sábado, 5 de janeiro de 2013

José Francisco Cagliari (O Desabafo de um Lápis Preto)


– Olá, meu nome é John Faber; sou filho de dona Madeira e do senhor Grafite. O nome estrangeiro não é mania de grandeza não. Aliás, grandeza é o que eu não tenho. Além de ser magrinho, eu sou daquele tipo que ao nascer começa a ficar pequeno, ao invés de crescer.

Sou negro, mas não sofro com problemas de preconceito racial ou, pelo menos, não sofria até pouco tempo.

Meu avô sempre me contava suas histórias. Ele nascera e já começara a trabalhar num escritório. Lá ele fazia de tudo: escrevia cartas, fazia anotações, desenhos, contas. O que não fazia era assinar cheques; não tinha autoridade para isso. O pior, segundo ele, era trabalhar tanto e, quase sempre, a senhorita borracha desfazer tudo. Meu pobre avô se cansou e morreu. Depois de muitos “desapontamentos”, não aguentou e sucumbiu vítima de uma gilete. Ele, que sempre esteve com os papéis, acabou embrulhado no lixo. A senhorita borracha também faleceu, vítima do “desgaste” e do stress.

Eu, como sou novo ainda, não tenho emprego, mas creio que as coisas ainda vão piorar. Meu pai foi despedido. É que o chefe contratou uma lapiseira, e agora nós somos considerados obsoletos. Minha mãe está perdendo o lugar para o plástico. Minha irmã, a caneta, está passando muito mal. A tinta acabou e não há ninguém para doar para ela. Assim, a nossa geração está sendo “apagada” do mapa. E pensar que se não fossem meus ancestrais, Castro Alves não seria ninguém. É, a vida está dura. Bem que meu avô dizia: “ser um lápis é um risco”.

Fonte:
I Concurso Literário/ Associação Paulista do Ministério Público. 1.ed. Sao Paulo: Edições APMP, 2010. p.49

Nenhum comentário: