saia do quarto para pegar algo, um sanduíche, voltava correndo com medo de perder alguma coisa. Comia coisas frugais, olhando para o vídeo. Já não importava selecionar canais, procurar programas. A mancha estava ali e fixando-a com atenção revelava coisas, fisionomias que ele não identificava, mas lhe pareciam importantes. Não se esforçava para entender nem reconhecer o que via. Era algo que o fascinava e o prendia, que talvez acabasse saindo do aparelho e invadindo toda a casa. Sim, havia personagens na mancha, e um, mais especial, que o emocionava, não sabia por quê.
Assistia aos programas até o fim. Quais programas? Não saberia descrever ou dar o título de nenhum. Ele via televisão e a mancha não existia mais. Era o próprio programa. O personagem principal foi adquirindo contornos mais precisos e, embora não houvesse enredo ou história, sua maneira de andar, sua fisionomia marcada eram impressionantes.
Com lágrimas nos olhos, ele percebeu, um dia, que aquele personagem era ele próprio, circulando naquele retângulo, vivendo ali a sua vida. Nesse dia, não dormiu. Ficou na frente da TV até o dia amanhecer. Não a desligou, também. Sem quase tirar os olhos dela, bebeu apenas um copo de leite. Pestanejava e olhava o aparelho zumbindo, e de repente teve uma sensação estranha. O quarto parecia menor, mais quente, as paredes não eram mais paredes, mas tinham encaixes, fios, eram curvas, eram... o aparelho de televisão em sua frente parecia imenso agora, mas... não era um aparelho, era como se fosse uma janela retangular, enorme, do tamanho da parede do quarto. Do outro lado da janela, não, não era janela, era o próprio vídeo que ele reconhecia, as paredes do quarto eram de vidro. Ele estava dentro do tubo, dentro do próprio aparelho, e lá fora, sentado em uma cadeira, com os olhos fixos em sua direção, um homem cansado, mas atento. Podia reconhecê-lo facilmente. Era ele próprio.
Fonte:
Texto enviado pelo autor em 31 jan 2001. Disponível em CARNEIRO, André. A máquina de Hyerónimus e outras histórias. São Carlos: EDUFSCar, 1997. p.21-23.
Lairton Trovão de Andrade (Enxurrada de Poemas) – 11 – Madrigais
LAURÉIS
“Quanta razão há de te amar."
(Ct. 1.4)
Tua face é formosa,
É quente a tua mão,
Porém, muito mais
É o teu coração.
Teus lábios vermelhos
Só trazem saudade,
Porém, mais ainda
Traz tua bondade.
Teu timbre de voz,
Por si, tem alento,
Mas nada supera
Teu temperamento.
Cabelos em pluma
Qual véu de inocência,
Mas nada ao valor
Da tua consciência.
Teus olhos são virgens?
Teus seios - candura,
Mas quanto é maior
A tua alma pura.
Tua boca é preciosa
Como ouro de lavra,
E não se compara
Com tua palavra.
Teu ser é perfume
De mil manacás,
Mas é superior
O amor que me dás.
Teu ser, por inteiro,
É bela canção;
És letra de um hino,
És minha oração.
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PERDOA-ME
"Volta, volta, ó Sulamita.”
(Ct.7.1)
Perdoa-me, Amor,
A intransigência;
Olha pra mim
Dá-me clemência;
Não vai deixar-me
Aqui sozinho;
Preciso muito
Do teu carinho!
Não me olhes mais
Com duros olhos!
- Olhos de águia
Nos meus escolhos!
No rosto lindo
Eu vi rancor,
Dilacerando
O meu amor.
Eu sou deserto
Perdido ao longe,
Que na oração
Medita o monge;
Eu sinto a brisa
Beijando a areia,
Teu doce hálito,
Linda Sereia!
Canta pra mim!
Sibila ao vento!
Ó Serenata,
És acalento!
Tens o amor
Que me inebria!
És meu manjar
- Minha ambrosia.
Oh, triste vida!
Oh, vida agreste!
Naquela escarpa
Há flor silvestre...
O sonho meu
É ter meu céu,
Quando provar
Teu doce mel...
Perdoa-me logo,
Se te feri,
Dá-me um presente:
Reza pra mim!
Fica comigo,
Se teu eu for!
Dá-me um sorriso!
- Eu quero amor.
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PERMUTA DE AMOR
"Tua voz é doce, e delicado o teu rosto”
(Ct. 2.14)
Permutarei contigo um bem precioso,
Façamos, em cartório, um bom negócio;
Que o digam a razão e o sentimento,
Porque serei de ti bem mais que sócio.
Que o poderoso cérebro, qual juiz,
Testemunhe também o nosso engenho;
Se me deres pra sempre o teu amor,
Dar-te-ei eternamente o amor que tenho.
Para não acontecer alguma dúvida,
Com tintas arteriais fiquem gravados
Os termos do contrato, ultra* "sui generis"**,
Em duas almas gêmeas registrados;
"Com ternura exclusiva visceral,
Quero que o teu amor sempre me ame;
E o véu da tua sombra bem me cubra,
Com puro pensamento, por mim, clame.
Irei viver - viver por teu amor,
Vencerei este mundo em torvelinho;
Serei gigante à frente das procelas,
Farei do leão um mero cordeirinho.
Quão milagrosa a força deste amor,
Que vai lançar o mal na sepultura;
Fará do vingador mundo perverso
Parnaso*** colorido de aventura.
= = = = = = = = =
* Ultra: Além.
** Sui generis: Locução adjetiva latina: Aquilo que não apresenta analogia com nenhuma outra (pessoa ou coisa). Inédito.
*** Parnaso: Fig. - Lugar de delícias.
Fonte:
Enviado pelo poeta. Disponível em Lairton Trovão de Andrade. Madrigais: poesias românticas. Londrina/PR: Ed. Altha Print, 2005.