terça-feira, 8 de abril de 2008

Tânia T. S. Nunes (A literatura líquida de João Gilberto Noll)

As notas referentes aos números colocados em algumas frases (em chaves sublinhadas) estão colocadas ao fim do artigo.
Foto: Tânia e Noll
João Gilberto Noll (1946) vale-se em sua escrita da palavra úmida.[1] O que podemos chamar de a literatura líquida do autor tem, como marca singular, a palavra a esvaziar o corpo, a secá-lo em sua linguagem, como símbolo de uma ausência, uma anomia, em que a vida se faz na transitoriedade do instante, ou seja, seus personagens ingerem e expelem pelos orifícios corporais os desencontros da vida.

Esse autor, em 1970, escreveu seu nome na historiografia da literatura brasileira como detentor de uma prosa poética aguçada, mas sua escrita proveniente de um “eu inflamado”[i], como ele mesmo a denomina, apresenta uma característica peculiar: produz um choque no leitor. Seu discurso dialoga entre cinema e literatura, entre ficção e mundo, desvela uma prosa viva e atualíssima, busca mostrar o homem no seu aqui-e-agora, no seu estar-no-mundo, que pela fôrma, revela de qualquer forma a si mesmo ou pela não-afirmação ou pela auto-deformação. No entanto, há uma história a contar, há uma experiência a narrar: a do esvaziamento do ser, do corpo[ii].

Noll foi um dos primeiros em nossas letras a levar a crítica a reconhecer uma mudança na forma e essência do romance contemporâneo como gênero híbrido e heterogêneo, mas nele não cabe somente a leitura pela imagem da dialética, pelo contrário, sua prosa requer sempre um desdobrar-se e desvendar-se do pensamento em idéias em cada texto para capturar o sentido e a interpretação.

Suas obras exemplificam plenamente o momento descorporificado em que o homem vive, quando tudo é fluido, sem sentido, indefinido e afeta a todos em qualquer condição social[iii]. Suas narrativas desfolham imagens que se esfacelam em segundos no estilo direto e sábio do escritor de dizer muito com poucas palavras. Uma narrativa sufocante que, ao mesmo tempo, que é leve, asfixia e comove. Nela encontram-se vivência, experimento e tentativa contínua de afetar leitores capazes de desafiar o mundo real pela representação, pela busca da compreensão do outro, pela interpretação da condição humana. Interpretar, neste caso, é a busca de encontrar no “quase-nada” da “contravida”[iv], quando pelo corpo e com o corpo expele o mundo, o indizível. Desvendar territórios, somar novas terras em cada página das obras desse autor, é reconhecer-se nas suas entrelinhas, revelar-se entre a capa e a palavra final na busca pelo desnudamento de tantas imagens literárias na travessia de tantos espaços para chegar ao homem sempre à deriva, à procura de algo que não sabe o que quer, mas o que não quer, no entanto, sabe muito bem, sabe que tudo é incerto, por isso mesmo repele o que não aceita.

Mostra o mundo de hoje, fagocitado, engolido autofagicamente pela velocidade do tempo e pela busca incessante da construção do “eu”. Apresenta a ressignificação do espaço e do tempo como território da inquietude e da peregrinação na infrutífera busca do relacionamento humano dissolvido no mundo. Desvela o homem em seu limite de suportabilidade entre o público e o privado, o local e o global, desejos e vontades, buscando um sentido para a vida, numa concreta e angustiante realidade produzida pelo momento, sobrevivendo entre a sina e o destino, mas em pleno desatino. Há, também, um traço político na escrita do autor. Um narrador nos diz: “eu seria escravo e agora por inteira vocação.” (NOLL, 2006, p. 45)

Neste artigo nos propomos a ler a relação entre corpo, escrita e excreção nas narrativas que compõem A máquina de ser (2006), última obra publicada pelo autor. Vamos ler quais são as representações que apontam para esse mundo caótico do presente nestes contos.

O escritor inglês Herbert Georges Wells publicou seu primeiro sucesso de ficção científica adaptado para o cinema A Máquina do Tempo, em 1895. Nesta produção seres andróides (meio-humanos e meio-robôs) estão em cena. João Gilberto Noll teve várias obras suas adaptadas para o cinema, em A máquina de ser não tem como propósito abordar personagens que viajam no tempo através de uma máquina (embora a narrativa não deixe de ser uma viagem!), mas chamar a atenção para a condição de deslocamento do homem, apontar como este age diante do caos da vida em seu cotidiano quando tudo se faz leve e fluido, passageiro e incerto sem perspectivas futuras. Na literatura líquida de João Gilberto Noll, o leitor “fabrica sua ilusão utilitária” (NOLL, 2006, p. 125).

O que Noll faz nesta narrativa aquosa pela solidão do homem do seu tempo e “engessado” na experiência da perda, é pensar o mundo pela palavra que fabrica. O escritor nos apresenta uma máquina-de-ser não a que tomou o lugar do homem na produção, mas o homem-ser-máquina, traduzindo existencialmente em seu comportamento: hábito e ação, na sua identidade de máquina, a transitoriedade absurda da vida, na sociedade consumista do imediatismo, em que os relacionamentos estão engendrados nessa rede de exigüidade e ausências de humanos em que tudo se transforma e transmuta em nada, em vazio e em segundos, tudo é descartável.

No entanto, tudo tem também o seu preço em meio a tantos avanços tecnocientíficos e biotecnológicos, o homem vê-se saturado de modernidade e paga com a corporeidade e o sacrifício do ser as conseqüências de sua utopia desenvolvimentista. Hoje o homem sem liberdade está destituído de pensar o futuro. No mundo consumista os seres humanos despem-se de si mesmos e vêem-se em contínuo abismo identitário, temporal e espacial, onde muitos não sabem aonde ir. A solução para sobrevivência futura ainda é um enigma e esbarra em algumas indagações a serem respondidas: como dividir o pouco que se tem com tantos que nada têm? Como fixar laços de relacionamentos? Voltaremos à época das tribos em que cada um convive com seu grupo ou já estamos nela?

Mas, em A Máquina de Ser, que homem integra essa fábrica que é a narrativa de João Gilberto Noll? O que se pode afirmar é que o autor fabrica sua escrita talvez ainda querendo acreditar em uma saída, em um consolo na potência afetiva do encontro com o “outro”, na busca contínua da tradução identitária pelo corpo, pela troca e pelo encontro de vários outros “eus”.

O primeiro conto obra-prima deste livro: No dorso das horas, aparece o narrador transformado em imagem e guiado rapidamente no tempo da luz pelo olhar de um homem através de uma câmara, corre ao encontro do que não sabe, até no escuro do espaço deparar-se com um corpo ao qual se une sexualmente, o corpo da filha.

Entre esse e o último conto da obra, que apresenta um alter-ego do autor, João, Noll mostra o quanto a travessia da escrita está pautada na idéia da solidão, da renúncia, demonstrando que no mundo em conflito e sem qualquer fronteira, segurança ou certezas, o corpo também é atingido pelo medo-cósmico (medo de tudo o que nem se sabe). Zygmunt Bauman alerta que “a demarcação entre o corpo e o mundo exterior está entre as fronteiras contemporâneas mais vigilantemente policiadas. Os orifícios do corpo (os pontos de entrada) e as superfícies do corpo (os lugares de contato) são agora os principais focos do terror e da ansiedade gerados pela consciência da mortalidade.” (BAUMAN, 2001, p. 210)

Em Noturnas doutrinas, o escritor diz que “uma umidade lacrimosa corria pelos prédios” (NOLL, 2006, p. 80) No entanto, é no conto que intitula a obra, A Máquina de Ser que João Gilberto Noll presenteia seu leitor com mais um narrador anônimo, andarilho em uma cidade estrangeira. Neste, entretanto, como em Lorde (2004)[v], demonstra talvez uma saída para a condição de vida do protagonista que quer escoar e extravasar a energia pulsional que traz dentro de si: “Lembrei que eu agora só sabia beber um cálice de vinho às portas da madrugada”. “Isso já me bastava para aventurar um pouco minhas idéias que logo retornavam porém a seu leito natural -, por onde as águas desciam em sua mansa sina, dando a funcionar mais uma vez minha máquina de ser.” (NOLL, 2006, p. 120)

Há nestas narrativas a presença de um moto contínuo a alimentar a máquina da criação. Na cidade imaginária de João Gilberto Noll, o estrangeiro em sua máquina de ser sofre uma metamorfose de andarilho a Messias, já que passa a buscar a mercadoria mais preciosa do planeta: trabalho; deseja sua própria morte, diz ter uma missão: pôr a “cabeça a trabalhar por uma causa útil, que naqueles tempos tinha a forma de sondagens em prol de um firme intercâmbio tecnológico entre os nossos dois povos.” (NOLL, 2006, p. 122) Imagina este protagonista a sua terra natal com “máquinas agrícolas novinhas.” Agora tinha uma razão para continuar, assinar papéis na Embaixada para que alguns funcionários tivessem motivo de voltar no dia seguinte. Uma prática redentora que mostra o senso de continuidade de uma função para manter o emprego do “outro”, quando o mercado local das grandes cidades se vê encolhido pelo desemprego, fruto das negociações comerciais globalizadas em que até o dinheiro é movente e está a serviço das “forças do mercado”.

Nas linhas finais da narrativa a solução: “Era só acionar a máquina de ser, que tinha no meu corpo um intérprete. E mandar ver... pronto para seguir vivendo... Era preciso, era preciso, a vida se fazia de minuto a minuto”. (...) Peguei um lenço do bolso. E limpei meu suor ...” O suor do fazer nascer a escrita, o suor do corpo a expelir. (NOLL, 2006, p. 122)

Em outros contos, como Na correnteza, encontra-se a presença dessa escrita que busca a identidade dos protagonistas, umedecida pela palavra: “eu tinha ficado ilhado e pronto”, ou ainda, “entrei no cinema, na tela tudo me estranhava. Não entendia bem a história, a razão de tantas escapadas, tantas pessoas se ferindo ao léu do enredo em correnteza.” O enredo em correnteza é também o narrar compulsivo de Noll, em que as cenas são rápidas, mas não se desgastam, pelo contrário, se encadeiam, mostram imagem após imagem, perfazendo uma narrativa frenética em que o olhar, o interpretar, a leitura e o leitor têm de correr atrás da narrativa para não perder o tempo da linguagem, do seu acontecer, quando o autor põe na voz do narrador o prazer de relatar, e de expor as experiências corporais. (NOLL, 2006, p. 144;147)

Mas neste caso, não só o corpo é intérprete, como o autor alude, mas também salvador do mundo através de sua excreção: “Essa parte da lida [mijou] se alongava mais e mais e sempre, como se ele, depois do beneplácito do banho involuntário, tivesse toda a água do mundo para devolver à terra”. (NOLL, 2006, p.129)

Em suma: o corpo é também linguagem e como tal vem sendo receptáculo de todas as interdições e espaço da escrita vivencial do homem. Uma escrita permeada pelo não-sentido da vida, pelo vazio do ser, pela fluidez da identidade e, sobretudo, pela insatisfação em existir, quando o homem desconhece o outro e até a si mesmo na estranha sensação de ser coisa-nenhuma.

Notas
[1] O título deste artigo provém do arcabouço-teórico do filósofo Zygmunt Bauman detentor do conceito de “modernidade líquida”. A relação deste conceito com a obra de João Gilberto Noll diz respeito à presença do líquido na linguagem do autor com a idéia de desfazimento, em plena interação com os corpos dos personagens desde seu primeiro romance. Um dos narradores anuncia: “Viu a virilha molhada. Notou que toda sua massa se diluía pelos poros. O corpo, ah, se desdobrava em córrego.” (2003, p. 106)

[i] Entrevista. In: Coleção autores gaúchos. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1998, v. 23.

[ii] O “esvaziamento do ser” na contemporaneidade é marcado pelo “desvanecimento do sujeito”. Foucault em “As palavras e as coisas” aponta o ocaso de uma forma histórica do sujeito, ou seja, a dissolução do “eu” preconizada pela modernidade. “Na representação, os seres não manifestam mais sua identidade, mas a relação exterior que estabelecem com o ser humano.” (2002, p. 431)

[iii] Consoante Zygmunt Bauman, em “Vidas desperdiçadas”, “a geração X (rapazes e moças nascidos na década de 1970) está polarizada de modo mais agudo que a precedente. É verdade que a desconcertante volatilidade da posição social, a redução de perspectivas, o viver ao deus-dará, [...] a imprecisão das regras – tudo isso assombra a todos eles sem discriminação, gerando ansiedade, destituindo todos os membros dessa geração, ou quase todos, da autoconfiança e da auto-estima. (2005, p. 23)

[iv] Palavras usadas em Mínimos, múltiplos, comuns (2003), p. 29

[v] Lorde é o último romance de João Gilberto Noll publicado pela Editora Francis. Nele, o autor aponta o processo de mutação de um escritor brasileiro que vai para Londres e vive a difícil experiência de conviver no estrangeiro sem negar sua identidade, nacionalidade, cor e religião.
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Sobre a Autora do Artigo:
Tânia T. S. Nunes
Professora de Letras e Literatura, aluna do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu, Mestrado em Letras pela Universidade Federal Fluminense – UFF
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Fonte:
Revista Espaço Acadêmico - n. 83 - abril de 2008 - ano VII
http://www.espacoacademico.com.br/

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Olga Agulhon (Os Pássaros)

Nascidos ali, germens da terra, aquelas duas crianças, primos de sangue, irmãos de coração e de alma, cresciam felizes, livres, soltos, escapando, nem sempre ilesos, de uma arte atrás da outra.

Naquela fazenda, longe das cidades, nem tanto pela distância, mas pela lama ou poeira das estradas, não havia luz elétrica. Portanto, não conheciam a televisão, o videogame, o computador e todos esses outros instrumentos que, hoje em dia, mantêm as crianças longe da fantasia dos tempos de outrora.

Faziam seus próprios carrinhos, brincavam nos riachos e engoliam peixinhos vivos para aprenderem a nadar, faziam balanços nos galhos mais altos das árvores, percorriam longas distâncias atrás da borboleta mais bela, velavam os bichinhos que matavam durante suas experiências e preparavam-lhes enterros pomposos, com direito a oração e coroa de flores.
Protagonizavam histórias de príncipes e princesas, falavam com os animais, atormentavam os gansos, domavam os bezerros, montavam nos cavalos e fingiam que eles eram dragões.

Percorriam o milharal em busca da boneca mais bonita e escolhiam loiras, ruivas e morenas, que se transformavam em amigas queridas quando a mágica acontecia.

À noite, corajosos e destemidos, exploravam o escuro do terreiro entre as casas da colônia, na expectativa de um encontro com o saci-pererê ou a mula-sem-cabeça.

Entravam em casa só na hora de dormir, sob as ameaças das mães, que sempre lhes juravam a tal surra de vara de marmelo que eles ainda não tinham experimentado.

Noutras noites, mais poéticos que destemidos, buscavam os vaga-lumes e contavam estrelas, enquanto ouviam a sinfonia dos grilos e dos sapos do mundo do poço.

Quando chovia, ficavam sentados, concentrados, em volta da mesa da cozinha, sob a luz do lampião-de-gás, ouvindo o tio Darci contar histórias de assombração vivenciadas por conhecidos seus daqueles e de outros tempos.

Um dia, apareceram por lá duas pás-carregadeiras, contratadas para fazerem uma represa nos fundos da fazenda.

Os dois não gostaram da invasão e não saíram de casa com medo daqueles monstros barulhentos, com armadura de aço, que, em plena luz do dia, comeram imensas quantidades de terra e deixaram um grande buraco por onde passaram.
Mas gostaram muito quando, em alguns dias, a chuva encheu o buraco, transformando-no em um grande lago.

Não tiveram dúvida:

- Vamos navegar!
Buscaram o velho caixote de preparar cimento, tocaram-no com a varinha mágica e transformaram-no em um lindo barco viking.

A menina, mais velha, ajudou o primo a subir no barco e o seguiu depressa, empurrando a margem com uma das pernas para que se afastassem para longe com a força do pensamento e do remo improvisado.

Antes de alcançarem o centro o lago, tão grande para eles, a água invadiu rapidamente o barco e, nesse momento, um colono estragou a aventura das crianças, retirando-as, totalmente embarreadas, daquele mergulho até o fundo.

Naquele dia, sem entenderem as razões, experimentaram a varinha de marmelo, enquanto eram lavados com bucha e sabão de coco. Ficaram com marcas na bunda e nas pernas, mas a alma não entristeceu.

- Amanhã vamos voar!

Voaram. Algumas escoriações apenas e um corte na cabeça foi o saldo da primeira vez, mas voaram; e voavam cada dia melhor, mais alto, para mais longe.

Quando chegou a idade de irem para a escola, a família viu-se obrigada a se mudar para a cidade. Era preciso estudar os filhos para que eles tivessem uma vida melhor, pensava o pai.
Foi a cena mais triste que vi ou que vivi em toda a minha vida.

Não queriam ir e não havia espaço suficiente para os dois no caminhão na mudança, pois não conseguiam entrar levando tudo que lhes era imprescindível.

Os pais não pestanejaram. Não tiveram dó nem piedade: cortaram-lhes as longas asas.
Pelo vidro, lado a lado engaiolados, enquanto enxugavam as lágrimas, fitavam o monte de penas que embelezava o chão vermelho.

Mantiveram-se assim enquanto se distanciavam.

Mantiveram-se assim até que o vermelho do chão se misturou ao vermelho do pôr-do-sol, o branco das penas se misturou ao branco das nuvens e tudo se perdeu no horizonte para nunca mais sair da retina daqueles olhos, que um dia foram olhos de pássaros.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá
http://www.afacci.com.br/2007/o1.htm

Wagner Ferreira (Lançamento do Livro O Caçador de Milagres)

Romance Místico

Coquetel de lançamento no dia 11 de abril de 2008, das 18h30 às 21h, no Gabinete de Leitura Sorocabano, à Praça Cel. Fernando Prestes, 21, Sorocaba/SP.

Sinopse do livro
O primeiro livro escrito por Wagner Ferreira trata-se de uma narrativa ficcional, poética, com matizes de espiritualidade, de ensinamentos de yoga, reiki, gnose e outros para compor uma trama rica de personagens singulares, simples e sábios.
Conta a história de Thiago, que tem o seu destino mudado para melhorar a sua condição de vida e aprender a amar e viver incondicionalmente em contato com a natureza.

Com apenas cinco anos de idade, perde sua mãe e até os 45 anos vive atrás de bens materiais sem dar valor à sua própria vida. Cansado, ele tem consciência de que o melhor investimento é a sua liberdade. Abandona a vida profissional estressante, o sonho de ser médico, um casamento infeliz e uma filha. Decide então ignorar o seu passado e viver sozinho em um barco chamado “Liberdade”, no Estado do Amapá.

Thiago torna-se um simples pescador e carregador de mercadorias, sonha em construir uma casa no topo de uma montanha e nunca mais ficar correndo atrás de dinheiro. Em contato com a natureza, se inicia um doloroso processo de autoconhecimento. Ele passa a ter visões de cunho espiritual, é conduzido a encontro com mestres, vivencia situações em outras dimensões, recebe ensinamentos de cura pela imposição das mãos e transforma-se em um homem mais profundo e reflexivo.

Thiago conhece Isabela, o amor da sua vida, que o compreende e o espera enquanto cumpre a sua missão. Cheio de fé e confiança, faz curas e descobre que a sua missão é ajudar as pessoas doentes. Isso chama a atenção de políticos inescrupulosos e de autoridades religiosas. É chamado de bruxo e sofre as conseqüências em função de sua postura ética. Foge e decide que é hora de casar-se com Isabela e viver em paz no alto da montanha. Do amor entre eles, nasce Miguel, uma criança especial e evoluída.



O autor descreve as cenas de amor com delicadeza, sensibilidade e com uma poética rara na literatura contemporânea. Mesmo utilizando conhecimentos do universo esotérico, consegue desenvolver uma história instigante, envolvente e até verossímil.
O final é surpreendente, catastrófico, doloroso e emocionante.

Sobre o autor:
Wagner Ferreira nasceu em Sorocaba em 1963, vive e trabalha. É escritor, poeta, romancista, cronista, contista, cursou Direito na Fadi e Letras na Unicoc. É autodidata, Terapeuta holístico, reikeano, especializou-se em Magnifield Realing, acumulando várias atividades no comércio e exercendo várias profissões.
Suas inquietudes espirituais o levaram a uma grande busca metafísica até chegar ao esoterismo primitivo.

Informações:
O autor cederá 30% da venda dos livros para o Gpaci.
Capa: Claudia Salck
Revisão: Rosângela Inojosa Galindo
Páginas: 165p.
Valor: R$ 15,00
Contato com o autor Wagner Ferreira
Tel.: (15) 3013.4726 / 3232.3089 / 9109.0955
e-mail: wagfest@gmail.com

Editora:
Ottoni Editora
Tel: (11) 4022.5309
Site: www.ottonieditora.com.br

Cintian Moraes – jornalista
e-mail: cintian.moraes@yahoo.com.br

Fontes:
Colaboração do escritor sorocabano Douglas Lara (por e-mail)
http://www.sorocult.com/ (biografia e foto)

Wagner Ferreira (A Alma do Carnaval)

O carnaval estava para nascer, e a alma de Ana Maria queria fugir.

Parecia querer evadir-se de um mundo vivido no avesso.

Ela nunca se conformou em abandonar o Cenário carnavalesco depois que se casou. Nunca mesmo!

O marido lhe proibiu de desfilar na passarela, a alegria da sua juventude precocemente reprimida.

Desde então ela se limitou a ser uma dona de casa exemplar, alimentando o esposo, e guiando seus três filhos.

Odiava aquela monotonia perfeccionista temperada pela estabilidade inabalável da sua família.
Mas agora, neste carnaval, queria voltar a desfilar, principalmente para sentir sua liberdade ressurgir.

Os filhos já estavam crescidos e o marido precisava ser enfrentado.

Resolveu! Desfilaria mesmo contra a vontade da família, e falaria na hora do almoço quando todos estariam reunidos na mesa. “Tem que ser agora ou nunca.” Pensou.

Sequer se preocupou em servir a refeição de prato em prato como ela sempre fazia.

“Hoje eu não existo.” Pensou convicta. “Até as empregadas possuem seus dias de folga!”
E num único disparo atirou aquele rancor acumulado pelos anos:

- Vou sair no bloco das frenéticas andorinhas...

Como se não fosse ela quem estivesse ali, talvez uma irmã gêmea, ou um clone...

O marido e os três filhos se assustaram.

Como uma mulher exemplar, que não saia de casa, não fazia fofocas, sempre disposta e prestativa se interessaria por carnaval?

Ninguém acreditou. “Deve ser piada, ou crise da meia idade”, pensou o marido.

Ele se lembrou da sua irmã, que na menopausa pirou. Quis ser atriz de teatro, e abandonou tudo.

Todos os olhares se revelaram como censura e um jurado se constituiu.

O esposo na cabeceira tomou a palavra batendo o cabo da faca na mesa como se fosse o martelo de um magistrado.

– Não admitirei esta loucura de forma alguma, e não se fala mais nisso.
Mas ela não se intimidou:
.
- É isso mesmo, cheguei à conclusão que devo me libertar um pouco desta escravidão, desta rotina, esquecida do mundo. - Pra mim chega!

- Acho que até Deus esqueceu que eu existo. - Eu gosto de carnaval e dai? -Quero me divertir também.

-Tenho meus direitos...

- Eu sabia que ficar assistindo aquelas novelas ia dar nisso. Contestou o marido.

- Eu nunca te tranquei em casa, taí os meninos de testemunha. - Que isso mulher, depois de velha pirou!

- Velha é sua mãe. Retrucou.

- Não ponha minha mãe no meio, ela sim que era mulher exemplar, não confundia liberdade com libertinagem.

- Vamos parar com esta briga besta e me passe a salada. Protestou o filho mais velho.

- E seu coração? Perguntou o filho do meio.

- Não coloquem o meu coração como pretexto, ele está funcionando muito bem, e nada como fazer aquilo que gosto para ganhar vitalidade.

Todos tinham lhe condenado, com exceção da filha caçula.

- Deixa a mamãe, pô ! -Ela precisa se divertir um pouco.

- É nisso que dá tratar a mulher com carinho e não deixar faltar nada em casa...

- Antigamente isso era motivo de uma surra, é isso que você merece...

- Ah é assim seu descarado, estou cansada de te fazer carinho quando você chega caindo de bêbado...

- Bêbado é seu pai, aquele pinguço, aliás, eu não sei onde estava com a cabeça quando tirei você daquele cortiço imundo.

- Ta vendo filha o machista que é seu pai...

- Sou machista mesmo, e dai? Continuou gritando.

- Sabe mãe, eu acho que a senhora tem que se divertir mesmo, mas pêra ai né, desfilar em bloco de rua é demais, se quiser te levo no clube, pelo menos meus colegas não vão ficar tirando sarro de mim. Acrescentou o filho mais velho.

- Ta vendo? -Depois eu é que sou machista.

E o marido se aproveitando da situação, pediu que quem estivesse de acordo levantasse a mão.

Só a caçula levantou. - Vocês são todos quadrados acrescentou.

- Ta bem mulher, se você quiser desfilar pode ir, nem to ligando mais.- Lavo minhas mãos como Calígula...

- E quer saber de uma coisa, vou aproveitar que é carnaval e comprar uma fantasia de palhaço, pois é isso que sou nesta casa.

-Não é Calígula pai, quem lavou as mãos foi Pilatos...Corrigiu o primogênito.

Ana Maria não se abateu com a opinião da família, aquilo era um quartel, um verdadeiro regime comunista.

“Abaixo Fidel Castro, e viva a sociedade capitalista”. Pensou.

Precisava mudar, agir, ser dona do seu nariz, ressuscitar aquela alma carnavalesca, encher-se de glória.

Abortaria o carnaval da sua vida? - Não! Murmurou.

Imaginou-se no meio da avenida, até que explodiu o carnaval...

Os brasileiros inflavam-se nesta bolha de ilusão, que estourava nas migalhas da quarta feira de cinzas...

Mas que lhe importava? A fantasia era sua liberdade, que mascarava sua fuga, mas alimentava o seu sonho de ser admirada por todos.

“Melhor isso do que uma traição”. Lampejou em pensamento.

As pessoas passeavam suas loucuras e o mundo para Ana Maria era a avenida, a vida era o ritmo do samba, e a cada pique e repique da batucada, era a vida que vingava em suas veias.

A máscara era sua identidade, cobrindo a amargura, que ela descontava em cada passo.
A lua já amadurecia quando ela surgiu no fim da avenida.

“Sobrepujava o bloco” “Asas do ”Falcão”. Depois o das” “Panteras”, e logo em seguida o das “Frenéticas Andorinhas,” que rompeu a passarela.

Aninha primava entre confetes e serpentinas, mesclados com os aplausos eufóricos da platéia delirante. Logo estaria diante da comissão de jurados.

“Falariam de mim no alto falante”? Pensou.

Gastava os dentes de tanta emoção. Estava absoluta como porta estandarte.

Ofuscava, luzia ,brilhava, uma verdadeira rainha de carnaval.
O povo retribuía em aplausos. Sua vibração procrastinava a eletricidade da sua alma.

Seu coração batia, batia , batia... Até que parou.

Sua garganta ficou sufocada por aquela emoção.

Ficou caída no asfalto, que de longe era colorido, mas de perto não escondia sua função de consolador de vítimas. Diante daquela mulher caída na avenida, houve um minuto de silêncio.

Ogum, Xangô, Iemanjá foram chamados para salvar a situação.

Ana se despediu desta vida e começou a chover.

Apagava a estrela. Que imediatamente foi colocada numa maca onde algumas serpentinas pousavam lentamente, e partiu num carro que deu o socorro conveniente.

Ela esteve soberba. Foi, sem nunca ter sido.

Alguns minutos depois o samba voltou a tocar com mais força do que antes, e o povo pôs se a cantar e a rebolar.

O pacto do carnaval havia se consolidado.

Para Ana Maria restou a soberba de conhecer sua alma.

Fonte:
http://www.sorocult.com/

Musica e Literatura (A Canção)

Composição poética destinada ao canto. Esta definição elementar não diz todas as possibilidades de aplicação do conceito de canção (do latim cantione, “canto, canção; encanto, encantamento”), que pode incluir textos de índole bastante diversa. Em termos genéricos, podemos considerar a canção popular distinta da canção erudita. A primeira, que se confunde com outras designações como Lied, song, saga, modinha, etc., apresenta grandes variações, não é marcada pelo lirismo puro, e não está sujeita a um padrão definido; a segunda incluirá todas as formas literárias padronizadas ao longo dos tempos e de acordo com as regras impostas pelo gosto da época. Dentro deste tipo culto de canção, devemos distinguir três gêneros: a canção provençal, a canção clássica italiana e a canção romântica. A primeira registra-se na lírica trovadoresca, sob a forma de cantiga, cansó ou chanson. A espécie mais antiga de canção que se conhece é a chanson de geste (canção de gesta), poema narrativo que celebra um feito histórico. Na sua parte do Norte, a França registra ainda um tipo feminino de canção (a chanson d’histoire ou de toile), que era executada por mulheres durante o trabalho de tecelagem. A Provença simboliza o berço da canção trovadoresca, dado que esta região se tornou, a partir do século XII, num centro difusor da atividade poética. Foi através dela que se efetuou a difusão do lirismo trovadoresco na Península Ibérica e Itália, sobretudo. A canção literária portuguesa mais antiga é a de Pai Soares de Taveira, a qual foi dedicada à Ribeirinha, a favorita de Sancho I, composta no ano de 1189. Em Itália, a canção provençal declinará a partir do século XIII. Nasce então a canzone, que teve como principais cultores Dante e Petrarca. Deste último, imitou-se por todo o lado o seu Canzionere, que serviu de modelo até ao romantismo. A canzone italiana virá a influenciar a evolução do soneto.

Na época medieval, a poesia destinava-se a ser cantada e não recitada, nomeadamente pelos trovadores e jograis que utilizavam instrumentos musicais como a viola e o alaúde a acompanhar o seu canto. Neste período, a canção era eminentemente lírica, mas também se registram composições de raiz épica, como as canções de gesta, poemas de origem francesa onde se celebravam os feitos de personagens lendárias ou históricas (como o Rei Artur). Este tipo de canções tornou-se popular e chegou por via oral até ao século XV, de que é exemplo a “Canção de Rolando”.

A canção italiana ou clássica aparece na Renascença e é cultivada em Portugal do século XVI até ao século XVIII. Esta forma poética obedecia a certas regras formais: era composta por texto e finda, ou então, introdução, texto e finda. A introdução continha um caráter de ordem geográfico no qual se descrevia ou indicava o lugar onde se encontrava o poeta. Por seu lado, a finda, que era mais curta que as restantes estrofes do texto, era o espaço onde o poeta fazia a invocação, dedicava a alguém o poema ou comentava-o. Em nível da estrutura formal, a canção consta de cinco ou mais estrofes regulares (com o mesmo número de versos) e como metro obrigatório utiliza o heróico clássico, o qual alternava com o respectivo quebrado (seis sílabas). Como expoente máximo português da canção clássica, assinalamos Camões e textos como “Manda-me Amor que cante docemente” e “Junto de um seco fero e estéril monte”. A temática da canção clássica portuguesa inclui ainda o sofrimento de amor, a fugacidade da vida, a mudança, o tempo que passa irremediavelmente e outros temas afins.

Nunca se separando verdadeiramente da sua musicalidade, entre os séculos XVI e XVII, reúnem-se grandes colações de canções, que integram composições para alaúde, madrigais, canções com vihuela, o que permitiu o desenvolvimento de um gênero que se tornava cada vez mais erudito. No campo musical, a Alemanha e a Áustria desempenharam papel de relevo neste gênero, que aí toma o nome de Lied, a partir do século XVIII, sobretudo com Mozart, Beethoven e Schubert, tendo este último contribuído para a expressão romântica da canção como forma privilegiada para a tradução de sentimentos íntimos. Em França, Fauré desenvolve a chanson como um gênero tão complexo como o Lied alemão.

Do ponto de vista estritamente literário, a canção romântica é um poema lírico simples e, regra geral, trata de um destino particular (por exemplo, a “Canção do Órfão”, de Guerra Junqueiro). Este tipo de canção era por diversas vezes atribuída a entidades como o Mar ou o Vento.. As musas que conferiam inspiração à canção eram o amor, a pátria e a religião. Com o advento do romantismo, a canção perde a sua rigidez inicial, tornando-se mais livre formalmente. Aproxima-se agora a canção das suas raízes populares, pondo de lado, gradualmente, regras fixas de metrificação e organização estrófica A partir de agora, o poema olha o mundo exterior e transporta-o para a canção, conservando-se a musicalidade e a melancolia que lhe era característica, como na “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias. Mais tarde, este gênero irá perder interesse face às inovações com o verso livre e à afirmação dos poemas de estrofes assimétricas.

Hoje, a canção é indissociável da sua realização musical. O processo de composição dá hoje preferência à pauta musical, onde só posteriormente se encaixará o texto da canção. O inverso também ocorre, sobretudo quando se compõe música para textos do cânone literário. Os diversos tipos de expressão musical ajudam a uma maior diversificação das possibilidades da canção, por exemplo, na ópera, falamos de árias (canto a solo); na música popular, falamos em cançoneta, em canção de protesto ou de intervenção, em canção pop (com muitas subespécies).

Fonte:
Carlos Ceia. Canção.
In http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/

domingo, 6 de abril de 2008

Sabedoria Indígena

A sabedoria que se "perdeu" com a matança indiscriminada dos Índios norte-americanos é incalculável. Podemos ver em suas tradições um amálgama do Hermetismo, Hinduísmo, Taoísmo, Budismo e Cristianismo:

Tudo está ligado, como o sangue que une uma família. Todas as coisas estão ligadas. O que acontece a Terra recai sobre os filhos da Terra. Não foi o homem que teceu a trama da vida. Ele é só um fio dentro dela. Tudo o que ele fizer à teia estará fazendo a si mesmo.

Ted Perry, inspirado por discurso do Chefe Seattle (1856)

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O saber sagrado das tradições nativas foram passado de geração em geração, através da tradição oral. Talvez seja por isso que esses povos respeitam tanto o dom da palavra ao reunirem-se em conselho em torno da grande fogueira para compartilhar seus ensinamentos e suas histórias.

No nosso modo de ver, a palavra é um dom que vem direto do Grande Espírito. Por meio dela, nos temos o dom de criar. É através da palavra que nos manifestamos tudo. Independente da língua que falamos, nosso intento se manifesta por intermédio da palavra. Tudo que sonhamos, sentimos e o que somos é manifestado mediante a palavra.

Ela não é simplesmente um som ou um símbolo escrito. A palavra é o poder que todos nós temos para comunicarmos, expressarmos e pensarmos, criando assim os eventos de nossa vida diária. A palavra é a mais poderosa de todas as ferramentas que nós possuímos. Através dela pode ser realizada a guerra ou selada a paz. Devemos ficar alerta para conhecer essa dualidade que existe no dom da palavra, dependendo de como ela é usada, ela pode nos libertar ou nos acorrentar. Não adianta termos esse conhecimento e não sabermos usa-lo com sabedoria. Devemos dizer apenas aquilo em que acreditamos, procurando usar este poder de nossa palavra na direção da verdade e do amor, como os grandes guerreiros dos povos-vermelhos sempre o fizeram.
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Vocês devem ter notado que tudo o que o índio faz movimenta-se em círculo ou tem forma de círculo. O Poder do Mundo trabalha sempre de forma circular e tudo tende a ter a perfeição do círculo. O céu é redondo e a terra também, bem como as estrelas. O vento rodopia e os pássaros constroem seus ninhos de forma circular; as leis deles são semelhantes às nossas. Até mesmos as estações seguem uma grande roda nas suas mudanças, voltando sempre ao ponto de partida. A vida do homem é um círculo: de uma infância à outra. E assim é em tudo onde o poder se movimenta.
Alce Negro (1863-1950) Xamã Oglala Sioux

Os pensamentos são como flechas, uma vez lançadas alcançam o seu alvo. Seja cauteloso ou poderá um dia ser sua própria vítima.
Provérbio Navajo

No princípio de todas as coisas, Tirawa, o Criador, deu a sabedoria e conhecimento aos animais. Ele enviou certos animais para contar aos homens os mistérios das estrelas, do sol e da lua. Para Tirawa todas as coisas no mundo são duais. Em nossas mentes nós somos dois, bom e mal. Com nossos olhos nós vemos duas coisas, coisas que são bonitas e coisas que são feias... Nós temos a mão direita que golpeia e traz mal, e nós temos a mão esquerda cheio de generosidade, e que sempre está mais próxima ao coração. Um pé pode nos conduzir a pelo mau caminho, o outro pé pode nos conduzir ao bom. Assim são todas as coisas.
Letakos Lesa (Águia Noturna) Chefe Pawnne

Não basta falar sobre a paz, é preciso pensar, sentir, agir e viver em paz.
Provérbio Shenandoah

Eu sou o vento que viaja de uma direção para outra, carregando e distribuindo as sementes da vida. Feito a neve, as minhas sementes desaparecem na terra reaparecendo sob uma nova forma. Eu sou o grito do recém nascido que sente a primeira dor da separação. Eu sou o grito de toda a vida que alcança o mistério da verdadeira consciência. Eu sou o eterno. Agora da criação, eu Sou o Espaço através do qual viaja o tempo. Através de mim você experimenta os dons da reflexão, esperança, sabedoria e assim você poderá conhecer a si mesmo. Conhecer-se como Criador e criatura, menor que um grão de poeira e tão grande quanto o Deus que você louva.
Chefe Archie Fire Lame Deer

Não ande atrás de mim, talvez eu não saiba liderar. Não ande na minha frente, talvez eu não queira seguí-lo. Ande ao meu lado, para podermos caminhar juntos.
Provérbio Ute

O que importa se uma vasilha é preta e outra é branca se o desenho delas é perfeito e servem para a mesma finalidade?
Provérbio Hopi

Todos os pássaros, até mesmo os da mesma espécie, não são semelhantes, e o mesmo ocorre com outros animais e com os seres humanos. A razão que o Grande Espírito não fez dois pássaros, ou animais, ou seres humanos idênticos é porque cada um foi colocado aqui por Wakan Tanka para ter uma individualidade independente e confiar em si mesmo.
Atirador, dos Sioux Teton

...tudo na terra tem um propósito, cada doença uma erva para curar , cada pessoa uma missão a cumprir. Esta é a concepção dos índios sobre a existência...
Christine Quintasket (índia Salish) 1888-1936

Você deve viver sua vida do início até o fim, pois ninguém mais pode fazer isto por você.
Provérbio Hopi

Lembre-se que seus filhos não são sua propriedade, eles foram apenas confiados à sua guarda pelo Grande Espírito.
Provérbio Mohawk

Não julgue seu vizinho até andar duas luas nos mocassins dele.
Provérbio Cheyenne

As leis dos homens mudam de acordo com o seu conhecimento e compreensão. Apenas as leis do Espírito permanecem sempre as mesmas.
Provérbio Crow

Quanto mais esperto o homem se julga, mais precisa de proteção divina para defender-se de si mesmo.
Provérbio Seneca

A Terra é a Mãe de todos e todos os homens deveriam ter direitos iguais para se nutrir d'Ela. Esperar que um homem nascido em liberdade possa aceitar ser confinado ou proibido de ir aonde quiser é tão impossível quanto esperar que os rios corram ao contrário.
Joseph (1830-1904) Chefe da tribo Nez Percé

Nós não queremos riquezas, só queremos criar direito nossas crianças. Riquezas não nos fariam bem nenhum bem. Nós não podemos leva-la conosco para o outro mundo. Nós não queremos riquezas. Nós queremos paz e amor.
Mahpiua Luta (Nuvem Vermelha), Chefe dos Sioux Oglalas Teton

Soube que pretendem colocar-nos numa reserva perto das montanhas. Não quero ficar nela. Gosto de vagar pelas pradarias. Nelas me sinto livre e feliz; quando nos estabelecemos, ficamos pálidos e morremos. Pus de lado minha lança, o arco e o escudo, mas me sinto seguro na sua presença. Disse-lhes a verdade. Não tenho pequenas mentiras ocultas em mim, mas não sei como são os comissários. São francos quanto eu? Há muito tempo, esta terra pertencia aos nossos antepassados; mas quando subo o rio, vejo acampamentos de soldados em suas margens. Esses soldados cortam nossa madeira, matam nosso búfalo e, quando vejo isso, meu coração parece partir; fico triste... Será que o homem branco se tornou uma criança que mata sem se importar e não come o que matou? Quando os homens vermelhos matam a caça, é para que possam viver e não morrer de fome.
Satanta, chefe dos Kiowas

Quando povos entram em choque, é melhor para ambos os lados reunirem-se sem armas e conversar sobre isso, e encontrar algum modo pacífico de resolver.
Sinte-Galeshka (Cauda Pintada), dos Sioux Brulés

Essa guerra não surgiu aqui em nossa terra; esta guerra foi trazida até nos pelos trilhos do Pai Grande que vieram tomar nossa terra sem pedir preço e que, em nossa terra, fizeram muitas coisas más. O Pai Grande e seus filhos culpam-nos por estes problemas... Nossa vontade era viver aqui, em nossa terra, pacificamente, e fazer o possível pelo bem-estar e prosperidade do nosso povo, mas o Pai Grande encheu-a de soldados que só pensavam na nossa morte. Alguns do nosso povo que saíram daqui de maneira a poder mudar alguma coisa, e outros que foram para o norte caçar, foram atacados por soldados do outro lado, e agora quando desejam voltar, os soldados se interpõem para impedi-los de voltar ao lar. Parece-me que há um caminho melhor que esse. Quando povos entram em choque, é melhor para ambos os lados reunirem-se sem armas e conversar sobre isso, e encontrar algum modo pacífico de resolver."
Sinte-Galeshka (Cauda Pintada), dos Sioux Brulés

De Wakan Tanka, o Grande Mistério, vem todo o poder. Por causa de Wakan Tanka é que o homem sagrado tem sabedoria e poder para curar e fazer feitiços sagrados. O homem sabe que todas as plantas que curam são dadas por Wakan Tanka; por isso elas são sagradas. Assim também o búfalo é sagrado, porque é um presente de Wakan Tanka. O Grande Mistério deu aos homens todas as coisas para comer, vestir e o bem-estar. E ao homem ele deu o conhecimento de como usar essas dádivas, como encontrar as plantas sagradas que curam, como caçar e cercar o búfalo, como conhecer a sabedoria. Pois tudo provém de Wakan Tanka, tudo. Ao Homem Sagrado é dado na juventude o conhecimento de que ele será sagrado. O Grande Mistério o faz saber disso. Por vezes, são os Espíritos que lhes falam. Os Espíritos não aparecem apenas em sonhos, mas também quando o homem está desperto. Quando um Espírito chega, pareceria como se um homem estivesse lá, mas quando este "homem" acabou de falar e se põe a andar de novo, ninguém pode ver onde ele vai. Assim são os Espíritos. Com os Espíritos, o Homem Sagrado pode dialogar intimamente e lhe ensinar coisas sagradas. O Homem Sagrado vai para uma tenda solitária e jejua e ora. Ou vai para a solidão das montanhas. Quando retorna aos homens, ele lhes conta e ensina o que o Grande Mistério lhe mandou falar. Ele aconselha, cura e faz feitiços sagrados para proteger as pessoas de todo mal. Grande é o seu poder e muito ele é reverenciado; seu lugar na tenda é de honra.
Maza Blaska (Pedaço de Ferro Liso), Chefe Oglala Sioux

As tradições de nossas pessoas são passadas de pai para filho. Para ser Chefe é considerado que ele seja o mais instruído, o líder da tribo. Porém, o Xamã tem mais inspiração. É ele que está em comunhão com espíritos... Ele cura o doente com as suas mãos, preces, encantamentos e cantos divinos. Ele infunde vida nova no paciente, ao executar a sua prática mágica com o seu coração puro e imaculado...
Sarah Winnemucca (índia Paiute) 1844-1891

A preparação para a cura requer um período especial de jejum, oração, renúncia, agradecimentos, sacrifício, exercícios devocionais. O propósito é vencer as paixões da carne e fortalecer o espírito. A abstinência e o rigor físico limpam o corpo e a concentração mental purifica a mente, alinhando assim a matéria e o espírito. Desta forma a mente individual pode entrar em contato com o poder de cura do Grande Espírito.
Wooden Leg (séc. 19) Xamã Cheyenne

Quando compreendermos profundamente a verdade dos nossos corações saberemos louvar, amar e agradecer ao Grande Espírito.
Provérbio Oglala Sioux

Você consegue experimentar o poder e não se perder no processo? Dizem que poucos completam sua jornada de iniciação... Muitos param ao longo do caminho e ficam satisfeitos em ser curandeiros. Tornam-se donos de si mesmos. E há os que caem na armadilha do poder. Perdem-se ao longo do caminho.
Don Antonio Morales Baca (Paq'o Kero) 1902-1985

Fontes
http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2006/05/sabedoria_indig.html
http://www.xamanismo.com/palavra.asp
http://www.xamanismo.com/lobocards.asp?dir=PovoVermelho&folha=24 (figura)

Lendas Indígenas (Serpente Emplumada)

Quetzalcoatl, Deus Serpente, entrou no México à frente de um grupo de estranhos, os Toltecas, vestidos com longas túnicas de linho negro. O povo deu-lhes boas-vindas, e ele tornou-se o rei da Cidade dos Deuses, Tollan. Neste tempo, as maçarocas de milho eram tão grandes que um homem não conseguia transportar mais do que uma cana de vez, o algodão com tantas cores, que não necessitava ser tingido. Uma grande variedade de pássaros de penas coloridas invadiam os ares com suas canções, e abundavam o ouro, a prata e as pedras preciosas. Quetzalcoat introduziu uma religião que apregoava paz para todos os homens. Ele era totalmente puro, inocente e bom. Nenhuma tarefa era humilde para ele. Ele até varria os caminhos para os deuses da chuva, para que eles pudessem chegar e fazer chover.

Com o tempo, seu irmão esperto , Tezcatlipoca, invejoso da sua felicidade, juntamente com mais dois feiticeiros Huitzilopochtli e Tlacahuepán viraram-se contra Quetzalcoat e seu povo. Tezcatlipoca, ficava furioso com tanta bondade e perfeição. Juntamente com os dois feiticeiros, ele decidiu lançar um feitiço negro em Quetzalcoatl e transforma-lo em um ancião preocupado apenas com seu prazer. -Vamos dar a ele um corpo e cabeça humanos, disse. E mostraram a Quetzalcoatl seus novos traços em um espelho de fumaça. Quando Quetzalcoatl olhou no espelho e viu sua face, foi possuído por todos os desejos terrenos que afligiam a humanidade. Gritou de horror. "Já não posso mais ser rei. Não posso aparecer assim diante do meu povo". Ele chamou o coiote Xolotl, que era tão próximo dele quanto sua própria sombra. O coiote fez para ele um manto de plumas verdes, vermelhas e brancas, do pássaro Quetzal. Também fez uma máscara turquesa, uma peruca e uma barba de penas azuis e vermelhas. Pintou de vermelho os lábios do rei, de amarelo sua testa e pintou seus dentes para que parecessem os de uma serpente. E assim Quetzalcoatl ficou disfarçado de Serpente Emplumada.

Mas Tezcatlipoca tinha pensado em uma nova peça para pregar no irmão. Disfarçado de velho, visitou o irmão, e preparou um remédio que, como assegurou a Quetzalcoat, o embriagaria, apaziquaria o seu coração e iria curar seu problema. Com um pouco de boa vontade, Quetzalcoatl, bebeu o remédio e assim que o saboreou, bebeu cada vez mais até ficar embriagado e choramingando. O que ele havia bebido era o vinho feito de pita, chamado a "Bebida dos Deuses". Quando ele estava em esturpor, Tezcatlipoca persuadiu-o a fazer amor com sua própria irmã, Quetzalpetatl.

Quando Quetzalcoatl acordou, ficou amargamente envergonhado com o que tinha feito. "Este é um mau dia", disse e resolveu morrer. Quetzalcoat ordenou a seus servos que fizessem uma caixa de pedra, e ficou dentro dela quatro dias. Depois se levantou e pediu aos servos para encher a caixa com todos os seus maiores tesouros e depois selá-la. Foi até o mar e lá colocou seu manto de plumas de Quetzal e sua máscara de turquesa. E então pôs fogo em si mesmo e queimou até que só restassem cinzas na praia. Dessas cinzas, aves raras se levantaram e voaram para o céu.

Quando Quetzalcoat morreu, a aurora não se levantou por quatro dias, porque Quetzalcoat tinha descido para a terra dos mortos com seu duplo, Xolotl, para ver seu pai, Mictlantecuhtli. Ele disse a seu pai, o Senhor dos Mortos, "Vim buscar os preciosos ossos que o senhor tem aqui para povoar a Terra."

E o Senhor dos Mortos respondeu: "Está bem". Quetzalcoat e Xolotl pegaram os ossos preciosos e voltaram à terra dos vivos. Quando a aurora se levantou outra vez, Quetzalcoat borrifou seu sangue sobre os ossos e deu-lhes vida. Os ossos se transformaram nas primeiras pessoas. Quetzalcoat ensinou à humanidade, muitas coisas importantes. Ele encontrou o milho, que as formigas tinham escondido, e roubou um grão para dar ao povo que tinha criado para que eles pudessem cultivar seu próprio alimento. Ensinou-lhes a polir o jade, a tecer e a fazer mosaicos. O melhor de tudo, ensinou-lhes a medir o tempo e a entender as estrelas, e distribuiu o curso do ano e das estações.

Finalmente chegou o tempo de Quetzalcoat deixar os humanos cuidarem-se de si mesmos. Quando a aurora surgiu, no céu apareceu a estrela Quetzalcoat, que conhecemos como Vênus. Por essa razão, Quetzalcoat é conhecido como Senhor da Aurora. Alguns dizem que Quetzalcoat partiu para o leste em uma jangada de serpentes, na qual se sentou como numa canoa, viajando em direção a Tlapallán, o país misterioso de onde tinha vindo e um dia retornará.

Fontes:
http://www.xamanismo.com/lendas.asp?c=7
http://kulkukan.blogspot.com/ (figura)

Lendas dos ìndios Sioux (O Falcão e A Águia)

Conta uma velha lenda dos índios Sioux, que uma vez, Touro Bravo, o mais valente e honrado de todos os jovens guerreiros, e Nuvem Azul, a filha do cacique, uma das mais formosas mulheres da tribo, chegaram de mãos dadas, até a tenda do velho feiticeiro da tribo:

- Nós nos amamos, e vamos nos casar - disse o jovem. E nos amamos tanto que queremos um feitiço, um conselho, ou um talismã, alguma coisa que nos garanta que poderemos ficar sempre juntos, que nos assegure que estaremos um ao lado do outro até encontrarmos a morte. Há algo que possamos fazer?

E o velho, emocionado ao vê-los tão jovens, tão apaixonados e tão ansiosos por uma palavra, disse:

- Tem uma coisa a ser feita, mas é uma tarefa muito difícil e sacrificada... Tu, Nuvem Azul, deves escalar o monte ao norte dessa aldeia, e apenas com uma rede e tuas mãos, deves caçar o falcão mais vigoroso do monte e trazê-lo aqui com vida, até o terceiro dia depois da lua cheia. E tu, Touro Bravo - continuou o feiticeiro - deves escalar a montanha do trono, e lá em cima, encontrarás a mais brava de todas as águias, e somente com as tuas mãos e uma rede, deverás apanhá-la trazendo-a para mim, viva!

Os jovens abraçaram-se com ternura, e logo partiram para cumprir a missão recomendada. No dia estabelecido, à frente da tenda do feiticeiro, os dois esperavam com as aves dentro de um saco. O velho pediu, que com cuidado as tirassem dos sacos, e viu eram verdadeiramente formosos exemplares...

- Agora - disse o feiticeiro, apanhem as aves, e amarrem-nas entre si pelas patas com essas fitas de couro; quando as tiverem amarradas, soltem-nas, para que voem livres.

O guerreiro e a jovem fizeram o que lhes foi ordenado, e soltaram os pássaros. A águia e o falcão tentaram voar, mas apenas conseguiram saltar pelo terreno. Minutos depois, irritadas pela incapacidade do vôo, as aves arremessavam-se entre si, bicando-se até se machucar.

E o velho disse:

- Jamais esqueçam o que estão vendo; este é o meu conselho: Vocês são como a águia e o falcão; se estiverem amarrados um ao outro, ainda que por amor, não só viverão arrastando-se, como também, cedo ou tarde, começarão a machucar-se um ao outro.

Se quiserem que o amor entre vocês perdure, voem juntos, mas jamais amarrados.

Fonte: Autor Desconhecido
http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2002/06/o_falcao_e_a_ag.html

Erskine Caldwell (1903 - 1987)

Erskine Preston Caldwell (White Oak, Geórgia, 17 de dezembro de 1903 - Paradise Valley, Arizona, 11 de abril de 1987) foi um escritor estadunidense, autor de romances e contos geralmente ambientados no sul dos Estados Unidos. Foi também ensaísta e correspondente de guerra.

Biografia

Caldwell passou os primeiros anos de sua vida mudando-se de um estado para outro, porque a isso o obrigava a profissão de seu pai, que era pastor presbiteriano. Foi operário, criado, trabalhador rural, cozinheiro, maquinista de teatro e jogador de basebol. Freqüentou a Universidade da Virgínia por três anos; não se formou, mas foi incentivado a tornar-se escritor. Foi ali que viu nascer, em 1926, seu primeiro trabalho impresso, o ensaio "The Georgia Cracker", onde já se encontram vários dos temas que mais tarde abordaria em sua carreira literária: injustica racial, demagogia, religião, irresponsabilidade social.

Seu primeiro livro importante foi a coletânea de contos American Earth (Frenesi de Verão, Brasil), de 1931. Nos dois anos seguintes, publicou suas obras mais conhecidas: Tobacco Road (A Estrada do Tabaco, Brasil e Portugal) e God's Little Acre (Pequeno Rincão de Deus, Brasil ou A Jeira de Deus, Portugal). A crueza da linguagem, a ousadia dos temas e o tratamento dado aos personagens chocaram os leitores. Acusados de obscenidade, ambos os livros foram perseguidos e banidos de várias bibliotecas. Caldwell chegou a ser preso quando foi a Nova Iorque para uma noite de autógrafos quando do lançamento de God's Little Acre. No entanto, a crítica mais progressista elogiou fartamente essas obras, sendo que Tobbaco Road foi adaptado para o teatro, tendo permanecido em cartaz por quase dez anos. Em 1941, foi transformado em filme, sob a direção de John Ford.

Nos anos 1930, Caldwell e Helen Lannigan, sua primeira esposa, mantiveram uma livraria no estado do Maine, para onde haviam se mudado na década anterior. Até o início dos anos 1940, Caldwell já havia escrito mais dois romances, além de três livros de contos e um ensaio fotográfico junto com sua nova esposa, Margaret Bourke-White. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi correspondente de guerra na União Soviética, mais precisamente na Ucrânia. De volta, fixou-se em São Francisco (Califórnia), já divorciado. Entre 1942 e 1955, foi editor da American Folkways, uma série de livros regionais. Pelos próximos anos, além de continuar a escrever, Caldwell dedicou-se a viajar pelo mundo, sempre tomando anotações que podem ser consultadas no The Erskine Caldwell Birthplace and Museum, na cidade de Moreland, Geórgia, um museu dentro da casa onde nasceu. Publicou romances e contos até a década de 1970, mas já sem o aval da crítica e do público. Ainda assim, calcula-se que tenha vendido 40.000.000 de exemplares de suas obras, principalmente aquelas de sua fase mais produtiva artisticamente.

Fumante inveterado, Erskine Caldwell faleceu devido a um enfisema e um câncer no pulmão.

Obra

Caldwell sofreu grande influência de seu pai, um reformador social conservador. Seus primeiros livros tratam de uma outra América, a América dos vencidos, dos desgraçados e sem esperança, daqueles que ficaram de fora do Sonho Americano. Daí sua escrita ser crua e direta, às vezes mesclada com um humor sombrio e patético; seus personagens, a quem faltam consciência social, tendem ao animalesco e à degenerescência moral. As obras são impregnadas de lascívia, crueldade, volúpia, violência física ou mental, racismo e soturna resignação. Assim como William Faulkner, John Steinbeck e outros escritores do período, Caldwell procurou retratar a vida desses miseráveis de um Sul arcaico, segregacionista e reacionário. Apesar de contar com o reconhecimento da crítica menos acomodada e de vender milhões de exemplares, os temas desses livros desagradaram a maioria silenciosa, o que fez com que Caldwell nunca conseguisse livrar-se da pecha de obsceno, comunista e pornográfico. Por isso vários de seus livros foram proibidos, apreendidos ou sofreram todo tipo de perseguição.

No entanto, com a morte do pai em 1944, seu grande leitor e encorajador, a obra de Caldwell entrou em declínio lento e irreversível. Seus personagens já não eram retratados com a mesma força de antigamente e seus temas passaram a sofrer influência de outros campos do conhecimento, como no romance Gretta (Gretta, Brasil), de 1955, em que a psicanálise é convocada para explicar o estranho vício da personagem-título.

Tanto no Brasil como em Portugal, foram publicados diversos livros do autor, principalmente entre as décadas de 1940 e 1960.
Bastard, 1929 - contos
Poor Fool, 1930 - contos
American Earth, 1931 - contos (Frenesi de Verão, Brasil)
Tobacco Road, 1932 - romance (A Estrada do Tabaco, Brasil e Portugal)
We Are the Living, 1933 - contos
God's Little Acre, 1933 - romance (Pequeno Rincão de Deus, Brasil ou A Jeira de Deus, Portugal)
Tenant Farmers, 1935 - ensaios
Some American People, 1935 - ensaios
Journeyman, 1935 - romance (O Pregador, Portugal)
Kneel to the Rising Sun, 1935 - contos
The Sacrilege of Alan Kent, 1936 - poema em prosa
You Have Seen Their Faces, 1937 - ensaio fotográfico (com Margaret Bourke-White)
Southways, 1938 - contos
North of the Danube, 1939 - ensaio fotográfico (com Margaret Bourke-White)
Trouble in July, 1940 - romance
Say Is This the USA, 1941 - ensaio fotográfico (com Margaret Bourke-White)
Moscow Under Fire, 1942 - reportagens do front germano-russo
Russia at War, 1942 - reportagens do front germano-russo
All-Out on the Road to Smolensk, 1942 - reportagens do front germano-russo
All Night Long, 1942 - romance (Guerrilheiros Russos, Portugal))
Georgia Boy, 1943 - romance (Um Rapaz da Geórgia, Portugal)
Tragic Ground, 1944 - romance (Chão Trágico, Brasil)
A House in the Uplands, 1946 - romance (Uma Casa no Planalto, Portugal)
The Sure Hand of God, 1947 - romance
This Very Earth, 1948 - romance (Três Destinos, Brasil)
A Place Called Estherville, 1949 - romance (A Cidade do Ódio, Brasil)
Episode in Palmetto, 1950 - romance (Episódio em Palmetto, Portugal)
Call It Experience, 1951 - autobiografia
The Courting of Susie Brown, 1952 - contos
A Lamp for Nightfall, 1952 - romance (Os Donos da Terra, Brasil)
Love and Money, 1954 - romance
Gretta, 1955 - romance (Gretta, Brasil)
Gulf Coast Stories, 1956 - contos
Certain Women, 1957 - contos
Claudelle Inglish, 1958 - romance
Molly Cottontail, 1958 - infantil
When You Think of Me, 1959 - contos
Jenny by Nature, 1961 - romance
Men and Women, 1961 - contos
Close to Home. 1962 - romance
The Last Night of Summer, 1963 - romance
In Search of Bisco, 1965 - viagens
The Deer at Our House,1966 - infantil
Writing in America, 1967 - ensaios Miss Mamma Aimee, 1967 - romance
Summertime Island, 1968 - romance
Deep South, 1968 - viagens
The Weather Shelter, 1969 - romance
The Earnshaw Neighborhood, 1971 - romance Annette, 1973 - romance
Afternoons in Mid America, 1976 - ensaios
With All My Might, 1987 - autobiografia

Em 1946, a editora portuguesa Atlântida, Livraria Editora, Lim., dentro de sua coleção "Antologia do Conto Moderno", publicou o volume intitulado "Erskine Caldwell", com as seguintes histórias:
Ajoelhai Ante o Sol Nascente (Kneel to the Rising Sun)
Raquel (Rachel)
Ladrão de Cavalos (Horse Thief)
A Rapariga Amarela (Yellow Girl)
O Burro Turbulento (Meddlesome Jack)
O Rio Quente (Warm River)
O Meu Velhote (My Old Man)

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Erskine_Caldwell
http://id.mind.net (foto)

Erskine Caldwell (Rio Quente)

O cocheiro parou próximo da ponte suspensa e apontou-me a casa que ficava do outro lado do rio. Três quilômetros de distância da estação até ali... Paguei-lhe a importância do frete e saí do carro. O homem partiu deixando-me só com a noite escura. As luzes do vale brilhavam como as estrelas, e o rio, largo e verde, e quente, corria a meus pés. Na escuridão da noite, à minha volta, as montanhas, erguiam-se como nuvens negras; só pregando os olhos no céu me era possível ver uns restos do brilho quase apagado do pôr do sol.

A cada passo que dava a ponte rangia e o ímpeto do seu balouçar depressa excedeu o do meu andamento. Com aquele oscilar de pêndulo a descrever arcos de grande amplitude sobre o rio, para me manter em equilíbrio, era preciso andar depressa, cada vez mais depressa. Quando, finalmente, avistei na outra margem o ponto onde a montanha descia abruptamente e mergulhava na água tépida do rio, segurei com mais firmeza o saco e deitei a correr com quanta força tinha.

Então, e mesmo depois de pisado o carreiro de cascalho, confesso que tive medo. Sei que se fosse dia poderia atravessar a ponte sem qualquer espécie de receio; mas à noite, numa região desconhecida, com montanhas sombrias fechando-se à minha volta e um rio largo e verde correndo a meus pés, não conseguia evitar que as mãos me tremessem e o coração me batesse com mais força no peito.

Encontrei a casa com facilidade e ri de mim próprio por ter fugido do rio. Era a primeira casa com que se dava depois de deixar a ponte e mesmo que não a tivesse reconhecido Gretchen ter-me-ia chamado. Lá estava nos degraus da porta à minha espera. Ao ouvir a sua voz tão familiar chamar pelo meu nome envergonhei-me pelo medo que tive das montanhas altas e do rio que deslizava lá ao fundo.

Gretchen desceu o carreiro e veio ao meu encontro.

- A ponte meteu-te medo, Ricardo? - perguntou, emocionada, segurando-me o braço com as duas mãos e guiando-me pela vereda na direção da casa.

- Acho que sim, Gretchen; mas suponho que dominei o seu balanço, correndo.

- Toda a gente procede assim a princípio mas, depois de tê-la atravessado uma vez, é como se andássemos sobre uma corda esticada. Quando era pequena costumava andar sobre cordas tensas... E tu, Ricardo, não andaste também?
Tínhamos uma corda esticada dum lado ao outro do celeiro, para praticar.

- Também eu o fiz; mas foi há tanto tempo... Agora não sou capaz...

Chegamos e subimos os degraus que davam para a entrada da casa. Gretchen guiou-me até à porta. Do interior da casa alguém se aproximava do átrio; o candeeiro que trazia na mão iluminou a entrada da casa. Então vi as duas irmãs de Gretchen, de pé, junto da porta.

- Esta é a minha irmãzinha Ana - disse Gretchen. - E esta é a Marta.

Mesmo ali, quase às escuras, lhes dirigi algumas palavras; depois entramos no átrio. O pai de Gretchen que, junto de uma mesa, segurava o candeeiro desviou-o um pouco para o lado para melhor me ver a cara. Não o conhecia.

- O meu pai - apresentou Gretchen. - Ele receava que, com este escuro, não fosses capaz de dar com a casa.

- Quis ir lá abaixo, à ponte, esperá-lo com uma luz mas Gretchen disse-me que chegaria cá sem dificuldade. Perdeu-se? Não me custaria nada levar-lhe uma lanterna.

Apertei-lhe a mão e contei-lhe da facilidade com que tinha encontrado a casa.

- O cocheiro do carro que me trouxe apontou-ma do outro lado do rio, e nunca mais desviei os olhos da luz. Se a tivesse perdido de vista andaria a estas horas por aí às escuras, aos tropeções, sujeito a cair à água.

O homem riu-se de mim por causa de ter medo do rio.

- Não seria grande o mal. O rio é quente. Até no Inverno, quando gela, quando cai neve, o rio está tão morno como um quarto confortável. Aqui todos gostamos daquela água.

- Não, Ricardo, não terias caído - disse Gretchen juntando a sua mão à minha. - Vi-te na altura em que desceste do carro, e se tivesses dado um passo fora do caminho teria corrido imediatamente para junto de ti.

Quis agradecer-lhe estas palavras mas ela já subia as escadas que davam para o andar de cima, e chamava-me. Segui-a, levando o saco à minha frente. Ao fundo do átrio do andar de cima, em cima de uma mesa, havia um candeeiro com quebra-luz. Estava aceso, mas a luz era fraca. Gretchen levou-o e entrou num dos quartos que ficavam em frente. Estivemos, por momentos a olhar um para o outro, em silêncio.

- A bilha tem água fresca, Ricardo. Se precisares mais alguma coisa faze o favor de me chamar. Não sei se o consegui, mas procurei não esquecer nada.

- Não te incomodes, Gretchen. Que mais podia desejar? Basta-me estar contigo, nada mais me interessa.

Olhou-me mas depressa pôs os olhos no chão. Durante alguns minutos nem um nem o outro encontramos que dizer e ficamos calados. Quis mostrar-lhe a minha alegria por me encontrar junto dela, embora fosse apenas por uma noite; depois pensei que podia falar nisso mais tarde. Gretchen sabia a razão porque eu tinha vindo.

- Fica aqui o candeeiro, Ricardo, e espero lá em baixo, à entrada, por ti. Vem logo que estejas pronto.
Deixou-me antes que fosse possível oferecer-me para lhe levar a luz à escada e iluminar-lhe o caminho. Quando peguei no candeeiro, já ela tinha desaparecido.

Voltei para o quarto, fechei a porta, lavei o rosto e as mãos e livrei-me da poeira do comboio, esfregando-me com uma escova e sabão. No toalheiro havia algumas toalhas bordadas à mão. Peguei numa e enxuguei as mãos e a cara.
A seguir penteei-me e tirei do saco de viagem um lenço lavado. Por fim abri a porta e desci a escada para ir ao encontro de Gretchen.

O pai estava com ela à porta. Quando me aproximei levantou-se e ofereceu-me uma cadeira que estava entre ambos. Gretchen puxou a sua mais para o pé da minha, tocando-me no braço com a mão.

- É a primeira vez que vem aqui, aos montes, Ricardo? - perguntou o pai voltando-se para mim.

- Sim, senhor, nunca estive a menos de cem quilômetros deste sítio. Acho a região diferente daquelas que conheço mas estou convencido de que o senhor pensaria o mesmo a respeito da costa. Não é verdade?

- Oh, mas o pai viveu em Norfolk - disse Gretchen. - Não viveu, pai?

- Sim, vivi lá perto de três anos.

Pareceu-nos que queria dizer mais alguma coisa e ambos esperamos que continuasse.

- O pai é chefe de mecânicos - disse-me Gretchen em voz baixa. - Trabalha nas oficinas do caminho de ferro.

- Sim - afirmou ele, seguidamente. - Tenho vivido em muitos lugares, mas é aqui que desejo ficar.

O meu primeiro desejo foi o de perguntar-lhe porque motivo preferia as montanhas às outras regiões, mas de súbito reparei que tanto ele como Gretchen se tinham fechado num silêncio opressivo. Sentado entre ambos, pus-me a cismar no caso.

Pouco depois voltou a falar mas não o fazia nem para mim, nem para Gretchen; falava para qualquer outra pessoa que estivesse junto da entrada da porta, uma quarta pessoa que, no escuro da noite, eu não podia ver. Esperei atento e cheio de emoção, que continuasse.

Gretchen aproximou a sua cadeira da minha algumas polegadas, e fê-lo com leveza, sem fazer barulho. O bafo quente do rio subia no espaço e vinha até nós cobrindo-nos, na noite frígida, como se tratasse dum cobertor.
- Quando Gretchen e as outras duas irmãs perderam a mãe - disse ele, falando muito baixo, curvando-se sobre os joelhos e olhando as águas verdes do rio - quando perdemos a mãe dela, voltei para as montanhas. Não me foi possível continuar em Norfolk e Baltimore tornara-se insuportável. Este era o único lugar da terra onde podia encontrar a paz. Gretchen lembra-se, certamente, da mãe mas nenhum de vocês é capaz de compreender o que se passa comigo. A mãe, tal como eu, tinha nascido aqui nas montanhas e aqui estivemos durante quase vinte anos.

Depois de ela ter partido mudei de casa; acreditava estupidamente que podia esquecer. Mas enganei-me. Enganei-me certamente. Um homem não pode esquecer a mãe de seus filhos ainda que saiba que nunca mais voltará a vê-la.
Gretchen chegou-se mais para mim; fiquei preso, não podia desviar os olhos do seu perfil que, a meu lado, se emoldurava no escuro. Do rio, nem sequer um murmúrio chegava até nós; só o seu bafo quente me bastava para pensar que ele corria quase a nossos pés.

O pai inclinou-se na cadeira até os braços lhe pousarem sobre os joelhos e olhava para o outro lado do rio, para o cimo da montanha, como se esperasse que aí aparecesse alguém. Os olhos estavam fixos num ponto e o feixe de luz que se coava através da porta enchia-os dum brilho estranho. E brilhavam também, como fragmentos de estrelas, as lágrimas que lhe rolavam pela cara abaixo e que, antes de se desfazerem, lhe escaldavam as mãos tremulas e expressivas.

A seguir, sempre em silêncio, ergueu-se e entrou em casa. Parou à porta por momentos e a sua sombra enorme caiu sobre Gretchen e sobre mim. Continuou a andar. Voltei-me e olhei na direção em que ele seguia e embora a sua imagem se fosse esbatendo o que é certo é que não conseguia fitá-la.

Gretchen inclinava-se mais para mim. Apertava nervosamente a minha mão e esfregou o rosto no meu ombro, como se procurasse limpar qualquer coisa. Os passos do pai foram-se apagando, até que, por fim, deixamos de ouvi-los.
Lá em baixo, ao longo da margem do rio, um comboio correu pelo vale fora, esfarpando com silvos o silêncio da noite. As suas luzes, através das janelas, faiscaram por momentos no escuro, dançando no rio verde como luzes polares; e um eco nostálgico rolou contra as altas encostas da montanha.

Gretchen apertou, com força, a minha mão nas suas, tremendo até às pontas dos dedos.

- Ricardo, porque vieste ver-me?

A sua voz misturava-se com o ruído do apito metálico do comboio, que parecia perder-se na distância.

Esperava ver os seus olhos cravados no meu rosto, mas, quando me voltei para ela, vi que olhava para o fundo do vale, como se quisesse revolver as águas quentes do rio. Sabia a razão da minha visita e queria ouvi-la da minha boca.

Agora, nem eu próprio sabia, porque viera vê-la. Tinha gostado de Gretchen e tinha-a desejado mais do que a nenhuma outra rapariga das que conheci mas, depois de ouvir o pai falar de amor, não podia afirmar que a amava. Sim, lamentava ter vindo, depois de ouvi-lo falar da mãe de Gretchen como falou. Sabia que Gretchen se empolgaria, por que me tinha amor; eu é que nada tinha para lhe dar em troca. Era bela, sim, era muito bela e eu tinha-a desejado. Mas isso estava esquecido. Agora me restava a certeza de que nunca mais voltaria a pensar nela da mesma forma e com as mesmas razões.

- Diz-me porque vieste, Ricardo.

- Por quê?

- Sim, Ricardo, por quê?

Fecharam-se-me os olhos e o que senti foi a lembrança das luzes cintilando e correndo, lá em baixo, no vale, a tepidez das águas do rio deslizando e as carícias dos dedos de Gretchen ao tocarem-me no braço.

- Ricardo, diz-me porque vieste.

- Nem eu sei porque vim, Gretchen

- Se me quisesses como eu te quero, Ricardo, saberias.

A sua mão tremia na minha. Amava-me, sabia que me amava. Nem uma dúvida no meu espírito, desde o princípio... Gretchen gostava de mim.

- Parece-me que não devia ter vindo. Enganei-me Gretchen. Sim, não devia ter vindo.

- Mas ficas só esta noite, Ricardo. Vais-te embora amanhã de manhã. Não tens pena de ter vindo por tão pouco tempo? Não tens pena, Ricardo?

- Não lamento estar aqui, mas não devia ter vindo. Não sabia o que fazia. Agora sei que não devia ter vindo. Só as pessoas que se amam mutuamente...

- Mas tu amas-me, embora pouco, não é assim Ricardo? Não era possível quereres-me tanto como eu te quero. Mas não podes dizer que me queres, mesmo que pouco seja? Assim sentir-me-ei mais feliz quando te fores embora.

- Não sei - respondi a tremer.

- Ricardo, por favor...

Prendi-a firmemente, enleadas as suas mãos nas minhas; de súbito senti-me invadido por qualquer coisa que não sei explicar, qualquer coisa que me sacudiu. Era como se as palavras que ouvira ao pai se fossem tornando claras, cada vez mais claras, e fizessem luz no meu espírito. Até então não podia acreditar que existisse um amor como o de que ele falara. Sempre julguei que os homens nunca amavam as mulheres da mesma forma que uma mulher ama um homem; agora, porém, verificava que não podia haver diferença.

Permanecemos silenciosos, de mãos dadas, durante algum tempo. Passava muito da meia-noite, pois as luzes do vale começavam a apagar-se.

Gretchen junto de mim procurava ler-me no rosto os pensamentos e pousava a cabeça no meu ombro. Era tanto minha como é possível uma mulher pertencer a um homem mas, nesta altura, tinha a certeza que nada me levaria a tirar partido do seu amor e a abandoná-la, sabendo que não gostava dela como Gretchen gostava de mim. Não, não acreditava em tal quando cheguei. Percorrera a enorme distância que nos separava, unicamente para tê-la nos braços durante algumas horas, e depois esquecê-la para sempre.

Quando achamos que eram horas de recolher, levantei-me e ergui-a nos braços. Gretchen tremia quando lhe toquei. Prendeu-se a mim com a mesma violência com que a prendi e senti no bater do seu coração, pancada por pancada, a paixão que lhe transbordava do peito.

- Ricardo, beija-me antes de te ires embora.

Correu para a porta, mantendo-a aberta para que eu entrasse. Pegou no candeeiro que estava sobre a mesa, subiu as escadas que davam para o andar de cima, adiante de mim.

Á porta do meu quarto esperou que eu acendesse o seu candeeiro e a seguir entregou-me o meu.

- Boa noite, Gretchen.

- Boa noite, Ricardo.

Baixei-lhe a torcida do candeeiro para evitar que deitasse fumo, e ela, depois, atravessou o átrio dirigindo-se ao seu quarto.

- Amanhã chamar-te-ei a tempo de tomares o comboio.

- Está bem, Gretchen. Não me deixes dormir de mais. O comboio sai da estação às sete e trinta.

- Chamar-te-ei muito a tempo, Ricardo.

A porta fechou-se atrás de Gretchen. Entrei para o meu quarto, fechei também a porta e comecei a despir-me vagarosamente. Deitei-me, apaguei o candeeiro mas, na agitação em que estava, não adormeci. Sabendo que era impossível dormir sentei-me na cama, fumando cigarro atrás de cigarro e deitando o fumo, através da cortina, para a janela. Mais de uma vez julguei ouvir sons abafados, que vinham do outro lado do átrio, que vinham do quarto de Gretchen. Sim, julguei; contudo não tinha a certeza.

Não posso precisar quanto tempo estive sentado na beira da cama, rígido, sem um movimento, direito, a pensar em Gretchen. De súbito levantei-me de um salto. Abri a porta e atravessei o átrio rapidamente. A porta do quarto de Gretchen estava fechada. Contudo sabia que ela não a tinha fechado à chave e dei volta ao puxador sem fazer ruído. Rompeu, através da abertura, um feixe tênue de luz. Não era preciso empurrar mais a porta porque via Gretchen, apenas a alguns passos de distância, quase ao alcance da mão. Fechei os olhos com esforço e, naquele momento, pensei nela com uma intenção igual à que me ditara a viagem que nesse dia fizera, da costa até ali.
Gretchen não tinha ouvido abrir a porta, nem sabia que eu me encontrava ali. Sobre a mesa, o seu candeeiro ardia com uma luz viva.

Não esperava vê-la acordada, tinha quase a certeza de que a encontraria deitada. Estava ajoelhada no tapete, ao lado da cama, com a cabeça apoiada nos braços. Os soluços sacudiam-lhe o corpo.

O cabelo, preso por uma fita pálida no alto da cabeça, espalhava-se-lhe depois pelos ombros. Vestia uma camisa de seda branca, franjada de rendas vaporosas, e a gola, aberta, descobria-lhe o seio.

Só então vi quanto ela era bela, embora sempre a tivesse considerado bonita. Nunca, até ali, vira uma rapariga tão bela como Gretchen.

Como não ouviu abrir a porta continuava a ignorar a minha presença. De joelhos, ao lado da cama, chorava e tinha as mãos crispadas.

Quando entrei não sabia o que iria fazer mas agora, que a via ajoelhada em oração junto do leito, ignorando que a olhava e ouvia as suas queixas e soluços, tive a certeza de que nunca mais amaria alguém como lhe queria a ela. Sim, ignorava-o até àquele momento, mas bastaram uns poucos segundos para sentir quanto a amava.
Fechei a porta devagar e voltei para o meu quarto. Peguei numa cadeira e sentei-me próximo da janela à espera do dia. E ali fiquei olhando o fundo do vale. Á medida que os olhos se habituavam à escuridão parecia-me que me aproximava cada vez mais do rio e tão próximo dele me sentia que, estendendo o braço, poderia mergulhar as mãos nas suas águas quentes.

De madrugada julguei ouvir alguém no quarto de Gretchen a andar cuidadosamente, a caminhar de janela para janela e, em certa altura, tive a certeza de ouvir passos lá fora, junto da porta do meu quarto.

Quando o sol despontou no alto da montanha levantei-me e vesti-me. Depois ouvi os passos de Gretchen, ouvi Gretchen descer a escada. Certamente preparava o meu almoço, à pressa, para que eu não perdesse o comboio. Esperei e, um quarto de hora depois, ela subia novamente a escada. Bateu devagar e chamou várias vezes por mim.
Abri a porta de par em par e apareci-lhe. Ficou surpreendida por me ver já pronto; esperava encontrar-me a dormir e, por momentos, não pôde articular uma palavra.

- Gretchen - disse eu, tomando-lhe as mãos - não tenhas pressa por causa do comboio... não parto... não sei o que tinha ontem... Agora sinto que te amo.

- Mas, Ricardo, disseste a noite passada...

- Disse a noite passada que partia de manhã cedo, Gretchen; mas, acredita, não sabia o que estava dizendo. Agora só parto quando fores comigo. Dir-te-ei o que penso, depois do almoço. Mas, antes de mais nada, quero que me digas por onde se desce até ao rio. Preciso de lá ir imediatamente, quero mergulhar as mãos nas suas águas.

Fonte:
http://homepage.oninet.pt/670mzj/lit109.htm

Agenir Leonardo Victor (Entrevista com A. A. de Assis)

A trova é apaixonante

Antonio Augusto de Assis, mais conhecido como A. A. de Assis, 71, nasceu em São Fidélis-RJ. Veio para Maringá em 1955, retornou ao estado do Rio em 1959 e novamente transferiu residência para Maringá em 1963, aqui permanecendo até hoje. Aposentou-se em 1997 como professor do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá. Desde a juventude tem-se dedicado à poesia. Em 1960, residiu em Nova Friburgo-RJ, berço da trova moderna no Brasil. Nesse período, conviveu com os mais importantes trovadores da época, tais como Aparício Fernandes, Delmar Barrão, Luiz Otávio, J.G. de Araújo Jorge e outros, daí surgindo seu entusiasmo pela quadra setissilábica. Assis é autor de vários livros e também da Missa em trovas, que tem sido celebrada em quase todo o país em festas de poesia. Tem uma estante cheia de troféus ganhos em concursos literários realizados Brasil afora e em Portugal. Para a entrevista que transcrevemos a seguir, o poeta maringaense nos recebeu em sua residência, onde conversamos durante cerca de uma hora.

AGENIR – Qual a diferença entre poeta e trovador?

ASSIS – A mesma que existe, por exemplo, se é que existe, entre médico e cardiologista. Todo cardiologista é médico mas nem todo médico é cardiologista. Assim também, todo trovador é poeta mas nem todo poeta é trovador. Digamos que a trova é uma especialidade dentro do gênero poesia.

AGENIR – Como se define a trova?

ASSIS – É um micropoema sem título, composto de quatro versos de sete sons (sete sílabas), rimando o primeiro com o terceiro e o segundo com o quarto.

AGENIR – Mais ou menos como o haicai?...

ASSIS – O haicai é menor ainda: compõe-se de três versos, sendo o primeiro e o terceiro com cinco sons e o do meio com sete sons. Uns dizem que a trova é o haicai ocidental; outros que o haicai é a trova japonesa. Tanto a trova quanto o haicai primam pela síntese.

AGENIR – A trova deve ser muito antiga...

ASSIS – Tem mais de mil anos, e no entanto continua cheia de vida. Suas origens remontam à Idade Média, a partir do sul da França, de onde se expandiu por toda a Europa, encontrando seu canteiro mais fértil na Espanha e em Portugal. A língua portuguesa nasceu cantando trovas, na voz dos antigos jograis e menestréis. Ao Brasil a trova chegou de carona nas caravelas de Cabral, sobreviveu às diversas escolas literárias que andaram na moda nestes últimos quinhentos anos, e permanece até hoje na boca e no coração do povo como a mais natural das modalidades poéticas.

AGENIR – Ainda existem jograis e menestréis?

ASSIS – De certo modo, sim. Os jograis e menestréis da Idade Média saíam de corte em corte cantando suas trovas, nas quais contavam novidades, espalhavam fofocas... eram os repórteres da época. A cantoria deles era um verdadeiro jornal em versos. São seus sucessores, hoje, os cantadores do Nordeste e do Sul do Brasil, com seus repentes e cordéis. O cordel é, em última análise, uma grande reportagem sobre algum assunto em evidência no momento.

AGENIR – E qual a diferença entre os cantadores populares e os trovadores literários?

ASSIS – Uma diferença importante está na maneira de compor a trova: os cantadores não seguem uma forma fixa, enquanto os trovadores conhecidos como "literários" seguem as normas da UBT (União Brasileira de Trovadores) e obedecem ao padrão culto da língua, utilizando vocabulário acessível mas valorizando a correção gramatical.

AGENIR – Pode-se então enquadrar a trova como um modo de comunicação...

ASSIS – Claro que sim. Comunicar é transmitir a alguém uma informação, um pensamento, um apelo, uma emoção, e isso se faz de muitas formas: mediante um gesto, um desenho, um sinal sonoro, um texto oral ou escrito, em prosa ou verso. A trova é um modo de comunicação em versos, tal como o haicai, o soneto, o poema livre, a letra de música etc.

AGENIR – Haveria lugar para a poesia, hoje, na mídia?

ASSIS – Parece que cada vez menos. Houve tempo em que todos os jornais e muitas revistas, bem como as emissoras de rádio e algumas de televisão abriam espaço para a literatura. Hoje, porém, os tempos são outros. Há uma tremenda disputa pelo leitor e pelo ouvinte, de modo que a matéria precisa interessar ao maior número possível de pessoas, sob pena de queda no ibope.

AGENIR – E literatura não dá ibope...

ASSIS – Pelo menos não tanto quanto futebol, polícia, política, economia, fofoca, humorismo... O romance, outrora tão popular, foi quase totalmente substituído pela telenovela...

AGENIR – Poesia, nem pensar... Seria um produto em extinção...

ASSIS – (risos) ...Não exageremos. Não tenho notícia de que a mídia em algum lugar se ocupe em divulgar, por exemplo, o futebol de botão. No entanto, há um sem-número de meninos (de todas as idades), a começar pelo Chico Buarque de Holanda, que são apaixonados por esse esporte. As pessoas jogam botão pelo prazer que isso lhes dá, independentemente da repercussão que possa ter na mídia o seu divertimento. Da mesma forma se comportam os que escrevem, lêem e até colecionam trovas.

AGENIR – Quantas pessoas gostariam de trovas no Brasil?

ASSIS – Não há uma estatística... Só de trovadores conhecidos, temos uns 5 mil. Mas não há como saber quantas pessoas, não-poetas, se deliciam lendo essas quadras. Ninguém sabe também quantos brasileiros apreciam palavras cruzadas, mas é difícil achar um jornal que não as ofereça aos seus leitores. O jornal Diário Gaúcho, de Porto Alegre, publica uma coluna com o título "A Trova do Dia", e o retorno em forma de correspondência é surpreendente. É difícil fazer uma boa trova, porém é muito fácil entendê-la; por isso tanta gente gosta dela. E depois que a pessoa "prova" algumas, acaba se apaixonando...

AGENIR – Livro de poemas vende nas livrarias?

ASSIS – No Brasil, muito pouco. O único que conseguiu ganhar dinheiro vendendo poesia foi J. G. de Araújo Jorge, cuja popularidade chegou a fazer dele um dos deputados federais mais votados no Rio de Janeiro. No romance, Jorge Amado foi um dos campeões. Mas o que mais se vende nas livrarias é livro didático, religioso, de receitas culinárias, de esoterismo e de auto-ajuda. Paulo Coelho, sozinho, vende mais que todos os outros escritores brasileiros juntos.

AGENIR – Como é que os trovadores se comunicam uns com os outros?

ASSIS – Pelo velho correio; pela Internet; por telefone; e por meio de uma grande rede de periódicos publicados mensalmente pelas muitas seções da UBT – União Brasileira de Trovadores. Aliás, uma das razões do sucesso da trova é o fato de ela ter mídia própria. Alguns desses informativos têm tiragem superior a dois mil exemplares, com assinantes em todo o Brasil e em Portugal. Ali saem, além de trovas, também notícias e comentários, e os editais e resultados de todos os concursos de trovas. A média tem sido de 60 concursos por ano.

AGENIR – Há prêmios em dinheiro?

ASSIS – A UBT não apóia nenhum concurso que ofereça prêmio em dinheiro ou que cobre taxa de inscrição. O amor à arte é levado muito a sério. Os vencedores recebem troféus, medalhas e diplomas, além de hospedagem e refeições na cidade-sede do concurso durante a festa de premiação.

AGENIR – Há trovadores profissionais?...

ASSIS – São trovadores profissionais muitos dos cantadores e repentistas do Nordeste e do Sul do país, dos quais já falamos, e que se apresentam como artistas em festas e shows. Os trovadores ditos "literários" são todos amadores: fazem trovas por diletantismo, sem nada receber em troca. Até quando publicam livros, distribuem-nos de graça aos amigos, ou por preço de custo.

AGENIR – Mas, afinal, quem são esses trovadores chamados "literários"?

ASSIS – São pessoas comuns, como todos nós, cada qual com sua profissão: professores, jornalistas, médicos, militares, advogados, engenheiros, bancários, operários, comerciários, empresários, agricultores etc., os quais, nas horas vagas, se divertem fazendo trovas. Nota-se entre eles, sobretudo, um grande número de aposentados.

AGENIR – Deve ser mesmo um bom divertimento para idosos.

ASSIS – Costumo dizer que a trova é um ótimo brinquedo de velho... É a "trovaterapia". Você faz uma bela ginástica cerebral na construção de cada quadra. Além disso, a trova faz amigos, por meio da correspondência mantida e dos freqüentes encontros da "tribo".

AGENIR – Há muitos trovadores no Paraná ? E em Maringá?

ASSIS – O Paraná tem longa tradição em trova. Atualmente, as principais praças trovistas paranaenses são Curitiba, Maringá, Bandeirantes, Ponta Grossa e Londrina, mas não sei dizer quantos trovadores existem hoje no estado. Em Maringá, estão filiados à seção local da UBT 32 trovadores, alguns simplesmente como "gostantes"...

AGENIR – Parece que vocês são mesmo bem-organizados...

ASSIS – Somos sim. O trovismo, embora não faça disso grande alarde, é o movimento literário mais amplo, mais animado e mais organizado que até hoje se conheceu no Brasil. É uma verdadeira confraria.

AGENIR – Além de concursos, o que mais vocês fazem?

ASSIS – Os concursos são apenas um dos itens da atividade trovista. Realizam-se também congressos, recitais, festas de musas, sessões de autógrafos, palestras e oficinas de trovas em escolas, exposições... Em Bauru, por exemplo, todos os anos, é feita uma exposição chamada "A Trova no Parque", com centenas de trovas escritas em cartazes que são colocados entre as árvores. Na abertura do evento, é costume fazer uma "chuva de trovas", com milhares delas lançadas de avião sobre a cidade. Em Pouso Alegre-MG, foram pintadas trovas educativas em todos os prédios públicos da cidade. Em Curitiba, durante a semana dos Jogos Florais/2003, todos os ônibus do transporte urbano circularam expondo cartazes com trovas. Em outras cidades têm sido realizados "comícios de trovas" (e Maringá foi pioneira nisso, em 1966), com os trovadores apresentando seus versos em praça pública.

AGENIR – E sonetos, ainda há quem os escreva?

ASSIS – Há sim, muita gente. Temos ótimos sonetistas, tão bons quanto os do tempo de Bilac, ou até melhores. A única diferença é que no tempo de Bilac as pessoas tinham mais tempo para ler: não havia cinema, nem televisão, nem shopping... Hoje talvez haja menos leitores, porém a qualidade dos versos é a cada dia melhor. A poesia não morrerá nunca. Aliás, toda arte é eterna. Se assim não fosse, ninguém mais ouviria Bach, Beethoven, Chopin, Mozart, Strauss...

AGENIR – Você se dedica exclusivamente à trova?

ASSIS – Preferencialmente, mas não exclusivamente. Gosto muito da trova e do haicai, porque sou fascinado pela síntese. Da trova mais ainda, por sua musicalidade e por ser um poema fácil de ser compreendido. Mas faço também soneto, verso livre, concreto...

AGENIR – A trova tem trazido algum benefício especial para Maringá?

ASSIS – Não sei o que você chama de "benefício especial". Traz alegria para nós, que temos nisso o nosso recreio intelectual. Mas deve beneficiar também Maringá, pela divulgação que faz da cidade. Cada vez que aqui promovemos um concurso, um congresso ou uma festa de trovas, todos os trovadores do Brasil e de Portugal ficam sabendo. Os que aqui vêm participar pessoalmente do evento saem sempre dizendo maravilhas da cidade. E toda vez que um de nós é premiado lá fora, o nome de Maringá é publicado junto com o da gente. Aliás, há muitas cidades onde as festas de trovas fazem parte do calendário turístico oficial.
E são festas lindas.

Fonte:
VICTOR, Agenir Leonardo. A Trova: O Canto do Povo. Trabalho apresentado ao Curso de Comunicação Social das Faculdades Maringá, para habitlitação em Jornalismo. Maringá: Dezembro, 2003.