segunda-feira, 5 de junho de 2023

Graciliano Ramos (Um papagaio falador)

Quem principiou a história do papagaio foi Cesária, mas os homens se aproximaram da esteira onde ela cochichava com Das Dores e depois de alguns minutos Alexandre concluiu a narração. Cesária falou assim:

— O nosso casamento foi pouco depois da vaquejada. Você se lembra, Das Dores? O caso da novilha se espalhou de repente e o nome de Alexandre correu de boca em boca. Ele não disse isto porque não gosta de pabulagem (
gabolice), mas acredite que ficou o homem mais importante do sertão. Os fazendeiros tiravam o chapéu quando passavam por ele e cumprimentavam com respeito: — “Como vai a obrigação, major Alexandre?” É isto, Das Dores. Alexandre num instante virou major. Meu pai era pessoa de muito cabedal, e todo mundo por aquelas bandas queria casar comigo. Eu não fazia conta de ninguém, mas quando Alexandre se apresentou, bem vestido e bem-falante, quebrou-me as forças. Vinha preparado, com um rebenque de cabo de ouro, esporas de ouro...

— Montado no bode? – perguntou Das Dores.

— Não. – respondeu Cesária. – O bode era para as vaquejadas. Vinha num cavalo baixeiro, arreado com arreios de ouro, espelhando. Só queria que você visse, Das Dores. Meu pai ficou muito satisfeito com o pedido e eu concordei logo: — “Se vossemecê acha que deve ser, está certo.” Marcou-se o dia e preparou-se o enxoval, que foi uma beleza, Das Dores. Só queria que você visse. Um enxoval em que trabalharam todas as costureiras do lugar. A festa do nosso casamento durou uma semana. Muita dança, muita bebida, muita comedoria. Não ficou peru, nem porco para semente. Veio o vigário, veio o promotor, veio o comandante do destacamento, veio o prefeito. Meu pai estava-se estragando, mas era senhor de muitas posses e dizia: — “Festa é festa. Mais vale um gosto que quatro vinténs.” Quando os derradeiros convidados se retiraram, fomos morar na nossa casa nova, uma casa bonita como as da cidade. E o pai de Alexandre deu a ele um baú cheio de moedas de ouro. Aí era preciso a gente tratar da vida. Eu vendia e comprava, dirigia as coisas direito. Sempre tive cadência para as arrumações. Mas as viagens e as transações de muito dinheiro quem fazia era Alexandre. Na primeira viagem dele encomendei um papagaio. Queria um papagaio falador, custasse o que custasse. Agora você conta o resto, Alexandre.

— Não senhora! - respondeu o marido. – Você não começou a história? Então acabe.

— Não senhor! – replicou Cesária. – Comecei porque podia começar, mas acabar não acabo. Contei a minha parte, que dei a encomenda, mas quem comprou o papagaio foi você.

Depois de muitas razões, Alexandre se resolveu a tomar a palavra.

— Em vista disso, eu conto. Isto é, conto o fim da história, que o princípio os senhores já sabem. E nesse princípio não acrescento nada, porque tudo quanto Cesária disse é a pura verdade. Amarro o negócio no ponto em que ela ficou. Realmente esse caso não tem importância, e até nem sei como Cesária foi mexer nele. Papagaio é bicho besta, ninguém presta atenção a lorotas de papagaio. Esse era melhor que os outros, sem dúvida. Eu nem me lembrava dele, mas como a patroa foi desenterrá-lo, vá lá. Escutem. Estávamos na viagem, não é isto? Viagem do sertão à mata, para vender gado. Como era a primeira que eu fazia, a separação foi custosa. Cesária chorou, deu-me conselhos, afinal se aquietou com a esperança de possuir um louro falador. Prometer eu não prometia, que não ia oferecer a minha mulher um bicho ordinário, mas se aparecesse coisa boa, Cesária estava servida. Separei o gado, escolhi os tangerinos, despedi-me da mulher depois de muitos poréns e tomei o caminho do sul, sempre aumentando a boiada com o que havia de melhor por aquelas redondezas. Aves de pena vi em quantidade, araras, ararões, e canindés, mas viventes de pouca fala. Procurei, pedi informações — não achei nada que servisse. Larguei a encomenda e decidi levar uma lembrança diferente para Cesária, volta de ouro ou corte de pano fino.

“ Num dia de calor bati numa porta, com vontade de pedir água:

— “Ô de casa!”

Uma voz de homem perguntou lá de dentro: — “Ô de fora! Quem é?”

E eu respondi: — “É de paz. O senhor faz favor de arranjar uma sede de água para um viajante.”

— “Não posso, tornou a voz. Não posso porque estou amarrado.”

Espantei-me: — “Como? Quem amarrou o senhor? Diga, que eu desamarro.”

— “Não se incomode não, moço. – foi a resposta. – Aqui em casa o costume é este. Vivo acorrentado.”

Nessa altura uma velha apareceu com um caneco de água e falou: — “Cala a boca. Deixa de tomar confiança com quem tu não conheces.”

Bebi e ia agradecer quando percebi que ela se dirigia a um papagaio que batia as asas, na gaiola pendurada à parede. Não é que eu tinha sido embromado, comendo o bicho por gente?

— “Sinha dona, – perguntei - vossemecê me vende esse louro?”

— “Não vendo não, moço, é de estimação.”

Eu cantei a velha: — “Que seja de estimação não duvido. Mas pense direito, sinha dona. Quem tem vida morre. Se botarem mau-olhado nele, vossemecê fica sem mel nem cabaço. Eu pago bem. Faça preço no papagaio, dona.”

“A velha endureceu, depois chegou às boas e acabou pedindo pelo bicho um despropósito. Discutimos e findamos o ajuste, comprei o papagaio por quinhentos e cinquenta e quatro mil e setecentos réis. Vejam que dinheirão. Quinhentos e cinquenta e quatro mil e setecentos. Bem. Recebi a gaiola e fiquei atrapalhado. Como havia de levá-la numa viagem que ia durar meses? Depois de refletir, desocupei uma bolsa de roupa, fiz uns buracos nela e meti ali o papagaio, que protestou, muito contrariado. Arrumei a bolsa no meio de uma carga e tocamos para a frente. Onde andei e quanto ganhei não preciso contar, basta dizer que a boiada se vendeu e fiz bom negócio. Conheci homens de consideração e vi sobrados.

“Quando voltei, trazia um surrão cheio de ouro e cargas de mantimentos. Dei uma festa quase tão grande como a do casório. O povo da rua se admirou, meu pai e meu sogro arregalaram os olhos. Eu de correntão no peito, eu lorde, mandando abrir caixas de bebidas. Quem quisesse beber bebia até cair. Dinheiro não faltava. Enfim tudo se acomodou, o pessoal saiu e nós fomos endireitar a casa, varrer, lavar, limpar, arranjar as coisas. Cesária passou um dia arrumando a bagagem, abrindo malas e guardando troços nos armários.

No meio do trabalho me chamou: — “Está aqui uma bolsa furada, Alexandre. Que é isto?”

E eu me lembrei: — “Ai, Cesária! É o papagaio. Tranquei o papagaio na bolsa. Coitado. Esqueci-me dele e o pobre viajou sem comer.”

Corri mais que depressa e fui abrir a bolsa. Encontrei o infeliz nas últimas, enrolado num canto, feio como um pinto molhado. Cesária trouxe um pires de leite, mas era tarde, não havia jeito não. O papagaio olhou para mim, balançou a cabeça, levantou-se tremendo, encorujado, e disse baixinho:

— “Sim senhor, seu major, isto não é coisa que se faça.”

Amunhecou (
fraquejou) e morreu.

Fonte:
Disponível em Domínio Público.
RAMOS, Graciliano. Histórias de Alexandre. Publicado originalmente em 1944.

Maria Thereza Cavalheiro (Trovas para Refletir) – 1 -


A cada dia que passa,
a vida é prêmio em disputa.
A roupa é simples couraça
com que se parte pra luta.
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Amor... Paz... Fraternidade:
eis o trinômio perfeito
a fim de que a humanidade
tenha Deus dentro do peito.
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A vida é bem mais bonita
e tudo tem mais valor
quando se encontra a pepita
no próprio veio do amor!
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Cabelos soltos ao vento...
Pés de leve sobre a grama...
A vida toda é um momento
no coração de quem ama!
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Desgraça nem sempre dura,
pode a bonança voltar...
Infeliz da criatura
sem tempo para esperar!
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Deus ao homem, cada dia,
dá a sua preocupação,
mas há quem perca a alegria
por males que nem virão.
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É festa por toda a parte,
e até os dias têm mais cor,
quando a amizade, com arte,
veste a túnica do amor!
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É triste a paz que amortece,
torna os homens infelizes...
Alegre é a paz que floresce,
que tem seiva nas raízes!
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Há muito amor que demora
e é como as ondas do mar:
nem bem chega, vai-se embora;
quando vai, já quer voltar...
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Muito amor se faz fumaça
sem amargura nem queixa;
apenas o que não passa
é o desencanto que deixa.
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No mundo, todos têm medo;
no entanto ninguém o diz...
E há quem sufoque, em segredo,
o anseio de ser feliz!
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No tempo mais se comprova
quando é verdadeiro o amor,
que não quer jura nem prova,
não faz escravo ou senhor.
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O amor é sorriso... ou pranto.
O amor é nuvem... ou sol.
O amor é lágrima... ou canto.
O amor é treva... ou farol.
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Os cílios fazem cortina
para um palco de emoção,
que a luz do amor ilumina
quando canta o coração!
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Pensa que a vida é bonita
e a espera nem sempre é vã
para aquele que acredita
na surpresa do amanhã!
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Prefere ter em teu cofre
somente o que chega ao pão,
às riquezas de quem sofre
sem a paz no coração!
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Quando existe em nós a chama
de uma alegria interior,
é porque alguém que se ama
corresponde ao nosso amor!
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Quando ninguém te elogia,
não há perda nem proveito:
o que fazes dia a dia
somente a Deus diz respeito.
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Quem labuta e não receia
viver por seu ideal,
se da sela não apeia,
um dia chega, afinal.
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Quem não faz, risco não corre.
Erro... engano... quem não falha?
Só pode errar quem socorre,
age, executa, trabalha!
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Quem quiser vencer na vida,
não busque nenhum atalho;
é partir duro pra lida
e se impor pelo trabalho!
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Quem vive só do futuro
e esquece a vida que passa,
descobre claro no escuro
que fez projetos de graça.
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Reticências dizem tanto!
E entendê-las, é preciso:
nos olhos, podem ser pranto;
nos lábios, talvez sorriso...
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Riqueza não vale a pena
se vem e nos leva a paz...
No prado, a bela açucena
com a luz do sol se compraz!
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Se de novo o amor palpita,
o velho se faz criança...
E como a vida é bonita
no retorno da esperança!
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Se o peito de amor transborda
e as mãos não se veem sozinhas,
dentro em nós um deus acorda
ao som de mil campainhas!
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Trabalho não intimida
quem enfrenta os seus rigores.
E é bom que sejas na vida
o melhor no que tu fores!
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Vale a vida ser vivida?
De viver qual a razão?
- Até vale ser sofrida
quando vibra o coração!

Fonte:
Enviado pela Trovadora.
CAVALHEIRO, Maria Thereza. Trovas para refletir. SP: Edição do Autor, 2009.

Sílvio Romero (Dona Labismina)

(Folclore do Sergipe)


Uma vez havia uma rainha, casada já há muito tempo, que nunca tinha tido filhos, e tinha muita vontade de ter, tanto que uma vez disse: «Permita Deus que seja uma cobra!…»

Passados uns tempos apareceu grávida, e quando deu à luz foi uma menina com uma cobrinha enrolada no pescoço. Toda a família ficou muito desgostosa; mas não se podia tirar a cobrinha do pescoço da criança. Foram crescendo ambas juntamente, e a menina tomou muita amizade pela cobrinha. Quando já mocinha, costumava ir passear à beira do mar, e lá a cobra a deixava e fugia para as ondas, mas a princesinha punha-se a chorar até que a cobra voltava, se enrolava outra vez no seu pescoço e iam ambas para o palácio, onde ninguém sabia disso.

Assim foram indo até que um dia a cobra entrou no mar e não voltou mais, porém disse à irmã que, quando se visse em perigo, chamasse por ela. A cobra tinha o nome de Labismina e a princesa o de Maria.

Passados os anos, caiu doente a rainha, e morreu; mas na hora de morrer tirou do dedo uma joia e deu ao rei, dizendo: «Quando tiveres de casar outra vez, deve ser com uma princesa, na qual esta joia der, sem ficar nem frouxa, nem apertada.»

Depois de algum tempo, o rei quis se casar e mandou experimentar a joia nos dedos das princesas de todos os reinos, e não encontrou nenhuma em que o anel coubesse pela forma que lhe tinha recomendado a rainha. Só faltava a princesa Maria, sua filha; o rei chamou-a e botou a joia no seu dedo, e ficou muito boa. Então ele disse à filha que queria se casar com ela e, como palavra de rei não volta atrás, a moça ficou muito desgostosa e vivia chorando. Foi ter com Labismina na praia do mar; gritou por ela, e a cobra veio. Maria contou-lhe o caso, e a cobra respondeu: «Não tenha medo; diga ao rei que só casa com ele, se ele lhe der um vestido da cor do campo com todas as suas flores.»

Assim fez a princesa, e o rei ficou muito passado, mas disse que iria procurar. Levou nisto muito tempo, até que afinal conseguiu. Aí a princesa tornou a ficar muito triste, e foi ter com a irmã, que lhe disse: «Diga que só se casa com ele se lhe der um vestido da cor do mar com todos os seus peixes.»

A princesa assim fez, e o rei ainda mais aborrecido ficou. Levou muito tempo a procurar até que arranjou. A moça foi ter outra vez com a Dona Labismina, que lhe disse: «Diga que só casa, se ele lhe der um vestido da cor do céu com todas as suas estrelas.»

Ela assim disse ao pai, que ficou desesperado; mas prometeu arranjar. Levou nisto ainda mais tempo do que das duas outras vezes, até que conseguiu.

A princesa, quando o pai lhe deu o último vestido, viu-se perdida e correu para o mar, onde embarcou num navio que Dona Labismina tinha preparado, durante o tempo que o rei andou arranjando os vestidos. Labismina recomendou à irmã que seguisse naquele navio, e saltasse no reino onde ele parasse, que nessa terra ela encontraria casamento com um príncipe, e que na hora de casar, chamasse por ela três vezes, que ela se desencantaria numa princesa também.

Maria seguiu. No reino em que o navio parou ela saltou em terra. Não tendo de que viver, foi pedir um emprego à rainha, que a encarregou de guardar e criar as galinhas do rei. Passados uns tempos, houve três dias de festa na cidade. Todos do palácio iam á festa, e a criadora de galinhas ficava. Mas logo no primeiro dia, depois que todos saíram, ela se penteou, vestiu o seu vestido de cor do campo com todas as suas flores e pediu a Labismina uma bela carruagem e foi também à festa.

Todos ficaram muito embasbacados ao ver moça tão bonita e rica, e ninguém sabia quem era. O príncipe, filho do rei, ficou logo muito apaixonado por ela. Antes de acabar a festa, a moça partiu e meteu-se na sua roupinha velha, e foi cuidar das galinhas.

O príncipe, quando chegou ao palácio, disse à rainha: «Viu, minha mãe, que moça bonita apareceu hoje na festa? Quem me dera casar com ela! Só parecia a criadora de galinhas.»

— «Não digas isto, meu filho; aquela pobre tinha roupa tão fina e rica? Vai ver como ela está lá em baixo porca e esmolambada.»

O príncipe foi onde estava a criada e lhe disse: «Ó criadora de galinhas, eu hoje vi na festa uma moça que se parecia contigo…»

— «Oxente, príncipe, meu senhor, quer mangar comigo… Quem sou eu?»

No outro dia, nova festa, e a criadora de galinhas foi às escondidas com o seu vestido de cor de mar com todos os seus peixes, e numa carruagem ainda mais rica. Ainda mais apaixonado ficou o príncipe sem saber de quem.

No terceiro dia a mesma coisa, e a criadora de galinhas levou o vestido cor de céu com todas as suas estrelas. O príncipe ficou tão entusiasmado que foi se pôr ao pé dela e lhe atirou no colo uma joia, que ela guardou. Chegando ao palácio, o príncipe caiu doente de paixão e foi para cama. Não queria tomar nem um caldo; a rainha rogava a todas as pessoas para lhe levarem algum caldo, para ver se ele aceitava, e era o mesmo que nada.

Afinal só faltava a criadora de galinhas, e a rainha mandou-a chamar para levar o caldo ao príncipe.

Ela respondeu: «Ora, dá-se! Rainha, minha senhora, quer caçoar comigo?! Quem sou eu para o príncipe, meu senhor, aceitar um caldo da minha mão? O que eu posso fazer é preparar um caldo para mandar a ele.»

A rainha concordou, e a criada preparou o caldo, e botou dentro da xícara a joia que o príncipe lhe tinha dado na igreja. Quando ele meteu a colher e viu a joia, pulou da cama contente e dizendo que estava bom, e queria se casar com aquela moça que servia de criadora de galinhas.

Mandaram-na chamar, e, quando ela veio, já foi pronta, como quando ia à festa. Houve muita alegria e muito banquete, e a princesa Maria se casou com o príncipe; mas se esqueceu de chamar pelo nome de Labismina, que não se desencantou, e, por isso, ainda hoje o mar dá urros e se enfurece às vezes.

Fonte:
Disponível em Domínio Público.  
Sílvio Romero. Contos Populares do Brazil.  Rio de Janeiro: 1894.
Atualização do português por J. Feldman

domingo, 4 de junho de 2023

Daniel Maurício (Poética) 53

 

Humberto de Campos (O Milagre de S. Benedito)

O corpo da pobre lavadeira Maria Jovita havia sido levado, na véspera, para o cemitério, por um carro mortuário da Santa Casa, deixando ali, naquela situação aflitiva, aquela pretinha de cinco anos, herdeira triste, e inocente, da sua cor e do seu destino. Atirada para o corredor do casarão, a pequenita passara uma noite encostada à parede, agasalhando-se como lhe era possível nos farrapos da camisinha de riscado grosseiro; uma vizinha de quarto condoeu-se, porém, da sua sorte, sendo a pretinha recolhida, então, por misericórdia, como alguém sem préstimo que se apanhasse piedosamente na rua.

Dois dias após a sua orfandade, era o dia dos mortos, como o de hoje. E como toda a gente, na casa de cômodos, se encaminhasse para o cemitério, em visita aos seus defuntos não esquecidos, a pequenita Carlota acompanhou-os, ferindo os pés descalços no pedroiço (
montão de pedras) do calçamento, e recebendo na carapinha (cabelo crespo e lanoso) descoberta, enroscada no couro da cabeça, toda a inclemência daquele horrível sol de verão. Chegada ao cemitério, perguntou a pretinha, medrosa:

- Onde está minha mãe?

As pessoas que tinham ido ao enterro da Maria Jovita indicaram-lhe um monte de terra fresca, molhada ainda, à cabeceira da qual a pequena se ajoelhou, juntando, numa prece fervente, os dois carvãozinhos das mãos. E estava ela sozinha, nessa postura, no silêncio daquela quadra abandonada, destinada aos humildes, aos desamparados, aos náufragos da vida e da morte, quando ouviu uma voz, que a chamava:

- Carlotinha?

A pretinha voltou-se, espantada, e sorriu, enxugando os olhos úmidos com as costas das mãozinhas encarvoadas: atrás dela, sorrindo-lhe com bondade, com doçura, com meiguice, estava, em ponto grande, do tamanho de uma pessoa, com a mesma cor, a mesma auréola e o mesmo burel (
hábito), a imagem do senhor São Benedito, que sua mãe, quando viva, possuía no quarto, no oratório de uma pequena caixa de papelão!

- Meu São Benedito!... - gemeu a pequena, atirando-se ao solo, e beijando-lhe, comovida, a fímbria do manto escuro.

E ia juntar as mãos para rezar, quando o santo lhe ordenou, paternal:

- Carlotinha, junta estas pedras.

A pretinha arrebanhou quanto pôde as pontas do vestidinho roto, e pôs-se a apanhar, um por um, os seixos miúdos que havia pelo chão, entre as sepulturas sem nome. E assim que enchia o regaço, despejava os calhaus (
seixos), como mandou o santo, sobre o monte de terra que assinalava, naquele oceano de túmulos, o lugar em que sua pobre mãe dormia para sempre.

De repente, cansadinha já daquela faina, a pretinha ouviu chamar, de longe, pelo seu nome:

- Carlota?

E como não respondesse, de fatigada, as pessoas da casa de cômodos foram à sua procura, até que, encontrando-a, recuaram, maravilhadas.

Diante da pretinha, que orava, de joelhos, a sepultura rasa de Maria Jovita, um simples cômoro (
monte) de areia, desaparecia, toda ela, sob um monte de rosas!

Fonte:
Disponível em Domínio Público.
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.

I Jogos Florais de Irati/PR (Trovas Premiadas)


ESTADUAL (PARANÁ)

VETERANOS

Tema: PEDRA (Lírica/Filosófica)

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VENCEDORES
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1º LUGAR
Quando o propósito é puro,
tudo serve ao bem e à paz.
– Se da pedra faz-se o muro,
também a ponte se faz.
A. A. de Assis
Maringá
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2º LUGAR
Melhor seguires adiante,
dispenso o anel e as mesuras:
a pedra é falso brilhante,
e falso o amor que me juras.
Lília Maria Machado Souza
Curitiba
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3º LUGAR
Não deixe o cientificismo
roubar-lhe o sonho e a emoção.
– Sem a seiva do lirismo,
vira pedra o coração.
A. A. de Assis
Maringá
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4º LUGAR
Depois de tanto desgaste,
do topo avisto a alvorada.
A pedra que me atiraste
serviu-me para a escalada.
Lília Maria Machado Souza
Curitiba
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5º LUGAR
Das pedras nunca se cansam
os homens, com seus exemplos:
alguns essas pedras lançam,
já outros... erguem seus templos!
Maria Helena Oliveira Costa
Ponta Grossa
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MENÇÃO HONROSA
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1º LUGAR
Quem constrói os seus caminhos
com base em reais valores,
enfrenta as pedras e espinhos
e, ainda, semeia flores!
Maria Lúcia Daloce
Bandeirantes
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2º LUGAR
Nas jornadas inseguras
pelas trilhas da emoção,
notei que as pedras mais duras
se encontram no coração.
Albano Bracht
Toledo
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3º LUGAR
Duas situações ruins
que nos aturdem, de fato:
uma é ter pedra nos rins;
outra, é pedra no sapato.
Davi Pereira
Toledo
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4º LUGAR
Desde um tempo bem distante,
as pedras tem seu valor,
podem matar um gigante,
ou conquistar um amor.
Caterina Balsano Gaioski
Irati
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4º LUGAR
Num conceito soberano,
toda pedra tem valor.
É, porém, o ser humano,
a jóia do Criador.
Albano Bracht
Toledo
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4º LUGAR
Pérola é chaga curada;
do nácar da concha, nasce.
Já foi pedrinha lascada,
deu-lhe a ostra nova face.
Lucrécia Welter
Toledo
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5º LUGAR
Quem chega a cargos honrosos
com determinantes passos,
nos caminhos pedregosos
soube afastar os fracassos!
Lucília Alzira Trindade Decarli
Bandeirantes
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ESTADUAL (PARANÁ)

NOVO TROVADOR

Tema: ROCHA (Lírica/Filosófica)

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VENCEDORES
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1º LUGAR
Feito rocha, sê bem forte,
resistente à desventura.
Mesmo estando à própria sorte,
na alegria encontre a cura.
Silvânia Maria Costa
Campo Mourão
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2º LUGAR
Na rocha dura da vida,
esculpi dores e risos.
Hoje fico agradecida
pelos traços imprecisos.
Ana Welter
Toledo
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ESTADUAL (PARANÁ)

VETERANO

Tema: CASCALHO (Humorística)

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VENCEDORES
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1º LUGAR
Setentão que “não se emenda”,
e dá “cascalho” às gatinhas,
gasta toda a sua renda
vendo a renda das calcinhas.
Olga Agulhon
Maringá
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2º LUGAR
No forró, por bebedeira,
Zé tropeçou num cascalho
e ficou a tarde inteira,
“carta fora do baralho”!
Leonilda Yvonneti Spina
Londrina
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3º LUGAR
Anel de lata e cascalho
foi o presente do amado.
É isso, meu bem, que valho?
Não! Te dei o anel trocado.
Lucrécia Welter
Toledo
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4º LUGAR
Nas rimas que eu desencalho
esta foi fácil de achar,
mas o achado pra cascalho
dei pra sogra procurar!!!
Maria Lúcia Daloce
Bandeirantes
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5º LUGAR
Para todos no garimpo,
eu gritei: Pepita de ouro!
Deixei o achado, bem limpo.
Era cascalho, o tesouro.
Maria Eunice Silva de Lacerda
Toledo
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ESTADUAL (PARANÁ)

NOVO TROVADOR

Tema: CASCALHO (Humorística)


1º LUGAR
Do desprender do cascalho,
eu fiz uma arte na vida.
Um lindo penduricalho,
sai sambando na avenida.
Marli Voigt
Curitiba
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2º LUGAR
Filhos são bem engraçados:
não gostam quando trabalho,
vivem todos bagunçados
e só gastam meu cascalho!
Luiz Henrique Sormani Barbugiani
Curitiba
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NACIONAL

VETERANOS

Tema: PEDRA (Lírico/Filosófico)

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VENCEDORES
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1º LUGAR
Na derradeira rodada
do bingo da solidão,
tu foste a pedra “cantada”
que me fechou o cartão...
Edmar Japiassú
Miguel Pereira / RJ
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2º LUGAR
Pedra... Fogo... a seca ataca...
E sol, língua em combustão,
lambe os ossos de uma vaca
que a fome esqueceu no chão.
Manoel Cavalcante
Pau dos Ferros / RN
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3º LUGAR
Chão de pedras, sem guarida,
na agreste visão do estio,
na invernada espalha a vida
no leito firme do rio...
Sérgio Ferreira da Silva
São Paulo / SP
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4º LUGAR
Por entre as pedras e o limo,
um fio de água corrente,
canta feliz sendo o arrimo
da sede de muita gente.
Cipriano Ferreira Gomes
São Paulo / SP
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5º LUGAR
No flagelo das pedradas,
confia em teus atributos,
que as pedras são atiradas
nas árvores de bons frutos...
Edmar Japiassú
Miguel Pereira / RJ
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MENÇÃO HONROSA
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1º LUGAR
Jesus Cristo é pedra forte,
sem ter peso e nem medida...
Seu sofrer venceu a morte,
seu amor nos trouxe vida.
Wilton Di Cali
Guarulhos / SP
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2º LUGAR
Lembrança doce e singela
enchendo o peito de afago:
eu e meu pai na pinguela,
jogando pedras no lago…
Edy Soares
Vila Velha / ES
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2º LUGAR
Tolera ofensa, ameaça
e tudo o mais que se vingue
quem, antes de ser vidraça
já foi pedra de estilingue.
Sérgio Fonseca
Mesquita / RJ
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3º LUGAR
Da pedra bruta aos brilhantes,
mãos calejadas, fiéis,
servem às mãos elegantes
a vaidade dos anéis.
Cipriano Ferreira Gomes
São Paulo / SP
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3º LUGAR
Não te eximas da labuta
que conduz à perfeição...
O talento é pedra bruta
que exige lapidação!
Thalma Tavares
São Simão / SP
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4º LUGAR
Acalma tua alma irada...
segura a tua revolta
e cada pedra chegada,
que leve uma flor de volta!
Carolina Ramos
Santos / SP
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5º LUGAR
O tempo, indomável, faz
o rochedo em pedregulho,
mas segue sendo incapaz
de quebrar o teu orgulho!
Fernando Antônio Belino
S
ete Lagoas / MG
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MENÇÃO ESPECIAL
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1º LUGAR
Tropeço e, na caminhada,
se os meus pés querem parar,
não mudo as pedras da estrada;
mudo o meu jeito de andar!…
Mara Melinni
Caicó / RN
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2º LUGAR
Encanta-me ver na luta
do artista muito inspirado
emergir da pedra bruta
o gesto mais delicado...
Antônio Gonçalves Hudson
Santo Antônio do Grama / MG
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3º LUGAR
Enfrentando as enxurradas
e vencendo os desafios,
as pedras são lapidadas
nas correntezas dos rios.
Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho
Juiz de Fora / MG
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NACIONAL

VETERANOS

Tema: CASCALHO (Humorística)

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VENCEDORES
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1º LUGAR
- Sem "cascalho", uma beldade
hoje investe em peça antiga.
- Compra e vende antiguidade?
- Não. Namora o avô da amiga!
José Ouverney
Pindamonhangaba / SP
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2º LUGAR
Ignorando certo aviso,
virou de pernas pra cima!!!
Raimunda, em cascalho liso,
machucou a sua...rima...
Antonio Colavite Filho
Santos / SP
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3º LUGAR
Bebum que arma cambalacho,
sem cascalho, apronta tanto,
que bebe pinga em despacho
na conta do pai de santo!
Ailto Rodrigues
Nova Friburgo / RJ
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4º LUGAR
Gaita, cascalho, dim-dim
(seja lá qual nome for),
bufunfa, grana, ai de mim,
que nunca vi sua cor!
Geraldo Trombin
Americana / SP
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5º LUGAR
Minha sogra – que trambolho! –
não cometeu ato falho.
Foi tirar cisco em meu olho
e colocou um cascalho.
Antônio Francisco Pereira
Belo Horizonte / MG
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MENÇÃO HONROSA
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1º LUGAR
Tentou roubar no baralho...
Se arriscou e apostou tudo...
Mas, se a meta era um cascalho,
levou, foi mesmo, um cascudo!
Sérgio Ferreira da Silva
São Paulo / SP
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2º LUGAR
O garimpeiro se agita,
mas, são "ossos do trabalho":
se não encontra pepita,
não vê nem cor do "cascalho"!
José Ouverney
Pindamonhangaba / SP
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2º LUGAR
Te amar é desafiante,
mas vale sempre o trabalho,
pois pelo teu "diamante"
reviro qualquer cascalho!
Fernando Antônio Belino
Sete Lagoas / MG
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3º LUGAR
Comprar terras com trabalho?
Nem Cabral foi tão artista…
pois só com muito cascalho
dá pra pagar terra à vista!
Renata Paccola
São Paulo / SP
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NACIONAL

NOVO TROVADOR

Tema: ROCHA (Lírica/Filosófica)

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VENCEDORES
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1º LUGAR
Rabisco o que me angustia,
na areia, onde o vento cura;
meus instantes de euforia,
entalho-os na rocha dura!
Luciano Dionísio dos Santos
Caruaru / PE
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1º LUGAR
Cada rocha do caminho
que fere e sangra o meu pé...
É uma rocha que encaminho
aos muros da minha Fé!!!
Hudson de Almeida
Alfenas / MG
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2º LUGAR
Se mesmo a rocha que é dura
pode ser despedaçada,
que pensar da criatura
que está desesperançada...
Terezinha de Jesus Garcia Ferreira
Sidrolândia / MS
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3º LUGAR
Toda mágoa que perdura,
como rocha resistente,
é tão fria, tão escura,
que adoece toda gente.
Rodrigo Celestino Rocha
Goiânia / GO
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4º LUGAR
Se a gratidão desabrocha
na gleba do coração,
dissolve-se toda rocha
e surge flor pelo chão!
Luciano Izidoro de Borba
Tombos / MG
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4º LUGAR
Minha mãe foi mulher forte,
tal a rocha desse chão,
pois batalhou até a morte,
sem deixar faltar o pão.
Mary Guimarães
Taubaté / SP
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5º LUGAR
Não deixes que a grande rocha,
que no caminho aparece,
apague a divina tocha
que Deus representa em prece...
Renato da Silva Cardoso
São Gonçalo / RJ
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5º LUGAR
Terra, rocha flutuante,
vale um cisco no universo.
Você, terráqueo importante,
vale o tanto deste verso.
Júlio Augusto Gurgel Alves
Fortaleza / CE
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MENÇÃO HONROSA
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1º LUGAR
O mar abraça o rochedo,
mas este apenas resiste.
Sabes tu qual é o segredo?
O rochedo diz: persiste!
Adelgício Ribeiro de Paula
Franco da Rocha / SP
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2º LUGAR
Sempre que se faz preciso,
sou firme como uma rocha,
mas não seguro o sorriso
ante a flor que desabrocha.
Mônica Monnerat
Santos / SP
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3º LUGAR
Eu sou firme feito rocha,
mas quando aperta a saudade,
só quero a minha cabrocha,
para ter felicidade!
Norma Bezerra de Brito
Brasília / DF
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NACIONAL

NOVO TROVADOR

Tema: CASCALHO (Humorística)
 
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VENCEDORES
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1º LUGAR
É gíria do brasileiro
quando sem grana, trabalho,
duro, pobre, sem dinheiro,
dizer: - “Estou sem cascalho!!!”
Hudson de Almeida
Alfenas / MG
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2º LUGAR
Malandro pra ter cascalho
faz tudo, menos labuta.
Ganha a vida no baralho
e no dado faz disputa.
Carlos Carvalho Cavalheiro
Sorocaba / SP
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3º LUGAR
Minha mulher ordenou:
- Vá pegar nosso cascalho!
Minha sogra então zombou:
- Além de pobre, um paspalho!
Renato da Silva Cardoso
São Gonçalo / RJ
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4º LUGAR
O pedreiro embriagado
trocou alho por bugalho:
fez do arroz cimento armado;
comeu feijão com cascalho.
Wanda Cristina da Cunha e Silva
São Luís / MA
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Fonte:
Resultado enviado por A. A. de Assis

Nilto Maciel (Menino Ofendido)

Moisés estava morrendo. Lentamente. Coberto de chagas. No mundo inteiro mulheres choravam. Cenas de histeria e desespero. Jornais e televisões exploravam o infausto fim daquele homem tão glorioso.

No ápice de sua glória, Moisés inventou um dos mais fascinantes espetáculos de prazer. Era sua Roma, sua Sodoma. Mistura de motel e cassino. Cinco pavimentos, mais de cem quartos. Uma entrada, com bilheteria. Como nos cinemas e teatros. Galeria de arte, labirintos, saunas, piscinas. Proibida entrada de homens e travestis. Permanência de uma hora, no máximo. Preço do ingresso: dez dólares.

A fortuna de Moisés se fez em pouco mais de três anos, após a fase de modelo e manequim. Considerado um dos homens mais bonitos e atléticos do mundo, nunca se casou. Jamais esteve unido a qualquer mulher.

— Para não atrapalhar os negócios. — dizia.

E como teve início aquele império do sexo?

“Comparável a Hollywood”, afirmou uma revista.

— Meu primeiro passo foi um pequeno anúncio. Recebia em meu apartamento mulheres carentes de amor. Em troca de alguns dólares.

— Mas isso não era novidade nenhuma, Moisés.

— Eu era a novidade. Os outros se vendiam há muito tempo.

Logo depois o modelo alugou uma mansão, contratou meia dúzia de belos rapazes e inaugurou seu primeiro bordel.

— Não convidei o governador, o prefeito, deputados, empresários, homem nenhum.

— Essa gente gostaria de conhecer seus Apolos.

— Mas eu nunca gostei dessa gente.

A vaidade, ou outra ilusão, fez Moisés despedir seus pupilos. E ficou só. As clientes não gostaram da ideia. Muitas desapareceram. Fazia-se a seleção da clientela.

— Você também foi ator.

— Sim, de inúmeros filmes. E também diretor. Além disso, editei revistas. As primeiras onde homens posavam nus.

Apesar de toda a dedicação ao trabalho, Moisés viajava muito. Conheceu quase o mundo todo. Dinheiro e fama não lhe faltavam.

— Como surgiu a ideia do Palácio dos Prazeres?

— Tive um sonho. Eu não era um, porém muitos. Como se multiplicado por espelhos. Então arquitetei a casa de cem quartos. Eu poderia estar em todos eles e receber cem mulheres ao mesmo tempo. O verdadeiro harém.

Formavam-se filas diante do portão. Mulheres de todos os tipos. A maioria coberta de xales. Outras usavam óculos escuros. Porém todas dentro de carros de luxo.

Os quartos eram numerados, e muitas mulheres acreditavam serem determinados números propícios a elas. E esperavam horas e horas pela desocupação do quarto número tal. Porém alguns números vinham acompanhados de cores e nomes. Assim, havia o quarto vermelho, o quarto de Lucrécia Bórgia, o quarto azul da orgia divina, etc.

— E a coisa dos sorteios?

— Quem me encontrasse, recebia de volta o dinheiro do ingresso, com direito de participar do próximo sorteio.

— E quem o encontrasse no quarto tinha direito a que mais?

— A uma hora de prazeres de todos os tipos, sobretudo os sonhados pela cliente.

— E agora, morrendo, coberto de chagas, o que dizer da vida?

Moisés se pôs a chorar, feito menino ofendido.

Fonte:
Enviado pelo autor.
Nilto Maciel. Pescoço de Girafa na Poeira. Brasília/DF: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.

Lucy Hay (Como escrever e publicar um livro) – 3, final –

PUBLICANDO SEU LIVRO


1 – Pense sobre a possibilidade de contratar um agente.

Estes são pessoas que trabalharão para você e o ajudarão a fazer com que seu texto seja publicado e vendido. Elas têm contatos no meio para ajudá-lo. Os agentes também são evasivos e difíceis de se conseguir quando você é novo no ramo.

Nem sempre um agente será necessário. Caso pretenda seguir o caminho da autopublicação, talvez não precise dos serviços de um. Procure por agentes em sites especializados. Neles, você pode encontrar perfis e ver que tipos de trabalho estão sendo publicados.

Leia as diretrizes de envio do agente antes de mandar seu material. O mais comum é precisar de:

Uma carta de apresentação de uma página que descreva seu trabalho.
 
Uma sinopse do livro, contendo um resumo breve da sua história.
 
Uma proposta de não ficção, caso tal seja o gênero do seu trabalho.
Este é um documento bastante detalhado, geralmente contendo de 20 a 30 páginas, que delineia sua justificativa para a publicação do livro.
 
Capítulos de amostra ou o manuscrito inteiro.

2 – Pesquise editoras diferentes.

Você pode escolher a autopublicação, mas ser publicado por uma editora de renome é a melhor forma de atingir uma audiência mais ampla.

Algumas empresas escolhem publicar ou ler somente materiais solicitados, manuscritos que passaram por um agente.

Os agentes e as editoras também gostam de materiais que venham de autores ou escritores já conhecidos. No entanto, isso não quer dizer que você não vai conseguir a atenção de nenhum dos dois. Essas pessoas vão querer saber que você tem seguidores e que está se promovendo bastante nas mídias sociais.

Algumas editoras também recebem seu manuscrito, mesmo que você não tenha um agente.

Verifique as opções de autopublicação. Esta pode soar como uma maneira de contornar um grupo de pessoas que só dirá "não", mas é difícil, e o motivo pelo qual há pessoas que publicam livros é porque elas sabem melhor como fazê-lo.

Caso decida seguir tal caminho, você precisará encontrar um bom distribuidor para as cópias físicas. Também é possível publicar sua história como e-book por meio do site da Amazon.

3 – Reduza suas opções de publicação.

Depois que escolher algumas editoras (quanto mais, melhor), comece a pesquisar sobre elas mais a fundo.

Certas empresas escolhem publicar somente para adultos e em gêneros específicos, enquanto outras podem ter uma gama maior de livros aceitos.

Toda a informação deverá estar disponível nos sites das editoras. Algumas têm políticas diferentes e limites de palavras, ou só aceitam livros solicitados.

Quase todas exigem um manuscrito em cópia física (impressa) da sua história. Lembre-se também das especificações. Há empresas que preferem linhas com espaçamento duplo, com um certo tipo de fonte em um certo tamanho etc.

Atenha-se ao que for especificado. Não mande cópias por e-mail ou em CDs, a menos que esteja declarado que você pode.

Nunca envie sua cópia original ou única de nada. Talvez você não receba os materiais de volta.

4 – Considere publicar on-line você mesmo.

A autopublicação de um ebook é uma opção popular e viável, e a maior oportunidade para esse método é o Kindle Direct Publishing da Amazon. Você só precisa fazer o upload do seu manuscrito para o programa e começar a vender cópias.

O serviço KDP é gratuito para uso, porém a Amazon ficará com até 70% dos seus lucros.

Caso escolha a autopublicação, leve seu livro para ser editado por um profissional e contrate um designer gráfico para criar a capa. Usando esse método, todo o trabalho de promover seu livro também ficará por sua conta.

Seja realista. É mais provável que você não se torne o próximo grande hit no seu primeiro livro. A fama não virá da noite para o dia. Na maioria dos casos, são necessários várias obras e muitos anos para se obter uma reputação sólida.

5 – Aguarde e seja paciente.

Envie suas cópias para todas as editoras disponíveis que puder.

Pode levar quatro meses ou mais até que seu livro seja revisado.

Caso consiga um "sim" de uma editora, parabéns! Você verá seu livro nas lojas. No entanto, pode ser que a empresa não faça a divulgação dele para você. Essa tarefa ficará a cargo do agente. A boa notícia é que conseguir um depois que a obra for aprovada é mais fácil. Mas lembre-se de que, na maioria dos casos, a parte do marketing costuma ficar por sua conta.

DICAS

– Lembre-se de que, não importa a sua idade, a maioria das editoras ainda publicará sua história se ela for boa. Prepare-se para aceitar críticas e usá-las de maneira sábia.

– Sempre edite seu próprio trabalho antes de enviá-lo. Nenhuma editora o aceitará se o texto estiver cheio de erros gramaticais e ortográficos ou inconsistente.

– Considere também contratar um editor profissional para ajudar você.

– Continue escrevendo. Embora cada um tenha um estilo de edição diferente, a maioria das pessoas acha melhor produzir o máximo possível enquanto as ideias estão frescas e revisar a história depois.

– Jogue fora as "regras de escrita". Existem mecânicas na linguagem como pontuação, estrutura geral das frases e outras, mas não se prenda ao que ler online quanto a regras como: "nunca escreva na voz passiva" ou "nunca use advérbios". A edição sempre pode vir mais tarde e limpar seu trabalho.

– Lembre-se da etiqueta para editoras e agentes. Sempre siga as regras de envio. A paciência é a chave. Após um mês ou dois sem resposta, talvez você possa procurar outras opções. Não se esqueça de que o trabalho não solicitado costuma ser deixado para depois e pode levar meses até ser revisado.

As editoras nem sempre vão anunciar seu livro. Essa tarefa fica a cargo do autor. A empresa vai vendê-lo, mas não fazer a divulgação dele, a não ser talvez no site.

– Dê a notícia aos amigos e aos familiares e espalhe folhetos pela sua cidade. Crie páginas nas mídias sociais para criar uma expectativa. Às vezes, você pode até conseguir fazer com que uma livraria local divulgue seu livro.

– Procure várias editoras. Algumas vão se interessar por você, outras não.

– Caso tenha uma ideia, comece a escrever e não pare se ficar desanimado. Sentar-se para cumprir essa tarefa pode ser a parte mais difícil.

– Atenha-se à história que está escrevendo atualmente. Se tiver outra ideia, anote-a e veja se pode inseri-la sem levar o texto para outra direção completamente diferente.

– Não tente saber se as pessoas vão gostar ou não. Não tem como um só gênero e tipo de história agradar a todos.

– Planeje a história primeiro para correr menos risco de se afastar dela. Assim também será mais fácil lembrar-se de pequenos detalhes.

REFERÊNCIAS
1. http://www.greatwriterssteal.com/2014/01/24/gws-lecture-notes-stephen-kingsmasterclass-at-umass-lowell/
2. https://www.eduplace.com/graphicorganizer/pdf/5Ws.pdf
3. https://www.reddit.com/r/writing/
4. http://www.theguardian.com/books/2012/jun/14/importance-good-book-editing
5. http://www.authoright.com/author-advice/importance-proper-editing/
6. https://janefriedman.com/find-literary-agent/
7. http://www.publishersmarketplace.com/
8. https://janefriedman.com/start-here-how-to-write-a-book-proposal/
9. http://lifehacker.com/how-to-self-publish-your-own-book-1610916214
10. http://www.amazon.com/gp/seller-account/mm-summary-page.html?
topic=200260520

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Lucy V. Hay é uma autora, roteirista e blogueira que ajuda outros escritores através de workshops, cursos e de seu blog, Bang2Write. Lucy é produtora de duas séries de suspense britânicas e seu romance de estreia, "The Other Twin', está sendo adaptado pela Free@Last TV, que também produziu a série indicada ao Emmy "Agatha Raisin".
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sábado, 3 de junho de 2023

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 28

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) 85

Santa delícia o ventinho balançando os galhos da pitangueira ali no portão, enquanto aqui ao abrigo, o calor é escaldante.

Nuances do tempo!

Como também são as nuances da vida.

Passamos calorões por aflição, tristeza, medo, dores, nalgum momento. Mas temos o outro lado também - bons ventos de alegrias, bem-estar, sucessos, regozijo, vida vibrante.  Esperanças.

A vida, o tempo e o vento!

Fonte:
Texto enviado pelo autor

George Abrão (Tempo)

Com o passar do tempo nossas emoções afloram: avivam-se as lembranças, aumentam as saudades, vem a nostalgia.

E tudo isso nos leva a reviver o passado: os bons momentos vivenciados, as pessoas conhecidas, os lugares que visitamos.

Hoje, remexendo no meu baú de relíquias, que guardo no mais recôndito da minha memória, encontrei preciosidades que nele guardei durante a minha vida:

– Um joguinho de madeira composto de pequenos retângulos pintados com os quais se formava casinhas;

– Um trenzinho de plástico pintado de dourado no qual se dava corda e ele corria em círculos soltando fagulhas provocadas por uma pedra usada em antigos isqueiros;

– Um pião de lata colorido em listras, propulsionado por uma haste, que girava e tocava música

– Um caleidoscópio manufaturado com réguas de vidro montadas em forma de triângulo, cobertas com papel e tendo no seu interior pedrinhas coloridas, pétalas de flores e miçangas para que se formassem os desenhos.

– Um pião de madeira com sua fieira, com o qual brincava com os amigos na rua

– Um papagaio confeccionado com varetas de bambu e papel de seda e que empinava no mês de agosto, quando ventava;

– Um cavalinho de pau feito com cabo de vassoura;

– Um carrinho de lata cheia de areia que eu puxava com um barbante;

– Um estilingue para caçar pássaros (ou espantá-los na maioria das vezes);

– A minha primeira cartilha: “Cartilha do Bitu”;

– Minha primeira caneta composta de uma haste de madeira e pena removível de metal que eu molhava no tinteiro, escrevia e secava com o mata-borrão;

– A primeira revista (gibi) que li: “Sesinho”;

– Minha coleção de tampinhas de garrafa;

– Minhas bolinhas de gude multicoloridas (tinha algumas maiores que chamávamos de “carretão”);

– As figurinhas de balas Zequinha com as quais se jogava “bafo”;

– Meus saquinhos (que minha avó costurava e enchia de arroz) para jogar “três-marias”;

Encontrei também as brincadeiras de rua: esconde-esconde, polícia e ladrão, balança caixão, mãe com pique, passa-passa e tantas outras.

E revi meus familiares: bisavós, avós, pais, irmãos, tios, primos;

E meus primeiros amigos, com os quais brincava na rua empoeirada;

E minha primeira sala de aula no Grupo Escolar Isabel Branco, onde a minha querida professora Edi de Almeida Faria pacientemente ensinou-me o bê a bá;

E no recreio, vi-me sentado no cantinho da escada, local onde sempre comia a minha merenda;

E depois, da correria com os colegas de classe e da brincadeira de esconde-esconde;

E revi meus bons vizinhos, pois éramos como que uma só família;

E as excursões ao Chafariz, que sempre me pareceu um local mágico;

Os banhos de rio;

A procura de frutas nos campos do cerrado;

A matinê no cinema, onde na hora do “perigo do meio” dos seriados batíamos os pés;

As festas de aniversário dos amigos e primos nas quais nos esbaldávamos de comer brigadeiro e beber guaraná;

As festas juninas onde sempre havia pinhão e fogueira...

E tantas outras coisas boas da minha infância, que a emoção me tomou e fechei o meu baú.

Fonte:
Enviado pelo autor.
George Roberto Washington Abrão. Momentos – (Crônicas e Poemas de um gordo). Maringá/PR, 2017.

Artur de Azevedo (contos em versos) Juvenal

(contos cariocas)
 
 Chegado há pouco de Nápoles,
Mal completara treze anos
A flor dos italianos,
O formoso Juvenal.
Vendia as folhas diárias;
Cansava as perninhas nuas,
Gritando por essas ruas:
— Cruzeiro! Globo! Jornal! —

Coitado! Vivia o mísero
Como um cãozinho sem dono,
Ao mais completo abandono,
Ora aqui, ora acolá,
A dormir um sono plácido
À noite, nas horas mortas,
Sobre o batente das portas
Deitava-se ao Deus dará!

Da saúde a cor púrpura
Não lhe alterara o desgosto:
Juvenal tinha no rosto
Da infância o róseo matiz.
Era o inocente notívago,
No seu viver lastimoso,
Um miserável ditoso,
Um desgraçado feliz.

O fato não é poético,
Mas à verdade não fujo:
O pequeno andava sujo,
Sujo que metia dó;
Braços, pernas, rosto — ó lastima! —
Enegrecidos estavam,
E o pescoço lhe abraçavam
Negros colares de pó.

Dos seus fregueses no número
Havia um sor. conselheiro:
Ia levar-lhe o Cruzeiro
Cedinho, pela manhã.
No topo da escada nítida
Quem a folha recebia
E pagava, todo o dia,
Era a formosa Nhã-nhã.

Nhã-nhã, um anjo pulquérrimo!
Pálida, triste, franzina...
Era mais do que menina
E menos do que mulher;
Desabrochava-lhe esplêndida,
Entre douradas quimeras,
Flor de quinze primaveras
Em lábios de rosicler.

De vê-la o pobre alegrava-se,
E se acaso não a via,
No fundo da alma sentia
Misterioso torpor...
Um sentimento novíssimo
Entre o respeito e a vontade;
Muito mais do que amizade,
Muito menos do que amor.

Como não a visse um sábado,
Juvenal, todo inocência
Disse consigo: — Paciência;
Eu hei de vê-la amanhã —;
Mas que aflição! que suplício!...
Quantas mágoas e agonias!...
Passar assim vinte dias
Sem que ele visse Nhã-nhã!

Vinte dias! Louco, atônito,
No vigésimo primeiro
A escada do conselheiro
O pobrezinho subiu...
Estava na sala um féretro,
Por tochas alumiado,
Numa eça colocado
Que de surpreso o feriu.

Penetrou na sala, trêmulo,
Vexado como um patife,
E, ao chegar junto do esquife,
Lívido, parvo, estacou...
Nhã-nhã morrera! De lágrimas
Houve tamanha enxurrada,
Que ele de cara lavada
A vez primeira ficou.

Fonte:
Disponível em Domínio Público.
Arthur de Azevedo. Contos em verso (contos cariocas). Publicado originalmente em 1909.
Português atualizado por J.Feldman

Cecy Barbosa Campos (O retorno)

Sentiu, de repente, aquela necessidade de voltar às suas origens. Enquanto sacudido pelos buracos da estrada, olhava pela janela a paisagem que corria diante de seus olhos, revia o seu tempo de criança. Lembrava do menino esperto que brincava, pés descalços e camisa aberta ao peito, sentindo o vento que trazia um cheiro de mato revigorante. Respirou avidamente como se estivesse de volta àqueles dias.

Foi tomado por emoção indescritível. Tanto tempo longe e, agora, a sensação de nunca ter saído. Sua ansiedade beirava o medo. Como estariam a casa onde nascera, a escola, as pessoas com quem lidara no seu dia a dia? Seria reconhecido? Com o coração batendo descompassadamente, chegou à Rodoviária.

Antes de procurar o hotel, resolveu fazer o reconhecimento do lugar. A praça, a igreja, tudo estava igual. A escola continuava no mesmo local, apenas mais velha, desbotada. Depois, procurou a casa, a "sua" casa e não a encontrou. A princípio, pensou que se havia enganado, e que ela poderia estar mais à esquerda ou mais para a direita... Não, teve que reconhecer a verdade — a casa não existia mais. Com o coração apertado, examinou a construção moderna que existia em seu lugar.

Decepcionado, verificou que os rostos que passavam por ele também eram diferentes. "Não se pode voltar ao passado", refletiu. Decidiu-se a tomar o primeiro ônibus e retornar ao presente.

Cansado pelas emoções do dia, caminhou devagar para a rodoviária, levando consigo as recordações de uma vida que ficara para trás.

Fonte:
Cecy Barbosa Campos. Recortes de Vida. Varginha/MG: Ed. Alba, 2009.
Enviado pela autora.

Lucy Hay (Como escrever e publicar um livro) – 2 –

Editando seu livro e preparando-se para publicá-lo


1 – Categorize seu livro.

Depois que terminar sua história, veja se ela segue a política da editora. Por exemplo, a editora australiana Allen & Unwin exige o seguinte:

Ficção infantil.
Para leitores iniciantes, entre cinco e 8 anos, o tamanho é de 5.000 a 10.000 palavras

Para leitores confiantes, entre sete e 10 anos, de 10.000 a 30.000 palavras.

Para leitores médios, entre 11 e 14 anos, de 30.000 a 55.000 palavras.

Romances infanto-juvenis.
Para leitores adolescentes, entre 13 e 16 anos, de 40.000 a 60.000 palavras.

Para leitores mais velhos, com 15 anos ou mais, de 40.000 a 100.000 palavras.

Para obter uma lista completa e mais informações sobre escrita e publicação, visite o site de uma editora e verifique a seção de envio de originais.

2 – Verifique e edite sua história novamente.

Não pense que precisa parar de olhar para ela a partir de certo ponto. Edite-a quantas vezes precisar. Embora você precise editar e dar o máximo de atenção possível ao processo, se não mais do que à escrita em si, também deve descansar.

Você ficou vivendo dentro dessa história que criou, e agora é hora de umas férias. Dar um tempo a si mesmo ajudará você a entrar no espírito da edição, pois como editor, precisará olhar para o próprio trabalho com uma certa frieza e estar pronto para cortá-lo e fazer alterações.

Quando começar, edite o máximo que precisar, mas não continue se não souber qual é o problema. Caso não tenha uma solução concreta, você cortará a história e não saberá como montá-la novamente.

O excesso de edição é possível e perigoso, portanto peça para outras pessoas verificarem o seu trabalho. Um segundo par de olhos pode visualizar lacunas que você perdeu por estar muito próximo do texto. Chame alguém em quem confia para fazer anotações e lhe dar um feedback. Até agora, você operou de modo isolado, mas haverá partes que precisarão de ajustes e que você dificilmente perceberá sozinho.

Leia as notas dos outros e guarde-as. Você provavelmente não vai gostar delas, portanto leia-as, relaxe e, depois de um tempo, volte e incorpore as que forem úteis. Descarte as que não forem.

3 – Chame um editor para ler seu livro.

Depois que tiver editado seu trabalho uma ou várias vezes, é hora de chamar um editor de verdade para lê-lo. Editar não é o mesmo que escrever; você precisará de alguém que saiba desconstruir uma obra, encontrar os problemas e dar a você conselhos sobre como montá-la novamente.

Um editor profissional será especialmente valioso se você mesmo for publicar o trabalho. A última coisa que você quer ver é um erro de ortografia gritante, ainda que bobo, depois de todo o seu esforço. O editor certo dará clareza e fluidez a sua narrativa sem alterar sua voz de escritor.

O profissional trará um olho objetivo necessário a sua obra e ajudará você não só a consertar pequenos erros, mas também a encontrar a história verdadeira por baixo de todas as coisas extras desnecessárias.

O editor também fará com que seu livro pareça profissional.

4 – Faça uma revisão final para ter certeza de que está pronto para publicar.

Depois que você e o editor tiverem revisado o livro até a última forma, cheque se está tudo em ordem.

Veja se você tem um bom título que está pronto para usar.

Comece a chamar a atenção nas mídias sociais. Crie uma página no
Facebook e um perfil no Twitter para seu livro e poste frequentemente
atualizações sobre o que está acontecendo, os próximos passos e outras
informações empolgantes.
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Lucy V. Hay é uma autora, roteirista e blogueira que ajuda outros escritores através de workshops, cursos e de seu blog, Bang2Write. Lucy é produtora de duas séries de suspense britânicas e seu romance de estreia, "The Other Twin', está sendo adaptado pela Free@Last TV, que também produziu a série indicada ao Emmy "Agatha Raisin".
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continua…

Fonte:
https://pt.wikihow.com/Escrever-e-Publicar-um-Livro

sexta-feira, 2 de junho de 2023

Tertúlia da Saudade 06: Helena Kolody



Monsenhor Orivaldo Robles (Gente que ainda existe)

Num dia desta semana, encontrei por acaso duas amigas queridas. Trocamos algumas palavras. Conversa entre amigos não segue planejamento nem conhece trava ou segredo. É papo aberto, que brota da liberdade e da confiança, sobre qualquer assunto. Não se sujeita à censura, nem fiscaliza as palavras. É inevitável sair algo que estranhos tomariam por grosseria. Como um daqueles despautérios do personagem Chaves, da TV, que, após soltá-lo, corre logo a desculpar-se: “Me escapuliu!”. Uma das amigas falava sobre seu filhinho, que se mostra sempre atento às necessidades dos outros. Deu um exemplo para ilustrar. A uma senhora que, por pouco, não tinha levado um tombo capaz de feri-la com gravidade, ele perguntou: “A senhora está bem? Está precisando de alguma coisa?” Isso lá é conversa de um menino de cinco anos? Mal tinha a mãe contado o episódio, fui tomado pelo espírito do Chaves. Sem refletir, soltei em voz alta: “Vai ser um bobo a vida inteira”. Eu não pensava só no garotinho. Nem me referia diretamente a ele. Tinha em mente o meu velho e o seu peculiar jeito de enfrentar a vida.

O pai foi, em todos os seus dias, um daqueles que hoje a maioria das pessoas chama de tonto. Nunca foi capaz de admitir mentira. Acreditava piamente no que escutava. Aferrava-se à verdade com paixão. Não sabia enganar. Não conseguia puxar o tapete de quem quer que fosse. Menos ainda, passá-lo para trás, de qualquer maneira. Se topasse na rua com um pacote de dinheiro, com certeza não ia sossegar enquanto não achasse o dono. Na época em que nasci, era proprietário de um sítio em sociedade com tio Chico Zangali (Em casa sempre ouvi contar maravilhas sobre o sítio da Santa Bárbara, que não tive oportunidade de conhecer). Na mesma época o pai sofreu uma cirurgia de estômago. Quiçá para pagar tratamento de saúde – os filhos jamais cobraram explicação –, ele vendeu ao tio Chico a sua parte do sítio. Nunca mais foi dono de um palmo de terra. Sequer do lote em que repousam seus ossos, por mim conseguido, trinta anos depois.

Não precisei, felizmente, explicar às amigas porque o filhinho de uma delas ia ser um bobo, vida afora. Bastou contar poucas “aventuras” do pai. Minha amiga pôs-se a discorrer sobre as do seu que, para sua felicidade, ainda vive. Embora mais novo, a escola da vida em que se formou comprova que o tempo não introduziu mudanças no seu conteúdo programático. Ambos nossos pais pertencem àquela espécie de homens que supomos inencontráveis no nosso infeliz mundo de hoje. Ela contou coisas lindas a respeito dele, homem bom, destituído de qualquer malícia. Não desconfia da maldade de ninguém. Para ele todos são bons. Se familiares colocam reparo na ingenuidade do seu julgamento, ele se contraria: “Vocês não acreditam em ninguém. Pensam que só existe gente ruim”.

Há tempo venho refletindo nessas coisas. As notícias ajudam a formar nossa opinião sobre fatos e pessoas. Mas só se noticiam coisas ruins. Ninguém escuta, por exemplo, que mães são capazes de passar fome pelos filhos. Que pais trabalham à exaustão para lhes garantir um futuro digno. Na mídia pessoas humildes só aparecem como bandidos ou vítimas. No entanto são elas que carregam o mundo nas costas. A maioria absoluta da humanidade é formada de pessoas humildes e boas. Onde encontrá-las? Em nossa casa, em nossa rua. Basta olhar nosso pai, nossa mãe. E todos os que parecem com eles. Esses são os construtores do mundo bom que queremos.

Ainda bem que existem.

Fonte:
Blog do Rigon, 01/12/2012
https://angelorigon.com.br/2012/12/01/gente-que-ainda-existe/

Solange Colombara (Ramalhete de Versos) 4


PAZ INTERIOR


Assim sou eu...
Um alegre e colorido mundo
Repleto de delicados vieses.

Assim sou eu...
Não busco a perfeição
Sou eterna evolução.

Essa sou eu...
Alma leve e alva
Imperfeita, feito joia rara.
= = = = = = = = = = = = = = = = =

POEMA PARA MEU FILHO GUILHERME

Vida pulsando
Dentro da minha vida
Vida emaranhada
Vida que nasce
E encanta meu ser.
Sentimento vivo
Sentimento ímpar
Se dar, se doar.
Vida vivida
Vida sentida
Vida feita a partir
Da minha vida.
Parte da minha história
Parte da minha vida
Parte da minha parte
Parte do meu viver.
= = = = = = = = = = = = = = = = =

POR DO SOL

Todos os dias ele se vai...
Lentamente...
Deliciosamente...
Sinto seu toque
Em minha pele.
Meu rosto sorri feliz...
Porque sei que amanhã ele volta.
E depois...
E depois...
= = = = = = = = = = = = = = = = =

REFLEXÃO

Um momento a sós
Comigo mesma.
Pura calmaria
Pura imensidão
Em pensamentos.
Me sentindo...
Me imaginando...
Reclusa em meus pensamentos
Tento entender... tento compreender...
É complicado, sem sentido...
Mas em minha introspecção
Percebo com clareza,
Ainda assim
Tento compreender...
= = = = = = = = = = = = = = = = =

SENSAÇÕES E OPORTUNIDADES

Permita-se vez ou outra
Admirar o por do sol,
Sentir o vento em seu cabelo,
Sem se importar
Se vai chover ou não...

Permita-se vez ou outra
Se deixar iluminar pela lua,
Caminhar descalça na areia,
Sem se importar
Em qual estação do ano está...

Permita-se vez ou outra
Uma loucurazinha,
Um desejo...
Sem se importar com o amanhã...

Permita-se vez ou outra
Se permitir...
= = = = = = = = = = = = = = = = =

SIMPLESMENTE UMA PAIXÃO
 (Poema para a Mooca* no seu 459° aniversário)

Parece até cidadezinha do interior,
Onde todos se conhecem.
E se não conhece,
Nada como um "bom dia"
Para uma bela amizade iniciar.
Aqui tem um povo unido,
Aqui tem hino, tem bandeira
E uma só voz;
Forza Juve!"
459 primaveras...
Uma linda garota...
Quanta formosura
Quanta beleza
Quanto esplendor...
Minha Mooca querida
Nossa Mooca amada...
Te oferecemos flores,
Alegria e muito...
Muito amor…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
* Mooca é uma bairro da cidade de São Paulo.

Fonte:
Solange Colombara. Dançando com as palavras. SP: Futurama, 2018.
enviado pela autora.